Song Fic da música Boys Don’t Cry – The Cure

Acelerei o carro, me sentindo muito desconfortável com o barulho do choro dela. Aquilo ia entrando no ouvido, no cérebro, eu não me concentrava nem na tristeza da menina, nem na avenida a minha frente. Nunca soube ser conselheiro, e agora, sob essa pressão, menos ainda.
O barulho cessou, apenas por segundos, porque depois voltou com uma intensidade maior ainda. Eu olhava pra ela, pra avenida, batia os dedos no volante, o apertava. Estava ficando mais nervoso e impaciente que ela.
- Ta, ok. Quer saber? – disse, freando. – Fala, não aguento mais te ouvir chorando, por Deus, .
- Só dirige, . Só dirige!
- Não consigo me concentrar com você abrindo o berreiro aqui do meu lado.
Ela virou a cabeça com uma agilidade e brutalidade imensa, me olhou fazendo uma careta afetada, que ficou hilária porque seu rosto estava vermelho, e as lágrimas ainda caiam.
- Você ta falando pra eu sair do seu carro? – eu e minha boca maldita.
- NÃO! – berrei, tirando o cinto e ficando de lado. – É só que eu to preocupado.
- Você acabou de dizer que não consegue dirigir comigo do lado!
- Não foi isso que eu disse!
- Não mesmo. Você disse que não consegue se concentrar.
Bufei, abaixei a cabeça, respirei fundo pensando no que falar e no que fazer pra acalmar . Um chocolate, um abraço, uma musica, uma piada, uma batida de porta do carro. Oi? Uma o que?
- Aonde você vai? – berrei, vendo-a, já do lado de fora, andar para longe do veículo. Abri minha porta, desci e gritei – , volta aqui!
- Agora você pode ter a concentração que quiser! – Ela prendeu os cabelos e saiu andando rapidamente. Eu fechei a porta do carro e insinuei ir atrás dela. – E se você vier, considere-se castrado.
Engoli seco, vendo ir embora pela avenida vazia, enquanto eu ficava observando, sem entender muito bem o que estava acontecendo.

I would say I'm sorry
(Eu diria que estou arrependido)
If I thought that it would change your mind
(Se eu soubesse que isto te faria mudar de ideia)
But I know that this time
(Mas eu sei que desta vez)
I have said too much, been too unkind
(Eu falei demais, fui um indelicado)

No outro dia, fui acordado pela minha mãe que dizia que estava em casa. Olhei no relógio, 8h32min. Como assim, a menina vai dormir mais tarde que eu no dia anterior – mas só porque resolveu voltar a pé pra casa! – e já está acordada muito antes de mim?
Disse pra minha mãe mandá-la subir, enquanto ia para o banheiro com a intenção de lavar o rosto, por uma roupa e tentar dar uma organizada no cabelo. Mas fiquei com vontade de fazer xixi, e isso ocupou todo o tempo de subir as escadas. Resultado? Ela entrou no quarto, eu estava só de boxers, molhando o rosto e o cabelo, na maior pressa, no maior desespero.
Ela sorriu sem graça e sentou na cama, me olhando com um olhar triste. Peguei uma blusa e vesti, logo em seguida pondo uma calça, desajeitadamente, sem nem mesmo fechar o zíper, já que a blusa cobria. Sentei ao seu lado, ela me olhou e me abraçou. Aquele cheiro dela me fez quase perder o controle. E eu só saí do transe quando a senti dar uma fungada e vi minha blusa com alguns pinguinhos de água. Merda, ela estava chorando. De novo.
- Hoje você tem concentração suficiente pra me ouvir? – ela perguntou, em meio ao choro.
Eu dei uma risada e passei a mão no seu cabelo.
- Tamos aí pra isso. Pode falar. O que aconteceu?
- É o Sean – minha garganta travou.
- E o que tem o idio... O Sean?
- A gente terminou... Ontem, na festa.
Vibrei por dentro, dei um twist duplo carpado. Estourei um champanhe e comemorei.
- Por isso você quis vir embora e ficou chorando lá no carro? – me contive, ainda bem que ela estava com a cabeça no meu peito, senão teria visto meu sorrisinho.
- Sim, e você ainda foi super grosso comigo.
- Desculpa, não foi minha intenção. Eu nem sabia.
- Hum, então você só deixa de ser grosso quando suas amigas tão sofrendo? – ela disse, saindo do abraço e me olhando.
- Não, não foi isso que eu quis dizer. – Esse sou eu, falando a mesma frase em menos de vinte e quatro horas.
- Relaxa. Só queria saber se posso ficar aqui com você hoje. Se eu ficar em casa, só vai ser choro o dia inteiro.
- Claro que pode!
E então eu me animei mais. Qual é, não é pecado gostar da amiga. Muito menos agora que ela está solteira. Porque eu esperei pra isso acontecer por longos sete meses. Tem noção? Mais da metade de um ano só pensando nela e no dia que ela largaria esse imbecil do S. Lewis.
Passamos boa parte da manhã jogando Xbox. Ela até que não jogava mal. No almoço, minha mãe preparou macarronada, e nós comemos até estufar. Quando era 14h, fomos ver um filme de terror na TV do quarto, e eu estava gostando, porque como bem conheço , ela estaria me abraçando em três... Dois...
- , to com medo – ela disse e se escondeu entre meu pescoço e ombro.
- Relaxa, eu to aqui.
- Você vai estar aqui pra sempre?
- Claro que vou – respondi, olhando-a e sorrindo.
E é agora que o Sean não vai mais atrapalhar.
Que nada. E é agora que o celular de toca.
Ela olhou o visor desesperada, sussurrou um “já volto” e foi pra sacada, fechando a porta. Cinco minutos depois ela voltou, já trazendo a bolsa consigo, que até então estava em cima da escrivaninha.
- Vou sair – ela disse, já abrindo a porta do quarto.
- Vai aonde? – perguntei, levantando da cama.
- Ele quer conversar.
- Ah – disse, rindo, um riso de sarcasmo e raiva ao mesmo tempo. – E tudo que ele manda, você faz?
- Não, . Eu faço isso porque ainda pode ter salvação.
- Então por que terminou com ele?
- A vida! Acontecem coisas...
- E por que vai voltar com esse imbecil que só te fez sofrer? – disse, me precipitando.
Tive que admitir que estava errado. Sean nunca fez Zoe sofrer, eu tinha implicância com ele por conta de meu ciúme mesmo. Mas era uma menina feliz, alegre e cheia de vida ao lado dele. Nossos amigos viviam dizendo que eles eram almas gêmeas. Ah, que papo mais absurdo. Alma gêmea… Hahaha.
Ela virou na porta, me olhou com um olhar sincero e disse:
- Porque ele não julga as pessoas antes de conhecê-las – senti que isso foi pra mim... Por que será? – E porque eu amo o Sean.
- Bom – fiquei sem resposta, me sentando de novo – Se você ama... Vai em frente! – Sorri o sorriso mais forçado do universo.
Ela abriu um sorriso verdadeiro, voltou até a cama, me deu um beijo na testa e agradeceu. Depois só ouvi a porta bater.
Meu olhar estava preso no nada. Minha garganta com um nó. A festa, a alegria que estava dentro de mim parecia que tinha sido destruída por um ciclone. Meus olhos queriam deixar alguma coisa úmida escapar. Mas não os meus. Meus olhos não servem para chorar. Só servem para ver o que meu cérebro insiste em querer negar e acreditar.

I try to laugh about it
(Eu tentei rir disso tudo)
Cover it all up with lies
(Corbindo com mentiras)
I try to laugh about it
(Eu tentei rir disso tudo)
Hiding the tears in my eyes
(Escondendo as lágrimas nos meus olhos)
'Cause boys don't cry
(Porque garotos não choram)
Boys don't cry
(Garotos não choram)

Uma semana se passou. ligava todos os dias. Acho que para contar a novidade. Novidade essa que eu já tinha ficado sabendo. Ela e Sean voltaram. Tinha ido a minha casa duas vezes, mas minha mãe mentia dizendo que eu não estava, que eu estava fazendo trabalhos na casa de algum amigo. Coisas do gênero. E ela sempre acreditava.
Mas um dia, na verdade, uma noite, eu estava deitado na cama, ouvindo música quando vi algo cair dentro do meu quarto e depois gemer de dor. Era .
- Mas o que é isso? – disse assustado.
- Isso parece mais fácil nos filmes.
- Por que você ta invadindo minha casa? – perguntei, ajudando-a a levantar.
- Porque é o único jeito que tem pra eu conseguir conversar com você.
- Era mais fácil você só ter batido na porta, sabe – disse, voltando a me sentar na cama. – Geralmente é o que pessoas normais fazem.
- Ah, se você tivesse aberto a porta pra mim nas ultimas duas vezes que eu vim aqui essa semana. Pessoas normais abrem a porta quando alguém bate nelas.
- Eu não estava – disse e cocei a nuca.
- Mas agora te encontrei! Vamos conversar, tenho novidades.
- Eu também – disse, mentindo.
- Ah – ela deu um gritinho e pulou em cima de mim. – Então começa!
Sorri amarelo, porque né... Que novidade eu tinha? Uma semana sem fazer nada... Falei a primeira coisa que veio na minha cabeça.
- É... Eu... Meio que… Consegui chegar em segundo lugar no Mario Cart na pista Rainbow Road – disse, um pouco orgulhoso no final.
- Ai que legal! – ela vibrou. – Aquela pista é tão noiada, parece que quando alguém fuma maconha deve se sentir andando lá... Mas que bom, porque você sempre chegava em decimo primeiro, porque a decima segunda era sempre eu – ela gargalhou no final e eu vi o quanto estava sentindo falta daquela risada.
Fiquei observando-a rir. Estava até imaginando minha cara, os olhinhos brilhando, meu sorriso bobo, subindo e descendo a cabeça lentamente, concordando com tudo. Mesmo se ela tivesse dizendo que eu fosse gay.
- Posso contar a minha novidade agora? – essa frase me despertou.
- Claro! – E eu já estava preparando meu emocional.
- Eu e o Sean voltamos!
- Nossa. – Sorri falso de novo, fingindo uma empolgação, que nem eu, que sou lerdo, teria deixado de perceber, mas ela pareceu nem ter notado. – Sério? Que legal... Digo, vocês se gostam e tal. Nossa, muito legal!
- Aham! – ela disse e se jogou na cama de barriga pra cima. – E eu vim aqui, te liguei não só pra te contar isso. Mas parece que você não queria me ver.
- Não , não era isso. É que eu não estava em casa mesmo. Meu celular sumiu.
- Eu precisava da sua ajuda – ela disse e se sentou.
- O que houve?
- Umas brigas em casa, meu pai e minha mãe estão se separando. Voou louça lá por todos os lados, meu pai se machucou. – Uma lágrima caiu e eu me senti a pessoa mais culpada do mundo. – Ele foi embora não sei pra onde, minha mãe ta super mal agora. Não sabia o que fazer...
- Desculpa, – disse sincero, olhando para o colchão.
- É, agora já foi. Eu ia vir te pedir ajuda, porque você já passou por isso. E falar com o Sean logo agora que a gente se acertou de novo não ia ser muito bom.
- E você só pensa nele.
- Não, ! Eu não penso nó nele – ela disse séria, me olhando.
- Desculpa. Eu não te atendi porque pensei que você ia vir falar só dele. Nem imaginei isso com seus pais.
- Ta vendo, . Depois eu só penso no Sean. Eu sei que você não gosta dele, não iria te procurar pra ficar falando essas coisas, sei que você odeia.
Fiquei em silêncio.
- Eu pensei em você, vim aqui, não pra esfregar essas coisas na sua cara, vim pedir ajuda. Mas se tem alguém aqui que só pensa em uma coisa, esse alguém é você. Você só pensa em você.
A olhei um pouco envergonhado, ela tinha toda a razão.
Eu tinha sido tão idiota. Geralmente é isso que acontece com as pessoas. Elas perdem seus amores por só pensarem nelas mesmas, enquanto o imbecil do cérebro faz tudo acreditar que você está pensando na pessoa amada, não em você mesmo.
Agora veja: eu posso sair por aí dizendo que “vou fazer o que meu coração mandar”? Claro que não! Se o cérebro que é a coisa mais inteligente do mundo se confunde e engana a gente, imagina o coração que só serve pra bater...
- Mas já está tudo bem lá na sua casa?
- Um pouco, eles tão tentando se acertar. Eles se gostam.
- Ai, amor é uma coisa tão complicada – disse. – Você gosta de uma pessoa, ela te trai, não só fisicamente, existem outras maneiras de trair – disse, soltando uma indireta. – Depois você resolve voltar com a pessoa, tem uma família, constrói uma família, na verdade. Depois tudo acaba. E o amor, onde fica?
- , o amor é complicado pra você porque você ainda não se abriu pra ele. E também porque tudo fica mais complicado quando você só vê o lado ruim e os defeitos.
- Mas então você assume que tem um lado ruim.
- Não, eu não assumo. Mas pensa comigo, se toda coisa boa que acontecer e você já tiver uma consequência ruim na cabeça, tudo vai se encaminhar pro lado ruim mesmo. É assim, você não sabe, mas seu corpo coloca como objetivo o lado ruim, aí depois só vai no automático. E no final, isso gera uma pessoa como você.
- Como eu, como?
- Robotizada e egocêntrica.
- Não sou um robô!
- Só não é robô porque corre sangue nas suas veias. Mas você não tem um coração batendo.
- Tenho mais que isso, tenho um cérebro pensando.
- Então fica pensando aí. E vê se da próxima vez, arrume desculpas melhores pra escapar de mim. Essas não colaram.
Ela saiu pela janela de novo, e eu só ouvi um baque no chão e outro gemido de dor. Nem me mexi, fiquei pensando no que ela tinha dito.
Eu não sou um robô. Se eu fosse não teria esse sentimento por ela. Porque se isso não é amor, não sei o que é...

I would break down at your feet
(Eu me desmancharia aos seus pés)
And beg forgiveness, plead with you
(Mendgaria seu perdão, iploraria a você)
But I know that it's too late
(Mas eu sei que é tarde demais)
And now there's nothing I can do
(E agora não há nada que eu possa fazer)

Cheguei à faculdade um pouco atrasado naquele dia, desci do carro e já comecei a correr pelo estacionamento para não entrar atrasado na sala de aula.
Mas eu vi uma cena que me fez parar automaticamente. estava entregando um envelopinho branco para um amigo nosso. E ainda tinha mais um monte na sua mão. Pensei: são convites.
Seu aniversario não era naquele mês, seu irmão não ia fazer aniversario tão já, aliás, já tinha feito. Nada da sua mãe, nem do seu pai. Também não era convite de alguma peça decorrente de trabalhos escolares... O que seria?
Ela ia se virar e me ver parado observando sua ação, então virei as costas e voltei pro carro. Escondendo minha mochila e erguendo a gola da jaqueta para ela não me reconhecer. Abri a porta e sentei no banco.
Pensei mais. Convites? Quem dá convites brancos pequenos e que vem em envelopinhos brancos? Só debutantes e noivas...
Noivas...
Noivas...

Noivas...
, noiva...
e Sean, três anos juntos...
Noivado...
Casamento...
Filhos...
Noiva...
noiva.
Meus olhos se arregalaram, meu coração pulou duas batidas, o ar não chegava até meus pulmões. Me olhei pelo retrovisor, eu estava branco. Mais branco que o normal. Minha boca aberta, meu lábios trêmulos, uma gota de suor brotando da minha testa.
Olhei o volante, bati minha cabeça lá inúmeras vezes, fazendo a buzina tocar chata e insistentemente. Me debati no banco, liguei o radio e ergui no ultimo. Vi por reflexo algumas pessoas ao longe tentando imaginar o que estava acontecendo com meu carro. estava lá, desesperada, dando passos largos até mim.
Liguei o carro na hora e saí muito apressado, dirigindo inconsequentemente. E eu nem estava bêbado. O rádio só tocava musicas melosas e de cornos.
- CALA A BOCA! – berrei e dei um soco no aparelho. A carcaça dele caiu e ele parou de funcionar na hora.
Segundos depois gritei de novo, porque meu pulso doía. Eu não sei dar socos, e tinha me machucado além de tudo.
Cheguei a minha casa e estacionei o carro muito mal, entrei em casa correndo e me tranquei no quarto. Andei de um lado para o outro, chutando alguns sapatos que apareciam no meu caminho.
Então é isso. Eu me dedico a uma pessoa por sete meses, pra depois saber que ela está noiva e que nunca mais teremos chances? E depois ainda quer vir falar de amor comigo.
Amor só serve pra gente sofrer, me vejam agora. Amor é só pra isso. Amor é só pra quem tem sorte. E o amor tem sorte por não depender de pessoas como eu, porque se dependesse, já estaria morto, com certeza.
Minha mãe abriu a porta do quarto algum tempo depois perguntando se eu estava bem. Respondi que sim. Ela me olhou piedosa e saiu. Pedi um abraço antes, e claro que ela cedeu.
Me joguei na cama. Pensei muito. A visão de amor de estava errada. Eu não era um robô. Robôs não sofriam assim quando descobriam do noivado das pessoas. Egocêntrico posso até ser, mas um robô, jamais.
Não, jamais é muito forte. Acho que robô eu ia me tornar agora depois desse noivado. Sim, agora o que ela me disse iria fazer jus.
A partir de hoje eu vou ser um robô egocêntrico. Já que a primeira e única vez que ousei sentir o tal do “amor” ele só ferrou comigo.
Adormeci. Fui acordado novamente pela minha mãe que dizia que estava aqui. Fiz uma careta, me revirei na cama e disse que ela podia entrar. Não queria que ela me visse jogado na cama, mas fazer o que? Eu não estava com vontade nenhuma de olhar para ela.
E ela entrou, toda doce, sorridente, meiga com o maldito causador de tudo isso nas mãos: o envelope enviado pelo satã para me atormentar.
- Oi, – ela disse e se sentou na cama.
- Oi! – tentei um sorriso, acho que eu mais mostrei os dentes do que sorri.
- O que aconteceu com você hoje mais cedo na faculdade?
- Nada, por quê?
- Porque você estava no carro, buzinando, o carro estava dando uns solavancos, até pensei que tinha alguém lá com você – ela deu uma risadinha. – Mas depois vi que você estava sozinho.
- É que eu... – tentei pensar em alguma desculpa, enquanto me apoiava para levantar e senti uma dor latente no pulso. Isso! – Eu me machuquei. – Mostrei o pulso e ela se assustou.
Na verdade nos assustamos juntos, porque ele estava muito inchado, nem eu sabia que ele estava nessas condições.
- Nossa, – Ela o segurou delicadamente. – O que aconteceu?
- Eu bati... No carro.
- Ah – ela disse e sorriu, dando um beijinho no meu pulso.
Vadia, se soubesse o que isso me causava, não faria isso nunca mais na vida dela. Nunca mais!
- Bom, vim aqui te entregar isso – ela estendeu o envelope.
Um bolo de saliva se juntou na minha boca e eu ergui o pulso, lendo o que estava escrito: “Nosso Noivado”, em letras garrafais, douradas e estupidamente gays.
- Noivado? – perguntei.
O duro é que eu já sabia que aquilo viria a acontecer, já sabia o que estava escrito, de quem era, mas meu cérebro ainda queria me enganar. Queria me dar uma esperança falsa, que eu sabia que só me machucaria depois.
- Lê – ela disse sorrindo, seus olhos brilhavam.
Concordei e abri.

,
você está convidado para o nosso noivado que acontecerá no dia vinte e dois de agosto, às 19h na Tample Road, numero 325.
Contamos com sua presença!
Com carinho, O’Connor e Sean Lewis”

Olhei para , que sorria mais ainda. Ela não se conteve e me deu um abraço gigante! Eu tentei retribuir do jeito que podia.
- Eu estou tão feliz, . Finalmente! E o amo tanto como nunca pensei que seria capaz de amar.
Sorri sem graça, e sussurrei um “parabéns, eu fico feliz por você”. Ela saiu do meu quarto quase saltitante. Rasguei o convite e me joguei na cama, virando e gritando com toda a minha força contra o travesseiro, o socando o mais forte que podia.
Minha visão estava ficando embaçada, quando minha mãe abriu a porta do quarto:
- , ta tudo bem? – virei pra ela, que arregalou os olhos. – Você tá chorando, filho?
- Não, mãe. Eu não choro.
E meu olho voltou a ficar seco.
Se era assim que vida queria que eu jogasse, assim que eu iria jogar.

So I try to laugh about it
(Por isso eu tentei rir disso tudo)
Cover it all up with lies
(Corbindo com mentiras)
I try to laugh about it
(Eu tentei rir disso tudo)
Hiding the tears in my eyes
(Escondendo as lágrimas nos meus olhos)
'Cause boys don't cry
(Porque garotos não choram)
Boys don't cry
(Garotos não choram)

No dia do maldito noivado, eu estava ciente do que estava fazendo. Eu iria contar o que eu sentia, ela precisava saber disso. Era a única e ultima chance que eu tinha. Dirigia por entre as ruas até a casa de . Havia muitos carros na frente da sua residência, e eu podia ouvir algumas risadas. Ainda eram 11h15min, provavelmente eles estariam arrumando a casa para a festa de noite.
Toquei a campainha e o irmão abriu a porta. Tocamos as mãos, e ele me mandou entrar. estava arrumando algumas coisas em cima da mesa, exalando felicidade, e quando me viu, correu até mim, pulando no meu colo.
- Você, – ela disse, se recompondo. – Que saudade, quanto tempo! Vai vir hoje a noite, não é?
- Vou – disse e sorri. – A gente pode conversar?
- Claro! – ela disse e ficou me olhando, esperando eu começar.
- A... sós?
- Ah, sim. Vamos lá pro meu quarto – ela disse, me puxando pela mão e nós fomos até seu quarto, que era no fim do corredor.
Entramos e ela fechou a porta, ainda sorrindo. Eu me sentei na cama, e ela se sentou de frente pra mim.
- Eu estou muito feliz por você – disse, tentando começar.
- Ai, obrigada, ! Eu também estou muito feliz, da pra perceber?
Imagina, quase nada...
- Dá – respondi, sorrindo.
- Eu queria te falar uma coisa, – comecei, mas alguém gritou e abriu a porta.
- O noivo ta aqui, ! – uma velha maldita disse, eu não sabia quem era.
me olhou, como se pedisse permissão. E como eu poderia negar, com aquele par de olhos profundos me suplicando por aquilo?
Sorri, concordando. Ela me deu um beijo na bochecha e saiu correndo. A velha olhou pra ela gargalhando e foi atrás.
Fiquei sozinho no quarto, pensando em como eu tinha deixado aquilo acontecer comigo. A namora há três anos, eu a conheci há dois anos, e há quase um ano venho gostando dela. Digo, como pude gostar de alguém que já estava com o coração preenchido quando eu conheci?
Fui muito burro. Meu cérebro me enganando desde sempre. Ela já tinha namorado, ela tinha se tornado minha amiga e eu sabia que não podia sentir nada além de amizade. Mas estava eu lá, a amando. Amando o amor do , onde você sofre, e não o amor da , onde tudo é lindo, feliz e se encaixa perfeitamente.
Saí do quarto e segui o corredor, pude ouvir algumas risadas, e quando cheguei à sala, eles estavam abraçados, sorrindo, trocando alguns selinhos e recebendo alguns presentes de parentes. Era bonito de se ver.
O amor tinha sorte por ser da . Ela sabia administrar o amor, não era uma boba como eu sou.
- Eu amo tanto o Sean – ela ia dizendo para umas senhoras, enquanto ele ajudava um outro homem a carregar uma mesa. – Nunca tive essa certeza na vida, ficava pesando como eu ia adivinhar que ele era o homem certo pra mim. Mas simplesmente não tem como explicar, entender ou adivinhar. Eu simplesmente soube. Eu sou dele, sempre fui e sempre vou ser.
De novo aquele maldito nó na minha garganta. Fui pra cozinha e vi várias cervejas em um local com gelo. Abri uma garrafa e virei de uma vez só. Beber é muito idiota. Beber pra afogar as mágoas, mais idiota ainda. Mas todos diziam que dava certo. Então eu fui tentar experimentar.
Nada. Beber não muda nada. O que aconteceria se eu continuasse bebendo seria ficar mais imbecil e entregar tudo o que eu sentia. Estragar as coisas, causar a situação mais caótica pra mim. E o pior, magoar a .
Voltei para a sala. Ela veio na minha direção e me abraçou, de novo.
- Eu to muito feliz! – ela disse, me rodando na sala, rindo.
Eu estava ficando tonto. Tonto por rodopiar e tonto pelo clima super meloso que estava naquela casa.
- Você, – ela disse, segurando meu rosto com as duas mãos. – Você vai ser meu padrinho de casamento!
Mas ela nem noivou e já está pensando no casamento? Como assim, ! Como assim? Por Deus.
- Obrigado! – sorri sem graça.
- E trás seu violão pra você tocar pra nós hoje.
- Não , não acho que vai ser uma ideia boa.
- Vai sim, bobo. Adoro sua voz. Vai marcar meu noivado, preciso do meu melhor amigo do meu lado.
Melhor amigo. Eu era melhor amigo e nunca passaria de melhor amigo. Nem que eu quisesse. E olha que eu queria muito.
Novamente, cedi aos caprichos dela e sorri.
- Tudo bem, então. , vou indo.
- Mas você não queria falar comigo?
- Não, eu queria só ver se você não está morrendo de nervosismo.
- Eu estou. Internamente. Morrendo internamente de nervosismo, mas está tudo bem!
- Ok, te vejo a noite – disse, acenei e saí da casa dela.
Fui até o carro e voltei pra casa. Me joguei na sala e fiquei pensando em tudo.
Era real, ia acontecer. Ela estaria com um anel dourado do dedo anelar da mão direita em poucas horas e eu não podia mudar isso. Ela o amava. E eu a amava. E quando se ama, você tem que deixar ir.
Porque se voltar é seu. Se não voltar, nunca foi.
E eu nunca precisei deixá-la ir pra saber que ela não voltaria.
Ela nunca foi minha.
Não do jeito que eu queria que fosse.

I would tell you that I loved you
(Eu diria a você que te amava)
If I thought that you would stay
(Se eu achasse que você ficaria)
But I know that it's no use
(Mas eu sei que é inútil)
That you've already gone away
(E você já foi embora)

Aquele terno estava me pinicando, grudando em mim e eu estava nervoso. Meu sapato me irritava, meu cabelo não ficava do jeito que eu queria. E eu estava me sentindo uma mulherzinha, porque além de tudo, eu estava irritado com a porcaria do noivado.
Eu não queria ir, mas era obrigado. Ela era minha amiga e um pouco mais que isso pra mim.
Pela segunda vez no dia, lá estava eu na casa da , agora tudo decorado, com musicas tocando e muita gente, comida e bebida. Procurei pelo casal maravilha, mas tinha muita gente para conversar com os dois.
Fique com preguiça de entrar na fila e me sentei no sofá, onde algumas pessoas tomavam champanhe e conversavam besteiras. E eu vendo a movimentação.
Depois de uns quinze minutos sentado lá, finalmente me levantei e fui até o casal. estava linda, com um vestido lilás curto, e Sean... Bom, o Sean formava um casal bonito com ela.
- – ela disse e me abraçou. – Você veio!
- Sim, eu vim – sorri sem graça, coçando a nuca.
- Oi, – Sean disse sorridente.
- E aí, Sean – respondi, tentando parecer normal. – Felicidades a vocês dois, que passem muitos anos juntos e que tudo dê certo.
- Obrigada, – ela disse, me abraçando de novo. – Te amo tanto, não me abandona nunca, você é meu único amigo!
Sorri sem graça de novo e fui voltar ao meu lugar. Eu estaria lá pra sempre. Agora ela, já não sei...
Peguei alguns salgadinhos na mesa, uma garrafa de cerveja e voltei a me sentar no sofá. Eu ficaria ali até o fim da festa chegar e eu tiver que ir embora por aquela porta.
Porta essa que agora dava passagem ao ser mais lindo da festa. E não era a ! Estou falando sério. Ela era uma deusa de tão linda. Um vestido preto, curto como o da . Seus cabelos ruivos caiam até a cintura em ondas largas. Ela era linda. Simplesmente.
Podia me ver olhando para ela, com os olhinhos brilhando. Resisti, bebi mais um gole e virei a cabeça para o outro lado. erguia os braços e a ruiva monumental ia até minha garota. Sean a abraçou e a rodou no ar, enquanto ria de alguma coisa que a ruiva falava.
Fiquei observando a cena e congelei quando apontou pra mim e Sean riu concordando, puxando a amiga dos cabelos de fogo pela mão até onde eu estava. Hum...
- berrou. – Essa aqui é a Clair, melhor amiga do Sean!
Melhor amiga? Então já se pegaram.
Ou não, veja meu exemplo.
- Oi Clair, eu sou o !
- Oi – ela acenou tímida. – Era você que nunca ia com a e o Sean nos Pubs?
- Acho que... Sim – disse rindo, tentando associar.
percebeu minha confusão mental e deu uma gargalhada.
- Clair querida, pode se servir. Tem champanhe, cerveja e batidas lá na cozinha. Acompanha ela, Sean.
Os dois sorriram e foram. me olhou.
- Sempre disse pra você ir, mas você nunca quis.
- O que ta acontecendo? – perguntei.
- A Clair. Sempre que te chamava pra ir aos Pubs com a gente, era pra te apresentar a ela. Sean que teve a ideia, disse que ela daria muito certo com você.
- Nossa, eu perdi ela por esse tempo todo?
- Não – ela gargalhou. – Nada acontece pro acaso, se você não foi naquele momento é porque não era pra ser. Mas hoje... Nunca se sabe.
- É... Nada deve acontecer por acaso mesmo.
Ela piscou marotamente e saiu de perto. Clair ainda não tinha voltado. Deve ter me achado um imbecil idiota. E as horas passaram. Então o negócio começou.
- Gente, por favor, aqui gente – dizia e todos foram ao seu redor, inclusive eu.
- Galera, aqui, por favor – Sean pediu e todos vieram.
- Oi gente – disse feliz. – Bom, eu to tão nervosa.
- Calma, amor, quem começa sou eu – Sean disse e eu ri. – Bom, eu estou aqui hoje por um motivo forte. Um motivo que eu só senti uma vez na vida e nada me pareceu tão certo. O meu amor. Depois que eu te conheci, , meu mundo ficou diferente, você me ajudou, me mudou pra melhor. E é por isso que hoje, com toda a certeza do mundo, eu quero te pedir em noivado. Você aceita ser minha noiva, ?
As mulheres, principalmente as da família, estavam chorando.
- Sim, claro que sim, Sean – ela disse e ele colocou a aliança em seu dedo, depois ela repetiu o gesto. – Queria agradecer a você por ter estado comigo nesses três anos, e espero que esteja por mais muitos.
- Sempre estarei!
- Então é só disso que eu preciso. – E eles se beijaram.
E uma lágrima queria cair, mas não de tristeza. De alegria por ter o casal mais bonito que eu já vi por perto. De alegria pela estar feliz e ter encontrado o caminho dela. Pode ser que ela não precise de mim do jeito que eu pensava, pode ser que eu precise mais dela, mas eu sempre estarei aqui. Isso é certo. Noiva, casada, solteira, com Sean ou sem ele. Eu estaria aqui.
- E mais uma coisa – ela disse e olhou cumplice para Sean. – Eu queria agradecer ao cara que esteve comigo todo esse tempo. Me vendo chorar quando eu e o Sean brigávamos, quando eu estava estressada e ele me ajudava, ou quando eu não queria cair em depressão e um simples Mario Cart no Xbox já melhorava tudo. Queria te agradecer, , por ser o melhor amigo do mundo. E o melhor, por ser meu!
Sorri muito, verdadeiramente em todo esse tempo. Meu sorriso não cabia no rosto e eu segui até ela.
Foi quando Sean começou:
- E eu queria agradecer a menina que esteve comigo quando eu me arrependia das burradas que fazia e ia pedir ajuda, a menina que sabia exatamente como me ajudar, a que me ajudou a escolher vários presentes quando eu não tinha noção do que dar. Obrigada, minha soul sister, Clair!
E a ruiva foi até nós, chorando bastante e com um sorriso tão grande quanto o meu. Nesse momento, me tirou pra dançar e Clair dançou com Sean.
- Você não esperava por isso, né?
- Não – disse, rindo.
- Você ainda não viu nada!
E a musica acabou.

Misjudged your limits
(Julguei mal o seu limite)
Pushed you too far
(Fiz você ir longe demais)
Took you for granted
(Te subestimei, não te dei valor)
I thought that you needed me more
(Pensei que você precisasse mais de mim)

Outra musica começou a tocar e me deixou, trazendo Clair agora comigo, enquanto ela ia ao encontro de Sean.
- Oi – eu disse.
- Oi – ela respondeu.
Ficamos em silencio dançando.
- Você deveria ter ido aos Pubs, já nos conheceríamos antes e evitaríamos esse silencio constrangedor.
- Talvez não.
- É mesmo. Nada acontece por acaso – ela disse, sorrindo e me olhando nos olhos.
E eu vi, naquele momento, que a definição de amor de não dava certo comigo, porque o amor que eu sentia por ela não era amor de homem para mulher. Era amor de amigo, de irmão.
Porque se fosse amor de verdade, eu não estaria babando no par de peitos de Clair. Sean não babou nenhuma vez nesses anos de amizade com a ruiva, porque ele já sentia o amor de verdade.
E de repente tudo fez sentido para mim.
era uma grande amiga, pela qual eu iria até o inferno pra salvar. Esse amor de amigos eu estava descobrindo agora. Aproveitei pra descobrir o que era amor de verdade enquanto Clair conversava comigo, me contando sobre as coisas que ela gostava e eu pude ver quanta afinidade nós tínhamos.
É claro que algumas coisas eram o extremo oposto, mas isso é só pra tornar as coisas mais gostosas já que os opostos se atraem.
e Sean seriam muito felizes juntos, eu estaria presente para tudo que eles precisassem, e não negaria jamais ajuda. Eu os amava. Até a Sean, por fazer a feliz.
Vi que os dois me olhavam e sorri, dando uma piscadinha. Cair viu, olhou na mesma direção e fez o mesmo. e Sean sorriram.
- Já volto, ! – Clair disse e saiu de perto.
se acercou, me dando um abraço enquanto gargalhava.
- Eu sabia que você ia gostar da surpresa!
- Eu te amo, irmã – disse sincero.
me olhou incrédula e uma lágrima caiu de seu olho.
- Você nunca tinha me chamado de irmã!
- Pra tudo tem uma primeira vez! – respondi, a abraçando de novo. Sean a chamou e ela se foi, me olhando ainda limpando os olhos. Não tinha sensação melhor do mundo do que sentimentos esclarecidos.
Clair voltou e me olhou, dizendo piedosa:
- Pode me levar em casa?
- Por quê? Não me diga que seu namorado terminou com você?
Perguntei, me lembrando da cena caótica e hilária no carro com a quando ela e Sean brigaram.
- Não – ela disse, ficando rosadinha. – É que eu queria terminar isso.
E me beijou. E eu retribuí e vi que os sentimentos ficaram ainda mais esclarecidos. Agradeci a e a Sean.

Now I would do most anything
(E agora eu faria qualquer coisa)
To get you back by my side
(Pra ter você de volta ao meu lado)
But I just keep on laughing
(Mas eu só fico rindo)
Hiding the tears in my eyes
(Escondendo as lágrimas em meus olhos)
'Cause boys don't cry
(Porque garotos não choram)
Boys don't cry
(Garotos não choram)

É... Nada acontece por acaso da nossa vida. Tudo tinha um porquê.
E eu tinha acabado de encontrar o meu.
Foi então que aconteceu.
Uma lágrima solitária rolou pelo meu rosto.
Mas essa valia a pena.

Boys don't cry
(Garotos não choram)


N/A: E aí, gente! Bom, essa foi a minha primeira fic aqui no site. Já escrevo há quatro anos, mas nunca tive coragem de postar. E agora, aproveitando essa onda encorajadora, resolvi ver no que vai dar! Se você chegou até aqui, é porque leu – ou não haha – Então eu queria agradecer muito! Também sobre o final, tenho que falar que eu amo uma coisa alternativa, por isso esse foi terminou assim. Espero que vocês tenham gostado! E obrigada de novo por lerem! Beijinhos, e até a próxima!



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Qualquer erro encontrado nessa fanfic é meu, então me avise por email. Obrigada.