NOVEMBRO DE 2011
A neve caía insistentemente havia pelo menos dois dias, deixando as ruas cobertas pelas camadas brancas e geladas, as calçadas e estradas escorregadias pela fina camada de gelo que se formava em alguns lugares, por conta do frio. O homem caminhava com as mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo preto e comprido, tentando fugir do frio, que era uma das únicas coisas que ele ainda conseguia sentir. Aproximava-se de uma das muitas casas noturnas existentes naquela região da cidade, a sua preferida. Ficava em uma rua afastada dos grandes centros e mal iluminada, de forma que, como se vestia completamente de preto, quase passava despercebido pelas outras poucas pessoas que se atreviam a caminhar por ali sozinhas àquela hora. Passou por alguns grupos de adolescentes no caminho, escorados em seus carros com garrafas de vodka passando de mão em mão, embebedando-se e curtindo a vida, como costumavam dizer. Simplesmente os ignorou, pois sabia que ninguém ali tinha o perfil que ele procurava. Seguiu até a próxima esquina, com passos lentos e quase calculados, como praticamente tudo o que fazia. era o que se poderia chamar de uma pessoa friamente calculista. Parou à porta do bar, que era provavelmente a única construção da rua que não aparentava estar caindo aos pedaços. Apesar da localização, era um dos clubes mais bem frequentados daquela região. Pagou pela sua entrada e cumprimentou o segurança que estava parado ali com um aceno de cabeça. Lembrava vagamente dele, mas sabia que o homem não se lembraria de suas feições, pois só o vira naquela mesma época no ano anterior. Agradeceu mentalmente aos donos do bar por terem trocado de segurança. O que costumava trabalhar ali antes talvez começasse a achar suspeito o fato de aparecer por ali todo ano, quando Dezembro começava a se aproximar. Era a época que escolhia para encontrar seu novo interesse.
Assim que adentrou a boate, caminhou no mesmo ritmo lento e calculado que andava na rua até o bar, apoiando-se sobre o balcão e chamando o barman com um aceno de cabeça. Quando o garoto de no máximo 18 anos se aproximou, pediu uma dose dupla de whiskey, que lhe foi prontamente servida. Agradeceu com um novo movimento silencioso da cabeça e virou-se para a pista de dança, bastante cheia pelos jovens dançando animadamente ao som de qualquer música que tocava e ele não conhecia. Passou os olhos e atentos por todo o lugar, em busca de qualquer coisa que chamasse sua atenção, que lhe fizesse acreditar que seria aquela pessoa que iria satisfazê-lo. Um movimento, talvez; ou, quem sabe, um olhar diferenciado. Mas a única coisa que sabia que procurava, com absoluta certeza, eram os familiares fios de cabelos vermelhos. Ou talvez um pouco alaranjados; ou um meio termo dos dois. Mas o que o jovem de cabelos arrepiados e olhos procurava, era uma ruiva. Não sabia ao certo o que procurava, mas, quando avistava a garota certa, sempre tinha certeza de que era aquela. E teria que ser aquela, de qualquer forma. Depois de colocar os olhos em qualquer uma delas e sentir que encontrara o que procurava, não poderia ser nenhuma outra.
A música mudou. Um grupo de amigos se moveu na pista de dança, revelando a garota ruiva que dançava junto à amiga. Alguns fios do cabelo vermelho-alaranjado caíam sobre os olhos dela, que, de longe, ele não conseguia dizer de que cor eram. Ela levantou a mão direita para retirá-los dali, colocando-os atrás da orelha. E, no mesmo momento, levantou a cabeça, virando-se na direção dele. Não o vira, ele tinha certeza disso. A garota havia apenas passado os olhos pelo lugar, sem realmente prestar atenção em qualquer pessoa, muito menos nele. Vestia-se de forma a não chamar atenção, porque havia aprendido que assim era mais fácil. Sem chamar a atenção de ninguém, precisava fingir menos. Não gostava de fingir, mas havia se acostumado e se tornado realmente bom naquilo. Fingia para sobreviver. Fingia para manter em segredo a sua verdadeira vida. De qualquer forma, ele sabia: era ela.
Seus olhos continuaram fixos na menina de cabelos cor de fogo enquanto bebia o conteúdo de seu copo. O leve barulho dos cubos de gelo batendo contra o vidro quando levava o copo até os lábios naturalmente rosados, embora abafado pela música alta, o agradava. Engoliu o que restava do líquido, sentindo a garganta arder de leve, nada que fosse suficiente para incomodá-lo; já estava acostumado demais àquela sensação. Deixou o copo sobre o balcão e se afastou, andando em direção à pista de dança. Aproximou-se da garota que ele não havia perdido de vista nem por um segundo, ainda sem chamar atenção nenhuma. Parou atrás dela, que dançava, e deixou seu corpo se mover no mesmo ritmo do dela, como se estivessem dançando juntos, sem que ela soubesse. Mas era hora dela saber, pensou. Sua mão tocou a cintura dela, ainda por cima do tecido da roupa que ela usava, e ele a sentiu estremecer sob seu toque. Assustada, a menina se afastou um pouco e virou o rosto para olhá-lo. Abrindo o sorriso charmoso e encantador que ele havia aprendido depois de tanto usá-lo durante toda a sua vida, conseguiu acalmá-la sem precisar abrir os lábios para dizer sequer uma palavra. Ela retribuiu o sorriso e voltou a dançar despreocupadamente, ainda sentindo a mão dele lhe tocando, e deixando seus dedos se perderem nos curtos fios de cabelo presentes na nuca dele. Sem deixar de se mover em sincronia com o corpo dela, o homem retirou os cabelos que cobriam o pescoço dela, com a mão que não estava apoiada em sua cintura, e tocou a pele clara da menina com seus lábios, ainda gelados pela bebida ingerida anteriormente, provocando um arrepio pela diferença brusca de temperatura. Ela girou o corpo sobre os saltos altos que usava e apoiou as duas mãos nos ombros dele, as unhas compridas de uma das mãos, pintadas de um vermelho vivo, assim como o batom que cobria seus lábios cheios, deslizavam pela gola do sobretudo que ele vestia, enquanto as da outra mão arranhavam a nuca dele. prendeu o lábio inferior dela entre seus dentes enquanto a segurava com mais firmeza pela cintura, agora com as duas mãos, colando o corpo ao dela antes de finalmente deixar suas bocas colidirem.
Um sorriso da parte dele interrompeu o beijo, mas foi interpretado erroneamente pela garota. Ela pensava que estava conseguindo satisfazê-lo, mas ela só conseguiria aquilo em alguns meses. No momento, o que o fazia sorrir é que ele havia conseguido o que queria.
A garota daquele ano havia sido mais fácil do que ele imaginava.

Saiu da boate algumas horas mais tarde, puxando a garota ruiva pela mão. Escorou-se na parede ao lado da porta, deixando que ela - ainda não sabia seu nome, mas, por hora, aquilo não fazia tanta diferença assim - abrisse os botões de seu sobretudo e se aconchegasse em seu peito, protegendo-se do frio. Ele ocupava seus lábios com o pescoço da menina, que suspirava em resposta. já sabia que a tinha em suas mãos, só precisava segurá-la até o dia certo.
- Como você disse que era o seu nome, mesmo? - Ele sussurrou, próximo ao ouvido dela, sentindo-a encolher os ombros. Ela riu baixo, afastando-se o máximo que as mãos dele, fixas em sua cintura, permitiam.
- Não disse. - Deu de ombros, vendo-o rir e rolar os olhos enquanto esperava que ela respondesse a pergunta. - . E acabei de notar que também não sei o seu nome.
- Bonito nome, . - Ele abriu mais um de seus sorrisos extremamente encantadores e viu algo diferente passar pelos olhos que, sob a luz de um dos únicos postes existentes na rua, ele conseguia ver que eram . - Acho que combina com . - Piscou com o olho direito, fazendo-a rir. Colou seus lábios aos dela outra vez, antes de fazê-la se afastar um pouco. - Está com seu celular aí? - Ela assentiu a cabeça, porém, franziu o cenho, sem entender onde ele queria chegar. - Pode me emprestar, por favor?
Mesmo sem entender, ela deu de ombros e retirou o celular do bolso traseiro da calça jeans que vestia, colocando-o sobre a palma da mão estendida de . Ele pegou o aparelho, digitou algumas teclas e o devolveu à .
- Esqueci meu celular em casa, então liguei pra ele pra poder ter seu número. Eu te ligo. - Explicou, vendo-a sorrir e sentiu os lábios dela voltarem a beijá-lo. Quando ela se afastou novamente, fixou os olhos nos dela. - Preciso ir agora. Caso sinta muito a minha falta antes de eu ligar, aproveitei e salvei meu número no eeu celular. - Ele riu quando ela revirou os olhos, mas riu junto a ele.
- Tudo bem, . Até mais. - despediu-se com um último toque em seus lábios e ele começou a se afastar. Virou-se para trás e a garota andava em direção a um táxi parado ali, quase indiferente a ele. Quase. Ele estava acostumado demais com toda aquela situação para não perceber que ela hesitara ao abrir a porta do carro e lançara um olhar a ele.
Um novo sorriso de satisfação apareceu em seu rosto. Havia conseguido. Mas não era uma surpresa, afinal. Ele sempre conseguia.
- Agora é só uma questão de tempo, buddy. - Sussurrou para si mesmo, enquanto refazia o caminho que fizera mais cedo naquela noite, porém, com um peso a menos para carregar.

JANEIRO DE 2012
Uma brisa gelada passou pelo corpo adormecido do homem, fazendo com que ele se encolhesse e puxasse de volta o cobertor que, por algum motivo, não o cobria mais por inteiro. Seu movimento fez a garota encolher-se, aninhando-se entre seus braços. O perfume que sua pele exalava era enjoativo e franziu o nariz, abrindo os olhos devagar. Chegou a pensar em dar um perfume novo a ela no dia dos namorados, que estava quase chegando, mas riu sozinho em seguida, com seu senso de humor bastante singular. Aliás, o fato de que a data comemorativa estava batendo à sua porta era capaz de lhe arrepiar o corpo inteiro em uma ansiedade quase doentia. Sua atuação ia muito bem até ali, mas isso não era novidade. Ele era muito bom no que fazia, conseguia saciar suas necessidades todos os anos.
acordou lentamente, sorrindo quando seus olhos encontraram os de . Ele retribuiu o sorriso, mas com o pensamento longe. Deixou sua mão deslizar despreocupadamente pelo braço dela, em uma carícia que para ela era um gesto de carinho, enquanto para ele era apenas mais um ato insignificante de sua encenação.
- Bom dia, meu amor. – A voz baixa dela saía quase cantada, naquele tom meloso que a garota usava ao falar com ele; era outra coisa que ele não suportava em , mas teria que agüentar mais algumas. Todas as suas garotas tinham algo que o irritava, talvez o problema fosse ele, afinal. "Talvez" não; ele era um homem realista, tinha certeza de que o problema era ele. Mas ele sempre agüentava; precisava agüentar, para poder acalmar seu interior e então passar o resto do ano como uma pessoa normal, sem chamar atenção nenhuma. Até que o próximo ciclo tivesse início, quando o próximo mês de Dezembro começasse a se aproximar.
- Bom dia, linda. – respondeu, escondendo todo o seu desgosto em estar ali atrás de sua máscara de bom garoto, charmoso e conquistador. – Sabe o que eu estava pensando? – Perguntou e a viu balançar a cabeça de um lado para o outro, negando. - O dia dos namorados está chegando. Já comprou meu presente? – Fingiu curiosidade, mas o entusiasmo que expressava ao falar daquela data era uma das únicas coisas reais na relação dos dois. Uma pena que não soubesse disso e, pior ainda, interpretasse a animação dele quanto àquele dia de forma tão errada. As bochechas dela ganharam um tom mais rosado, contrastando com a pele bastante clara da menina.
- Ainda não. – A resposta veio num sussurro, quase inaudível, como se ela sentisse medo da reação dele.Tola, ele pensou, você não tem nada a temer. Não ainda. Uma risada sarcástica ecoou na mente do homem, que se esforçou pra não deixar surgir em seu rosto o seu sorriso verdadeiro; aquele quase doentio, que ele só deixava aparecer uma vez por ano. – Quero encontrar o presente perfeito. – sorriu e ele assentiu com a cabeça, acariciando o rosto da menina. Mais uma parte de sua perfeita atuação, tão eficiente em fazê-la se apaixonar e confiar nele.
- Eu já encontrei o seu. – disse, percebendo um lampejo de curiosidade nos olhos à sua frente. – Tenho certeza de que vai gostar.
- Que tal algumas dicas? – A garota sugeriu, não conseguindo conter a vontade de saber o que ganharia. Coitada, mal sabe ela que preferiria estar solteira a ganhar esse presente, dizia a mesma voz sarcástica na mente de . Ele balançou a cabeça, afastando-a. Não podia perder o controle antes do dia certo, ou acabaria chamando mais atenção do que devia. Precisava se manter no controle, manter o itinerário de todos os anos. Nada podia sair diferente, nada podia sair errado.
- É vermelho. Quente. Fascinante. - Sangue; a palavra ecoou dentro de sua cabeça, fazendo-o se calar e encarar o cenho franzido de . – Três dicas, e agora você deve esperar até o dia. – Esboçou um novo sorriso, vendo-a projetar o lábio inferior em um bico infantil. Riu fracamente e a beijou, esperando que ela não pensasse demais nas dicas estranhas que ele lhe dera. – Preciso ir trabalhar, .
sabia que usar o apelido para se referir a ela faria com que a garota praticamente se derretesse em seus braços. Havia descoberto muito mais do que ela imaginava naqueles pouco mais de dois meses. Era outra característica forte dele; observador.
- Podemos passar na Starbucks no caminho? Quer dizer... Você vai me deixar no trabalho também, não vai? – Pediu, piscando os longos cílios repetidamente, como se aquilo fosse convencê-lo, caso ele estivesse relutante. Ele apenas moveu a cabeça, assentindo. – Posso tomar um banho antes, então?
- Só não demore. Não posso chegar atrasado hoje. – Pediu, e viu a garota levantar da cama e quase correr em direção ao banheiro. Seus olhos ficaram fixos no corpo nu até que ela sumisse de vista; não podia negar que ela tinha um corpo bonito. Quando ouviu o chuveiro ser ligado, também deixou a cama, caminhando em direção ao guarda-roupas. Abriu a última porta da direita, afastou os vários sobretudos de cores escuras que guardava ali e encontrou a porta escondida no fundo. Abriu-a e adentrou o cômodo do qual só ele sabia da existência. E ali estava, outra vez, o sorriso de escárnio curvando seus lábios. Caminhou até a parede oposta e tocou as molduras dos sete quadros pregados ali. Dentro de cada um, havia uma mecha de cabelos vermelho-alaranjados. Abaixo de cada quadro, havia uma data e um nome.
Crystal, 14 de Fevereiro de 2005, dizia o primeiro. Ah, o primeiro. Ele nunca esqueceria do dia em que finalmente libertara seu passageiro pela primeira vez. Tinha 17 anos e vinha carregando aquele peso desde os seis. O que sentiu naquele dia dos namorados, a mesma sensação que passara a sentir em todos os anos seguintes, era algo que ele jamais conseguiria explicar. Algo como satisfação, mas muito maior. Era como se tivesse encontrado lá tudo o que procurara, sem saber, desde os seis anos de idade. E era o que buscava todo ano, desde então.
Acima dos sete quadros, havia outro. Um pouco maior, dessa vez. E, ao invés de uma mecha de cabelos, havia a foto de uma linda garota. Abaixo dele, além de um nome e uma data, haviam outras duas palavras.
Erin, 14 de Fevereiro de 1994. Querida irmã.

FEVEREIRO DE 1994
Era um dia cinzento, o vento forte batia contra a copa das árvores, derrubando as folhas secas que por algum milagre o outono não havia derrubado. brincava com Dax, o cachorro da família, em frente à casa de paredes pintadas de um tom claro de verde. Eram quase cinco da tarde, seus pais não estavam em casa; Erin deveria estar cuidando dele, mas estava muito ocupada se arrumando para sair com o namorado. era novo demais pra entender por que a irmã considerava aquele dia tão importante, mas simplesmente a deixou sozinha enquanto se distraia com o pequeno animal que agora tentava lhe morder o pé.
Correu pelo quintal, fugindo do cachorro, rindo alto, até que se cansou. Sentou na varanda e deixou que Dax deitasse ao seu lado, com a cabeça sobre suas pernas. A mãozinha pequena do garoto se perdia em meio aos pelos do filhote de Golden Retriever, enquanto ele descansava.
Um grito; era a voz de sua irmã. se levantou com um pulo e correu para dentro de casa, Dax em seu encalço. Subiu as escadas quase tropeçando nos próprios pés, por tentar subir mais de um degrau de cada vez.
- Erin?! – Chamou pela irmã mais velha, a voz esganiçada pelo choro inevitável ao não ouvir resposta nenhuma. Abriu a porta do quarto de Erin e encarou a cena que o traumatizaria pelo resto da vida. Dax soltou um ganido estranho antes de sentar-se ao lado de , como se dissesse “Estou aqui”.
As lágrimas escorriam livres dos olhos de , que nunca mais carregariam o mesmo brilho depois de verem Erin caída sobre a cama, uma faca ainda encravada em seu peito, exatamente no lugar ocupado por seu coração, agora parado. O grito de desespero que escapou de sua garganta provavelmente foi o que chamou a atenção dos vizinhos, mas antes que qualquer um chegasse e o impedisse, ele se aproximou do corpo inerte da irmã. O sangue que manchava o lençol claro que cobria a cama onde ela se encontrava não o intimidou; soluçando, o menino tocou a mão da irmã, percebendo que havia algo preso ali. Provavelmente havia ficado ali quando ela tentara lutar contra quem quer que a tivesse atacado.
Presos entre os dedos de Erin, haviam alguns fios de cabelo vermelho-alaranjados.

Depois, a polícia descobriria que aqueles fios de cabelo pertenciam a Crystal Thorn. Por ser menor de idade, a garota passara algum tempo prestando serviços à comunidade e nada acontecera a ela.
Onze anos mais tarde, porém, faria justiça com suas próprias mãos. Faria com que Crystal confessasse que havia matado sua irmã por ciúmes, pois queria ter para si o namorado de Erin. Veria a garota chorar, teria a vida dela em suas mãos e a ouviria suplicar por perdão. Mas tudo o que ele fez naquele momento foi soltar uma gargalhada sarcástica e, então, faria dela a sua primeira vítima.
Do mesmo jeito que sua irmã fora morta, ele a esfaqueara exatamente no coração, retirara a faca dali e, no lugar, espetara uma rosa vermelha, com um pequeno bilhete preso a ela. No papel amarelado, as palavras Feliz dia dos namorados brilhavam em tinta vermelha.
E, assim, ele deixara o local do crime.
Sempre profissional, sem deixar pista alguma; friamente calculado.

FEVEREIRO DE 2012
Finalmente a data mais esperada por havia chegado. Era dia dos namorados e ele mal conseguia ficar parado dentro do escritório de advocacia onde trabalhava; aquele escritório era o mais próximo de uma vida normal que ele teria. Ali, era um homem equilibrado, recém formado em uma das melhores faculdades de Direito do país. Fora dali, ele era apenas um homem qualquer, com um trauma de infância que havia deixado danos invisíveis. Danos que somente ele sabia, e que compartilhava apenas com suas vítimas, minutos antes de executá-las. Danos que agora o impediam de sentir qualquer coisa. Não era capaz de se importar com ninguém além de si mesmo. Tudo o que pensava era em acabar com mais uma garota que lhe lembrasse de Crystal, todo ano. Sua vida se resumia em contar os dias até cada dia dos namorados e, uma vez que ele passava, recomeçar a contagem para o próximo ano.
O relógio na parede à sua frente marcou sete horas da noite. fechou o laptop sobre a mesa, guardou-o em sua pasta preta de couro, e deixou-a sobre a mesa de madeira nobre. Deu uma última olhada no calendário que havia sobre ela, o sorriso em seu rosto em nada parecia com o sorriso encantador que conhecia. Todos os dias que já haviam passado eram marcados com um X em caneta preta. O homem alcançou uma caneta vermelha em seu porta canetas, e marcou o dia 14 de fevereiro com ela. O X vermelho parecia sorrir para ele. Vermelho vívido, como a rosa que compraria no caminho para a casa de ; como o sangue que, em poucas horas, escorreria do peito dela.
deixou a sala e encontrou sua secretária também se preparando para ir embora. Esperou que ela saísse para então trancar a porta e descer os dois lances de escada que o levavam para fora do prédio onde ficava seu escritório próprio. Caminhou até o carro, estacionado do outro lado da rua, e, pedindo internamente para que não houvesse trânsito, ligou o carro.
“Está quase na hora, buddy.” A voz conhecida disse em sua cabeça, e daquela vez ele não se preocupou em tentá-la manter no fundo de sua mente. Naquele dia, a voz poderia tomar o controle de . Era o seu dia.

Com uma parada na floricultura para comprar uma rosa vermelha, outra na papelaria para comprar o papel com aparência antiga e amarelada, ele finalmente parou o automóvel em frente à casa de . Sentia seu lado mais obscuro ansioso para finalmente estar no controle, a alegria que sentia com o fato de que em breve poderia saciar suas vontades chegava a ser doentia. Fazia exatamente um ano desde a última vez, não podia mais esperar.
Antes de descer do carro, retirou a caneta-tinteiro que utilizava para escrever os bilhetes que ficavam presos às rosas, todo ano. Com a caligrafia ajeitada, tão diferente da rabiscada que usava no dia a dia, escreveu as palavras “Feliz dia dos namorados” em um pequeno pedaço do papel que havia comprado. A tinta vermelha escorreu até as bordas do papel, como se fosse sangue. Satisfeito, prendeu o bilhete ao caule da rosa e desceu, caminhando até a porta e tocando a campainha. Para ele, era assim que um bom assassino executava seu crime. Entrando e saindo pela porta da frente. tornara tudo mais fácil ao morar sozinha, é claro, e ele até agradecia por isso.
- Pontual. - Ela comentou, com um sorriso, ao abrir a porta. - Gosto disso.
- Estava ansioso. - Admitiu, sabendo que ela interpretaria a confissão da forma mais óbvia possível: que ele estava ansioso para vê-la e levá-la para uma noite maravilhosa de dia dos namorados. Bom, a noite realmente seria maravilhosa. Para ele.
- Eu também estava. - confessou, entrelaçando as mãos no pescoço do homem e puxando-o para dentro de casa. Uniu seus lábios aos dele, que em um movimento automático, posicionou as mãos na cintura dela após largar a rosa vermelha sobre o aparador colocado no hall de entrada, lentamente empurrando-a na direção em que, ele sabia, ficava o quarto da garota. Abriu a porta sem partir o beijo e a empurrou para dentro do cômodo, já sem realmente se importar em ser delicado. Já estava perdendo o controle.
"Chegou a hora." Disse a voz em sua cabeça, e a frase veio seguida de uma gargalhada sarcástica. segurou as mãos dela com mais força do que o necessário, soltando-as de seu pescoço. Empurrou-a de leve para se afastar e a olhou fixamente nos olhos. Teve certeza de que realmente era a hora quando os olhos de deixaram transparecer medo. Sabia que ela havia percebido que sua máscara, aquela que ele vestira durante todo o tempo que passara com ela, havia caído. O que ela conseguia ver agora, através dos olhos , era a verdadeira face de . O psicopata em que ele havia se transformado. Ela ameaçou gritar, mas, passando a segurar os dois pulsos da garota com apenas uma das mãos, ele tampou a boca dela com a outra.
- Shhhh. Você já caiu. Já confiou em mim e me deixou entrar. Não tem mais chance nenhuma de escapar. - Ele sussurrou, baixo, empurrando-a em direção a cama e fazendo com que ela deitasse. Devagar, deixou a boca de livre outra vez e a ouviu soluçar. Lágrimas rolavam insistentemente pelo rosto dela, mas aquilo não fazia a mínima diferença para ele. Na verdade, sentia vontade de rir. O desespero de suas garotas sempre o fazia rir. A forma com que todas elas imploravam para que ele parasse, para que as deixasse vivas. Prendeu os punhos dela na cabeceira da cama, amarrando-os somente o suficiente para que ela não se soltasse. Nada brutal, nem mesmo muita força foi aplicada no nó. O único ferimento de suas vítimas era a facada certeira no coração. Finalmente, afastou-se da garota. Tirou do bolso as duas luvas de borracha pretas, colocando-as nas mãos. O sorriso maníaco presente em seu rosto fazia com que continuasse assustada, soluçando e encolhendo-se o máximo que conseguia, tentando ficar o mais longe possível dele. Ele estalou os dedos das mãos, e então o pescoço, como se estivesse se preparando para começar. Da bainha escondida internamente na calça que ele vestia, ele puxou a faca que utilizava em todas as suas vítimas. Passou os dedos protegidos pela luva pela lâmina bastante afiada e levantou o olhar até a menina amarrada à cama. Voltou a se aproximar, sentando-se ao lado dela. Deslizou o lado cego da faca pelo rosto molhado pelas lágrimas, como se quisesse secá-las, e percebeu a respiração de ficar ainda mais descompassada. Ah, o medo. Podia ser visto estampado na expressão dela, ouvido pela respiração pesada, e ele quase podia sentir o cheiro do medo. Fechou os olhos, aproveitando aquela sensação. Nada jamais se compararia àquilo.
- Por que... Por que eu? - tomou a coragem para proferir as palavras. Arrependeu-se no momento em que viu o cenho franzido do homem à sua frente; se tinha uma coisa que ele não gostava, era quando interrompiam sua ação. Gostava de matar em silêncio. Mas também gostava de deixá-las saber por que estavam morrendo. Puro azar, de estar no lugar errado, na hora errada. E, é claro, de terem a característica principal de suas vítimas. Os malditos cabelos ruivos, como os de Crystal.
- Você quer saber? Bom, eu acho que você tem o direito de saber. Mas é bom que você fique quietinha depois disso. - Falou, a voz rouca por estar sendo mantida vários tons abaixo do normal. Deslizou a faca pelo queixo da menina, seu pescoço, e chegou ao seu peito, mas tomando cuidado para sequer arranhá-la. Sua pele não devia ter outras marcas causadas por ele, não era assim que ele gostava. - Eu tinha seis anos, e um cachorro chamado Dax. Sabe, acho que ele foi o único por quem eu nutri algum sentimento depois daquele dia, mas ele morreu há alguns anos. Era dia dos namorados, minha irmã mais velha estava se arrumando pra sair com o namorado dela. Ela era uma garota bonita, sabe? Muito bonita mesmo. E o namorado dela até era um cara legal. Uma pena que ele costumava ser o popular do colégio onde eles estudavam. Havia essa outra garota... Aquela maldita garota. Ela queria o namorado de Erin. E ela não era do tipo que media esforços pra conseguir o que queria. Crystal, era o nome dela, da desgraçada. Eu estava do lado de fora de casa, brincando com Dax. Ouvi o grito dela e corri pra dentro de casa, mas quando cheguei em seu quarto, não havia mais nada lá... Além dela. Com uma faca enfiada em seu coração. - Terminou a história de forma curta, mas ainda havia uma grande interrogação na expressão de . Por que diabos ele estava contando tudo aquilo? E onde é que ela entrava naquele rolo todo? Que culpa ela tinha? - Ah, sim. Esqueci de mencionar, não é? Crystal tinha os cabelos dessa mesma maldita cor dos seus. Esse vermelho-alaranjado, cor de fogo... Me lembra o inferno. E é por isso que eu preciso te mandar pra lá. Talvez você encontre Crystal lá, eu fiz o mesmo com ela, sete anos atrás. - O sorriso maligno curvou os lábios de outra vez. Com a ponta da faca, ele rasgou a frente do vestido que vestia. A faca tinha que fazer contato direto com a pele dela; era mais uma características de seus assassinatos. Espetou o local onde o coração dela batia com a ponta da faca, mas não o suficiente para perfurar; não ainda. - Ah, eu quase esqueci. Feliz dia dos namorados, .
A faca penetrou seu corpo, atingindo exatamente o seu coração. Os olhos se arregalaram uma última vez, antes de ficarem opacos e deixarem de enxergar. Os lábios se entreabriram, na intenção de falar algo, mas nenhum som foi ouvido. Aquela sensação que jamais saberia descrever se apossou dele outra vez. Ele respirou fundo, sentindo-se satisfeito; sentindo-se completo. Levantou-se do colchão, deixando a faca ainda no peito de , mantendo a ferida aberta enquanto o sangue manchava mais e mais os lençóis. Saiu do quarto e voltou menos de um minuto depois, com a rosa vermelha pronta para ser colocada no lugar que era seu. Retirou a faca do corpo, envolvendo-a em um pedaço de pano antes de guardá-la de volta na bainha. O caule da rosa ocupou o lugar da faca facilmente, como se tivesse nascido ali mesmo.
Cortou uma mecha do cabelo da garota e guardou os fios em uma pequena caixinha que trazia consigo. Sorriu, satisfeito, e deixou a casa. Podia sentir seu lado obscuro calmo dentro de si, agora. E ele permaneceria assim até o próximo ano, quando fosse hora de agir de novo.

Uma gargalhada ecoou no cômodo no dia seguinte pela manhã. O jornal daquele dia havia chegado à sua casa, e as letras garrafais da manchete o satisfaziam - e muito.
O assassino do Dia dos Namorados ataca novamente, era o que elas diziam.
arrancou a capa do jornal e caminhou até sua sala escondida, guardando a manchete junto às outras sete, em um pequeno armário, no canto da saleta. Em sua outra mão, carregava o oitavo quadro, já com a última mecha de cabelo recolhida ali. Pendurou-o ao lado dos outros e, abaixo dele, colocou a plaquinha:
, 14 de Fevereiro de 2012


Nota da Autora: Olá!
Eu não ia escrever nada pra esse especial, porque, bom, não to no clima de fazer algo melosinho e bonitinho e blablabla. Além do mais, quando você pensa em escrever algo com o tema de dia dos namorados, tudo fica meio clichê, e eu não queria isso. Mas aí, conversando com a Benny, tivemos a idéia de "Por que não um dia dos namorados às avessas?", e eu meio que levei isso ao extremo. Heh. Acho que o que desencadeou meu lado psicopata foi rever a primeira temporada de Dexter nesse feriado. Aí tive a idéia domingo (ontem), e passei o resto da noite e a tarde inteira hoje fingindo que trabalho escrevendo, pra poder terminar a tempo do especial.
Se vocês gostaram, agradeçam à Emme, porque quando eu contei a idéia pra ela, ela super me fez continuar, e ainda me fez essa capa lindíssima que vocês tão vendo ali em cima. Maravilhosa, né? Eu sei. <3
E muito obrigada à Benny também, porque a idéia surgiu falando com ela, ela super me incentivou a continuar também, e ainda revisou essa coisinha pra mim.
Então assim, eu sei que não é nada do que vocês esperam ler no dia dos namorados, mas eu espero que vocês tenham gostado, porque Bloody Valentine se tornou meu xodózinho, de verdade. Eu realmente amei o que escrevi aqui, e isso é muito raro de acontecer.
Comentem ali embaixo e me digam o que vocês acharam, tá?

xx, Lara

Outras fics:
A Safe Place To Fall - Outros/Andamento (/fanfics/a/asafeplacetofall.html)
Summer Paradise - Outros/Andamento (/fanfics/s/summerparadise.html)

Nota da Beta A Lara tá lesando um pouco e escrever nota da Beta ali em cima. Aff, querendo tomar meu lugar! D:
Então, todos os créditos a mim, porque a ideia foi minha! Muahauhauah Brinks! Larilda, quem diria que você ia levar seu lado psicopata tão a serio? E você ainda me veio com a história de que não ia dar tempo, e olha que fic ótima saiu em 1 dia e meio? Ah que vontade de te bater, vai escrever assim lá longe, vai.
E só pra constar, a BV (risos q) não é só SEU xodó, que isso fique bem claro. Melhor conto do dia dos namorados! xxx


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