Carta de uma desconhecida


Escrita por: Fernanda de Sousa (Fer)
Betada por: Vick




Viena, 1900

- Você tem certeza do que está fazendo? – perguntou meu amigo, assim que o carro parou em frente a minha casa e eu saltei do mesmo.
Dessa vez eu não tinha mais saída, tinha me metido em uma enrascada que não poderia escapar com a ajuda de alguns poucos amigos influentes. Havia me metido com a mulher errada...
- Por que não?
- Só por um motivo. Ele atira muito bem.
- Tente dormir um pouco – disse o que estava ao seu lado.
- E chega de conhaque – recomendou meu velho amigo.
- Voltamos daqui três horas para lhe buscar. Você estará aqui? – falou o outro.
- Eu não ligo de ser morto, mas vocês sabem como é difícil pra eu levantar de manhã – respondi.
- Boa noite – eles disseram, fechando a porta do carro.
Então, era realmente o meu fim... Ou não.
Subi as escadas praticamente me arrastando até meu apartamento. Quando cheguei à porta, ela foi aberta pelo meu mordomo. Ele não tinha um cara muito boa, sabia o que aconteceria daqui três horas.
- Se acalme, John. Este é um compromisso que eu não estou tendenciado a cumprir. A honra é um luxo somente para os cavalheiros – disse, enquanto lhe entregava meu casaco.
- Arrume minhas malas. Coloque tudo que achar que preciso para uma estadia indefinida. Daqui uma hora um carro virá me buscar, vou sair pelos fundos.
John era um bom mordomo, havia me servido durante toda a minha vida, sempre cuidou de mim e é muito fiel. Devido a um problema em suas cordas vocais ele era mudo.
- Gostaria de ver suas cartas...
Ele pegou uma bandeja com uma grossa carta e me entregou.
- Chegou esta noite? – perguntei e ele assentiu.
Peguei a carta e fui para meu escritório para ler.
- Traga um pouco de café com conhaque.
Abri a carta e vi muitas folhas, comecei a folhear, pensando se iria ou não ler, não conhecia a caligrafia. Deixei de lado e levantei, andando de um lado para o outro e pensando em minha rota de fuga.
Em um breve momento, passei os olhos na primeira frase da tal carta e ela dizia:
“Quando você ler essa carta, eu provavelmente já estarei morta.”
Fiquei assustado ao ler e isto despertou a minha curiosidade.
Sentei à mesa e comecei a ler a longa carta...

“Quando você ler essa carta, eu provavelmente já estarei morta. Tenho tanto para lhe dizer e, talvez, tão pouco tempo. Será que enviarei esta carta? Não sei. Devo achar força para escrevê-la, antes que seja tarde demais. E, enquanto eu escrevo, talvez fique claro que o que nos aconteceu está além da nossa compreensão. Se você receber essa carta, você saberá como eu fui sua, sem você sequer saber que eu existia.
Eu acho que todo mundo tem dois nascimentos. O nascimento físico e o início da nossa vida consciente. Não me recordo de nada anterior àquele dia de primavera quando cheguei da escola e vi aquela mudança.
Fiquei curiosa sobre nosso novo vizinho com coisas tão lindas. Eu fiquei olhando todos aqueles lustres, instrumentos musicais e outros objetos, totalmente deslumbrada com a quantidade de coisas tão bonitas. Mas despertei desse sonho quando minha mãe me chamou:

- , . Venha já para dentro. Está ouvindo?
Enquanto subia as escadas, vi homens tentando subir com um piano amarrado a cordas.
- Fuller, vá pegar outra corda no caminhão – gritava um ao pé da escada para outro que estava no topo da mesma.
- É a ultima vez que faço mudança de um músico, por que ele não toca uma flauta? – disse o tal Fuller, enquanto descia as escadas em busca da corda.
No topo da escada estava um homem já idoso conferindo uma lista de todos os seus pertences.
- Onde devo por estes? – perguntou um homem que estava carregando uma pilha de livros
O senhor mexeu os lábios, mas de seus lábios não saíram nenhum som.
- Onde? – perguntou o homem novamente.
Então, ele pegou um pedaço de papel e escreveu “Na Biblioteca”. Então, o homem entrou no apartamento.
- Cadê a corda? – gritava o homem ao pé da escada, em meio a palavrões.
- , o que está fazendo ai fora? Venha para dentro
Não o vi naquele dia e durante muitos dias, mas ouvia você tocar seu piano, enquanto ficava no balanço que tinha na pequena praça do prédio.
- Eu queria que ele parasse com esse barulho – disse minha amiga Joanne.
- Não é barulho – retruquei.
- Não precisa brigar comigo!
- É o Sr. tocando.
- Isso é tocar? – ela perguntava, enquanto dava uma mordida em sua maçã.
Eu admirava todas as suas composições. E sempre as ouvia. Algumas vezes pensava em ir até sua casa para falar com você, mas eu era apenas uma garota boba.
- Quantos anos ele tem? – ela perguntou.
- Ele quem? – respondi distraída, só escutando o som pacífico das notas musicais preenchendo meus ouvidos
- Sr.
- Não sei. Bem velho, eu acho.
- Hum... Sabe aquele garoto de quem lhe falei? O magricelo de nariz comprido. Mora do lado do mercadinho. Tenho que dar um jeito nele se não parar com aquela mão boba – ela falava sem parar – Ele faz cada coisa bem no meio da rua.
Então, a música parou abruptamente. Levantei de um salto do balanço e corri para a porta do prédio, olhei, mas não o vi. Voltei alguns passos, então, escutei você falar:
- Obrigado, John. Voltarei tarde, não me espere.
Quando você chegou à porta, eu a abri pra você, que parou, me olhou nos olhos e disse:
- Obrigado.
Pude sentir todas as células do meu corpo se agitando, você era tão bonito e educado.
- Bom dia – ele disse continuando seu caminho e parando somente para me olhar do portão, enquanto eu me derretia por dentro.
- , você está vermelha. Você está corada! – disse Joanne me caçoando.

Corei sim. E, mesmo que não acredite, naquele momento eu me apaixonei por você. Comecei a me enfeitar só pra você. Passava minhas roupas para você não ter vergonha de mim. Eu comecei a fazer aulas de dança. Queria me portar bem e ter boas maneiras para você. E para aprender mais sobre você e seu mundo, ia à biblioteca e estudava a vida dos grandes músicos.
Não podia ir aos seus concertos, mas eu sempre encontrava um meio de acompanhar o seu sucesso.
Com o tempo, eu comecei a conhecer seus amigos. Muitos deles eram mulheres, bem, a maioria deles.
Mas o que eu sempre esperava era por aquelas tarde que você ficava sozinho e eu fingia que você estava tocando para mim. E, sem saber, você me dava umas das horas mais felizes da minha vida.
Aí chegou meu grande dia. No nosso prédio, as quintas feiras eram dedicadas para limpar os tapetes.
Então, eu fui ajudar sue mordomo, John, a carregar o tapete com a ajuda de Joanne.
Enquanto ele levava o tapete para o seu devido lugar, eu entrei na sua casa. Queria ver como era por dentro, queria saber onde você dormia, tocava piano.
No seu escritório onde o piano ficava, me atrevia até a sentar no banco e inconscientemente toquei em uma tecla. Foi quando John me viu e sai correndo.
Quando sai pela porta da frente, vi minha mãe na escada com um homem.

- , o que está fazendo ai? – Ela fez um sinal para o homem ir embora e disse: venha, tenho que te contar uma coisa. São boas notícias e tenho certeza que quando refletir, você vai ficar muito feliz.
Ela abriu a porta do nosso apartamento e me encaminhou até uma cadeira na cozinha.
- Desculpe pela cena que você viu no corredor agora. A culpa é minha, devia ter te contado há muito tempo. Sabe, sua mãe não é muito velha, ela pode ser casar de novo. Pode se apaixonar e um dia você vai entender o que quero dizer. O Sr. Kanster tem um negócio firme em Linz e ele me pediu em casamento, sei que ele gosta muito de você.
- Mãe...
- O que foi, querida?
- Teremos que ir para Linz?
- Por que não? Nada nos prende aqui.
- Eu não vou. NÃO VOU! – disse, saindo correndo da cozinha e me trancando no quarto.

Minha pobre mãe não entendeu nada e ficou do outro lado da porta me perguntando o que havia acontecido, qual era o problema, enquanto eu gritava que não queria ir, que não deixaria Viena.
Eu não queria ir, queria ficar com você. Então, no dia da viagem, enquanto minha mãe e meu futuro padrasto conferiam as bagagens, eu fugi da estação de trem para te ver pela última vez e, talvez, você me pedisse para ficar, me dizendo que me amava.
Bati a sua porta, mas ninguém me atendia, você não estava lá. Esperei por você tentando não cair no sono e foi quando ouvi sua voz chegando, mas ela não estava sozinha. Uma bela mulher estava com você, uma de suas amigas. Me escondi para que não me vissem.
Assim, nada mais restava para mim lá. Fui para Linz.
Você sempre foi tão livre, não sabe como é morar em uma cidadezinha militar, como era Linz. Eu tinha dezoito anos quando comecei a minha vida social.
Eles tentaram arrumar um namorado para mim. Afinal, meu padrasto era da alta sociedade e eu frequentava cursos de etiqueta e devia namorar alguém da mesma classe.
Ele era Tenente, sobrinho do coronel. Tenente Leopold.

- Você está gostando de Linz? - ele perguntou, enquanto dávamos um volta na praça
- É muito bom – respondi.
- Viena é bem mais agitada.
- Eu gosto de lá.
- Do que você gosta? Talvez da música.
- Sim!
- Temos boa música aqui também. Talvez um dia você quisesse ir comigo
- Muita gentileza sua.
O tenente estava certo, Linz era uma cidade musical. Duas vezes por mês nós ouvíamos, o tenente e eu.
Depois de alguns meses, eles achavam que ele ia fazer o pedido. Tenente Leopold era um bom garoto, era membro do exército local e um bom partido.

- Srta , quero lhe dizer uma coisa. Perdoe-me por revelar uma esperança que criei. Desde que a conheci, tenho estado muito bem impressionado.
- Obrigada...
- E tenho certeza que seus pais são a favor de minha companhia.
- Mas...
- Deixe-me terminar... Em relação a mim, todos acham que terei um excelente carreia militar.
- Naturalmente, é cedo.
- Precisamos nos conhecer...
- É impossível, tenente.
- Impossível?
- Por favor, não me peça para explicar.
- Eu insisto. Há outra pessoa?
- Sim. Sou noiva e vou me casar. Eu ia lhe contar, mas não achei que...
- Mas eu nunca a vi com mais ninguém!
- Ele mora em Viena. Ele é músico.
- Mas como pode ser? Seus pais disseram ao meu tio que você era solteira.
- Eles não sabem.
- Você vai se casar com um homem e seus pais nem o conhecem?
- Lamento, eu...
- Se é assim, por favor...

Nos levantamos do banco e quando chegamos à mesa em que meus pais e seu tio estavam sentados, prontos para comemorar o pedido, Leopold sussurrou algo no ouvido de seu tio e eles foram embora.
Meus pais nunca entenderam o que houve naquele dia, nem o porquê de ter dito que estava compromissada com alguém em Viena. Pra eles foi o fim, mas, pra mim, foi um novo começo.
Depois de alguns dias, eu voltei para Viena. Ela parecia mais esplendorosa do que nunca. Sempre que estive fora, eu pensava que era sua cidade, agora era a nossa cidade.
Arrumei um trabalho como vendedora em uma loja. Todo dia, depois do expediente, minha chefe pensava que eu ia para casa como uma boa garota. Mas eu ia para o único lugar que eu considerava meu lar. Toda noite ia até o mesmo lugar, mas você nunca reparou em mim, até uma noite.
- Já a vi antes. Uma noite dessas – você disse, se aproximando – Aqui mesmo. Você mora perto?
- Não.
- Você gosta dessa música? – perguntou, se referindo a uma pequena bandinha que tocava a alguns metros de nós, mas eu nem havia reparado muito.
- Gosto – respondi como uma forma de disfarçar o motivo de estar ali todas as noites.
- Eu também.
- Devo me apresentar – disse caminhando junto comigo na direção oposta à bandinha.
- Não, eu já sei quem você é.
Andamos em silêncio por alguns minutos sem rumo certo.
- Uma hora ou outra vamos ter que decidir para onde vamos, não é? Mas tem uma coisa que preciso desmarcar, eu nunca vou para onde tenho que ir.
Então, voltamos em direção a bandinha e você foi me conduzindo pelo caminho até o lugar que deveria estar. Era um restaurante.
Esperei na porta, enquanto você ia até um garçom e conversava com o mesmo.
Quando retornou, entramos em um carro e fomos até outro restaurante. Conversamos sobre você e como a música fazia parte da sua vida.

- Às vezes, quando você tocava, eu sentia que parecia que você ainda não havia encontrado o que procurava...
- Há quanto tempo você vem se escondendo no meu piano? Não precisa responder, vou deduzir que você é uma feiticeira que consegue se encolher e se esconde no meu piano. Deve ser bom ter uma amiga feiticeira.
Foi a melhor noite da minha vida. Você me levou no parque e conversamos a noite toda. Você até me comprou um rosa branca.
- Acertei? Essa é a sua flor? – você me perguntou, enquanto eu olhava a flor abobalhada
- De hoje em diante é.
Fizemos de um tudo, desde conversar sobre nossa infância em um parque de diversões, até dançar em um coreto até os músicos irem embora.
- Promete uma coisa? – pediu.
- Tudo.
- Eu nem sei onde você mora, mas me prometa que não vai desaparecer.
- Eu não desapareço.

Mais tarde você me levou para sua casa, daquela vez eu era a mulher que subia as escadas com você, que entrava no seu apartamento. E não a garotinha inocente que havia fugido para lhe encontrar.
Entramos e você foi pegar o meu casaco, foi quando você finalmente me beijou.
Aquele beijo pelo qual eu havia esperado durante tanto tempo, finalmente havia acontecido.
No dia seguinte, você apareceu na loja em que eu trabalhava, fingindo estar interessado em comprar roupas. Como havia descoberto, eu nem imaginava.

- Teremos que adiar nossos planos para essa noite. Eu precisava te ver antes de ir.
- Para onde você está indo?
- Milão
- Que maravilhoso – disse sem expressão alguma.
- Eu havia esquecido completamente. Serão só duas semanas. O trem sai às cinco e meia. Acha que pode ir se despedir?
- Vou tentar.
- Irei te procurar, então. Até logo.
Eu fui até a estação me despedir.
- Eu não quero ir. Você acredita em mim?
- Esperarei por você.
- Ainda sei tão pouco sobre você.
- Você gosta de mistério.
- Eu ter encontrado uma mulher como você, é um mistério.
Não respondi. Você sabia me deixar sem graça.
- Diga “” do jeito que você disse ontem à noite.
- – eu sussurrei ao seu ouvido.
- Eu não vou demorar. Duas semanas.
Duas semanas. , como você se conhecia pouco. Aquele trem te levou da minha vida.
Eu te esperei, mas você não voltou. Mas o que você nunca soube era que eu havia engravidado naquela noite em sua casa. Como eu não tinha ninguém, acabei sozinha em um Hospital de Freiras onde nosso filho nasceu. Eu lhe dei seu nome.

- Ele era casado? – me perguntava a freira pela centésima vez.
- Não.
- Mora aqui em Viena? Talvez ele queira aceitar a responsabilidade. Não vai nos dizer o nome?
- Não.
- Mas você não tem como se sustentar com uma criança.
- Daremos um jeito.
- Precisa me dizer. Um homem que faz isso...
- Eu estou cansada, você pode ir?
Sabe por que eu nunca lhe pedi ajuda? Eu queria ser a única mulher na sua vida que nunca lhe exigiu nada. Só me arrependo de você nunca ter conhecido nosso filho. Prefiro não me lembrar de certos momentos durante esses anos.
Mas, apesar de tudo pelo que passei, ele me recompensou mil vezes. Teria se orgulhado dele também. Quando tinha quase nove anos, tanto por ele, quanto por mim, eu me casei.
Você conhece meu amigo. casou comigo, sabendo a verdade sobre nós e nosso filho.
Um dia comum, estávamos indo até o teatro, estava em casa, havia retornado do colégio que estudava para passa um tempo comigo.
Fomos nos despedir dele, e ele estava tocando uma gaita que seu professor de música havia lhe dado, dizendo que ele havia talento para a música.

- Boa noite, senhor – disse para quando ele estava saindo do quarto.
- Sabe, , seria bom se você dissesse “Boa noite, pai”.
- Mas eu sempre disse “senhor”.
- Ele iria gostar que mudasse. Se ele te trata como filho, é seu pai de certa forma.
Nossa vida pode mudar por conta de coisas tão pequenas. Agora sei que anda acontece por acaso. Cada momento é medido, cada passo é contado.
Então, eu te vi no meio de algumas pessoas. Outras cochichavam sobre o sue retorno e como sua carreira havia acabado de uma hora para outra.
De repente, naquele momento, tudo estava sendo ameaçado. Tudo que eu pensei que fosse seguro. Seus olhos estavam lá e eu não consegui desviar deles. Foi como a primeira vez que eu te vi e aqueles anos se esvaíram.
Sai do teatro apressada, mas parece que não foi o suficiente, pois seus olhos deram por falta dos meus e decidiram me procurar.

- Desculpe, mas você deve saber que onde há fumaça, há fogo. Já a vi em algum lugar! – Você chegou até mim, enquanto eu esperava meu carro – Há algum lugar que eu possa ter te visto? Em algum dos meus concertos? Deve ter sido há muito tempo, eu não toco em Viena tem muitos anos, em lugar algum para ser franco.
- Você não toca mais?
- Não é tão definitivo assim. Sempre digo que vou voltar na próxima semana, mas quando ela chega, eu espero pela próxima.
- O que espera?
- Pergunta difícil.
- Meu carro...
- Não pode fazer uma pergunta dessa e ir embora. Eu tenho um pressentimento que você sabe dizer o que nem eu consigo. Não me entenda mal.
Permaneci em silêncio, sem respondê-lo.
- Prometa que vou te ver de novo
- Não sei
Quando cheguei ao carro, meu marido estava lá dentro.
- , você não acha que eu quis que isso acontecesse, não é?
- Não. O que vai fazer?
- Não sei.
- , nós temos um casamento. Pode não ter sido o que sempre quis, mas tem um lar, um filho e amigos.
- Eu sei. Não quero te magoar, mas isso é mais forte do que eu.
- E seu filho? Acha que não vai magoá-lo?
- Ele não será prejudicado.
- Há certas coisas como decência de honra.
- Já me disse isso cem vezes essa noite.
- Fala como se não pudesse controlar. Mas pode, . Você tem sua força de vontade. Pode fazer o que é certo, o que é melhor pra você ou jogar sua vida fora.
- Sempre segui a vontade dele.
- Isso é bobagem.
- É mais forte que eu.
- E ele? É mais forte que ele também?
- Agora eu sei que ele precisa de mim, tanto quanto eu preciso dele.
- Não é tarde pra que ele descubra isso?
Quando chegamos à casa, me deu o ultimato.
- , se fizer isso, você nunca mais poderá voltar atrás. Sabe disso?
- Sei.
- Estou avisando. Farei tudo o que puder para evitar isso – ele disse, colocando a mão sobre sua arma que ficava em cima da mesa do escritório.
No dia seguinte, eu levei nosso filho até a estação para voltar à escola. Estávamos dentro da cabine do trem e um operário da estação veio nos avisar que aquela cabine estava em quarentena e nos dirigiu até outra cabine. Então, me despedi dele que passaria mais duas semanas longe de mim.
- Ate logo, mãe. Duas semanas – ele disse, enquanto o trem já partia exatamente como você fez há muito tempo.
Acho que no meu coração eu já sabia que ele não iria voltar mais, assim como você.
No mesmo dia, eu decidi ir até sua casa. Você se lembrou de mim, me reconheceu da ópera.

- Que surpresa. Mas posso te garantir que é uma muito agradável. É a hora perfeita para uma boa refeição. Ou já é muito tarde? Não importa, porque você está aqui e todos os relógios pararam. Com licença um instante! – Você saiu chamando por seu criado.
Eu estava perto de sua estátua grega, olhando-a.
- Ela fascina você também. Você sabe que os gregos construíram uma estátua para uma deusa que eles nunca conheceram esperando que um dia ela viesse a terra. Eu tenho uma deusa.
- E você nunca a encontrou?
- Durante anos acordei dizendo para mim mesmo: hoje ela virá e eu renascerei. Às vezes, parecia estar próximo, mas envelheci e sei melhor das coisas.
- Como pode desistir de tudo? Abandonar tudo?
- Um dia eu voltei para esta sala, tinha voltado de um concerto, igual a todos os outros, nem melhor ou pior. No final, disseram o de sempre, o que você diz quando não está convencido, então, eu olhei no espelho e descobri coisas mais interessantes para fazer...
Você foi se aproximando e me beijou.
- Eu nem lhe ofereci um drink – você disse se afastando.
-
- Diga!
- Eu vim aqui para falar uma coisa
- Sobre você?
- Sobre nós.
- Não pode ser tão sério, tão cedo assim. Não sem uma taça de champanhe. Champanhe tem um gosto muito melhor depois da meia noite, não acha?
- Muito melhor.
- Eu acabei de voltar dos EUA. É um país fascinante. Os homens gostam de dinheiro, e as mulheres de europeus.
- Deve ter sido uma bela viagem.
- Você viaja muito?
Então, eu soube. Você não se lembrava de mim.
- Você não vai acreditar, mas eu não parei de pensar em você o dia inteiro.
- Não, eu não acredito – disse já sufocada em lágrimas.
Eu tinha ido a sua casa para falar sobre nós, oferecer a minha vida, contar sobre nosso filho e você nem sequer me reconhecia.
Nem sequer me lembro pra onde eu fui. O tempo passa por mim, não em dias ou horas, mas em distância entre nós. Quando me recuperei, fui ver meu filho, mas já era tarde demais. Ele morreu ontem à noite de tifo, sem sequer saber que eu estava lá.
Estou só, agora. Minha cabeça está latejando e fervendo. Se Deus foi bondoso, me deixou pegar a febre também. Se receber esta carta, acredite em uma coisa: que eu te amo agora, como sempre te amei. Minha vida se resume aos momentos que passei com você e nosso filho. Se você pudesse ter partilhado desses momentos, se pudesse ter sabido o que sempre foi seu e ter encontrado o que nunca perdeu. Se...”

Anexado à carta havia um bilhete.
“Essa carta foi escrita por uma das nossas pacientes. Creio que esta carta seja para você, pois ela disse seu nome antes de falecer. Que Deus tenha piedade de vocês. Maria Theresa, Irmã encarregada.”
A imagem dela voltou em minha cabeça e rodou várias vezes. Lágrimas não paravam de rolar pelo meu rosto. John voltou ao escritório e mostrou o relógio.
- Você lembrou dela? – perguntei.
Ele pegou um pedaço de papel e uma caneta e escrever. “ ”. Eu quis morrer naquela hora. Como pude me esquecer dela? E, então, as três horas que faltavam para o duelo se passaram e o carro voltou para me buscar.
Meus planos de fuga se destruíram e eu fui para o duelo. Para o duelo com ...

FIM






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