MAKEYOUFEELMYLOVE
autora: priscila pena
beta-reader: Lara Scheffer
Revisada por: That Pereira



Prólogo

Eu nunca me imaginei longe da proteção da minha mãe. Mas Richard estava tão animado que eu não poderia decepcioná-lo, não poderia abandoná-lo, porque eu sabia que, se eu fosse para a Irlanda, a distância acabaria pouco a pouco com a nossa história. O que eu realmente não sabia era que, mesmo continuando na Inglaterra, mesmo optando pela mudança menos drástica, as coisas iam mudar.
Meu amor por Richard não ia acabar jamais. Uma história como a nossa era impossível de acabar assim, rápido. No entanto, eu perceberia que nem sempre sentimos amor da forma como imaginamos ou falamos e, nós só descobrimos isso, quando outra pessoa entra na nossa vida, mudando o rumo dela e fazendo com que nós tenhamos que abrir mão de algumas coisas, e nos faz sentir todas as sensações descritas em livros românticos, que muitos acham idealizados demais. E, essa pessoa, essa peça a mais que apareceu no jogo da minha vida para me fazer tomar decisões dolorosas, mas, acima disto, para me mostrar como é a glória de amar, foi .
Eu acabei descobrindo que, por mais que nosso dia-a-dia não nos deixa pensar, por mais que às vezes achamos que esquecemos algumas coisas, na verdade, bem no fundo, nos nunca esquecemos. É como se alguém, ou nós mesmos, apagassem as luzes da nossa memória. Pode parecer que o escuro é para sempre, mas nós sempre vamos achar uma vela escondia em algum lugar, brilhando e trazendo luz de volta as memórias. E então, percebemos que, por mais que tenhamos demorado um pouquinho para achar a vela, ela sempre esteve ali.
O que eu quero dizer é que, sempre esteve ali, por mais que eu tenha tentado acreditar que meu futuro era com Richard. Por mais que eu ignorasse a vela acesa na minha memória.

Capítulo 01

Em frente à minha casa, Richard já me esperava dentro do seu carro. Minhas malas já haviam sido postas no porta-malas, restando apenas acabar com as despedidas da minha mãe, que não estava aceitando como deveria meus planos, bem planejados, feitos com Richard. Tudo porque, desde que ela decidiu que se mudaria para a Irlanda, por culpa de seu trabalho, eu comecei a formar planos com meu namorado, já pensados sem ela saber há um tempinho, de morarmos sozinhos para que, acima de tudo, eu pudesse continuar na Inglaterra. Tudo porque eu nunca gostei de mudanças, sempre fui covarde para isto, e me mudar para a Irlanda faria tudo o que eu construí aqui na Inglaterra se dissolver pouco a pouco. E isso incluía o meu relacionamento de anos com Richard. Eu não conseguiria ver isso acabar, era dependente do amor dele. Meus planos iniciais eram continuar em Croydon, apenas mudando de casa, já que minha mãe havia vendido a nossa. Contudo, Richard me fez aceitar uma mudança um pouquinho maior para Harrow, onde ele havia nascido e vivido até os seus dezesseis anos, mudando-se depois para Croydon. Apesar de mudança de distritos – qualquer tipo de mudança, na realidade - não estarem nos meus planos, acabei aceitando a proposta de Richard, porque, no fundo, nada me assustava mais do que me mudar da Inglaterra.
Meu organismo não estava muito acostumado com mudanças, na verdade nem um pouco, logo que eu nunca sofri nenhuma mudança tão séria quanto a de hoje seria. A prova disto era que, logo que acordei, meu estômago doía e se revirava todo ao mesmo tempo, além das pontadas fortes na minha cabeça, que começaram logo que eu desci as escadas e me deparei com as minhas malas ao lado da porta. A cada dia que passava era mais doloroso reconhecer que as coisas mudariam, por mais que pouco comparado a mudança que minha mãe, por exemplo, sofreria. Morar com Richard parecia uma coisa bem legal e independente – eu teria que me acostumar algum dia com esse negócio de independência -, porém, para que isso ocorresse, eu teria que quebrar o laço de dependência que me prendia a minha mãe e isso talvez não fosse tão fácil de agüentar. Ela sabia disso e o usava como artifício de persuasão para que eu desistisse de ir para Harrow e fosse com ela para a Irlanda. Toda vez que o assunto era mudança ela dizia: Como você vai conseguir ser independente se tudo o que você faz precisa de mim? O que me fazia refletir quão verdade isso era. Mas, uma hora ou outra, eu teria que largar um pouco toda a minha dependência e tentar viver um pouco livre, ou dependendo de outra pessoa, no caso, Richard. Tanto faz. E, querendo meu organismo ou não, a hora era agora, não havia como mudar.
Fechei a porta do meu quarto, lutando para segurar as lágrimas que queriam escorregar, logo após me despedir dele. Desci a escada, tão peculiar para mim, que me levava à sala de estar onde minha mãe se encontrava, com lágrimas escorrendo pelos olhos, sentada no sofá vermelho que dava vida àquela sala clara. Respirei fundo quando pisei no último degrau me preparando para enfrentar a despedida dolorosa que minha mãe nos submeteria. Era da natureza dela fazer drama e, talvez, eu tenha herdado isso dela. Contudo, eu não fazia drama para os outros. Fazia para mim mesma, nos meus pensamentos.
- Mãe? – perguntei, me aproximando do sofá e sentando ao seu lado – Já está na hora de eu ir – informei, esperando que ela não começasse a chorar mais do que chorava. Eu odiava despedidas e preferia mil vezes que elas fossem feitas da maneira mais silenciosa possível, para não machucar tanto. Ela pareceu compreender minha vontade de uma despedida sem alarmes, então, logo após secar algumas lágrimas, com toda a sua delicadeza, laçou seus braços em volta do meu pescoço e ficamos naquele abraço até eu lembrar que Richard já devia estar impaciente lá fora.
- Vamos fazer isso da maneira menos dolorosa possível, porque eu sei que é melhor para você assim. – ela falou se levantando e estendendo a sua mão para que eu levantasse também. – Logo que eu chegar na Irlanda e acertar as coisas, eu te ligo para passar meu número. E você, por favor, me ligue pelo menos três vezes por semana. Pode mandar e-mails se preferir, mas eu quero escutar sua voz de vez em quando. – terminou sua ordem e jogou seus braços em volta de mim novamente com um desespero que me fez sorrir. Segurei novamente as lágrimas, alguém ali deveria ser forte.
- Tudo bem, mãe. Eu prometo. – disse, desvencilhando nosso abraço – Eu vou sentir sua falta. – sorri, tentando passar um pouco de confiança em relação a toda essa mudança para ela, enquanto caminhávamos abraçadas em direção à porta.
- Eu também, . – ela confessou brigando para não deixar mais lágrimas escorrerem pelo seu rosto – Eu amo você.
Despedi-me da casa que chamei de lar desde que nasci e, ainda sentindo pontadas na minha cabeça e embrulhos no meu estômago, fui a caminho da minha nova casa, que eu chamaria de lar a partir de então, mesmo que talvez não fosse tão acolhedora quanto a minha antiga.

Eu estava há meia hora, quem sabe até mais, jogada no sofá bege da minha nova e grande casa, buscando pensamentos aleatórios que me permitissem distração no teto branco da sala. Eu já havia guardado todas as minhas roupas e as de Richard, separando-as por estação, dentro do guarda-roupa do nosso novo quarto. Adquirindo, segundo Richard, um transtorno obsessivo compulsivo.
A casa era um pouco maior que a minha era em Croydon, os móveis foram em sua grande parte comprados pela minha mãe e, as únicas coisas ali com o meu dedo, eram as cores das paredes e dos pisos do chão. Contudo, eu me sentia bem e um pouco “em casa”, já que o gosto da minha mãe era, analisando bem, parecido com o meu. Quando você vive anos com uma pessoa é inevitável não adquirir gostos que, na realidade, nunca foram seus, mas que você os tem como parte do que você é.
Sentia-me em casa, no entanto, havia os pontos negativos em tudo aquilo. Talvez, se as coisas não tivessem sido escolhidas pela minha mãe, eu não pensaria nela a cada minuto, toda vez que meus olhos analisassem algum móvel que denunciava o gosto peculiar dela.
- Gostou do teto da casa? – A voz de Richard e a sua risada me pegaram desapercebida, o que me fez rapidamente sentar no sofá e parar de buscar distração no teto, já que agora tinha ali a minha frente uma distração bem melhor, em carne e osso. Ele riu ao perceber meu susto e sentou ao meu lado jogando seu braço direito em volta do meu pescoço.
- Então, a bela adormecida finalmente acordou? – perguntei, logo que o susto passou, e deitei novamente no sofá, agora com minha cabeça apoiada nas pernas do meu namorado.
- Estou com fome. – falou, ignorando minha pergunta, enquanto brincava de fazer círculos com o seu polegar na minha bochecha.
- Tem algumas bolachas na mesa da cozinha. – Sentia seus olhos verdes analisarem meu rosto enquanto eu analisava minhas unhas com o esmalte azul descascado – Temos que ir no mercado – avisei e ri da expressão de nojo que ele fez ao ouvir a palavra mercado.
- Pensando bem, eu posso esperar o almoço, já está quase na hora dele – disse, pegando o controle remoto para ligar a televisão.
- Richard – falei, vendo o seu rosto confuso e continuei – Não hoje, estou muito cansada. Se quiser, coma as bolachas – terminei de falar e o vi gargalhar alto como se eu tivesse feito uma piada.
- Quem disse que eu preciso da sua comida? – perguntou – Minha comida é definitivamente melhor que a sua – falou, abafando um riso ao ver minha boca se abrir de indignação e olhando, logo em seguida, para a televisão enquanto passava os canais.
- Desde quando você cozinha, senhor Richard? – perguntei voltando a me sentar no sofá e o analisando de perfil.
- Desde quando eu posso. – disse, zombando – Sou um cozinheiro nato, senhora . – Ele se virou para mim e segurou com a ponta dos dedos de uma de suas mãos meu queixo, logo continuando – Se você quiser, eu posso te dar umas aulas particulares – propôs, levantando uma de sua de suas sobrancelhas e sorrindo de lado. Ri alto, após me livrar de seu olhar hipnótico, e dei um soco leve no seu ombro, o fazendo perder toda a concentração, começando então a rir também.
- Richard, por favor, menos – pedi, entre minhas risadas.
- Então você não quer? – ele perguntou largando o meu queixo enquanto se afastava de mim, voltando ao seu lugar original. – Você não sabe o que está perdendo. Se eu fizer essa proposta para qualquer garota aí fora elas vão aceitar na hora. – disse, a fim de me ver enciumada, mas não estava conseguindo.
- Você é o pior, Richard – falei, rindo enquanto levantava do sofá e ia a cozinha.
- Aonde você vai? – Ele segurou meu braço me puxando para me sentar novamente envolta pelo seu braço.
- Fazer o almoço – respondi, logo em seguida rindo do olhar vitorioso que brotou em seus olhos. É, ele havia ganhado.
- Se precisar de ajuda é só chamar o chefe aqui – falou abafando meu riso com um beijo de alguns segundos. – Ah, – disse, arrumando minha franja, quando o beijo acabou – Hoje nós vamos jantar na casa de um amigo meu de infância – Seu rosto animado me fazia sorrir um sorriso tão grande quanto o dele.
- Algum amigo que eu conheça pela suas fotos? – perguntei, levantando-me e indo a cozinha, após desviar dos sapatos de Richard que estavam pelo caminho.
- Sim, você lembra quando te falei de um ? – Prestei atenção no nome, mas nada muito claro vinha em minha mente. Richard me falava de muitos amigos seus de Harrow, era impossível eu lembrar de todos os nomes.
- Acho que sim – menti, enquanto procurava alguma comida para preparar na dispensa.

Richard, enquanto dirigia até a casa do seu amigo que eu já não me recordava o nome, contava seu passado, do qual ele tanto sentia falta, para mim novamente. Ele vivia contando suas peripécias de criança e eu me controlava para que minha inveja não falasse mais alto que o meu amor por ele, já que eu nunca tive uma infância iluminada de felicidade como Richard teve. Eu apenas concordava com a cabeça quando ele me perguntava alguma coisa, e ria quando ele também ria, mas na verdade eu não estava entendendo o que ele estava falando, porque meus pensamentos estavam fora daquele carro, fora daquelas ruas de Harrow por onde passávamos.
Eu não sabia exatamente porque, talvez fosse o fato de ser o primeiro dia e eu ainda não ter me acostumado, mas eu não conseguia me sentir completamente em casa com Richard ali ao meu lado, ao invés da minha mãe. Parecia que tudo aquilo não se passava de umas férias, onde logo eu voltaria para Croydon e minha casa estaria lá, com a minha mãe, me esperando. Não que Richard não fosse um bom companheiro, ele era um ótimo, aliás. No entanto, ele não era o que eu sempre precisei e tive quando morava com minha mãe. Porque eu sempre precisei de algo para apoiar totalmente minha vida e meus problemas, algo que eu pudesse depender totalmente. E Richard não era tão superprotetor quanto minha mãe, evidentemente. Contudo, eu o amava e teria que me acostumar a abandonar esse meu lado dependente. Teria que me adaptar ao modo de viver de Richard e, acima de qualquer coisa, teria que aprender que sofrer sozinha é melhor do que fazer as pessoas sofrerem por você. Por isso eu fingia que estava tudo bem, fingia que estava gostando da mudança e me permitia sofrer apenas por pensamentos. Tudo para não apagar a felicidade do meu namorado.
- E você acredita que eu e o conseguimos pegar ele de surpresa? – Richard olhou para mim rindo. Eu sorri e fiz cara de chocada, por mais que eu não soubesse a história.
Era estranho encarar que eu teria uma nova vida ali em Harrow e que, depois que acabasse as férias de verão, isso não me pareceria mais algumas férias tiradas com meu namorado. Eu iria começar minha faculdade de moda, Richard iria começar a trabalhar, saindo de casa às 7:00 e voltando às 16:00, e eu, óbvio, teria que ficar sozinha em casa das 13:00 às 16:00, o que não me deixava muito feliz. Por mais que eu gostasse um pouquinho de solidão, para viajar nos meus pensamentos, eu queria alguém do meu lado a todo o momento para eu compartilhar, de vez em quando, minhas idéias. Ou para simplesmente me distrair de meus pensamentos doloridos e receosos sobre o meu futuro e só Richard conseguiria fazer isso agora.
- A casa dele continua a mesma. – Richard comentou, trazendo-me de volta à realidade e me fazendo olhar à bela casa ao nosso lado, provavelmente a de seu amigo.
A casa era um sobrado grande, chegava a ser maior que as duas casas que eu morei juntas, isso porque, como Richard havia me falado, morava com seus pais e sua irmã mais nova. O contrário de mim, que sempre morei com apenas uma pessoa: minha mãe e, agora, com Richard. Havia grama bem aparada na parte da frente e as paredes brancas estavam limpas, o que denunciava o bom cuidado e apreço que eles tinham com a casa.
Eu até imaginava o tipo de família que eles eram, aquele tipo perfeito de causar inveja para uma garota que teve na vida apenas a mãe e só. Provavelmente eles eram o tipo família que combinariam para fazer um comercial de margarina. E eu senti uma pontinha de inveja por isso.
Richard entrelaçou nossos dedos e tocou a campainha uma vez. Seu rosto brilhava de felicidade, o motivo que eu me apegava para acreditar que toda a mudança valia a pena, por mais que eu no fundo não estivesse tão bem quanto encenava. Após alguns segundos um garoto, que eu deduzi ser , abriu a porta com um sorriso tão grande quanto o de Richard.
Ele era incrivelmente bonito e logo que o vi finalmente lembrei de algumas fotos que Richard havia me mostrado. Seus olhos conseguiam ser mais brilhantes do que os do meu namorado, o que me encantava, e seu rosto parecia ser macio em excesso, a ponto de dar uma vontade imensa de toca-lo, só para provar se era de verdade. Seus olhos pararam em mim por alguns segundos, o que me fez corar. Não sabia exatamente porque, mas seu jeito e tudo o que o envolvia me deixava como uma criança deslumbrada por um brinquedo super cobiçado. Ele deu passagem para que eu e Richard entrássemos em sua bela casa, que parecia estar abrigando apenas ele naquele dia.
- Richard – disse, segurando o ombro do meu namorado – Estou feliz em te ver novamente – Seus olhos saíram de Richard e pousaram em mim novamente.
- Eu também, . Essa é a . – Richard voltou seu olhar para mim. –, esse é o – apresentou-nos. Eu não sabia exatamente como deveria cumprimentá-lo; para falar a verdade, minha vontade era de tocar o seu rosto. Mas ele foi mais rápido e estendeu sua mão direita.
- ! Richard fala muito de você, sabia? – falou, com um sorriso tão grande e bonito que me fazia ficar desconcentrada.
- Ele fala muito de você também – disse, um pouco nervosa pelos sentimentos que aquele estranho estava me causando – Aliás, ele andou me contando bastante sobre a amizade de vocês. – Meus olhos voltaram-se para o Richard sorridente que se encontrava ao meu lado.
- Espero que nada muito comprometedor – falou, fazendo um gesto para que sentássemos em seu sofá.
- Claro que não, amor – Richard disse com uma voz fina arrancando risos de nós três.
O jantar se passou assim, lotado de risos e piadinhas internas entre os dois, que obviamente eu não entendia, mas não me importava muito. Meus pensamentos agora estavam divididos entre minha nova vida em Harrow e . Eu não entendia muito porque - e tinha medo de entender -, mas aquele garoto me chamava a atenção. Talvez o seu jeito diferente, um jeito que chamava a minha atenção, fazendo com que, às vezes, sem perceber, eu o analisasse por tempo de mais. Quando ele notava isso sorria para mim e então eu desviava o olhar sentindo minhas bochechas queimarem. Talvez porque ele tinha alguns muitos pontos em comum comigo, pontos pequenos, como uma música favorita, mas que me faziam naquele momento ficar deslumbrada. Era como se nós já fossemos amigos, ou alguma coisa assim, porque ele conseguia às vezes completar minhas falas e vice e versa. Ou talvez fosse loucura da minha cabeça, que estava tentando o máximo para me deixar fora dos meus pensamentos de Croydon, já que pensar em qualquer outra coisa era melhor do que ficar me martelando com meus pensamentos medrosos sobre minha decisão mais recente. Ou talvez não. Ou tanto faz, não me importava muito.
- Aonde você vai? – perguntei, quando estávamos os três calados, olhando para algum seriado que passava na televisão, e Richard levantou do sofá.
- Ao banheiro – respondeu, enquanto saia do meu ângulo de visão.
Eu não tinha nada em mente para falar com enquanto estivéssemos só nos dois. Apesar de querer conversar, querer saber mais sobre aquele estranho que me deixou com a cabeça tão confusa. Então, achei melhor continuar fingir prestar atenção no seriado, assim como estávamos fazendo antes.
- Deve ser legal morar só você e o Richard, né? – ele perguntou, fazendo-me levar um pequeno susto dentro de mim. Olhei para ele, meu coração batia um pouquinho mais rápido pelo susto, e eu demorei um pouco para me concentrar em uma resposta.
- Hm, na verdade ainda é nosso primeiro dia – falei – Está sendo legal até agora. Espero que continue assim. – Sorri e dei os ombros. Não consegui sustentar o olhar dele por muito tempo; comecei então a analisar minhas unhas.
- Claro. – Eu podia sentir seus olhos em mim e isso de certa forma me incomodava. Fazia minhas bochechas corarem mais e meu coração ficar em um ritmo estranho. – Deve ser legal ser independente a esse ponto – falou e, então, eu senti uma vontade enorme de botar tudo o que eu estava sentindo para fora quando ele falou a palavra “independente”, mesmo que ele não fosse íntimo meu a esse ponto. Uma vontade muita estranha.
Olhei para o rosto dele, sentindo que vomitaria as palavras a qualquer momento e analisei seu olhar confuso ao ver minha expressão dolorida.
- Na verdade, isso é bem complicado para mim – Olhei bem no fundo de seus olhos, que não paravam de me analisar – Eu sempre fui apegada à minha mãe. Dependente dela. Sempre tive que ter um refúgio, um porto seguro, para eu jogar meus problemas e perdê-lo assim, de repente, não me faz ter as melhores sensações – expliquei, sentindo-me ridícula por estar confessando isso justo com ele.
- Mas você pode ligar para ela – falou – e Croydon é aqui pertinho – concluiu, rindo.
- Ela vai se mudar para a Irlanda daqui a umas duas semanas, mais ou menos. – Meus olhos se encheram de lágrimas nesse momento. Eu sabia que me confessar com ele não seria boa coisa, mas, mesmo com toda a vontade de chorar, eu meio que me sentia menos angustiada por ter partilhado o que eu estava sentindo. Era como se eu jogasse parte na minha dor nele.
- Oh! Eu sinto muito – Ele me pareceu preocupado, como se estivesse se culpando por ter tocado no assunto.
- Tudo bem. – disse – Ainda temos os telefonemas e tudo o mais. – Sorri, tentando mostrar que eu não me importava por ele ter tocado no assunto, ao contrário, me sentia até um pouco melhor.
- Aposto que daqui a alguns dias você vai se acostumar com a independência. – falou, ainda com um sorriso que me pedia desculpas.
- Eu realmente espero. – Sorri e senti coisas dentro do meu estômago ao olhar mais dentro de seus olhos brilhantes.
- Quando eu brigava com a minha irmã e meus pais ficavam do lado dela, eu ficava fazendo planos de morar sozinho. – comentou, rindo. – Você tem irmãos?
- Não. Era apenas eu e minha mãe mesmo. Talvez por isso tenha me apegado tanto a ela. – falei, e ele concordou. – Se pensar bem, ela também era um tanto dependente de mim. Apesar da vida ter feito dela uma mulher bem forte e independente.
- Ela é separada do seu pai? – perguntou e eu desviei o olhar por causa da pergunta. Explicar isso era a coisa mais dolorosa desde que eu tinha cinco anos e minhas colegas perguntavam sobre meu pai.
- Não literalmente. – disse. Ele percebeu que eu não queria tocar nesse assunto; ele deve ter percebido uma lágrima que eu não consegui prender e acabei deixando escorregar.
Logo Richard voltou do banheiro e nós tivemos que ir embora. Eu me senti triste por isso, gostaria de ficar mais um pouco escutando os dois rirem e descobrindo como era parecido comigo. Na verdade, eu queria continuar minha conversa com aquele garoto.
- Passe lá em casa qualquer dia, – Richard falou e a imagem de na minha casa me fez ficar feliz. Eu me puni um pouco por isso, pelo fato de estar gostando em excesso daquele garoto. Mas talvez fosse só um indício de que nós seriamos bons amigos.
- Claro que sim – disse, despedindo-se de nós.
Após dar um abraço em Richard, despediu-se de mim com um abraço também, fazendo com que minha testa encostasse um pouco em sua bochecha, o que me fez ter certeza do quão macia era sua pela e do quão bom era o seu cheiro. Eu fiquei feliz, como uma criança que, por mais que não tenha conseguido o brinquedo cobiçado, pelo menos tocou nele.
- Desculpa se alguma coisa que te falei tenha te incomodado. – sussurrou no meu ouvido e eu senti um frio na espinha intenso. Sorri, tímida e com minhas bochechas coradas, quando desvencilhamos nosso abraço. Ele deu o melhor sorriso dele e eu fiquei um pouco perdida nos meus pensamentos.

Capítulo 02

Poucos e fracos raios de Sol entravam pela grande janela da sala, aquecendo um pouco meu braço esquerdo nu, por eu estar usando apenas uma blusa de alça – uma coisa muito atípica. Meus olhos estavam fechados e meus pensamentos completamente atentos às mensagens das músicas que estavam tocando. O meu cd dos The Beatles, past masters, volume two, estava na sua sexta faixa, The Inner Light, em um volume baixo, porém perceptível, tornando capaz captar a mensagem de cada música, sem deixar mais nenhum outro pensamento tomar conta de mim. Meu corpo esparramado pelo sofá relaxava a cada verso e meus pensamentos não estavam mais tão desalinhados como antes estavam. Estavam organizados agora. Eu poderia selecioná-los e pensar em um de cada vez, rejeitando, assim, os mais dolorosos. No momento, eu procurava não pensar muito naqueles que me levavam à Croydon, ou à minha mãe, ou à qualquer coisa relacionada a isso.
As férias de verão já haviam terminado, minha mãe já estava na Irlanda, mantendo contado sempre que possível comigo, Richard já havia começado a trabalhar no seu novo emprego e minha faculdade já ocupava a minha manhã como deveria. Portanto, nada mais me ligava a Croydon, nenhum pensamento teria algum motivo convincente para me levar para lá. Mas mesmo assim eu me via, de repente, transportada para lá de novo e, então, era difícil eu me desconectar e conseguir voltar cem por cento para a minha realidade.
Minha nova vida já havia começado e, aparentemente, não era tão ruim quanto eu pensava, tenho que confessar. Richard voltava todo dia, exceto aos domingos, às 16:00 e passávamos o resto do dia juntos, fazendo coisas aleatórias e, talvez, um pouco monótonas. Mas esse era o tipo de casal que eu e Richard éramos. Nós gostávamos de monotonias, de um pouco de rotina, de passar o dia inteiro em casa. Então em todos os dias da semana a rotina era nossa companheira fiel.
Richard havia me apresentado seus outros amigos que ele tinha aqui em Harrow. Contudo, nenhum deles tinha me chamado tanto a atenção quanto e eu ainda não entendia como ele conseguia fazer meus pensamentos voltarem sempre para ele. Eu pensava nele sempre que aquele dia do jantar me pegava desapercebida, pensava no meu desejo estranho de tocar em sua pele e das minhas bochechas corando por coisas bobas. E isso fazia com que eu ficasse ansiosa para o nosso próximo jantar, ou com o dia que ele tocaria nossa campainha para botar o assunto em dia com Richard. Mas o que aparentava era que homens não costumavam “botar o assunto em dia” como as mulheres, tanto que, depois do jantar, eles só se conversaram por telefone. Conversas sempre rápidas, apenas para que ambos se certificassem que tudo estava andando nos conformes.
Minha nova amiga de faculdade, Hayley, passava aqui em casa alguns dias para me fazer companhia até que Richard chegasse, para eu não ficar sozinha nesse meu novo mundo. Seu jeito tímido combinava com o meu e nos submetia ao silêncio de vez em quando, mas não nos incomodava. Era um silêncio legal, um silêncio que nos permitia pensar um pouco, para depois continuarmos um assunto aleatório e legal. Ela era uma boa amiga, já sabia de quase tudo de mim e me contava quase tudo sobre ela, além do mais, ela fazia o tempo passar bem rápido e, em um passe de mágica, Richard estava em casa novamente.
No entanto, hoje ela não me fazia companhia, tudo porque foi fazer “compras de roupas mensais” com a sua mãe. Compras de roupas mensais. Com a sua mãe. Parecia uma coisa bem legal, não por roupas novas todo mês e sim pela mãe comprando roupas novas com a filha todo o mês. Ela chegou a me convidar, mas eu preferi não aceitar, porque como ela mesma disse, era um momento que ela tinha com a sua mãe e eu não queria atrapalhar isso. Além de que, toda a falta que minha mãe fazia e a pontinha de inveja que eu sentia dessas “compras de roupas mensais” só pioraria se eu estivesse acompanhando o momento digno de novela delas.
Portanto, sem Hayley por perto, meu dia demorava a passar.
O relógio do rádio me informava que ainda aram 14:12 e que eu ainda teria um bom tempo para ficar deitada naquele sofá, esperando Richard chegar, ao som de Beatles e curtindo o Sol fraquinho e atípico.
O ritmo animado de Revolution, a oitava faixa do cd, me fez levar um pequeno susto e despertar da viagem que eu havia feito, na minha cabeça, deitada naquele sofá. 14:20.
Sentei no sofá e tentei jogar minha preguiça de lado para eu levantar e me mexer um pouco. No entanto, antes de eu começar a me concentrar para mandar minha falta de vontade para o lado, a campainha tocou, duas vezes, se misturando com o som de Get back.
Caminhei até a porta um pouco devagar demais, prevendo que fosse o carteiro, que me entregaria alguma carta que minha mãe escrevera para mim - ela gostava de manter hábitos antigos e eu também, na verdade -, mas tive uma grande - muito grande, aliás. Que fez meu coração acelerar e tudo o mais. - surpresa ao abrir a porta e me deparar com ninguém menos que .
Meu coração parecia ter adquirido uma velocidade sobrenatural e eu não pude evitar a feição de surpresa que brotou em mim, uma feição de surpresa misturada com uma felicidade estranha. Ele sorria, um tanto sarcástico se analisasse bem – talvez ele estivesse notando minhas bochechas começando a ficar vermelhas -, um sorriso enorme.
Nós ficamos um bom tempo analisando um ao outro e, no meu caso, tentando controlar as coisas que estavam acontecendo dentro de mim. Coisas estranhas, que eu nunca tinha sentido antes, porém coisas legais de sentir.
- Estou atrapalhando? – perguntou, parando de sorrir e me olhando sério, como se me analisasse para saber se tinha feito algo certo ou não.
- Não. Claro que não. – falei, balançando minha cabeça um pouquinho para os lados a fim de me concentrar em parecer uma pessoa normal – Entre. – Abri um espaço para que ele entrasse. Logo em seguida me virei para encara-lo, após fechar a porta.
- Bela casa a de vocês – falou, olhando para os lados e fazendo uma análise superficial e rápida.
- Obrigada – sorri e apontei para o sofá para que ele sentasse – Não é tão grande quanto a sua, mas o bastante para duas pessoas viverem.
- Sim. – sorriu, fazendo as minhas bochechas corarem novamente – Ele está aqui? – perguntou, após alguns segundos de silêncio.
- Não, ele está trabalhando. Só volta às 16:00. – expliquei, um pouco confusa, pois eu estava quase certa que Richard havia contado à ele sobre seu horário de trabalho.
- Claro – ele riu, como se eu estivesse perdendo uma piada – A faixa treze é a minha favorita desse cd – falou, mudando totalmente o rumo do assunto e me fazendo ficar mais deslumbrado por ter descoberto mais um ponto em comum entre nós.
- Across The Universe é minha favorita também – confessei, sorrindo.
Seus olhos brilhavam como no dia do jantar. Agora até mais se analisasse melhor.
- Richard começou a gostar de Beatles depois que começou a namorar você?
Seus olhos estavam me encaravam a todo o momento, ao contrário dos meus, que quando sentia muita vergonha, começavam a analisar objetos aleatórios da minha casa. Ele estava muito perto de mim o que aumentava minha vergonha. Estávamos cada um nas pontas do sofá, na verdade. Mas aquilo era, para mim, perto demais.
- Não. – Ri, lembrando de como Richard não gostava quando eu colocava Beatles para ouvir – Por isso eu escuto quando ele não está presente.
- Eu lembro das caras feias que ele fazia quando eu tocava alguma música deles quando saíamos entre amigos. – disse.
- Richard me falou que seu sonho sempre foi montar uma banda – Mudei novamente o rumo de nossa conversa.
- É, agora já tenho a banda, só falta o sucesso – Riu.
Sua risada fazia com que eu me sentisse animada demais. Fazia eu me mexer, com movimentos rápidos e desengonçados, no sofá. Uma animação incontrolável.
- Aposto que vai ser logo. Vocês devem ser bons. – falei, o vendo sorrir – E você gosta de Beatles, tem boa influência.
- Não para Richard. – comentou nos fazendo rir.
- Eu sinto que no fundo Richard ama Beatles. Ele só faz charme. Birra, melhor dizendo – disse.
- É uma boa tese. – concordou - Ele é cheio de fazer charme, birra. – Rimos um bom tempo da nossa tese idiota, como se isso fosse algo engraçado.
Rir com era algo realmente bom, era melhor que rir com Hayley, ou com a minha mãe, ou até com o Richard. Ele tinha uma energia estranha, porém boa, que me fazia querer não parar nunca nossa conversa, mesmo mudando de rumo toda hora. Eu não sabia exatamente o que ele estava fazendo ali, talvez esperando Richard chegar, ou talvez ele só queria conversar comigo mesmo, como eu queria que fosse. Eu sabia que a probabilidade de ser a segunda hipótese era pequenininha, mas eu gostava de acreditar nela. E mais uma vez eu tive medo de entender o que eu estava sentindo. Esperava que fosse apenas um reflexo da mudança, que me fez ficar mais aberta a novas amizades.
- Sua mãe já foi para a Irlanda? – perguntou após encerrarmos o assunto “seriados legais”.
Ele concordou que Smallville é um clássico, mas não que é o melhor. Ele preferia Friends e me fez concordar que esse também é um clássico dos seriados.
Eu tive de admitir que minha paixão toda por Smallville vinha, em sua maior parte, por culpa apenas do lindo Clark. Ele gargalhou e eu corei com a minha confissão.
- Já. – O sorriso que estava no meu rosto sumiu e ele percebeu isso – Ela me liga, eu mando e-mails e, às vezes, ela me manda cartas – Ri um pouquinho ao contar sobre o costume antigo da minha mãe – Está sendo difícil ainda. Mas acho que estou me dando bem com todo o lance de ser independente. Apesar de sentir falta de jogar meus pensamentos e problemas em alguém. – confessei, olhando para baixo a fim de que ele não percebesse meus sentimentos sobre tudo aquilo. Eu precisava fingir não só com Richard.
- Deve ser bem difícil – falou me pegando de surpresa ao se aproximar de mim e colocar sua mão no meu ombro, fazendo com que seu braço entrelaçasse meu pescoço. Senti um frio na espinha ao sentir o seu toque. – Jogue seus pensamentos e problemas em Richard. – deu a idéia.
- Richard não é o tipo de pessoa para isso – falei, ainda olhando para baixo e sentindo seu cheiro muito perto de mim, embriagando-me – Toda vez que eu toco no assunto, ele começa a mudá-lo. Não tenho raiva dele. É bonitinho até, sabe. Ele não quer me fazer remoer coisas que me machucam, então ele prefere me fazer sorrir com suas piadinhas. – Ri mais um pouquinho lembrando do jeito de Richard – Mas eu sempre fui acostumada a falar tudo o que eu sinto, como agora estou fazendo com você – Olhei para ele sorrindo um pouco mais ao encontrar seus olhos muito perto dos meus – Eu nunca guardei nada para mim. Nunca gostei de chorar sozinha. Na verdade, eu não consigo. Quando eu estou sozinha meus pensamentos ficam desalinhados demais. – expliquei, logo continuando a falar. Eu estava precisando desabafar com alguém há muito tempo e agora estava jogando tudo nas costas dele. – Sabe , é bem estranho falar isso com você, digo, descarregar meus problemas em você. No entanto, é muito bom, é exatamente o que eu precisava desde quando minha mãe me chamou no quarto dela para me dar a notícia que ela se mudaria para a ilha aqui do lado. Eu tenho que te agradecer por isso. Obrigada. – agradeci, sorrindo de lado e observando seus olhos analisarem cada detalhe do meu rosto. Sua respiração me tocando me deixava mais embriagada ainda.
- Você não precisa agradecer – falou, não se distanciando – Eu sei que não deve estar sendo fácil para você. Eu percebi isso quando eu toquei no assunto naquele dia do jantar na minha casa. Percebi que lágrimas estavam presas nos seus olhos, como se você precisasse falar aquilo com alguém, mas não tinha com quem falar. – Isso fez algumas lágrimas caírem dos meus olhos. Ele sabia exatamente o que eu estava sentindo, ele tinha entendido tudo. – Por isso eu vim aqui hoje. Eu só demorei porque estava na dúvida se era certo eu vir ou não, mas hoje eu acordei e fiquei lembrando daquelas lágrimas presas em seus olhos e eu não agüentei.
- Ah , obrigada – sussurrei em meio a lágrimas, enquanto sentia seu abraço forte me confortar. Era melhor do que eu previa, abraçá-lo daquela forma, forte, era bem melhor do que eu previa.
Era um abraço acolhedor e bom demais, tanto quanto o seu cheiro, que eu inalei forte logo que senti seu pescoço perto do meu nariz. Eu não gostava muito de sentir aquilo, mas aquele abraço era o melhor que eu já havia recebido. Eu não gostava porque era para ser o abraço de Richard o melhor, não o de . Mas eu me conformava com isso, porque, obviamente, eu estava sentindo que aquele abraço era o melhor pelo fato de ele ter sido um bom amigo e ter deixado que eu desabafasse com ele. Não era nada além disso. Pelo menos eu esperava.
- Não me chame de , – falou após desvencilhar o abraço cedo demais – é muito coisa da minha mãe – Riu secando algumas lágrimas dos meus olhos e me fazendo rir também – é melhor. – completou – E eu já disse que não precisa agradecer. Eu sou seu novo amigo, pode contar comigo sempre que precisar.
- Tudo bem – Sorri, secando as últimas lágrimas que escorreram – Você é um ótimo amigo, . O melhor que eu já tive – falei, não resistindo e, então, dando outro abraço nele. Demorei para largá-lo desta vez e só o fiz porque suspeitava que, talvez, ele não estivesse tão confortável como eu estava.
- É melhor eu ir – disse se levantando – Já roubei muito o seu tempo.
- Fique mais, não me importo. E o Richard daqui a pouco chega. – disse após me levantar também e constatar que já eram 15:43.
O tempo havia passado mais rápido ainda com . Parecia que ele tinha acabado de chegar, meu coração batia da mesma forma ainda, como se ele não tivesse tido tempo para se aquietar.
- Por isso mesmo eu vou – falou se dirigindo até a porta e me dando um último abraço de despedida. Um abraço rápido comparado aos outros, mas tão bom quanto eles.
Aquilo me fez ficar confusa, mas feliz ao mesmo tempo, porque o fato de ele não esperar Richard chegar só tinha uma explicação: a hipótese número dois; a hipótese de ele ter ido até ali somente para falar comigo. Tudo bem que ele já havia me falado que foi ali apenas porque estava preocupado comigo, mas ter a certeza disso, após perceber que ele não iria esperar seu amigo voltar do trabalho, fazia um sorriso brotar no meu rosto.
havia feito eu me sentir como a tempos não me sentia: aliviada. Eu conseguia respirar melhor depois da conversa que tivemos, depois de desabafar tudo o que estava sentindo com ele. Ouvir suas palavras consoladoras, ouvir ele falar que eu poderia contar sempre com ele e, acima de tudo, poder abraçar alguém que sabia de tudo o que eu estava sentindo, deixavam com que eu me sentisse aliviada. E com uma felicidade bobinha também. Desliguei o som logo que escutei o carro de Richard estacionar e corri em direção à porta, com uma felicidade completamente estranha e que eu nunca havia visto em mim.
- Hey – Richard fez uma cara de surpreso ao ver o sorriso que estava no meu rosto – De onde vem tanta felicidade? – perguntou após selar nossos lábios.
- Só cheguei da faculdade um pouco mais feliz. – menti. E ele, rindo, subiu as escadas para ir ao nosso quarto. Eu o segui.
- Percebe-se – falou se jogando na cama – A Hayley não lhe fez companhia hoje?
- Não, ela foi fazer umas “compras de roupas mensais” com a mãe dela – expliquei, me deitando na cama ao seu lado, envolta pelos seus braços.
- Compras de roupas mensais. – repetiu – Eu acho que eu preciso disso, minhas roupas estão todas velhas.
- Você quer que eu fale com elas para te adicionar no grupo? – perguntei rindo e o fazendo gargalhar.
- Não. Eu posso fazer isso sozinho, ou com você – falou, selando nossos lábios outra vez.
- Acho uma idéia ótima – disse animada – Nós poderíamos fazer isso essa semana. – sugeri, deitando agora de barriga para baixo, podendo analisar melhor seu rosto.
- Claro que sim – Richard falou rindo – Vai ser ótimo sair da rotina e de brinde ter roupas novas.
- É, apesar de eu gostar de rotina, essa já está me matando. – confessei, fazendo uma cara feia.
- Verdade – concordou, mexendo nas pontas do meu cabelo – Mas com você até rotina é legal. – falou me fazendo corar.
- Richard, você está me fazendo ficar vermelha – Apontei para minha bochecha rindo sem graça.
- Você fica bonitinha assim.
Apertou minha bochecha, como se eu fosse alguma criança bochechudinha. Logo em seguida, me pegou pela cintura, fazendo eu ficar de barriga para cima novamente, e ficando um pouco em cima de mim.
– Sinto falta de quando estávamos começando a namorar e tudo o que eu falava fazia você corar. – disse, dando beijos no meu pescoço e no meu colo.
- Eu estou me acostumando com o seu jeito – falei de olhos fechados sentindo seus lábios tocarem minha pele.
- Quase dois anos e você ainda não se acostumou? – perguntou. E agora eu podia sentir sua boca no meu queixo.
- É bem difícil. Você é bem imprevisível, Richard. – expliquei, sentindo finalmente seus lábios nos meus.
Tudo o que eu gostava em Richard era isso. O seu jeito, às vezes imprevisível, sempre me conquistou. Desde o dia que ele apareceu para me buscar no colégio, sem que eu nem o conhecesse, até hoje. Isso sempre fez minhas bochechas corarem: seu modo imprevisível e seus olhos verdes. Eu nunca pude pensar em outro garoto a não ser ele, porque ele era o que muitas garotas chamariam de “perfeito”. Mas, por vezes, eu pensava que eu não era a garota para ele, porque eu não era o que muitos garotos chamariam de “perfeita”. Eu era estranha, eu era dependente, era nostálgica, diferente e definitivamente não era perfeita. Além do mais, apesar de ser perfeito, Richard muitas vezes não correspondia como eu gostaria em alguns aspectos. Como, por exemplo, me escutar e me dar um abraço do mesmo modo que havia feito. Ele não fazia isso, ele preferiria desviar o assunto se eu começasse a falar sobre a saudade da minha mãe e eu me chateava com isso. Por isso, talvez, mesmo beijando Richard, mesmo sentindo seu cheiro, mesmo sentindo seus braços me protegerem, meus pensamentos voltavam ao abraço de , ao seu sorriso e à felicidade que ele havia feito brotar dentro de mim.
Com os olhos abertos eu enxergava o Richard, perfeito e imprevisível, porém não o que eu precisei quando tudo pareceu ser só confusão. Com os olhos fechados eu enxergava , sua pela macia, seu cheiro envolvente e seu abraço acolhedor.

Capítulo 03

Acordei com algo diferente naquele sábado. Não foi o despertador barulhento que despertou com seu toque irritante, nem muito menos o celular de Richard que às vezes despertava com as músicas favoritas dele. Eu havia acordado com os beijos de Richard no meu rosto, pescoço e colo. Sua voz ao fundo me chamava para a realidade, mas aquilo estava tão bom que seria um desperdício abrir os olhos e acordar, porque se eu fizesse isso ele provavelmente pararia os beijos.
Já havia se passado três dias desde o dia que apareceu de surpresa aqui em casa, para falar comigo. Eu não havia recebido ligações dele; muito menos eu tinha ligado, apesar da vontade evidente em mim. Richard, uma vez ou outra, chegava a me falar em um outro encontro que ele tinha em mente com . Eu ficava sempre muito animada com a idéia, mas eles não confirmaram nada, eram apenas especulações.
- Richard? – perguntei e fiz um esforço para abrir os olhos.
- Finalmente – ele falou beijando meu pescoço – Achei que eu ia ter que ficar te beijando para sempre.
- Pode ficar – disse sorrindo um pouco e voltando a fechar meus olhos.
- Não. Eu já estou saindo de casa, senão vou me atrasar. – terminou de falar e selou nossos lábios. Meus olhos abriram novamente e uma feição confusa apareceu no meu rosto.
- Richard, hoje é sábado. Você entra mais tarde, lembra? – perguntei o vendo levantar e começar a se vestir.
- Hoje eu não vou trabalhar, . – explicou, me deixando mais confusa – Eu vou para Croydon. Meus tios vão passar uns dias lá e minha mãe quer que eu esteja lá para recebê-los. – disse. E minha feição confusa sumiu, dando origem a uma triste. Croydon. Família. Eu tinha inveja de Richard. – Oh, não fique triste – falou, deitando ao meu lado após colocar a camiseta – Eu preferia muito mais passar meu sábado com você, mas você sabe como é.
- Você volta ainda hoje? – perguntei um pouco chorosa.
- Volto amanhã de manhã – respondeu, e antes que eu pudesse reclamar, me deu um beijo.
Esperar Richard chegar nos dias de semana, sem nenhuma companhia, já era um sufoco tremendo e pior ainda seria esperar outro dia chegar para que eu pudesse vê-lo novamente. Eu teria que achar distrações para passar meu dia, mas todas minhas distrações não pareciam boas o suficiente naquele início de manhã. Tomei um gole de café preto, assistindo qualquer bobagem que passava na televisão. Os minutos passavam como longas horas e eu tentava pensar em alguma maneira de me distrair naquele sábado. Hayley seria uma boa opção, mas provavelmente ela estaria se divertindo com seus amigos do colégio, como ela sempre fazia nos finais de semana. Eu poderia pedir uma licença e me divertir com eles, mas eu não estava tão a fim assim de me socializar naquele dia. Eu não tinha muitas pessoas na minha lista de distração. Minha amiga do meu tempo de colégio de Croydon provavelmente estaria cursando sua faculdade nos EUA e morando com seu pai, e Hayley, como já disse, estaria curtindo seu final de semana melhor que eu. Isso me fez ficar um pouco pensativa e deprimida. Duas amigas, isso era tudo o que eu tinha, e o pior era que nenhuma delas estava a minha disposição. Minhas amizades sempre foram assim, poucas, desde pequena e sempre, no final, elas acabavam desaparecendo, se perdendo, quebrando o laço. Só quando eu percebia que o laço havia sido quebrado e não me restava outra saída, eu resolvia me socializar em busca de uma nova amizade. Eu até me acostumei com isso, correr atrás de amizades, ter alguém comigo por um tempinho e depois, por um motivo ou outro, vê-las indo embora. Os juramentos de “amigos eternos” sempre eram feitos. Sempre. Mas nunca eram cumpridos. Talvez, eles fossem eternos apenas na minha memória, nos momentos de nostalgia que eu adorava viver. Contudo, não eram eternos como eu gostaria que fossem. Não eram eternos como as amizades de Richard. Eu o invejava por isso.
O tempo não passava e as bobagens que passavam na televisão não eram bobagens legais, menos ainda me prendiam à atenção. As imagens apenas estavam diante dos meus olhos, mas minha cabeça não as interpretava, porque ela estava ocupada com outra coisa agora. Com os meus pensamentos aleatórios. Os malditos pensamentos aleatórios. E esses pensamentos só foram parados quando lembrei de aqui em casa, de quando ele falou que ele era meu amigo e que eu poderia contar com ele, foi então que eu tive uma idéia. Comecei, como uma louca hiperativa, a procurar algum papel com algum telefone, que seria de . Eu lembrei de quando Richard ligou para ele e deixou anotado em algum papel o número do celular dele. Olhei em cada canto da casa, em cada roupa suja do Richard, mas não o encontrei. Nessa hora que eu senti falta da agenda que minha mãe deixava ao lado do telefone com todos os telefones imagináveis. Mas eu não me rendi, minha idéia era legal, me deixou muito animada e eu gostaria de coloca-la em prática. Subi correndo os degraus da escada e coloquei as primeiras roupas que minhas mãos pegaram ao abrir o guarda-roupa. Uma calça jeans, em uma tonalidade clara, e uma blusa cinza e rosa-claro, sem mangas. Calcei meu all star de couro branco e peguei minha bolsa cinza e branca jogando minha carteira e meu celular dentro dela.
Foi fácil achar a casa de , apesar de eu ter me distraído muito quando Richard nos levou até lá. A grande casa branca, com a grama aparada, estava lá como no dia do jantar. Confesso que senti falta das mãos de Richard presas as minhas me protegendo, mas havia falado que era meu amigo, não havia porque ter medo. Fui caminhando devagar em direção à casa e, antes que eu estivesse muito perto, abriu a porta, com a chave do seu carro na mão. Desceu os poucos degraus que havia na parte da frente da sua casa e caminhou em direção ao carro. Eu comecei a correr quando percebi que ele estava indo para algum lugar.
- ! – gritei ainda correndo para que ele não fechasse a porta do carro. E ele ouviu. Saiu do carro, com o seu melhor sorriso no rosto, que me fazia corar, e esperou que eu chegasse até ele.
- Oi . – falou – Que surpresa! – ele se aproximou de mim me dando um abraço rápido e fazendo os batimentos do meu coração aumentarem.
- Pois é. – disse, com uma mão no coração, voltando a respirar normal depois da pequena corrida. Sim, eu era sedentária. - Eu resolvi vir te ver, porque o Richard foi para Croydon, para ver uns tios dele, ele só volta amanhã de manhã e eu não queria passar meu sábado sozinha. – expliquei tudo muito rápido, fazendo sorrir a cada palavra que eu dizia, talvez porque eu estava completamente afobada ali.
- Pode respirar agora. – ele falou rindo e me fazendo suspirar aliviada.
- Você ia fazer alguma coisa? – perguntei e, ainda mantendo o ritmo agitado ao falar, engatei. – Porque eu não vim aqui para te atrapalhar. Quer dizer, eu posso ir embora, afinal eu nem te liguei para perguntar se você queria ou não me fazer companhia e... - antes que eu continuasse, ele, ainda rindo, colocou seu dedo indicador sobre meus lábios.
- Fique calma. – riu – Eu ia na casa de , um dos componentes da banda. e , os outros componentes da banda, vão para lá também, para aproveitarmos esse pouquinho Sol na piscina de . Seria legal, aliás, seria ótimo se você fosse também. – explicou e eu pensei um pouco. Estar em uma casa cercada de meninos parecia uma coisa assustadora, apesar de legal. Contudo, qualquer coisa seria melhor que ficar trancada em casa esperando o tempo passar.
- Será que eles vão achar ruim se eu aparecer lá? – perguntei antes de sentar no banco do carro do .
- Claro que não. – ele falou sorrindo – Eles vão adorar – assegurou-me
Antes de ir para a casa de , passou na minha casa para que eu pegasse algum biquíni. parecia mais animado do que o normal, ele me contava no carro as aventuras com seus amigos de banda e aquilo me lembrou o dia do jantar, quando Richard me entupiu de histórias que ele tinha vivido com . No entanto, nas histórias de , eu prestava atenção, pois não havia nenhum pensamento, medo ou qualquer coisa a não ser felicidade dentro de mim. conseguia me prender com seus assuntos; todos me pareciam legais e engraçados demais. Ele conseguia tirar os pensamentos nostálgicos da minha cabeça e me fazia viver o momento ao lado dele. Isso era ótimo. Em poucos minutos já estávamos em frente a casa de e, logo na entrada, era possível ouvir a falação alta lá dentro. Isso porque todos já estavam lá, exceto o , é claro. Os três eram tão animados e legais quanto , viviam rindo e fazendo piadinha uns dos outros. Em pouco tempo eu já estava mais solta com eles, já fazia minhas piadinhas também e já até estava me acostumando com o jeito de cada um, prevendo assim as falas e o modo das falas deles. Eles passavam a maior parte do tempo na piscina, que aparentemente estava com uma água muito fria. Eu, por outro lado, preferia ficar sentada na beira da piscina me divertindo com os quatro à distância. O tempo não estava bom, o Sol estava bem escondido atrás de um monte de nuvens e um ventinho frio arrepiava meus pêlos de vez em quando, me fazendo crer que era melhor eu me manter ali seca, do que me molhar naquela água fria.
- , a água não está tão fria assim. – disse, mais uma vez, a mesma frase.
- Você está brincando. Está frio , isso deve estar congelando. – falei rindo da cara feia que ele fazia para mim.
- A água está uma delicia. – falou e os outros três concordaram imediatamente.
- Você não sabe o que está perdendo – falou piscando para mim e fazendo um gesto para que eu entrasse.
- Ok, ok. Eu já vi que vocês não vão desistir – falei, rindo da comemoração deles logo depois. – Mas não me puxem, eu vou entrar devagar.
- Tudo bem, entre. – disse animado – Podemos fazer uma partida de vôlei na água e você fica no time do e do , já que eles precisam de ajuda. – todos riram da cara de indignados que e fizeram. E eu comecei a sentir a água fria fazer minha pele arrepiar logo que coloquei meus pés dentro da piscina.
- Eu sou um ótimo jogador, o é que sempre estraga tudo – protestou levando um leve soco em seu ombro esquerdo logo em seguida. chegou mais perto de mim e estendeu sua mão em minha direção.
- Venha, eu te ajudo a descer devagar. – falou. Eu mantinha minhas mãos grudadas na borda da piscina, ao lado do meu corpo. – não aprendeu que uma piscina funda precisa de escadas para as mulheres. – comentou um pouco mais alto para que o garoto escutasse.
- Por isso ele não consegue nenhuma mulher – disse gerando uma discussão bobinha entre os três que estavam um pouco mais afastados de mim e .
Estendi uma das minhas mãos para e sua mão molhada e fria segurou a minha, passando segurança. Dei um pequeno impulso, quando tive coragem de enfrentar a água gelada no meu corpo e o garoto imediatamente alcançou minha cintura, fazendo com que eu entrasse na água devagar. Seus olhos estavam fixos nos meus e isso fazia eu esquecer do quão gelada a água estava, prestando atenção somente nele. Meus pés acharam o fundo da piscina, porém demorou alguns segundos a mais para me soltar, criando um clima um tanto constrangedor e fazendo não só as minhas bochechas corarem, como também as dele.
- Viu, a água não está tão gelada quanto você pensava, está? – perguntou a fim de acabar com o constrangimento.
- É, não está tão gelada. – falei sorrindo e encarando seus olhos envolventes.
- Vamos começar o jogo ou não? – perguntou fazendo com que eu e voltássemos à realidade.
Era difícil evitar olhar os olhos brilhantes e o sorriso de , apesar de que o jogo estava literalmente animal. Eu quase nunca tocava na bola, porque ou eu me protegia dela mergulhando na água, ou um dos meus companheiros de time ocupavam meu lugar rapidamente para não perderem mais um ponto. Eu nunca fui boa em vôlei, quanto mais dentro da água. Apesar de tudo, o jogo foi divertido, ríamos de coisas inúteis como o se matando para conseguir alcançar a bola que o jogava no fundo da piscina. Todos os movimentos necessários para o jogo fizeram eu esquecer do frio, voltando minha concentração apenas em não levar uma bolada na cara e, claro, ao que a cada ponto me abraçava, mesmo que eu não tivesse contribuído nada para o jogo. O dia passou rápido, sem que percebêssemos já devia ser umas cinco horas da tarde. Eu me cansei mais rápido e saí da piscina mais cedo que eles, vendo o jogo do lado de fora. Já eles, demoraram mais um bom tempo para saírem e mesmo quando saíram não pareciam cansados, ao contrário, pareciam tão elétricos quanto antes.
- Nós vamos jogar videogame, vocês querem vir? – perguntou antes de entrar na casa.
- Não, podem ir vocês. – falou, respondendo por nós. Nós estávamos lado a lado, deitados no chão, ao lado da piscina de , olhando para o céu coberto de nuvens. – Sabe o que eu queria? – ele continuou a falar quando já havia entrado. Eu sentia seus olhos me analisarem, mas eu mantinha os meus no céu. – Eu queria um verão típico daqueles paises tropicais.
- É, deve ser legal, mas eu gosto do frio. – falei encarando agora seus olhos.
- Eu também – ele disse – Mas eu disse o verão igual ao deles. O inverno pode continuar sendo igual o nosso.
- Se isso fosse possível seria legal mesmo – falei rindo e o fazendo sorrir.
- Mas tudo bem, quando eu for famoso, vou passar minhas férias em países tropicais. – ele disse convicto me fazendo rir e voltar meu olhar para o céu. – Por que você está rindo? Eu estou falando sério.
- Eu sei. É só que é bem engraçado ver que existe alguém que sonha alto como eu. – expliquei ainda rindo um pouco.
- Vai me dizer que você também sonha em passar suas férias em um país tropical? – ele falou chegando um pouco mais perto de mim e analisando meu rosto.
- Não. – respondi sorrindo – Quer dizer, agora que você falou, parece uma coisa legal, mas esse não é o meu sonho. – olhei nos seus olhos curiosos que em nenhum momento paravam de me analisar. – Meu sonho é a Alemanha. Eu ainda vou morar lá.
- Alemanha – repetiu – Deve ser legal mesmo, mas é frio também.
- Alemanha é fantástica – falei ignorando o seu comentário – Sempre gostei de lá, sempre quis morar lá. Eu falo isso para o Richard e ele fala que nunca vai ir para aquele país estranho. – ri ao lembrar das nossas discussões – E eu falo sempre para ele que vou me casar com um homem que queira fugir comigo para a Alemanha. Ele fica super irritado.
- Hm, eu posso fugir para a Alemanha com você, mas só se você aceitar passar suas férias em países tropicais. – falou sorrindo. Minhas bochechas imediatamente coraram e eu olhei para o lado oposto rindo para que ele não percebesse.
- Sabia que eu tenho descendência Alemã? – perguntei, após algum tempo, voltando a olhar para ele com um sorriso grande no rosto.
- Que legal – comentou sorrindo.
- Aham. Meu pai nasceu lá, ele veio para cá porque a empresa onde ele trabalhava o mandou vir, foi então que ele conheceu minha mãe. – contei sorrindo. Eu nunca falava com ninguém sobre meu pai, apenas se me perguntassem dele. Não gostava de falar sobre isso, mas com tudo era diferente.
- Hm... Você nunca me falou muito sobre seu pai. – disse.
- Na verdade eu não o conheci. Ele veio para a Inglaterra, conheceu minha mãe, eles me tiveram, mas, antes que eu nascesse, ele sofreu um acidente de carro. – contei o pouco que eu sabia para ele. – Minha mãe me conta pouco sobre ele. Sabe, ela não gosta de relembrar, eu percebo que dói muito para ela. As únicas coisas que eu sei é que ele era alemão, alto, era romântico, gostava de escrever e sonhava em ter uma filha. – olhei para ao terminar de falar. Ele me olhava sério, mas com um pouquinho de pena, eu diria. Ele pegou minha mão que estava ao seu lado e entrelaçou nossos dedos, fazendo meus pêlos se arrepiarem.
- Eu sinto muito. – ele disse – Eu sei que não adianta falar muito isso, mas você sabe que tem a mim. Eu estarei aqui para o que você precisar. – falou apertando um pouco mais sua mão na minha.
- Eu sei , obrigada. – sorri o vendo chegar mais perto e beijar minha testa.
- Vamos mudar de assunto. – disse – O que você pretende fazer depois daqui? – perguntou ainda mantendo nossas mãos juntas.
- Não sei. Bom, já está ficando tarde, acho que é melhor eu ir para a minha casa. – falei olhando novamente para o céu.
- Nós poderíamos alugar alguns filmes e assistir na sua casa. – deu a idéia, que me fez ficar animada por não ter que passar o resto do dia sozinha em casa.
- Ótima idéia, – comentei sorrindo animada. E, logo em seguida o vi levantar.
- Então vamos logo. – disse estendendo sua mão para me ajudar a levantar. – Não podemos perder tempo.

me convenceu, após muita insistência, a levarmos filmes de terror. Dois, na verdade. Nunca gostei de filmes de terror, pois eu mais do que sentia medo na hora de assistir, eu passava, normalmente, o resto da semana com medo, lembrando das cenas mais fortes. Mas eu acabei deixando ele escolher, porque ele estava muito animado para isso, até parecia estar mais animado que eu. Além de que o lado persuasivo dele era muito bom. Eu estourei algumas pipocas de microondas, que Richard havia comprado para os nossos dias tediantes em frente à televisão, e nós devoramos na metade do primeiro filme. Eu, para falar a verdade, fechava os olhos nas partes que eu julgava que aconteceria alguma coisa e, quando eu era pega de surpresa por alguma cena forte, escondia minha cabeça no peito de , que sempre estava pronto para me acolher com seus braços, como se eu já conhecesse cada cena do filme.
- Bom, acabou. – disse levantando do sofá e indo desligar o dvd. – Já está na hora de eu ir. Você já deve estar com sono.
- Não. Fique mais, . – falei enquanto pegava a bacia onde estava a pipoca e os copos e levava tudo para pia da cozinha. me seguiu, sorrindo a todo o momento.
- É melhor eu ir. – falou quando eu virei e então entramos em mais um momento constrangedor. Ele estava muito próximo de mim, eu podia sentir sua respiração forte no meu rosto e o seu cheiro se misturando com o meu. Seus olhos brilhavam e sua pele parecia mais macia do que antes, o que me dava uma vontade imensa de chegar mais perto. Eu esperei que ele quebrasse o momento constrangedor com alguma fala, como ele havia feito na casa de , quando estávamos na piscina. No entanto, ele parecia tão envolvido naquilo quanto eu, sendo impossível falar alguma coisa. Ele se aproximou mais, deixando seus lábios a poucos milímetros dos meus. Fechei os olhos, sentindo as famosas borboletas no estômago. - Desculpe – ele disse se afastando de mim e ficando de costas. Eu me apoiei na pia da cozinha suspirando e colocando meus pensamentos no lugar. Nós quase nos beijamos. Como eu pude fazer isso com Richard? – Foi legal passar o dia com você, . – ele disse voltando a se virar para mim. – Mas é melhor eu ir.
Joguei-me na minha cama e tudo o que eu conseguia pensar era em . Nos seus olhos fixos em mim, quando estávamos no nosso primeiro momento constrangedor, nos abraços que ele me deu a cada ponto que fazíamos, nas conversas que tivemos, no seu braço me acolhendo durante os filmes e no quase beijo que aconteceu. Eu sentia seu cheiro em mim, como se ele tivesse grudado, e eu não queria que ele saísse. Sentia ainda meu coração bater de um jeito leve e rápido, do jeito que só batia quando eu estava com . Tudo isso eram indícios suficientes para comprovar que eu estava apaixonada por . Estava apaixonada pelo amigo do meu namorado. Por mais que fosse uma coisa errada e por mais que, naquele momento, eu sabia que estava traindo Richard ao pensar em do modo como eu estava pensando, eu não conseguia me sentir mal; não naquele dia, após viver tantos sentimentos bons. Eu só conseguia sentir uma felicidade imensa e uma saudade de ter ali ao meu lado para entrelaçar nossos dedos, ou para me envolver com seus braços.


Capítulo 04

Ter que mentir para Richard foi a coisa mais difícil. Falar que meu sábado havia sido tedioso e que eu o havia passado sozinha, apenas comendo pipocas e assistindo filmes, quando na verdade eu tinha passado o sábado mais divertido e menos tedioso da minha vida, era uma coisa muito dolorosa. Mas, algo em mim, sabia que não seria certo eu contar sobre , sobre a amizade profunda que eu tive com ele e sobre o quanto eu me sentia bem estando ao lado dele. Por isso a mentira foi a melhor saída que eu encontrei, apesar de ser a mais difícil.
Voltar à realidade após aquele sábado, digo, voltar ao meu mundo ao lado de Richard, foi algo complicado. Eu sentia falta do jeito animado do , do modo que ele me olhava nos olhos a cada palavra que eu falava. Meus dias com Richard se passavam como antes, lotados de monotonia, que agora me irritava e me fazia querer sair correndo para a casa de . Sempre gostei da monotonia da minha vida com Richard, nós sempre gostamos disso, achávamos legal passar o final do dia sem fazer nada, ou assistindo algum seriado e dando beijinhos nos intervalos comerciais. Mas agora eu percebia que tudo aquilo era mórbido em excesso. havia me mostrado que meus dias poderiam ser bem melhores e se eu quisesse era só deixar Richard em casa, inventar alguma desculpa, talvez envolver a Hayley, e então fugiria para a casa do . Mas, claro, as coisas não eram tão fácies assim e os sentimentos de Richard não eram algum tipo de brinquedo. Por mais que eu quisesse estar com , eu tinha ainda um amor muito grande por Richard, um amor que me fazia pensar se realmente valia a pena o colocar em jogo e ir atrás de uma nova paixão, ou seja lá o que fosse o que eu sentia por . Além do mais, mesmo que eu fizesse isso da maneira certa, eu sabia que feriria os sentimentos dele, quando ele soubesse que escondi dele minhas aventuras com .
Como sempre, vivendo todo esse caos que envolvia meu namorado e o amigo dele, eu precisava desabafar com alguém, porque guardar isso para mim não me fazia bem. No entanto não tinha com quem, como sempre, já que minha mãe estava na Irlanda e desabafar por telefone não é a mesma coisa e estava envolvido no caos, o que excluía as duas únicas pessoas que me ouviriam. Foi quando eu lembrei de Hayley, ela já era minha amiga o suficiente e poderia me ouvir. Apesar de ela não fazer o tipo de amiga conselheira, eu estava disposta a arriscar, já que não tinha o que perder. O máximo que poderia acontecer, caso ela achasse meu problema chato e não quisesse opinar, era ela fazer como Richard sempre fazia, mudar de assunto, ou inventar desculpas para não me ouvir. Então eu resolvi tentar, precisava de uma opinião feminina da minha idade e, além do mais, precisava conquistar melhor a amizade da minha nova amiga. Confesso que ela ficou bem surpresa com eu contando toda a história e tudo o que eu estava sentindo para ela. Os olhos dela estavam esbugalhados e prestavam muita atenção em mim. Acabei contando tudo, desde quando deixei minha mãe para começar uma nova vida até quando eu senti meu coração doer ao mentir para Richard. Ela me analisava e não abriu a boca até que eu terminasse tudo. Chegava até a fazer algumas expressões de surpresa, principalmente na parte que envolvia eu e sozinhos.
- Era como se eu quisesse contar tudo para ele, mas, no fundo, eu sentia que não podia. – terminei de explicar. Hayley balançava a cabeça positivamente, como se entendesse tudo. – O que você acha disso? – perguntei tomando mais um gole do meu suco e querendo logo uma segunda opinião.
- Uau, eu não imaginava que sua vida era tão complexa – falou e olhou para os lados, como se buscasse palavras para conseguir falar o que estava pensando. – Sabe , eu analisei um pouco o seu relacionamento com Richard. É bem estranho. – seus olhos voltaram para a minha direção e ela tentava arrumar com uma mão os fios de cabelo que voavam no seu rosto – Parece uma coisa mais “Somos amigos e nos beijamos para passar o tempo” – disse fazendo aspas com as mãos.
- Mas eu amo o Richard. – falei um pouco alto de mais, fazendo com que as pessoas que estavam sentadas ao nosso lado olhassem para nós. De fato, seria melhor ter conversado com ela na minha casa do que em uma lanchonete.
- Eu sei que você ama. Eu não disse que você não o ama. – falou após as pessoas terem tirado a atenção de nós – Contudo, não é um amor de cinema, aquele amor profundo, sabe? – perguntou e eu concordei com a cabeça para que ela continuasse – É um amor de amigos e você sabe muito bem disso. Quer dizer... O Richard faz o seu coração bater rápido? Não. O Richard faz a sua bochecha corar apenas com um sorriso? Não. O Richard faz sua pele arrepiar quando segura sua mão? Não. O Richard faz você ter borboletas no estômago quando está muito perto de você? Não. – ela respirou um pouco após esse monte de perguntas, mas logo continuou – Quem faz tudo isso acontecer em você é esse . – eu olhei para os lados e tentei me concentrar naquilo. Era fácil para ela falar aquilo, “Voe para o , ”, quando na verdade é muito mais difícil do que ela imaginava.
- Tudo bem, mas eu não posso simplesmente terminar com o Richard e correr para a casa do – falei e olhei nos olhos dela – Richard vai ficar chateado. Eu não posso brincar assim com os sentimentos dele.
- Vai ser muito pior se ele descobrir depois. Se ele descobrir de uma maneira errada. Aí sim você vai ferir os sentimentos dele – falou com uma expressão séria. – E você já se preocupou com os sentimentos do ? E com os seus? – perguntou. Ela tinha razão. Eu me preocupava demais com os sentimentos de Richard, esquecendo de me preocupar com os meus e, principalmente, com os do . – Porque, , pense... Se ele está gostando de você, o que obviamente é um fato depois de tudo o que você me contou, não deve ser a coisa mais fácil do mundo te ver com o Richard. – ela colocou sua mão direita em cima da minha e continuou – Ele provavelmente está esperando que você termine com o Richard e se você não fizer isso logo, ele pode desistir. – largou minha mão e molhou a garganta com um gole do seu refrigerante – Homens desistem fácil – comentou, olhando para os lados, como se estivesse me contando um segredo.
- Mas Hayley, se eu terminar com Richard, ele vai me expulsar de casa, eu vou ter que ligar para a minha mãe e ela vai ter que me mandar uma grande quantidade de dinheiro para eu comprar uma casa. – falei fazendo com que ela gargalhasse.
- , não tente arranjar problema onde eles não existem. – falou ainda entre risos – Richard não ia expulsar você, ele iria esperar você comprar uma nova casa. Se ele te expulsasse você tem a mim, eu deixo você passar uns dias na minha casa. – Hayley me fez sorrir com essa parte. – Mas você não pode fazer isso de uma hora para outra. – disse voltando o seu tom sério – Digo, espere mais um pouquinho para que você tenha um pouco mais de certeza que gosta de você. Não deixe que nada entre vocês aconteça antes de você se separar de Richard. E já comece a avisar sua mãe que você vai precisar de um dinheirinho a mais. – terminou suas dicas sorrindo.
- Eu acho que vou começar a trabalhar. – falei vendo a garota fazer uma careta.
- Sua mãe nem reclama de te bancar, .
- Eu sei, mas preciso começar a ganhar meu dinheiro. Sinto-me horrível ganhando mesada da minha mãe que mora na Irlanda. – analisei seu rosto perplexo e logo continuei – Eu vou fazer dezoito em setembro e nunca ganhei meu próprio dinheiro, como o Richard, por exemplo. Além do mais, é uma forma de eu ocupar minhas tardes tediosas.
- Ah, então eu passo quase todas as minhas tardes com você para você julgá-las tediosas? – perguntou com cara de indignada me fazendo rir.
- Não. Eu tenho que te agradecer por isso, aliás. Mas, Hayley, não é sempre que você vai lá para me tirar do tédio. – falei e ela manteve a cara de indignada – E nós poderíamos trabalhar juntas! – dei a idéia com um sorriso grande no rosto.
- Trabalhar juntas? – perguntou curiosa.
- É. Nada muito explorador, apenas para ocupar nossas tardes e de brinde nós ganhamos nosso dinheiro.
- Até que não é má idéia. – falou me fazendo sorrir ainda mais. – Mas eu tenho uma proposta. – levantou o dedo indicador como se pedisse para falar.
- Proposta? – perguntei interessada.
- Sim. – ela se ajeitou melhor na cadeira e continuou – Eu aceito isso, se e somente se, nós trabalharmos onde eu mandar. – soltou sua proposta e abaixou o dedo analisando minha expressão.
- E onde você quer trabalhar?
- Bem, minha tia trabalha em uma livraria e ela está precisando de ajudinhas lá. Ela me chamou e eu falei que ia pensar. Nós poderíamos trabalhar lá. – falou sorrindo e se inclinando então um pouco mais para frente, para perto de mim – Vai ser legal, ela é boazinha. – piscou voltando para sua posição original.
- Hayley, já está pensando nas folguinhas que vai ter quando trabalhar para sua tia? – perguntei rindo.
- Claro. – respondeu rindo também. – O que foi, ? – perguntou após perceber que minhas risadas haviam se transformado em uma cara de paisagem.
- . – falei olhando para o garoto que entrava tímido na lanchonete – Ele está ali. – voltei meu olhar para Hayley que ria da minha expressão.
- Aquele da camiseta verde? – perguntou analisando de cima a baixo.
- Sim, o da camiseta verde. – respondi um pouco sem ar e com aquela grande felicidade em mim.
- Bonito. – falou voltando o seu olhar para mim – Haja normalmente, por favor. Você está com uma cara ridícula de deslumbrada. – concentrei-me então no meu suco, fingindo que não percebia a presença de . Apesar de ser muito difícil, já que a felicidade pulava dentro de mim e me fazia querer correr até ele, abraçá-lo e engatar algum assunto legal, como sempre fazíamos.
- , você por aqui? – ouvi sua voz animada e levantei minha cabeça sorrindo.
- ! – falei enquanto levantava, dei um abraço e de brinde senti seus lábios quentes encostarem-se à minha bochecha. – Essa é a Hayley, minha amiga da faculdade. – apresentei-a após desvencilhar o abraço – Hayley, esse é o . – eles se cumprimentaram com um sorriso junto a um balançar leve de cabeça.
- Bom, é um enorme prazer conhecer você, – Hayley disse, colocando sua bolsa no ombro, após se levantar – Mas eu tenho que ir. Sabe como é, minha mãe precisa da minha ajudinha lá na casa dela. – explicou-se piscando para nós.
- Hayley, você não ia para a minha casa? – perguntei confusa e não entendendo as intenções da minha amiga.
- Não vai dar, . te faz companhia hoje. Não faz, ? – perguntou sorrindo para ele e recebendo um enorme sorriso em troca.
- É claro! – seus olhos voltaram a mim. Brilhantes e relevando a animação dele. Provavelmente os meus estariam iguais se, claro, eles conseguissem ter todo aquele brilho.
- Ótimo – Hayley disse já se afastando de nós. – E , pague meu refrigerante dessa vez – gritou já na porta da lanchonete, chamando a atenção de todos.
- Ela é legal. – falou rindo e puxando a cadeira para eu me sentar novamente.
- É, eu descobri que fiz uma boa amiga aqui. – falei observando, pelo vidro interiso da lanchonete, Hayley atravessar a congestionada rua.
- Eu precisava falar com você. – Ele agora estava sentado no lugar que antes minha amiga ocupava. Seu sorriso se transformou em uma expressão um pouco séria, não fosse pelos seus olhos ainda animadamente brilhantes.
- Pode falar, . – falei sorrindo – Sou sempre eu quem fala mais. Quer dizer, você sabe praticamente tudo da minha vida. – sua expressão séria sofreu outra transformação, sendo agora, um olhar curioso junto de um sorriso sarcástico.
- Você gostaria de saber mais sobre mim? – perguntou e um sorriso largo se abriu em seu rosto quando eu confirmei com a cabeça. – Ok, vamos lá. – respirou fundo e olhou para a mesa marrom – Meu nome é , tenho 18 anos, moro com meus pais e minha irmã mais nova.
- Isso eu já sei, . – cortei sua apresentação rindo.
- Pode deixar eu continuar, senhora ? - perguntou rindo e logo continuou – Tenho uma banda que se chama Mcfly.
- Mcfly... Martin Mcfly. – deduzi fazendo com ele que concordasse com a cabeça.
- De volta para o futuro, um ótimo filme, um dos melhores no meu ponto de vista. Você gosta? – perguntou enquanto brincava com o canudinho do meu suco acabado.
- É, mas isso não importa. Você já sabe muito sobre mim. – falei arrancando o canudinho da mão dele e o fazendo gargalhar.
- Ok, vou continuar a minha apresentação... Quero um dia ser famoso e conhecer todo o mundo. Quero morar com alguém que compartilhe dos mesmos sonhos que eu. Quero morar na Alemanha. – falou com o seu sorriso sarcástico no rosto.
- Esse é o meu sonho, . – disse levantando minhas duas sobrancelhas.
- É meu agora também. – falou voltando a mexer no canudinho do meu suco – Quer dizer, se você for para lá, eu vou também. – completou. Dei uma risada, tentando controlar a vergonha e fazendo meu olhar analisar sua mão e não o seu rosto.
- Se eu for para o pólo norte, o pólo norte vai virar o seu sonho? – perguntei voltando meu olhar para os seus olhos.
- Se você for para o pólo norte, eu estarei lá, em um iglu próximo ao seu. – falou me fazendo gargalhar e corar ao mesmo tempo.
- Mas e o frio? Você não gosta dele tanto assim. – Por mais que eu sentisse vergonha e odiasse saber que minhas bochechas estavam em uma tonalidade vermelha demais, eu gostava de ouvir falar aquelas coisas. Era legal saber que ele moraria em um iglu próximo ao meu. Mesmo que eu nunca fosse para o pólo norte, na verdade.
- Não importa – ele disse dando os ombros – E se você quer saber, eu adoraria morar no pólo norte. – falou convicto. Enquanto eu ria, ele tirou o canudinho do copo e bateu ele de leve na ponta do meu nariz.
- Ai, . – falei limpando a gota de suco que estava no meu nariz com a mão. Ele, por sua vez, não se importou, analisou um pouco o canudo e lambeu a parte onde havia vestígios de suco.
- Pêssego. – falou colocando o canudinho de volta no copo – Um dos meus sabores favoritos.
- Isso foi nojento. – comentei fazendo uma careta.
- Qual é? – perguntou rindo – Você não queria saber mais sobre mim? Agora você sabe que pêssego é um dos meus sabores de suco favoritos.
- Você não precisava lamber meu canudo para me contar que pêssego é seu sabor de suco favorito. – revirei os olhos tentando controlar a risada.
- E por que eu teria nojo do seu canudo? Ou é você que tem nojo de mim e não queria que eu lambesse o seu canudo? – ele falava rápido me fazendo rir – Porque se for isso senhorita nojinho, tem um porta canudinhos ali no caixa com centenas de canudinhos que o senhor não lambeu.
- Para com isso, . – pedi revirando os olhos novamente – Era brincadeira. Pode lamber o meu canudinho o quanto quiser. – falei tirando o canudinho do copo novamente e estendendo para o garoto.
- Perdi a vontade – falou mostrando a língua – Mas me dá ele. Eu guardo para mais tarde – pegou o canudinho sorrindo e colocou no bolso lateral da sua calça.
- Você é estranho. – falei rindo.
- Acho melhor nós irmos para outro lugar, ou a moça do caixa vai expulsar nós daqui, por estarmos lambendo canudinhos. – Ele falou se levantando.
- Você é quem estava lambendo. Eu não tenho nada a ver com isso. – comentei rindo enquanto ia ao caixa pagar o que eu e Hayley havíamos consumido.
Saímos da lanchonete e começamos a caminhar, conversando sobre coisas aleatórias, como o iglu e o canudinho. Coisas idiotas, mas que me faziam amar aquele momento. A mão de estava no meu ombro, laçando o meu pescoço com delicadeza, me guiando entre as ruas, para lugar algum, e me protegendo. Eu não conseguia pensar ou lembrar de nada, como sempre acontecia quando estava com ele. Ele me fazia apenas viver o momento, sem me preocupar com o passado ou o futuro. Viver o presente era o que importava, só ele. Nenhuma memória nostálgica importava e nenhum medo de suposições de um futuro era mais importante do que captar cada olhar dele, retribuir cada sorriso, observar seus gestos e sentir seu toque de vez em quando, fosse no meu ombro ou na minha mão.
- ... O que você tinha que conversar comigo? – perguntei lembrando que, antes de toda a conversa sobre morar em iglus, ele estava sério e queria falar algo aparentemente importante comigo.
- Nada demais... – falou olhando para o chão que pisávamos e depois voltando o olhar para mim – Na verdade, eu ia te falar que a Alemanha virou meu sonho também – sorriu fazendo com que eu desse um soco leve em seu peito.
- Parecia ser algo importante. – falei, depois que paramos de rir.
- Eu decidi que mudarei para a Alemanha por você e você acha que isso não é importante? – Ele falou parando de andar e ficando de frente para mim. – Eu prometo que vou te fazer companhia a todo minuto e prometo que vamos aprender a falar alemão juntos e você não liga para isso? – sua cara de indignado me fazia rir e perder toda a concentração.
- Ah ! – exclamei e num impulso o abracei – Obrigada por ser o único a querer morar na Alemanha comigo, obrigada por prometer me fazer companhia lá e obrigada por querer aprender alemão comigo. – desvencilhei nosso abraço e percebi suas bochechas coradas pela minha atitude inesperada – Feliz agora? – perguntei.
- Muito. – comentou voltando a colocar a mão no meu ombro.
- Para onde estamos indo? – perguntei quando começamos a andar.
- Não sei – ele disse dando os ombros – Você quer ir a algum lugar?
- Daqui a pouco o Richard chega em casa. – comentei e ele confirmou com a cabeça, parecendo um pouco chateado.
- E como ele está? – perguntou olhando para o chão.
- Bem. – respondi – É engraçado, você e o Richard, que são amigos há tanto tempo, só se viram uma vez, no jantar e depois só se conversaram por telefone. E eu e você, bem, nós ficamos tão próximos um do outro. – falei o vendo olhar para mim com um sorriso fraco.
- Você contou para ele? – perguntou.
- Não. – engoli seco – Eu sei que eu deveria ter contado, . Mas é que eu não consigo. Não sei porque.
- Você tem medo da reação dele? – perguntou no mesmo momento que me puxou para sentarmos em um banco.
- Talvez. Eu tenho medo de ele pensar que é mais que uma amizade. – falei sem olhar em seus olhos – Na verdade, às vezes até parece ser. Não me entenda mal, . Eu sei que só somos amigos, mas tem coisas como no dia dos filmes que eu não faria com um amigo e eu faço com você. – falei respirando um pouco mais fundo por ter falado uma pequena parte do que eu estava sentindo.
- Eu sei, . – seus dedos delicadamente colocaram uma parte do meu cabelo para trás da orelha e eu o olhei – Desculpe pelo o que aconteceu no dia do filme, lá na cozinha. – seus olhos brilhavam e eu, na verdade, tinha vontade de reviver as sensações daquele dia.
- Não foi só culpa sua. – falei dando os ombros e ele sorriu.
- Se você quiser, eu me afasto de você. Quer dizer, eu sei que você gosta do Richard e... – Eu não deixei que ele continuasse. Não o queria longe de mim.
- Não. – falei, na verdade quase gritei, colocando minha mão sobre sua perna. – Não se afaste de mim. Nunca. – Seu sorriso se ampliou. – Você já prometeu que vai me fazer companhia a todo o momento. – falei sorrindo de lado.
- É, mas eu prometi quando estivermos na Alemanha. E aqui nem dá para ser a todo o momento, só de tarde. – falou fazendo biquinho.
- Pois me prometa fazer companhia de tarde. Claro, quando você puder. – disse querendo ouvir sua promessa logo.
- Pois então você vai ter que me aturar muito, porque eu prometo. – falou e nós, imediatamente, nos abraçamos. Ficamos daquele jeito por alguns minutos, até o celular de tocar. Ele falou rápido, logo o desligando, e olhando para mim com uma feição triste.
- Vou ter que ir na casa de ensaiar agora. Desculpa. – falou e eu tinha uma enorme vontade de laçar meus braços em volta do seu pescoço novamente.
- Tudo bem. – disse dando os ombros – Eu já tenho que ir para casa também.
- Eu não vou poder te acompanhar até lá. – falou quando levantamos do banco. – Eles estão nervosos com o meu atraso e a casa do fica aqui perto.
- Tudo bem, . – falei sorrindo – Eu já sei chegar na minha casa sozinha. – comentei o fazendo rir.
- Eu sei, mas, mesmo assim, me liga quando chegar em casa – pediu um pouco tímido – Sabe como é...
- Eu ligo – falei. Lacei meus braços em seu pescoço e inalei seu cheiro, como estava com vontade de fazer. – Tchau – disse quando ele beijou minha bochecha.


Capítulo 05

- Eu vou treinar horrores e na próxima vez eu ganho de você. – disse entrando em casa e deixando que entrasse.
- Ninguém me vence no boliche, . – ele disse rindo enquanto se jogava no sofá.
Minhas tardes, depois da promessa de , eram todas sem um pingo sequer de tédio. Quando Hayley não vinha à minha casa eu imediatamente ligava para e ele, como sempre, estava pronto para me fazer companhia. Hayley, sabendo disso, às vezes, não ia a minha casa de propósito, só para eu encontrar com . E eu adorava quando ela fazia disso, apesar de também amar meus dias com ela. Mas é que ela sempre caia no mesmo assunto, Você não vai conversar com Richard?, ela sempre perguntava. Eu sabia que deveria tomar uma atitude logo, porque o clima estranho entre eu e estava crescendo a cada encontro e, além do mais, não dava para continuar escondendo isso de Richard. Contudo, só de pensar na reação dele, no modo como ele poderia talvez ficar triste, eu desistia e resolvia esperar mais um pouco. Sustentar aquilo não era tão difícil, afinal. E, apesar de me odiar por pensar assim, era legal ter de tarde e ter Richard no final do dia, mesmo também com vontade de que tudo fosse de outra forma. Talvez, se fosse Richard e Richard fosse , aí sim ia ser tudo legal e perfeito. Richard como um grande amigo ocupando minhas tardes tediosas e como meu namorado. Ok, isso era impossível, mas eu sonhava, de qualquer forma.
O meu dia, jogando boliche com o foi tão legal quanto eu poderia imaginar. Ele conseguia, como sempre, fazer com que eu me desconectasse do mundo e me conectasse apenas a ele. A toda energia que o envolvia. No entanto, eu o sentia um pouco diferente, como se estivesse guardando alguma coisa dentro dele e, na verdade, ele queria gritar essa coisa. Eu meio que o entendia, eu me senti assim até ele chegar, eu tive vontade de gritar e ele foi a única pessoa que me deixou fazer isso. Eu queria que ele gritasse comigo também, que ele liberasse o que ele estava sentindo, para que eu o pudesse ajudar, mas eu não sabia como fazer com que ele sentisse confiança para me falar.
- . – chamei quando depositei minha cabeça em suas pernas.
- Quê? – resmungou me olhando nos olhos.
- Você está estranho hoje. – disse, logo explicando melhor – Parece que você está guardando algo dentro de você e você tem medo de falar. – Esperei alguns segundos, mas ele ficou calado, ainda analisando meu rosto. – Sei lá , você pode confiar em mim. Eu vou tentar te ajudar e prometo não contar para ninguém, se você me pedir.
- Você não precisa se preocupar, . – ele disse mexendo no meu cabelo esparramado nas suas pernas. – Não é nada. Coisa da minha cabeça.
- Então me fala. Eu vou te entender. – sorri para o encorajar – Minha cabeça é cheia de coisas estranhas também. – disse. E ele riu.
- Mas essa coisa da minha cabeça pode acabar com a nossa amizade. – avisou. Tirei minha cabeça de suas pernas, sentei no sofá e segurei uma de suas mãos com as minhas.
- , nada vai fazer nossa amizade acabar. Confie em mim, eu prometo. – prometi o fazendo sorrir de leve.
- É complicado. – disse – Não é como um problema externo. – fiz uma cara estranha mostrando que não estava entendendo onde ele queria chegar e então ele continuou – Digo, é um problema interno, o que é um pouquinho pior. Envolve você e eu. – explicou. Eu estava começando a entender onde ele queria chegar. Provavelmente esse problema envolvia Richard também. Contudo, apesar de já saber a finalidade daquela conversa, eu queria que ele mesmo falasse. Queria tocar na ferida.
- Um problema interno – falei olhando para nossas mãos que continuavam juntas e, logo depois, voltando meu olhar para ele – Envolve você, eu... e o Richard? – perguntei, sentindo meu corpo estremecer, o vi fechar os olhos com força e fazer um movimento positivo com a cabeça. Ficamos alguns segundos em silêncio.
- Eu estou sendo o pior amigo do mundo. – abriu os olhos e eu pude enxergar a agonia presente neles.
- E eu estou sendo a pior namorada do mundo. – falei mordendo meu lábio inferior.
- Você não tem culpa. – falou colocando sua outra mão no meu rosto – Você deve ser uma ótima namorada para ele. O culpado sou eu.
- Não, . – balancei a cabeça negativamente – Somos nós dois os culpados. Não tente jogar a culpa só nas suas costas. – disse e ele confirmou com a cabeça, como se me entendesse.
- Você gosta dele? – perguntou após um tempo.
- Eu amo o Richard – falei e o vi abaixar a cabeça – Eu sempre o amei. Contudo, eu estou começando a perceber que não como deveria. – Seus olhos subiram de volta para mim como se não entendesse. – Richard é um cara perfeito, mas eu não consigo ser tão perfeita para ele. Eu sou estranha e ele não é o tipo de cara que me completa, mas eu continuo o amando, entende?
- Um pouco. – ele confirmou – Você gosta de mim?
- Claro. – respondi prontamente – Claro, . Você vem se tornando mais especial a cada dia. Você me faz ter sensações estranhas, que eu nunca tive. – falei o vendo sorrir um pouco.
- Você também. – riu – Você faz com que eu fique parecendo um idiota.
- Você não parece um idiota. – disse rindo, um pouco mais aliviada pelo clima pesado ter passado um pouquinho.
- Você entendeu. Eu quis dizer que eu também gosto de você, . Muito. – falou, me fazendo sorrir – Eu não quero ficar longe de você, mas é difícil para mim te ver com Richard, ou ouvir você falar dele.
- Desculpa. – comentei – Eu devia imaginar. Só não desista. A Hayley me disse que homens desistem fácil. – Ele me abraçou antes que eu terminasse de falar.
- Não vou desistir enquanto você não quiser que eu desista. – sussurrou no meu ouvido fazendo eu sentir um arrepio intenso em todo o meu corpo.
- Obrigada – falei desvencilhando o abraço – Afinal, você prometeu que vai ir para a Alemanha comigo. – falei rindo e o fazendo rir.
- Ou para o pólo norte. – ele disse – A idéia de morar em iglus é legal.
- É. Acho que você ia ficar bonito em um monte de roupas e cachecóis. – falei rindo ao ver sua careta.
- Usar mais roupa do que eu uso no inverno daqui é deprimente. – falou ainda fazendo careta – É melhor irmos para a Alemanha. – piscou, me fazendo gargalhar.
- Sabia que você ia arredar. – disse levantando minhas duas sobrancelhas.
- Não estou arredando. – falou me puxando para deitar minha cabeça em suas pernas novamente – Se você quiser ir, nós vamos. – completou.
- Ok. Para você não ficar triste, prometo passar pelo menos um mês em algum país tropical. – falei o vendo sorrir abertamente.
- Ótimo! – exclamou animado – Vamos começar pelo Brasil, que tal?
- Legal. Lá deve ser bem quente, do jeito que você gosta. – Eu disse rindo da animação dele.
O barulho do carro de Richard me fez levantar assustada e analisar o rosto do que também estava em pânico. Eram ainda 15:00, era para Richard estar trabalhando. O pânico foi se tornando maior quando eu escutei a porta do carro se fechar. Como eu iria explicar a presença de naquele horário? Olhava ora para porta e ora para , que depois do susto que o dei levantando do sofá, parecia bem mais calmo, como se tivesse uma desculpa na ponta da língua para soltar em Richard. E eu realmente esperava que ele tivesse, porque nada vinha em minha cabeça, a não ser mais e mais pânico.
- ? – Richard disse surpreso após fechar a porta. Meu estômago se revirou e eu abaixei o rosto fechando meus olhos. – O que você está fazendo aqui? – perguntou se aproximando de nós.
- Eu? – perguntou um pouco baixo. – Bom... Eu, eu, eu vim fazer um convite. – sorriu e o olhei confusa.
- Convite? – Richard perguntou sorrindo e ficando ao meu lado, com sua mão na minha cintura. Eu não conseguia falar nada, nem me mexer na verdade. Eu apenas esperava que tivesse inventado algo bom e cabível.
- Sim, o vai dar uma festa na casa dele. – falou ainda um pouco nervoso – E ele falou para eu convidar você, Richard. Você lembra dele? – perguntou.
- Claro que lembro. – Richard falou confirmando com a cabeça.
- Então, a festa vai ser no sábado à noite. Eu estava passando aqui em frente a sua casa e resolvi já avisar a da festa, para ela te falar quando você chegasse. – disse agora um pouco mais calmo – E você chegou mais cedo. Melhor ainda! É melhor fazer o convite pessoalmente.
- Sim – Richard riu – Você parece nervoso, . Sente-se aí – apontou para o sofá.
- Não. Eu tenho que ir. Só vim para fazer o convite mesmo. – seus olhos não me olhavam, apenas analisavam Richard, como se tivesse receio de me olhar.
- Tudo bem então. Eu e a vamos adorar ir à uma boa festa. Faz tempo que não dançamos, né amor? – perguntou me puxando para mais perto dele e selando nossos lábios.
- É. – falei um pouco tímida. Observei o olhar triste de e lembrei do que ele havia me falado, que era difícil para ele me ver com o Richard. Eu tinha vontade de ir lá e abraçá-lo forte do jeito que sempre nos abraçávamos quando nos despedíamos, mas com Richard ali o nosso abraço foi pequeno, sem graça. Aqueles poucos minutos com os dois perto de mim faziam minha vontade de acabar logo com aquilo aumentar. Minha vontade de inverter as coisas aumentava, mas, ao mesmo tempo, eu não tinha coragem de fazer isso. Porque eu amava Richard. Eu sentia que ele era o cara certo para mim, contudo, nem sempre o que nos completa é o certo. Às vezes precisamos do errado. Afinal, nada nesse mundo é muito certo e o errado muitas vezes é o certo para algumas pessoas, como para mim era. era o erro, mas era ele quem me completava. Era ele quem eu buscava. Não havia mais como negar. Eu precisava dele e eu precisava fazer a coisa errada logo. Tinha que terminar com o Richard e parar de fazer ele acreditar que eu o amava tanto quanto ele demonstrava me amar. Eu tinha que terminar com ele para que ele ficasse livre logo, para que ele pudesse encontrar uma garota tão perfeita quanto ele.
A animação de Richard para a festa estava me irritando. Eu tentava mudar de assunto, mas ele sempre arranjava alguma forma de voltar ao assunto, para me falar o quanto legal ia ser a festa. Ele já tinha ido a algumas festas do e ele me contava como sendo sempre festas fantásticas. Eu apenas esperava que a festa realmente acontecesse, senão iria ter que inventar alguma boa desculpa para o cancelamento e, o pior, teria que envolver o do meio da desculpa. Envolver mais pessoas naquilo era o que eu não queria. Pedir a opinião da Hayley foi o máximo que eu me permitir fazer. Não poderia ficar colocando mais e mais pessoas como cúmplices. Não poderia deixar que mais e mais pessoas olhassem para Richard e pensasse, Coitado, ela ama o . Doía pensar que talvez agora a Hayley estivesse pensando isso. Imagine se juntasse mais pessoas ao “segredo”.
- Será que eu posso chamar a Hayley para ir à festa? – perguntei me juntando a ele na cama. – Sabe como é. Ela iria gostar. – falei. Seus olhos estavam atentos a televisão do quarto.
- Se você quiser, eu falo com o – disse. Claro, eu teria mais uma vez que fingir que não era presente na minha vida.
- Aham – Deitei-me melhor na cama, virei do lado oposto ao de Richard e me cobri até os ombros, com vontade de que o sono chegasse logo.
- Já vai dormir, amor? – perguntou abaixando o cobertor e beijando meu pescoço. Eu apenas confirmei com a cabeça. Queria dormir logo e talvez amanhã eu tivesse coragem de falar tudo para Richard. – Você está bem? Parece triste. – comentou. Virei para o lado dele analisando seu rosto de perto, um enorme frio na espinha apareceu em mim, fazendo meus olhos se encherem de lágrimas.
- Richard, eu te amo – falei sentindo duas lágrimas escaparem dos meus olhos.
- , eu também te amo. Porque você está chorando? – perguntou secando minhas lágrimas.
- Richard – disse tentando segurar as lágrimas que ainda estavam nos meus olhos. – Se eu te fizer sofrer. Se eu te fizer ficar triste. Você promete que vai me perdoar? Promete que vai me entender? – perguntei e sem esperar sua resposta o abracei.
- Prometo. – Richard disse com uma voz um pouco confusa – Mas eu tenho certeza que você nunca vai me fazer ficar triste. Você só me trás felicidade, nós vamos passar o resto da vida juntos e você não precisa se preocupar com isso, amor. – falou. Isso me fez chorar mais. Passar o resto da vida juntos, era exatamente o que eu não precisava ouvir. Era exatamente o que não iria acontecer. – Eu vou te amar para sempre. – disse desvencilhando o nosso abraço e me fazendo sorrir. – Eu prometo – selou nossos lábios – Você me promete também?
- O que? – perguntei confusa por todas as suas palavras.
- Promete que vai me amar para sempre? – perguntou novamente. Engoli seco a pergunta.
A resposta seria sim, é claro, eu amaria Richard para sempre. Contudo, não do modo como ele talvez gostaria que fosse. Era um amar para sempre diferente, com outros sentimentos. Não havia como não amar Richard, ele foi sempre carinhoso comigo, me fazia rir nas horas mais indesejadas e me protegia da sua forma sempre, como se eu fosse quebrável. Além de, claro, de ter sido o meu primeiro amor, o primeiro cara que me conquistou, que me deu o primeiro beijo. Era certo que antes eu não sabia muito bem o que era estar apaixonada, porque eu só descobrir isso com , mas mesmo assim ele foi o primeiro que participou da minha vida, que me desejou. Eu amava Richard, mas eu não era apaixonada por ele. Essa é a diferença crucial entre o que eu sentia por ele e por . Amar, nós sempre amamos, muitas pessoas até. Eu, por exemplo, amava Richard, amava minha mãe, amava meus poucos amigos, amava a Alemanha, amava várias coisas. Agora, estar apaixonada e sentir todas as sensações que esse estado nos trás, é bem diferente e, normalmente, nós só sentimos com uma pessoa. Eu senti com e não havia como mudar isso, eu já sabia, não havia nada que pudesse mudar o que eu estava sentindo por ele, nem mesmo o amor que eu tinha por Richard. Eu só esperava, com toda a minha fé, que Richard, depois de um tempo, percebesse que também não estava apaixonado por mim, nem nunca esteve. Apenas nos amávamos, como amigos, como Hayley havia dito na lanchonete, éramos amigos que se beijam. Uma espécie de amizade colorida. Ou seja lá o nome que dão para isso.
- Prometo – falei após algum tempo. Seu sorriso se abriu e fui pega de surpresa por outro abraço.
Eu poderia começar ali a explicar que a minha promessa não era com a intenção que ele gostaria que fosse. Poderia falar que nosso amor não era de namorados e então terminar tudo, apenas mantendo a amizade. Mas eu não poderia acabar com aquele sorriso no rosto dele, com a felicidade que ele transparecia sentir naquele momento. Então, para proteger nós dois e por puro medo, optei por esperar mais um pouco. Talvez se eu esperasse amanhecer fosse melhor, ou então se eu esperasse passar a festa do , porque ele parecia tão animado para ela.
Era um fato que eu não estava pensando nos sentimentos de , mais uma vez, logo que ele provavelmente ficaria chateado e triste em me ver com Richard na festa do . No entanto, eu teria que agir com calma, respirar fundo. Eu iria machucar ? É, eu iria, mas eu iria machucar Richard muito mais se não machucasse . E, além do mais, ele havia prometido não desistir. Era só passar a festa e eu resolveria tudo, ele poderia esperar mais um pouco.
Era horrível ter que escolher quem se machucaria e quem ficaria em paz por um tempo. Na verdade, analisando bem, nenhum deles estavam sendo tão machucados quanto eu estava. Eu estava na pior situação, sofrendo de ambos os lados da moeda.


Capítulo 06

Richard estava me esperando na sala, para irmos à tão esperada, não por mim, festa do . não havia criado uma festa em sua cabeça no dia que Richard o pegou aqui em casa, como eu estava com medo que fosse. A festa realmente iria acontecer e foi uma boa desculpa que ele encontrou, no final das contas, naquele dia. Apagando, com isso, qualquer imaginação excedida que Richard poderia ter ao nos ver juntos e fazendo com que eu pudesse adiar, mais ainda, o dia de acabar com tudo aquilo. O que era exatamente como eu gostaria que fosse, já que eu ainda não me sentia pronta para mais uma mudança na minha vida, apesar de e Hayley terem me passado toda a confiança necessária para começar a mexer nas peças do jogo, mudando assim o rumo dele. Contudo, esse jogo não era mais um jogo de xadrez, onde eu poderia mexer nas peças sem medo desse novo rumo, esse jogo envolvia a minha vida e a de mais duas pessoas. Um jogo muito mais crucial.
Hayley estava tão animada quanto Richard, tanto que me obrigou a ir ao shopping com ela para comprarmos o figurino que usaríamos nessa esperada festa. Contra a minha vontade, claro, fez com que eu levasse um vestido, que dizia ela, era perfeito para a ocasião. O que ela se não lembrava, obviamente, era que essa ocasião não seria das melhores para mim, logo que eu teria que estar próxima de e não poder ter toda a intimidade que eu tinha conquistado com ele. Mas, desde o dia que fiz o convite para a festa do , ela não se importou muito com os meus problemas, o que importava mais para ela era estar, preparada e perfeita, para uma festa que, dizia ela, há tempos esperava ir.
Após me olhar, pela milésima vez no espelho, decidi que o que eu teria que fazer era acabar com aquilo logo. Ir para festa, agüentar algumas horas tortuosas e depois voltar para casa, acabando enfim com tudo aquilo. Mas alguns medos estavam me perturbando: desde medos pequenos, como talvez não estar bem com aquele vestido vinho, que batia um pouco acima do meu joelho, ou o medo de cair enquanto tentava me equilibrar naquela sandália, apesar do salto nem ser tão grande e nem tão fino, até medos maiores, como ter que enfrentar estando ao lado de Richard, ou ter que enfrentar Richard estando perto de . Tanto faz.
Não gostava de festas, não fazia meu tipo e muito menos fazia questão. Richard sabia disso e ele também dizia não gostar, mas naquele momento estava tão animado quanto um amante de festas estaria. Ele às vezes era estranho; imprevisível, melhor dizendo. Mesmo querendo ficar em casa, tirar aquela roupa e ligar a televisão, desci as escadas da minha casa, muito devagar para conseguir me equilibrar nas duas pontas finas da minha sandália, que me sustentavam. Era ridículo desprezarem tanto a praticidade e o conforto de bons tênis em algumas ocasiões.
Richard estava me esperando sentado no sofá, o cheiro do seu perfume estava impregnado na casa inteira e quanto mais perto dele eu chegava mais o cheiro aumentava. Ele vestia uma camisa verde claro, com pequenas listras cinzas e botões transparentes, que eu não sabia que ele possuía, e um jeans escuro, que eu também não sabia da existência. Porque ele podia usar jeans e eu não? Hayley iria me pagar.
- Uau – Richard disse quando me viu – Você está linda. – levantou do sofá e me analisou de pé.
- Não seja exagerado, por favor – pedi, batendo de leve no seu ombro.
- Não estou exagerando – disse me segurando pela cintura – Você está linda. Vou ter que ficar grudado em você nessa festa, se não vai aparecer um monte de engraçadinhos para o seu lado. – avisou e me puxou para um beijo um pouco mais quente do que o normal.
- É melhor nós irmos – falei interrompendo o beijo – A Hayley deve estar louca nos esperando. – Desvencilhei de seus braços e fui até a porta, o puxando comigo.
- Essa sua amiga é afobada, hein? – comentou me fazendo rir.
- Hayley adora uma festa. – falei rindo enquanto trancava a porta de casa.
Antes de Richard buzinar, Hayley já havia saído de sua casa, andando rápido e invejavelmente com muito equilíbrio, em direção ao carro. Sua animação era muito maior que a de Richard. Eu podia ver o sorriso grande que se encontrava em seus lábios, mesmo estando de costas para ela, quando ela falava alguma coisa. Sua energia era perceptível facilmente, ao contrário da minha, que, aliás, nem existia naquele momento. No entanto, eu não podia negar que gostaria e muito de ver , mesmo que eu não pudesse estar com ele como queria.
Aquilo não era uma festa como esperávamos, mas era bem melhor, definitivamente. A casa de era grande e poucas pessoas estavam ali, pouquíssimas comparadas ao o que eu havia imaginado. Minha mente, como sempre, imaginava muito além, exagerava horrores. Contudo, pude perceber que eu não era a única surpresa pela quantidade inesperada de pessoas ali. Hayley aparentemente esperava uma festa bem maior, bem mais escandalosa. Seu rosto denunciava isso.
No chão, em volta da mesa de centro da sala de , todos os convidados estavam sentados. Eu estava entre Richard e Hayley. estava entre Hayley e Maggie, uma garota que dizia ser prima de . estava entre Maggie e , que tinha, ao seu lado e em volta dos seus braços, uma garota chamada Asheley, que dizia ser amiga de Maggie. Por fim, estava entre Asheley e Richard. Esses eram os convidados da “festa” de . Grande festa!
- Isso nem de longe é uma festa – Hayley sussurrou no meu ouvido com um tom nervoso.
- Nem me fale – falei sussurrando também – Eu vim com esse vestido ridículo à toa!
- Ele não é ridículo, – falou rindo – Você quem é.
- Tanto faz. – disse dando os ombros – Mas olha à sua volta... Só nós estamos assim.
- Você disse que era uma festa.
- me disse que era uma festa – falei bufando.
- A única coisa que vamos fazer aqui é conversar e ver eles ficarem bêbados. – Hayley disse voltando a prestar atenção à conversa de todos.
- Vocês estão tão arrumadas que eu me sinto até mal com essa calça jeans – Maggie comentou rindo. Se ela não estava bêbada logo ficaria com o tanto de vodca que engolia por segundo.
- disse que era uma festa. – Hayley falou olhando feio para o garoto.
- Isso é uma festa para nós. – se defendeu sorrindo. Seu olhar saiu de Hayley e pousou em mim, que estava o analisando sempre. Eu queria ser Maggie naquele momento, ela estava tão próxima dele.
- Se tiver cerveja é festa! – falou erguendo o copo e rindo.
- Vocês não vão beber? – perguntou apontando para mim e para Hayley.
- Eu não bebo – disse tentando parecer simpática.
- Eu a acompanho. – Hayley disse conseguindo ser bem mais simpática que eu – Sabe, se todos ficarem bêbados, tem que ter uma sóbria para fazer companhia para ela. – explicou e todos riram.
- Ah! Parem com isso. – Maggie falou rindo e tomando mais um gole da sua vodca. – Vocês estão com medo de quê? – riu alto.
- Eu apenas não gosto de bebidas alcoólicas, Maggie. – expliquei rindo.
- Você está com medo de chegar em casa e sua mãe brigar com você por estar bêbada? – perguntou gargalhando. Um silêncio se fez na sala. Meu sorriso se transformou em uma expressão triste e, por isso, fitei o chão, mordendo meu lábio e sentindo toda a verdade vir à tona, junto da saudade. Porque a Irlanda tinha que ser na ilha do lado? Tão longe. – Ou está com medo do seu pai te pegar? – sua gargalhada ecoou de novo no silêncio. Senti o braço de Richard me envolver e sua mão acariciar meu braço, como se pedisse para que eu não ligasse.
- Não. – respondi ainda olhando o chão. – Apenas não quero.
- Mag você está bêbada demais. É melhor você ficar quieta. – disse.
- Cala a boca . – Maggie falou rindo – Você é meu primo e não minha mãe.
- Parem com isso. – pediu – Vamos mudar de assunto.
- Acho melhor mesmo. – Asheley falou – Vamos fazer alguma coisa mais animada. Sei lá, poderíamos jogar verdade ou desafio. – deu a idéia e todos ficaram animados.
- Joguem vocês. – eu disse levantando. Nunca gostei desses tipos de jogos e eu não agüentava mais olhar para Maggie. Ela parecia me olhar irônica sempre, ela parecia se jogar em cima de , como se soubesse do que eu estava sentindo por ele. – Eu vou lá fora tomar um ar.
- Eu vou com ela. – Hayley disse se levantando.
- Você está passando bem, amor? – Richard perguntou preocupado.
- Estou. Pode ficar aí. – falei sorrindo fraco – Hayley me faz companhia.
- Garota, você é muito estranha. – Maggie disse sorrindo.
- Mag a deixe, vamos jogar. – disse e depois me olhou. Aquela sensação de querer abraçá-lo me dominou quando seus olhos estavam dentro dos meus, mas logo Hayley me puxou para fora, fazendo eu voltar à realidade.
Um vento gelado bateu em nós quando saímos da casa de . O cheiro de álcool foi substituído pelo cheiro da noite, da grama, algo muito mais confortante. Sentamos no último degrau da escada que dava para a porta da casa e ficamos um pouco em silêncio. Meus olhos estavam fixos na rua, pouco movimentada, e meus pensamentos masoquistas estavam de volta na minha cabeça. Contudo, agora eu tinha Hayley ali ao meu lado, eu poderia jogar tudo em cima dela.
- A Maggie sabe de tudo. – falei e senti os olhos de Hayley analisarem meu rosto.
- Como assim? – perguntou – Sabe do quê, ?
- Sabe que meu pai morreu, sabe que minha mãe está na Irlanda, sabe que eu moro com o Richard, sabe que você é minha única amiga aqui... – falei rápido, suspirando logo em seguida e em um tom baixo continuei – e sabe que eu gosto do .
- Como ela saberia disso tudo? – perguntou confusa. – Deve ser coisa da sua cabeça, .
- Não. – falei um pouco mais alto olhando para ela – Ela sabe Hayley. Eu não sei como. Talvez o tenha contado para os garotos e o contou para ela. Não sei. – disse balançando a cabeça negativamente. – Mas, ela sabe. Você viu, ela se referindo a minha mãe e ao meu pai.
- Ela só está bêbada. – Hayley falou parando de me olhar – Mas que ela é chata, ela é.
- Não, Hayley. Ela falou dos meus pais com um ar estranho, como se ela estivesse querendo me ver para baixo, eu senti isso. – falei e logo continuei – E toda vez que eu olhava para o ela começava a chegar mais perto dele, a mexer nos cabelos dele. – falei fazendo uma concha com as mãos e apoiando meu rosto nela.
- Porque isso importa, ? – perguntou colocando sua mão no meu ombro. – O que importa se ela sabe ou não? Você está com medo dela contar para Richard? Eles não vão deixar ela fazer isso, fique calma. Ou você está com medo dela querer beijar o ?
- Não é isso Hayley. – falei levantando minha cabeça e olhando para ela. – É que ele prometeu – falei sentindo lágrimas começarem a se acumular nos meus olhos.
- Quem prometeu o quê? – perguntou passando as mãos no meu ombro como se passasse força.
- O , droga. – falei e senti as primeiras lágrimas caírem – Eu confiei nele, Hayley. Eu mal o conhecia e contei tudo sobre mim, porque ele prometeu ser meu amigo, prometeu que não contaria para ninguém. Quer dizer... Ele sabia que não era para sair contando para Harrow inteira que eu não tenho pai e que minha mãe foi para a ilha do lado. – expliquei e ela me deu um abraço rápido.
- Três garotos não são Harrow inteira. – falou sorrindo um pouco.
- Tanto faz. – falei limpando as lágrimas – É horrível do mesmo jeito.
- Você tem que acabar com isso logo, . – disse olhando para os degraus e não para mim. – Eu sinto que isso está te ferindo tanto.
Ela tinha razão. Isso estava me ferindo demais. Eu tinha vontade de entrar naquela casa e abraçar , ficar do lado dele, ouvir sua risada e analisar seus olhos brilhantes de perto. Contudo, eu teria que entrar ali, ficar perto de Richard e enganar ele, fingindo que o amor que ele sente por mim é recíproco, quando, na verdade, eu não queria mais nada com ele. Queria apenas uma amizade, queria que ele não se ferisse e que ele não ficasse mal quando eu dissesse que a minha promessa de amar para sempre, não era como ele gostaria que fosse.
Hayley tentou manter assuntos legais comigo, que não nos empurrasse para os meus problemas pessoais, mas eu sempre apertava a mesma tecla e volta a falar sobre qualquer coisa ou pessoa relaciona àquilo. Escutar Hayley falar que eu estava sendo idiota em esperar mais um pouco, por mais que me machucasse, era bom, porque, no fundo, eu sabia que ela estava certa e eu queria que minha outra parte que fingia não acreditar nas palavras de Hayley começasse a pensar no que ela estava tentando me mostrar. Nós ficamos uma hora conversando, o tempo passou tão rápido e eu tinha a sensação de que precisava conversar mais com ela.
- Vamos entrar. – Hayley disse se levantando e eu fiz o mesmo.
, e estavam ainda sentados no chão conversando, a bebida parecia ter acabado, porém os três já estavam bem alterados. Richard, por sua vez, estava esparramado no sofá do , dormindo.
- Richard desmaiou depois do quinto copo de vodca. – comentou rindo.
- Asheley também, mas pelo menos ela foi mais forte e conseguiu chegar no quarto de hospedes a tempo. – falou e logo em seguida apontou para mim e Hayley. – Vocês vão ter que dormir aqui. Richard não tem condição de dirigir.
- Ninguém aqui, que tenha habilitação, está em condição. – disse levantando e se jogando no outro sofá da sala.
- Não precisa se incomodar , minha casa é aqui perto, eu volto a pé. – Hayley disse sorrindo.
- Eu vou com ela. – falei apontando para Hayley – Você se importa se Richard dormir aqui? – perguntei.
- Não. Relaxa. Vocês não querem mesmo ficar? – perguntou.
- Não, amanhã nós vamos sair logo cedo, vamos falar com uma tia minha, que está querendo uma ajuda na livraria dela – Hayley explicou me olhando animada.
- Pois é. – comentei rindo. – Só vou tomar uma água e nós já vamos, ok?
- Eu também preciso de água, minha garganta está seca. – Hayley disse me seguindo até a cozinha.
Parei a um passo de entrar na cozinha, minha respiração parou comigo e eu não tinha forças, nem motivo, para retomá-la, senti meu sangue pulsar com mais intensidade em mim, fazendo com que eu ficasse mais quente, como quando minhas bochechas coravam, mas agora muito mais intensamente e não só na região da maçã do rosto. Senti a mão de Hayley no meu ombro, ela estava bem atrás de mim, mas não eu consegui notar mais nada a não ser o que estava posto diante dos meus olhos. Era como se alguém tivesse me transportado para uma outra atmosfera, um mundo paralelo e irreal. Contudo, não era isso, aquela imagem a minha frente não fazia parte de um outro mundo, de uma fantasia da minha cabeça, aquilo fazia parte da realidade. Uma realidade que não devia me incomodar, muito menos me machucar, mas me machucava. estava beijando Maggie, ou Maggie estava beijando , ou, pela intensidade daquilo, fosse os dois, porque parecia bem recíproco e ninguém parecia ter sido pressionado, ou pego de surpresa. O tempo pareceu passar em câmera lenta, demorava em excesso, me machucando cada segundo mais e mais. Eu não tinha forças suficientes para fazer alguma coisa. Todas as conversas com vieram à tona, o dia que ele prometeu que não desistiria. Eu me perguntava... Aquilo era desistir? Talvez não. Talvez ele não desistisse de mim, mas não seria por isso que ele esperaria o tempo que fosse parado, resistindo à garotas como Maggie, por exemplo.
Hayley me puxou em sua direção, para me tirar daquela situação, daquela imagem, mas eu, em uma atitude infantil e masoquista, não queria sair dali. Queria ver até onde aquilo tudo iria. Empurrei meu corpo para frente, lutando contra a mão de Hayley, e acabei soltando um gemido, não muito alto, porém perceptível no silêncio da cozinha. Eles se assustaram e acabaram com aquilo. Seus olhares voltaram para mim, mas eu apenas olhava para . Eu não sabia como era minha expressão naquele momento. Raiva, tristeza, decepção, ciúmes e inveja; se existir uma expressão que demonstre todo esse monte de sentimentos que eu sentia, essa era a minha, naquele momento. Os olhos brilhantes de estavam suplicando algo, talvez desculpas. Seu jeito estranho fazia eu perceber que ele estava bêbado demais, mas isso não me fazia sentir dó, ou nada parecido, apenas raiva.
Virei-me de costas quando percebi que ficar encarando os dois e deixar à mostra todos os meus sentimentos não era a melhor coisa a se fazer. Olhei para Hayley, que me olhava com pena, e a puxei pela mão caminhando para sair daquela atmosfera horrível.
- , volte aqui. – ouvi a voz de gritar quando já estava abrindo a porta. Eu preferi fingir não o ouvir, saí da casa de e esperei que Hayley tivesse me seguindo, já que eu não a puxava mais. – , me escuta. – ele gritou de novo. E eu engoli seco não querendo chorar. Eu andava pela rua desajeitada com aquele salto, meu pé uma vez torceu um pouco para o lado, mas eu continuei andando, embora ele estivesse doendo um pouco. – Por favor. – falou em um tom mais baixo. Porém, eu o podia sentir bem próximo de mim. Virei rapidamente em sua direção e logo que me deparei com seu rosto senti as primeiras lágrimas escorrem.
- Isso é ridículo – falei. Escondi meu rosto entre minhas mãos e continuei falando. – Pare de correr atrás de mim, . – meu grito saiu um pouco fraco e agudo demais. – Isso não faz sentindo. Você pode beijar a Maggie, você pode beijar quem você quiser. – finalmente olhei para ele. Seus olhos continuavam a suplicar perdão. Ele deu um passo para frente, em minha direção, mas eu recuei com dois passos para trás.
- Desculpa. – suplicou. – Eu não gosto da Maggie. Eu gosto de você. Mas é que ver você com o Richard fez eu ficar com um ódio maior do que eu esperava e eu acabei abrindo espaço para ela fazer o que ela quisesse. – falou. Eu passei a mão pelos meus cabelos, como se isso fosse me ajudar a organizar o turbilhão de pensamentos.
- Você não me deve satisfação, . – disse. – Você pode ficar com ela. – repeti o que eu havia falado um pouco antes. Tentava fazer eu mesma acreditar nisso. – Quer dizer, eu sei que é injusto. Eu sou uma idiota, eu gosto de você, mas eu não consigo terminar com o Richard. Eu não consigo, . E você não é obrigado a esperar o tempo que eu precisar... não é. – falei isso mais para mim mesma do que para ele. – Isso nem é o que me machuca mais. O que me machuca mais é o fato de você não ter sido um bom amigo. Eu te contei tudo de mim, eu considerei você demais e eu não esperava que você saísse por ai contando para todo mundo tudo sobre minha vida. – Eu respirei fundo após falar tudo o que eu tinha que falar e deixei que mais algumas lágrimas escorressem pelo meu rosto.
- Eu não contei para ninguém, – falou. Seus olhos estavam arregalados, assustados com tudo o que eu tinha falado.
- E como eles sabem... – falei soltando uma risada lotada de ódio. – Até a Maggie sabe.
- Não fui eu quem contou... – disse abaixando a cabeça.
- Quem foi então? – gritei com ódio. Ele ficou em silêncio. – Responde, . – gritei mais alto. Odiava escândalos, mas o ódio que estava dentro de mim me fazia gritar tão alto quanto eu pensava que poderia.
- O Richard! – ele gritou tão alto quanto eu. As palavras fizeram eu estatelar, senti meu queixo indo parar no chão. Não. Richard, não.
- Mentira – murmurei desnorteada.
- Ele contou para mim, e em um dia que nos esbarramos em um restaurante. – disse diminuindo o tom de voz para não me assustar mais – No dia da piscina já estava sabendo também e eu acho que deve ter contado para Maggie quando disse que você viria para cá, na nossa festa. – explicou.
Eu lutava para acreditar que aquilo não era verdade, mas parecia estar sendo sincero, meticuloso, seus olhos me mostravam isso. Mesmo assim era difícil acreditar que Richard faria uma coisa dessas, ele sempre soube que eu nunca gostei de sair por aí contando minha vida dramática para todo mundo, porque eu não gostava de parecer a coitada, por mais que eu mesma me tratasse assim, não gostava de pensar que as pessoas olhariam para mim e sentiriam pena porque meu pai morreu e minha mãe foi para um lugar longe de mim. Richard não poderia ter feito isso.
Meus olhos agora estavam esbugalhados, fitando , apesar de não estar prestando atenção nele, pois estava tentando racionar tudo o que ele havia me falado. Acreditar ou não, esse era a grande questão. Uma parte mim, gritava para a outra que estava falando a verdade, ele não mentiria para mim, não ele. Enquanto a outra, falava baixinho para a voz escandalosa, que Richard não iria fazer aquilo comigo, porque ele me entendia, ele me amava. E era por ele que eu estava ali, resistindo ao , resistindo e não acreditando totalmente nas palavras dele.
- Você acredita em mim? – perguntou. Ele tinha chegado mais perto de mim, suas mãos seguravam meus braços com delicadeza e seus olhos estavam tão intensos quanto antes.
Balancei a cabeça negativamente.
- Desculpe . Richard não faria isso. – Desviei meu olhar para conseguir falar com mais clareza. – Eu sinto que você é verdadeiro comigo sempre, mas é impossível acreditar nisso. – falei. Ele não respondeu, não se mexeu e eu, então, resolvi acabar com tudo aquilo da maneira que deveria ter feito desde o começo. – Você é o amigo de Richard, ok? Não quero mais que você me distraia de tarde. Não quero mais que você vá para a Alemanha comigo no futuro. Finge que nada disso aconteceu – Deixei que um pouco de ar entrasse no meu pulmão e continuei – Finge que todas aquelas coisas não aconteceram.
- Você está desistindo de mim? – perguntou em um sussurro. Eu segurei as lágrimas.
- Não. Eu nunca desistiria de você. Eu ainda quero ter você perto de mim, eu ainda quero te abraçar e olhar seus olhos assim de perto. – falei olhando para ele. Sua expressão era confusa e eu voltei meu olhar para o chão para poder continuar. – E eu acho que vou querer isso para sempre. Mas eu sou tão covarde, . Eu não consigo deixar Richard. Não consigo e não vou conseguir. E eu não quero te aprisionar, fazendo com que você fique assim ao beijar uma garota. Se eu estou vivendo minha vida ao lado de Richard, você pode viver a sua ao lado de quem você quiser. Talvez, se eu conseguir da melhor maneira terminar com Richard, eu vá correndo te encontrar. Mas isso pode demorar muito e você não é obrigado a me esperar. Então, eu prefiro que você fique longe de mim, que você volte a ser o , o amigo do meu namorado, porque se continuarmos sustentando isso, eu vou me machucar cada dia mais e te machucar também. – expliquei. Desvencilhei-me de seus braços, mas ele voltou a me puxar, agora apenas com uma mão.
- Eu prometi que não ia desistir. – ele disse.
- Esqueça essa promessa. – pedi. As lágrimas começaram a escorrer novamente.
- Não. – gritou. – Eu gosto de você, . Eu não vou desistir. – Ele me puxou para mais perto dele e com uma mão limpou as lágrimas do meu rosto. Após limpar todas as lágrimas, colocou suas mãos na minha cintura e fez com que nossos corpos se juntassem. Nossos narizes também se juntaram e, aquele monte de sensações invadiu meu corpo, fazendo com que eu esquecesse tudo o que havia acontecido. Fechei meus olhos, tentei respirar um pouco melhor, mas toda aquela proximidade e todas as sensações faziam com que eu respirasse de uma maneira não uniforme. Seus lábios, frios comparados aos meus, porém macios em excesso, tocaram os meus, os selando demoradamente. – Eu acho...- ele sussurrou raspando os lábios ainda nos meus. – Bem... Eu tenho certeza... Eu te amo – Meus olhos continuaram fechados e meu corpo estremeceu inteiro com suas palavras. Nossos lábios se tocaram novamente, agora com mais força, e um beijo devagar e intenso, que fez as borboletas no meu estômago aumentarem, começou. Minhas mãos, que antes estavam em seu peito, laçaram seu pescoço e eu me entreguei totalmente àquilo. Suas mãos em minha cintura me apertavam cada vez mais e meus dedos brincavam com o cabelo dele.
Desconectada da realidade e totalmente entregue aquilo, eu sentia que poderia ficar ali o resto da minha vida, sem me importar com mais nada, a não ser eu e . Contudo, uma dose da realidade voltou em mim, trazendo a imagem de Richard de volta a minha mente, quando o beijo terminou. Nós nos distanciamos um pouco, mas suas mãos continuavam a me segurar pela cintura e eu ainda estavam mexendo nas pontas de seus cabelos. Eu não queria abrir meus olhos e voltar à realidade, então, ainda com os olhos fechados falei:
- Apenas finja que nada aconteceu. – Abri os olhos devagar, sentindo minha boca pulsar, pedindo mais um beijo. – Principalmente esse beijo.
Ele me soltou devagar quando eu terminei de falar. Eu preferi não analisar muito seus olhos, depois que percebi que eles também estavam com lágrimas. Dei um passo para trás fitando o chão.
- Eu nunca vou desistir – murmurou. Involuntariamente eu lacei novamente meus braços no pescoço dele, agora em um abraço. Inalei o mais forte que pude o seu cheiro e derramei algumas lágrimas em sua camisa. Afastei-me devagar e selei nossos lábios antes de ir embora apressada.

Capítulo 07

É engraçado como quando você ocupa sua mente o tempo passa rápido. Menos doloroso melhor dizendo. havia cumprido o que eu pedi a ele: não aparecer mais, fingir que todo o nosso envolvimento não aconteceu e voltar a ser o , amigo de Richard, nada a mais. Ele estava fazendo como eu gostaria que fosse, do modo mais certo no meu ponto de vista e Richard estava ainda sem saber de nada. Eu queria que continuasse assim, porque meu objetivo de não feri-lo ainda era o maior de todos meus objetivos.
Eu não posso negar que, às vezes, a imagem de vinha em minha mente, para me perturbar um pouco, e eu podia lembrar do beijo com detalhes cruciais, cada sensação. A vontade de sentir tudo aquilo de novo era gigante, eu também não posso negar. Mas, como já disse, quando ocupamos nossa mente, o tempo passada rápido e não permite nenhum tipo de pensamento nostálgico ou arrependimento. E a ocupação que eu havia encontrado era o trabalho na livraria da tia de Hayley. Eu trabalhava no caixa da livraria. Saía da faculdade e ia direito para lá, sem tempo de paradas, logo, sem tempos para pensamentos. Trabalhava apenas cinco horas e Hayley entrava no trabalho depois de mim, no período da noite. Rapidamente, novamente sem tempo para pensamentos, ia para casa e encontrava Richard lá me esperando. E foi assim, sem pensar muito em e sem tentar me arrepender da minha decisão, que o tempo passou ligeiro. Foram os dois meses que passaram mais rápido em toda a minha vida. E, então, já era setembro, mais especificadamente dia dezenove de setembro, meu aniversário.
Todos à minha volta, Richard e Hayley mais especificadamente, estavam animados em excesso. Carregavam a animação que eu deveria carregar, mas não, nunca carreguei, porque depois que fiz quinze anos, o dezenove de setembro não era mais uma data tão esperada e especial. Era apenas o dia do meu aniversário. Não gostava de ficar mais velha. Quanto mais velha, mais independência deve ter e eu não gostava da palavra independência, apesar de já estar acostumando com ela. Quando você é obrigada a ter que morar com o seu namorado, que não sabe ligar a máquina de lavar roupas, quanto mais cozinhar, você é obrigada a deixar seu lado dependente de lado e começar a se mexer.
Richard já havia convidado todas as pessoas para a “reuniãozinha”, que ele chamava de festa pelas minhas costas, que faríamos, contra a minha vontade, para comemorar o meu aniversário. Ele chamou alguns colegas meus da faculdade, alguns que eu nem sabia o nome, chamou meus colegas de Croydon, que eu já tinha até esquecido da existência, chamou a minha mãe, mesmo sabendo que ela não viria, chamou sua familia, que eu não fazia questão, e chamou , , e... . Mas ele não viria. Ele havia entendido bem que teria que se afastar de mim e, por isso, deu uma desculpa qualquer para Richard, que ficou decepcionado, mas logo ligou para um amigo nosso da livraria, Derick, para o convidar.
Hayley, por sua vez, cuidava das coisas necessárias em uma festa, ou reunião, ou fosse lá qualquer coisa em que minha casa ia se transformar. Ela encomendou os salgadinhos e lotou a casa com refrigerantes, cervejas e outras bebidas que eu não fazia questão de saber o que eram. Ela também comprou uma roupa para eu usar e eu agradecia muito por não ter que usar vestido e sandálias com salto alto, minha última memória com esse tipo de figurino não era das melhores. Eu tinha saído às pressas para minha casa e meu tornozelo ficou doendo por duas semanas inteiras.
Descia as escadas, segurando firme a bolsa no meu ombro, e logo encontrei Hayley e Richard fazendo algumas decorações na casa. Hayley colava algumas fotos minhas em uma cartolina preta, com uns detalhes brancos bem colados nela, e Richard limpava a mesa da cozinha e colocava sobre ela taças de vidro que nós nunca usamos.
- Hayley o que é isso? – perguntei, caminhando em sua direção.
- É apenas uma decoração. Não olhe agora, eu queria fazer uma surpresa. – explicou, fazendo com que eu gargalhasse.
- Eu não preciso disso, eu já disse. – falei. Balancei a cabeça para os lados, rindo, ao ver Hayley mostrar a língua. – Richard, eu já estou indo - disse, entrando na cozinha.
- Ok, mas esteja aqui antes das oito – falou, selando nossos lábios rapidamente e logo voltando sua concentração para a mesa.
- Aonde você vai? – ouvi Hayley gritar da sala.
- Vou trabalhar. – Passei rápido por ela, indo para a porta, com medo de que ela me impedisse.
- , minha tia nos liberou hoje, lembra? – perguntou. Respirei fundo e virei para analisar seu rosto irritado. – Hoje é o seu sábado.
- Eu não vou agüentar ficar aqui vendo vocês fazerem essas coisas. – falei, apontando para o cartaz e fazendo uma careta. – Preciso trabalhar. Mas fique calma, estarei aqui às 18:00 e terei boas duas horas para me arrumar. – Pisquei para ela e me virei, abrindo a porta.
- Chata. – bufou.

O movimento na livraria foi intenso naquele sábado. Derick e Kate, a tia de Hayley, ajudavam os clientes a encontrar os livros e eu, como sempre, cuidava do caixa. Com todo o movimento, o dia passou rápido, mas eu não pude deixar de lembrar o que me esperava quando eu chegasse em casa. Uma festa, que eu não estava nem um pouco a fim de ir.
- , se você quiser pode ir. – Kate falou, indo a direção do caixa. – Já são 17:30 e Hayley me ligou falando que você tem que estar lá às 18:00. – Revirei os olhos bufando com a atitude sem fundamento da minha amiga.
Peguei minha bolsa debaixo do balcão a colocando no ombro esquerdo e tirei meu crachá.
- Tudo bem. É melhor eu ir, senão a Hayley vai acabar pirando a cabeça de Richard. – falei, saindo de trás do balcão.
- Boa festa! – Kate disse, sorrindo.
- Obrigada. Se quiser aparecer por lá, está convidada.
- Não, essas coisas não são para mim. – disse.
- Nem para mim. – falei, revirando os olhos e escutando sua risada.
Passei por Derick que consultava o preço de um livro para um senhor e tentei ser simpática, apesar de nem falar muito com ele.
- Espero você lá, Derick. – Fiz um com tchau com a mão e o vi sorrir grande e efusivamente, como se eu tivesse dito alguma coisa muito legal.
Abri a porta dupla de vidro da livraria e parei observando o céu carregado de nuvens escuras, denunciando a chuva que começaria a qualquer momento. Não me intimidei. Sem medo de a chuva chegar antes que eu chegasse em casa, andei devagar, minha mente se distraia com as vitrines que havia no caminho e eu fazia isso de propósito. Não queria aquela festa, de qualquer jeito.
O caminho até minha casa era um tanto longo quando feito a pé e devagar como eu estava, o que me fazia ter certeza de que eu não chegaria em casa às 18:00 em ponto, como Hayley esperava.
Os primeiros pingos, grossos e gelados da chuva pingaram em mim, fazendo os pelos do meu braço arrepiarem. Parei, imediatamente, abrindo minha grande bolsa, para tentar encontrar o guarda-chuva que deveria estar ali. Mas não estava, porque, há uns dois dias, talvez, eu tive a idéia de organizar minha bolsa e eu, obviamente, havia esquecido de colocar o guarda-chuva dentro dela. Isso é o que dá tentar ser organizada, quando você nunca foi.
Coloquei a bolsa na cabeça, enquanto caminhava sobre a chuva forte, para tentar não me molhar tanto, o que não adiantava muito, na verdade, mas mesmo assim eu a mantinha lá, por pura teimosia. Meus passos ficaram um pouco mais rápidos, mas, mesmo assim, eu ainda andava devagar, comparada a algumas pessoas que passavam por mim. Eu tinha que prestar atenção para não tropeçar em alguma coisa no meu caminho e eu nunca consegui fazer isso andando rápido.
Eu pensei em parar debaixo de algo que não fizesse a chuva me molhar e ligar para Richard vir me buscar, mas isso iria fazer com que eu chegasse mais cedo ainda à minha casa, para a festa. Eu preferia me molhar a isso. Pensei também em esperar a chuva passar, mas aquela chuva tinha cara que não passaria assim tão rápido. Então, preferi continuar caminhando até minha casa, já que não tinha outra opção. Odiava chuva. Um belo presente de aniversário!
O movimento de carros não era intenso, mas era considerável, e eu andava grudada nas vitrines das lojas, para não correr o risco de algum deles me ensopar ao passar perto do meio-fio. Apesar de eu já estar completamente ensopada.
Um carro foi andando mais devagar, acompanhando meus passos, quase subindo na calçada. Com medo de ser algum tipo de seqüestrador, eu comecei a andar mais rápido, ainda mantendo a bolsa na cabeça e sem olhar para o lado. Mas, um enorme alívio percorreu minha espinha quando ouvi a voz de se misturar com o barulho da chuva e dos meus passos.
- Eu posso te oferecer uma carona? – perguntou. E parou o carro, abaixando mais o vidro. Eu fiquei estatelada, sem olhar para ele por alguns minutos. – É uma carona do , amigo do Richard, e não do que prometeu morar no pólo norte, se você quisesse. – Outro frio na espinha percorreu meu corpo. E um monte de memórias passaram rapidamente pelos meus olhos, trazendo tudo de volta. Virei-me devagar, em sua direção e encarei seu rosto, que tinha um sorriso radiante estampado nele, por alguns minutos.
- Eu já estou completamente molhada mesmo. Que diferença vai fazer? – perguntei, lutando para conseguir manter um tom normal na minha voz.
- Pare com isso, . Entre logo. – disse, virando os olhos para o lado do passageiro.
- É melhor não. Obrigada, de qualquer forma. – agradeci.
- Por favor, faça isso por mim. Eu comprei uma coisa para você e eu queria te entregar. Eu não vou à sua festa, é claro, eu sei que você não gostaria que eu fosse, mas eu comprei uma coisa mesmo assim. – O seu jeito confuso de falar, denunciando a vergonha, me fazia sorrir de leve.
- Não precisava, . – falei, suspirando. – E não é que eu não gostaria que você fosse a minha festa. Na verdade, eu não gostaria que ninguém fosse. Mas você sabe que quando Richard coloca uma coisa na cabeça ele não desiste e a Hayley é pior ainda. – falei, fazendo uma careta. Ele riu da minha expressão e não desistiu, como eu esperava.
- Podemos discutir isso no carro? – perguntou. – Você está se molhando cada vez mais.
Eu me dei por vencida. Suspirei e corri para entrar logo na proteção quente e seca que era seu carro. Seu sorriso enorme, um sorriso de um vencedor, era a principal coisa que não me fazia me arrepender de ter dado corda à ele.
- Obrigada – agradeci. E ele piscou, enquanto dava partida no carro, fazendo meu estômago se revirar.
- Tenho uma proposta. – disse ele, após alguns segundos de silêncio. Olhei para o seu rosto, ainda com o ar de vencedor estampado ali.
- Proposta? – perguntei.
- Eu estava indo a um restaurante simples aqui perto. Sabe como é, meus pais resolveram passar uma semana fora e comer a comida da minha irmã é horrível. – comentou. E eu ri. – Bom... Você vem comigo, nós comemos alguma coisa, depois vamos para minha casa, para eu te dar o seu presente, e te deixo na sua casa com tempo para você se arrumar. – Soltou sua proposta. Eu tive que pensar um pouco, apesar de que, estando ali, presa aos sentimentos que ele me fazia sentir, era complicado negar.
- Promete que vamos fazer tudo isso rápido? – perguntei, não podendo não sorrir ao encontrar seus olhos animados.
- Prometo ficar com você o tempo que você quiser hoje. Você ainda pode desistir da festa e nós podemos passar o resto do dia juntos. – disse, fazendo minhas bochechas corarem e fazendo com que eu pensasse no quanto estar com ele seria bem melhor. Mas, é claro, eu não poderia fazer isso.
Paramos em um restaurante pequeno, de esquina, que tinha tons de vermelho e branco por todo o local. A mesa de madeira bege tinha listras brancas em outro material e, enquanto a comida não chegava, eu me distraia passando os dedos de uma listra para a outra. estava em silêncio, seus olhos me analisavam e eu tentava fingir que não estava percebendo. Ele estava fazendo do modo como eu havia mandado, sem muitas conversas, sendo apenas o velho . Apesar de que, o velho nunca me chamaria para ir a um restaurante e depois me daria algum presente de aniversário. Eu tentei não pensar nessa parte.
- Tudo bem. Odeio esse silêncio. – falei. Esqueci por algum tempo as listras da mesa e subi meu olhar para ele. Ele riu.
- Eu apenas não sei o que o amigo de Richard conversaria com você. – disse. Fechei os olhos, percebendo como tudo aquilo estava errado e constrangedor e, quando os abri novamente, me olhava confuso.
- Ok – disse, levantando uma das minhas mãos na altura dos meus olhos. – Você pode voltar a ser o . – Desviei o olhar quando vi que ele estava rindo de mim.
- Você é confusa. Eu não te entendo. – É, nem mesmo eu me entendia.
- Eu sei. Mas apenas vamos parar com isso e vamos voltar a ter conversas legais. – pedi. E eu sentia meu coração voltar a bater rápido ao fazer o pedido.
- Eu só espero que amanhã você não mude de idéia. – comentou um pouco baixo demais. – Mas, então... Alguma novidade? – perguntou.
A garçonete apareceu nesse momento com o nosso pedido e, graças aos segundos que ela demorou, para colocar tudo na mesa, eu pude me concentrar e respirar melhor, para não começar a ficar vermelha demais, ou para não falar alguma besteira.
- Bom... – disse, quando a garçonete já estava longe. – Eu estou trabalhando. – Peguei os talheres na mão, sorrindo.
- Eu fiquei sabendo. – falou, tomando um gole do seu refrigerante.
- Já me viu na livraria? – perguntei, colocando um pouco na comida na boca.
- Na verdade não. Richard me contou, no dia que ele me ligou para me convidar para sua festa. – explicou.
- Eu não sei porque Richard tem que contar para todo o mudo as novidades da minha vida. – falei mais para mim mesma, revirando os olhos.
- Animada para a festa? – perguntou, com um tom sarcástico.
- Nem um pouco. – falei, tomando um gole da coca. – Eu falei tanto para o Richard que eu não queria, mas ele parece não acreditar em mim.
- Ele só está tentando te fazer ficar feliz.
- Quem disse que eu sou triste? – perguntei, nervosa.
- Não foi isso que eu quis dizer, você sabe. – falou. E depois riu. – Na verdade, você parece bem triste agora... Comendo em um restaurante, com um cara que você diz que gosta e molhada da cabeça aos pés, em pleno seu aniversário.
- Não estou triste, estou só nervosa. A chuva me deixa nervosa. – falei. E nosso olhar foi para a janela ao nosso lado.
- Eu acho que aquela mulher quer expulsar você por estar toda molhada. – disse baixo, apontando para uma mulher, sentada duas mesas após a nossa, do lado oposto ao nosso. Soltei uma risada, lembrando de alguns fatos.
- Já percebeu que nós sempre temos a impressão que vamos ser expulsos? – perguntei. E ele olhou confuso. – No dia do canudinho, você quase foi expulso daquela lanchonete. – o lembrei.
- O dia do canudinho. – ele disse, tentando mastigar e sorrir ao mesmo tempo. – Quase me esqueci dele.
- Como assim quase se esqueceu? – perguntei, incrédula.
- Você mandou eu esquecer. Fingir que nada aconteceu. – falou. E a culpa caiu sobre minhas costas, quase me derrubando sobre o prato de comida.
- Desculpa. – Larguei os talheres no prato e subi meu olhar para ele. – Mandar você esquecer tudo foi a coisa mais idiota que eu já fiz. Eu só achei que nós poderíamos apagar os momentos de nossa mente e, aos poucos, nós íamos voltar a ser quem éramos no primeiro dia que nos vimos. – expliquei, lutando para continuar olhando para ele.
- Mas não da para esquecer, não é? – perguntou, aproximando mais seu rosto em minha direção.
- Não. Eu podia até não me lembrar tanto no dia-a-dia, na correria. Já que eu não tive mais tempo sozinha, desde que comecei a trabalhar. No entanto, nos dias que Richard dormia primeiro que eu, quando eu não tinha com quem conversar para me distrair, todas as coisas vinham à tona. – expliquei, finalmente me permitindo desviar o olhar.
- E eu achei que você tinha levado isso a sério. – falou, olhando para a comida. – Quero dizer... Nós ficamos uns dois meses sem nos falar. Eu pensei em correr para a sua casa, mas eu tinha medo da sua reação. Eu não queria te deixar mais confusa. – Ele subiu seus olhos para mim e sorriu de leve, fazendo meu coração bater rápido novamente.
- Desculpa. – pedi, novamente.
- Tudo bem. Eu não fiquei magoado com você. – falou. E eu soltei uma risada incrédula.
- ! – exclamei o olhando nos olhos – Você não devia estar falando assim comigo, como se nada tivesse acontecido, depois de tudo o que eu te falei aquele dia. – Revirei os olhos e ele sorriu.
- Eu te entendo. – disse – Você passou por cada coisa. Você só tinha sua mãe e ela foi para a Irlanda. Então, você teve que morar com Richard e ele não atendia suas expectativas como você gostaria. Eu apareço, do nada, e começo a querer ser mais do que o amigo do Richard para você, a querer ser mais do que seu amigo. Você devia e deve estar confusa mesmo. – Era incrível como ele conseguia me entender e me defender, mesmo quando eu estava totalmente errada. Balancei a cabeça negativamente, não acreditando em tudo aquilo, e ele aproximou mais o rosto do meu, segurando meu olhar. Colocou sua mão sobre a minha e continuou – Eu que tenho que pedir desculpas por ter te deixado mais confusa ainda e peço desculpas por agora, por continuar fazendo isso. Mas é que eu não consigo não pensar em você. Principalmente depois daquele beijo.
- Tudo bem – disse, rápido. Senti a vontade de estar mais próxima dele aumentar, então, peguei meu refrigerante e tomei um grande gole, tentando esfriar meus pensamentos.
Empurrei mais um pouco de comida para dentro de mim, mas ela já estava fria demais. Olhei para o relógio vermelho que ficava perto da nossa mesa e conclui que já estava na hora de partir para a parte número dois da proposta de .
- É melhor já irmos. – falei. E ele, sorrindo, pediu a conta para a garçonete.
Abri minha bolsa, ensopada como eu estava, e peguei minha carteira.
- Não. – disse, mexendo no bolso da sua calça. – Eu pago. Primeira parte do presente de aniversário. – Piscou para mim e colocou o dinheiro na conta. Eu sorri.
- Obrigada. – disse me levantando. – Você não sabe como é legal comemorar meu aniversário molhada em um restaurante. – comentei, rindo. Ele colocou o braço em volta do meu pescoço e saímos do restaurante.
- Você é muito mal agradecida. – falou após um tempo.
O percurso até a casa de não foi tão silencioso quanto o percurso até o restaurante havia sido. Enquanto não conversávamos, cantávamos as músicas de cds aleatórios, que eu trocava sempre que achava algum mais legal. Eu tentava me divertir como uma amiga, mas , aparentemente, não queria isso. Ele fazia coisas bobinhas, que faziam meu coração disparar, como, por exemplo, quando ele arrumava os fios, molhados e desarrumados, do meu cabelo; ou quando ele tocava minha mão e sorria tímido.
- Annie, você está ai? – perguntou, entrando na casa. Eu o segui.
- Estou na cozinha. – uma voz, ainda um pouco infantil respondeu. me olhou fazendo uma careta e eu ri.
- Temos visita. – gritou. E esperou um tempo, olhando em direção à cozinha.
Annie apareceu depois de algum tempo, limpando as mãos em um pano de prato. Ela era exatamente uma versão feminina de , com algumas diferenças, claro.
- Annie essa é a . essa é a minha irmã. – falou, sorrindo.
- Oi Annie. – disse.
- Oi. – ela falou rindo. – Estou fazendo uma comida – Fez uma careta. – Vocês vão querer comer?
- Não estamos com fome. – disse. E eu o olhei incrédula.
- ! – exclamei, rindo.
- O que foi? – Os dois perguntaram juntos.
- Annie... Eu e acabamos de voltar de um restaurante. – expliquei e imediatamente ela começou a bater nele com o pano de prato.
- Por que você não me chamou, idiota? – perguntou, sem parar de bater.
- Você não falou que queria ir. – explicou, rindo. Eles ficaram um tempo se batendo, até que Annie cansou.
- Você não me falou que ia. – ela falou. Revirou os olhos. – Pode me dar seu dinheiro agora, porque eu vou sozinha a um restaurante, ou a uma lanchonete, tanto faz. – Ela estendeu uma mão para ele.
- Olha o que você fez. – falou, não conseguindo parar de rir, olhando para mim.
- Você devia ter chamado ela, . – falei. E Annie agradeceu com um sorriso.
tirou a carteira do bolso e jogou na mão da garota.
- Seja feliz! – disse, suspirando. – Não gaste tudo.
- Como se você tivesse muita coisa aqui. – Annie jogou o pano de prato no sofá e correu para fora de casa.
- Vamos subir. – ele disse, levantando do sofá. – Quero te mostrar meu quarto e já dou o seus dois presentes. – falou, sorrindo tímido, enquanto me puxava subindo as escadas.
- Dois? – perguntei, rindo. E ele confirmou com a cabeça, sorrindo.
O quarto de era praticamente do tamanho do meu quarto e de Richard, as paredes estavam em um tom de azul-escuro desbotado e em uma parte dela, havia centenas de fotos coladas em uma espécie de mural, que existia acima da cama. Alguns pôsteres mal espalhados revelavam o gosto do garoto, tanto de bandas quanto de filmes. Sua cama, de casal, estava arrumada com uma colcha listrada, em azul e amarelo claro, que combinava com os travesseiros, espalhados irregularmente, nessas mesmas cores. Do lado esquerdo da cama havia um sofá, sem encosto e, ao lado dele, duas portas inteiriças, pintadas de amarelo claro, com vidros no meio, davam para uma pequena sacada. Do lado direito, uma escrivaninha abrigada: um computador, alguns livros e milhares de cds.
- Sente-se ai – disse apontando para o sofá. – Vou pegar os presentes. – Abriu o guarda-roupas, que ficava em frente a cama, e começou a caçar o meu presente.
- Gostei do seu quarto. – falei, dando uma outra analisada no local.
- É, ele é legal. – concordou. Tirou uma caixa vermelha do guarda-roupa, não muito grande, e sentou do meu lado, bem próximo de mim. – É apenas uma besteirinha, mas acho que você vai gostar.
Peguei a caixa e abri a tampa devagar, eu gostava da expectativa que era abrir um presente. Estendi a tampa para que segurasse e tirei de dentro uma coisa, um pouco pontuda, coberta por um papel de seda. Retirei o papel e eu podia ter certeza que meus olhos brilhavam, muito mais que os do costumavam a brilhar, quando me deparei com o meu presente. Era uma miniatura, que cabia na palma das minhas duas mãos juntas, antiga e não muito detalhista, mas ainda assim linda, da Skyline de Frankfurt, na Alemanha. Passei os dedos na ponta de um mini arranha-céu e os parei na inscrição “Frankfurt Aim Main” gravada com uma letra de forma. Frankfurt, apesar de alguns enxergarem como apenas sendo um importante centro financeiro, sempre foi um dos meus lugares favoritos na Alemanha.
- ! – exclamei, deslumbrada. – Uau! Quero dizer... , eu não tenho palavras. Uau, obrigada! – Ele riu da minha animação excessiva.
- Sabia que você ia gostar. – comentou, sorrindo. – Daqui a alguns anos você vai ver isso de verdade, bem grande. E eu vou estar lá com você.
- Claro. – disse, rindo, sentindo minhas bochechas queimarem. – Obrigada, eu realmente amei isso. – agradeci mais uma vez. Ele me ajudou a guardar o presente na caixa novamente, com muito cuidado.
- Bom... – ele disse, tampando a caixa e a colocando ao seu lado no sofá. – Você não vai querer o segundo presente? – perguntou, levantando do sofá.
- Depois disso, eu não preciso de mais nada. – falei, levantando também. Ele sorriu.
- Mas o segundo é ainda melhor. Pelo menos no meu ponto de vista é. – falou, caminhando em direção à escrivaninha.
- Deixe-me tentar adivinhar... Você vai me dar uma miniatura de um iglu? – perguntei, sorrindo. Ele gargalhou e ligou o som.
Reconheci Everthing do Michael Bublé e sorri, ao encontrar mais um ponto em comum entre nós. Ele veio caminhando, devagar demais, até a mim. Ele se divertia com a minha expressão confusa e quando chegou bem perto de mim cantou os primeiros versos da música, enquanto me segurava pela cintura.

You're a falling star, you're the get away car
You're the line in the sand when I go too far
You're the swimming pool on an August day
And you're the perfect thing to say.

Você é uma estrela cadente, você é o carro em fuga
Você é a linha na areia quando eu vou longe demais
Você é a piscina num dia de agosto
E você é a coisa perfeita para se dizer.


- O meu presente é dançar Michael Bublé com você? – perguntei, rindo. Nós dançávamos em um ritmo mais lento do que o da música. Mas não importava dançar bem, ou no ritmo certo, porque o que importava era estarmos naquela atmosfera em que nos encontrávamos.
- Na verdade estou criando um clima para o presente. Não atrapalhe tudo. – falou, piscando. Ele colocou meus braços em volta do seu pescoço e eu descansei minha cabeça no seu peito, inalando seu cheiro com os olhos fechados e escutando sua voz que sussurrava a música no meu ouvido.

And you play it coy, but it's kind cute
Ah, when you smile at me you know exactly what you do
Baby, don't pretend that you don't know it's true
Cause you can see it when I look at you.

E você banca a tímida, mas é meio bonitinho
Oh, quando você sorri para mim, você sabe exatamente o que faz
Querida, não finja que você não sabe que é verdade
Porque você pode ver quando eu olho para você.


A letra se encaixava exatamente com toda a realidade. Eu não podia fingir que não sabia que era verdade. me amava, eu podia ver quando ele olhava para mim e eu amava , apesar de todas as minhas atitudes que tentavam provar o contrário. Ele também podia ver isso nos meus olhos.
Nós dançávamos de uma forma bem desajeitada, um passo para o lado e depois para o outro, uma dança que parecia mais um abraço se mexendo um pouco. Eu tentava me concentrar para não pisar no pé dele, ou algo do tipo, mas eu não conseguia manter minha cabeça em ordem. Tudo dentro dela se resumia a e a quanto estar com ele fazia tudo valer a pena. Fazia, até, eu voltar a gostar do dezenove de setembro, meu aniversário.

And in this crazy life, and through these crazy times
It's you, it's you, you make me sing
You're every line, you're every word, you're everything.

E nessa vida louca, e por esses tempos malucos
É você, é você, você me faz cantar
Você é cada frase, você é cada palavra, você é tudo.


Respirei fundo quando senti minha pele arrepiar por culpa dos sussurros dele. Senti seu cheiro mais forte e mais uma vez a música falou por mim, talvez por nós. Era, e é, apenas ele. Cada frase, cada palavra, cada momento, cada saudade, tudo o que me completava estava nele; era ele.

You're a carousel, you're a wishing well
And you light me up, when you ring my bell
You're a mystery, you're from outerspace
You're every minute of my everyday.

Você é um carrossel, você é um poço dos desejos
E você me ilumina, quando lembro de você
Você é um mistério, você é do espaço sideral
Você é cada minuto do meu dia.


Ele nos juntou mais nessa parte e após terminado essa estrofe, levantou de leve meu rosto, não parando de se mexer, e meus olhos se abriram para encarar seu rosto. Eu pude sentir os pelos dos meus braços se arrepiarem, porque eu conhecia muito bem a música e já sabia que parte viria. Eu meio que já entendia qual seria meu segundo presente.

And I can't believe, that I'm your man
And I get to kiss you baby, just because I can
Whatever comes our way, we'll see it through
And you know that's what our love can do.

E eu não posso acreditar, que sou seu homem
E eu tenho que te beijar, só porque eu posso
O que quer que venha no nosso caminho, nós perceberemos
E você sabe que é isso que nosso amor pode fazer.


Ele encostou o nariz no meu, depois de sussurrar a estrofe olhando nos meus olhos, e eu não consegui mais entender a música, porque tudo se resumia a nós naquele momento. Era a típica sensação de não existir mais nada, a não ser nós dois.
- Eu acho melhor... – tentei impedir, sussurrando, mas ele colocou seu dedo indicador sobre meus lábios, sorrindo quando eu fiquei quieta. Fechei os olhos, desistindo de lutar contra àquilo.
- Feliz aniversário, . – disse.
Roçou os lábios nos meus, acariciando, com uma mão, a minha bochecha, antes de começar o beijo. Desta vez ele era mais calmo, menos nervoso, mais apaixonante e com todas as sensações redobradas, pelo menos em mim. O gosto e a maciez de seus lábios era ainda melhor. Não tinha como querer parar, porque era o que eu esperei desde o dia da “festa” do . Era o que eu mais quis, desde quando o vi, mas eu tentei negar isso, tentei esquecer. O que não deu certo, é claro. Nós só paramos quando nossas respirações estavam ofegantes demais para continuar. Senti sua respiração, um pouco ofegante, e lembrei que eu tinha que abrir os olhos. Ele sorriu quando eu os abri, um sorriso com os lábios vermelhos, que me dava vontade de voltar o beijo, e eu não pude deixar de sorrir.
Quando consegui voltar à realidade, voltando minha atenção para as coisas a nossa volta e não só a ele, escutei o último verso terminar de falar por nós.

‘Cause you're my everything.

Porque você é meu tudo.

- Obrigada. – agradeci pelo meu segundo presente. Ainda estava abraçada a ele, mas agora sem a dança. Ele sorriu.
- Eu vou te manter assim, perto de mim, por algum tempo. – avisou, segurando firme a minha cintura. – Estou com medo que você corra de mim e demore mais dois meses para voltar.
- Eu não vou fugir. – prometi, rindo. – Mas pode continuar perto de mim, mesmo assim.
Seu sorriso se transformou em um olhar confuso.
- Você não está brava comigo? – perguntou, voltando a sorrir logo em seguida.
- Não. Porque eu descobri que é você! – falei, fazendo referência a música.
- Você é o meu tudo. – lembrou o último verso. E nós sorrimos, antes de começar outro beijo.
Eu procurei não pensar no que era certo ou errado, naquele momento. Até porque tudo parecia totalmente a coisa mais certa do mundo quando eu estava com . Principalmente daquela forma. Por isso, eu acabei retirando a sensação horrível que eu estava sentindo, desde quando acordei e pensei na festa. Eu acabei esquecendo totalmente de qualquer outra realidade, a não ser a minha e de .
- Eu quero ir a algum ensaio da Mcfly algum dia. Se eu puder, claro. – pedi. E uma animação brilhou em seu rosto.
- É claro. Nós temos que marcar isso logo. Eu vou falar com os garotos. – prometeu, brincando com o meu cabelo.
Nós estávamos deitados na cama dele, conversando sobre a banda principalmente. Ele estava deitado de barriga para cima e eu estava envolta por um de seus braços, com a cabeça apoiada em seu peito. E arrepios intensos apareciam em mim toda vez que ele me tocava, no rosto, ou no braço.
Eu estava traindo Richard. Tentava esquecer isso e, quando pensava, voltava a focalizar minha atenção à nossa conversa.
- Já pensou quando vocês ficarem famosos? – perguntei, o fazendo devanear um pouco.
- Eu tento pensar nisso. Deve ser legal. Reino Unido todo conhecer nossas músicas.
- Pense mais alto. Aposto que vocês conquistam o mundo todo, fácil. – disse. E ele sorriu ao pensar no tamanho do que eu havia falado.
- Talvez eu conquiste até os alemães! – exclamou, me fazendo gargalhar. – Eu já conquistei uma descendente. Aposto que não deve ser muito difícil conquistar o resto. – Eu gargalhei mais ainda.
- É claro. Você vai conquistar até o Papai Noel, lá no pólo norte. – disse.
- E ele vai nos dar presentes sem precisarmos ser totalmente bons. – Sua animação era evidente.
- Você vai ser rico o bastante para comprar o que quiser, . Não vai precisar do Papai Noel. – falei, levantando as sobrancelhas.
- Óbvio. Vou comprar uma casa em cada canto legal do mundo. E nós vamos passar um mês em cada uma. – Eu preferi não falar e pensar em como aquela conversa era precipitada. Eu ainda nem tinha tido coragem para terminar com Richard.
Richard.
Hayley.
A Festa.
Um pânico invadiu meu corpo e eu sentei na cama, em um susto, peguei minha bolsa que estava jogada nos pés da cama e tentei encontrar meu celular no meio do monte de coisas que tinha lá dentro. sentou no mesmo momento que eu, meu susto havia provocado um susto nele também. Peguei o celular e ele estava desligado, provavelmente sem carga.
- Droga! – murmurei, o jogando de volta na bolsa. – , que horas são? – Ele tirou o celular de seu bolso e fez uma careta ao ver a hora. Provavelmente ele também havia perdido a hora.
- 20:17 – respondeu. E eu instantaneamente pulei da cama. – A festa já começou e eu estou aqui, ainda um pouco molhada. Eles vão me matar. – falei. já havia levantando. Ele pegou meu presente e a chave do seu carro e eu coloquei minha bolsa no ombro, rapidamente.
- Desculpe, a culpa foi minha. – ele disse, enquanto nós descíamos a escada correndo.
- Não se culpe por isso. – pedi. – Apenas vamos para essa festa, o mais rápido possivel.
- Pode deixar. – disse. Abriu a porta de sua casa e saímos, como tiros, em direção ao carro.
Ele foi mais rápido do que eu imaginava. Passou alguns sinais amarelos e estava em uma velocidade super alta – Eu preferi não olhar o velocímetro para não entrar em pânico. Chegamos à minha casa em incríveis oito minutos. 20:25. Mesmo assim eu sentia que ia ser estrangulada, de qualquer jeito.
- Boa festa! – falou, pegando a caixa vermelha onde estava meu presente no banco de trás. – Desculpe por isso. – Entregou a caixa para mim.
- Não. Entre comigo. – pedi. – Eu estou sendo covarde, eu sei, mas eu não vou conseguir encarar Richard e Hayley sozinha. – Abri a porta do carro e sai, para não perder tempo, e fez o mesmo.
- Obrigada por me convidar. – agradeceu, enquanto corria para ficar ao meu lado. Eu não pude deixar de sorrir. – Que desculpa você vai dar? – perguntou, quando minha mão estava parada na maçaneta da porta.
- Apenas vou omitir alguns fatos. – expliquei, séria. – Concorde comigo em tudo. – pedi. E ele concordou.
Girei a maçaneta e abri a porta devagar, ouvindo cada vez mais alto, conforme a porta ia abrindo, a falação e a música lá dentro.


Capítulo 08

Minha casa havia se transformado em um baile, igual aqueles de escola, que aparecem sempre em filmes adolescentes. Era horrível, bem pior do que eu pensava. As luzes estavam apagadas e a casa era iluminada apenas por luminárias, bem estilo abajur, cobertas por papel crepom rosa ou verde. Na parede da sala, em cima da tv, estava o cartaz que Hayley estava fazendo quando saí, no meio de mais um monte de enfeites colados irregularmente. Fotos minhas, a maioria com Richard, se espalhavam pela casa e isso era constrangedor demais. Uma mesa grande, coberta por um plástico verde, estava na sala, cheia de salgadinhos e bebidas.
Dei uma olhada ao redor, ainda parada na porta com a mão na maçaneta, e percebi que quase todos os convidados estavam ali. Algumas pessoas eu nem conhecia, ou não me lembrava. Contudo, todos pareciam não sentir falta da pessoa mais importante da festa, no caso eu, o motivo para a festa acontecer. Ok, todos exceto Hayley, que estava com o celular no ouvido, com uma feição nervosa, provavelmente tentando me ligar.
Não consegui enxergar Richard. E agradeci por isso.
Uma música eletrônica, daquelas sem letra e com um ritmo além do animado, estava tocando. Alta demais. Ruim demais. Num impulso, voltei a fechar a porta, mantendo eu e para fora.
- É pior do que eu pensava. – falei, suspirando. Ele passou a mão no meu ombro, com o pouco de receio e beijou o topo da minha cabeça.
- Se você quiser, eu chamo Richard e Hayley e você fala com eles aqui fora. – propôs. Mas eu não iria aceitar, é claro, porque fazer isso seria o cúmulo de ser covarde.
- Não. Eu vou ter que entrar. – disse. E no mesmo instante abri a porta novamente.
Pensei em fechá-la de novo e arredar, pedindo para que fosse lá e falasse para eles acabarem com a festa. Mas Hayley me viu a tempo. Correu em minha direção, falando alguma coisa, que eu não entendia, graças ao barulho infernal daquela música.
- Sabia que você estava no meio. – falou, apontando o dedo para o .
- Calma Hayley, a culpa não é dele. – disse, tentando não olhar para os seus olhos lotados de raiva. Ao invés disso, tentei olhar mais uma vez na sala, para tentar achar Richard. – Onde está Richard? – perguntei. Ela parou de falar alguma coisa que eu não escutava para mim e me fuzilou mais ainda com o olhar.
- Está na cozinha, com os irmãos dele que vieram para a festa. – disse, mas logo voltou ao seu sermão. – Seu cabelo está horrível.
- Eu sei, eu me molhei, por causa da chuva. Isso explica o começo do meu atraso. – expliquei. Puxei a mão de , pra que nós entrássemos em casa e Hayley me parou antes que eu entrasse na cozinha.
- É melhor você não fazer isso agora. – Ela lançou um olhar para e eu entendi ao que ela se referia.
Ela era idiota ao pensar que eu contaria a verdade para Richard em uma festa como aquela.
- Não vou fazer isso. Deixe-me resolver o meu atraso, ok? – pedi e ela logo saiu de perto de mim, ainda nervosa.
Entrei na cozinha e Richard estava sentando em uma das cadeiras de madeira, olhando para seus irmãos, que conversavam e bebiam, mas eu podia ter certeza que ele não prestava atenção. Soltei a mão de e caminhei para frente de Richard. Ele me olhou, sem dizer nada, sem uma expressão que eu pudesse traduzir em palavras.
- Richard? – chamei, ficando agachada em frente a cadeira dele.
- Você é a ? Ou eu estou bêbado o bastante para confundir pessoas? – perguntou, juntando as sobrancelhas. Eu suspirei.
- Sou eu, desculpe. – pedi. Ele gargalhou.
- Oh, então você finalmente lembrou que estávamos dando uma festa para você? – Sua voz era intimidadora, alta demais.
- Desculpe Richard. – sussurrei. Ele colocou uma mão sobre meu rosto, segurando ele com cuidado.
- Estou decepcionado. – Tirou a mão do meu rosto rapidamente, mas ainda continuou me olhando nos olhos. – Qual é a desculpa?
- Eu estava com . – falei, rapidamente. Lancei um olhar para , que me olhava assustado, provavelmente não esperando que eu falasse aquilo. Richard seguiu meu olhar.
- ? O que você está fazendo aqui? Você não ia acampar com seus pais? – perguntou. pensou em responder, mas eu fui mais rápida. Peguei o rosto de Richard em minhas mãos e o fiz olhar para mim.
- Eu explico. – Suspirei – Eu estava saindo da livraria e a chuva forte começou, por isso que meu cabelo está assim. – disse, apontando para o ninho de rato que parecia meu cabelo. – A sorte foi que apareceu de carro e me ofereceu uma carona. Bom, mas nós resolvemos parar em um restaurante antes, porque eu estava morta de fome. Demoramos demais lá. E depois, para completar, fomos para a casa de , para ele me entregar o presente que ele comprou para mim, mesmo não vindo à festa. – Richard me olhava atento e eu continuei – Ele iria me entregar o presente, eu iria para casa e ele iria acampar com a familia dele. Só que, como demoramos no restaurante, os pais dele saíram sem ele. Enfim, ele me entregou o presente – Ergui a caixa vermelha para mostrar que tinha provas. – e ficamos conversando por algum tempo. Eu estava muito cansada, absorta, e acabei esquecendo de tudo. Inclusive da festa. que acabou olhando no relógio e me fez voltar a realidade. E agora eu estou aqui. – sorri fraco. Omitir fatos foi mais fácil do que eu imaginava.
- Que boa desculpa! – Ele riu, uma risada lotada de ironia. – Eu não entendo você. Eu estou tentando meu máximo, ok? Eu sei que é muito difícil para você estar longe da sua mãe. Eu sei que você sempre quis conhecer seu pai e eu sei que você não queria estar aqui nessa casa comigo. Eu sei de tudo isso. – Eu não conseguia me mexer, porque eu realmente não esperava me deparar com Richard daquele jeito. – Você queria morar com a sua mãe e com o seu pai. Você queria que nós tivéssemos horários para nos ver e que seu pai tivesse ciúmes de mim. Você queria brigar com o seu pai por causa de mim e brigar comigo por causa do seu pai. Você queria que sua mãe estivesse sempre perto de você. E eu sei que é difícil para você. – Eu podia ter certeza que meu queixo estava quase abrindo uma cratera no chão e que algumas lágrimas escorriam pelo meu rosto. – Eu sei. E eu estou tentando o máximo para você gostar disso. Tentar se acostumar. Mas você não faz por onde. Você acaba de me dizer que estava com meu amigo, que nem te conhece direito, e que você acabou se esquecendo disso que eu fiz para você. Quero dizer, isso não faz sentido.
Depois de alguns segundos eu consegui sair do choque, consegui respirar e tentar falar algo que não piorasse tudo.
- Eu não estou mentindo para você. – sussurrei. Peguei uma de suas mãos, mas ele se levantou em um susto.
- Vamos acabar logo com isso. Ponha a roupa que Hayley comprou para você e penteie o seu cabelo. Cantamos parabéns e está tudo acabado. Não é isso que você quer? – perguntou, e foi pegar mais uma bebida dentro da geladeira.
Eu fiquei agachada, com as lágrimas quentes molhando meu rosto, em frente à cadeira vazia, até me fazer levantar e me ajudar a ir para o meu quarto. Eu me senti como uma deficiente física, mas era como se eu realmente fosse, eu não conseguia me mexer direito com o tanto de coisa que se passava na minha cabeça. Eu quase nem senti arrepio quando colocou o braço em volta da minha cintura para me guiar.
- , por favor, me escuta. – ele disse, enquanto me chacoalhava para fazer minha cabeça voltar à realidade.
Nós já estávamos no quarto. O som da música irritante era mais baixo e eu conseguia respirar melhor por isso. As mãos de estavam em meus cotovelos, fazendo o presente que ele me dera balançar conforme ele me chacoalhava. – Solte isso. – Ele tirou a caixa vermelha da minha mão, colocando na cabeceira da cama. Com cuidado, muito devagar, nos sentamos na cama.
- Foi pior do que eu pensava que iria ser. – As lágrimas não queriam parar de escorrer.
- Fique quieta. – pediu, colocando a ponta dos dedos de uma de suas mãos nos meus lábios. – Apenas me escute, ok? Apenas isso. – Ele falava devagar, como se eu tivesse algum tipo de problema mental. Bem, talvez eu tivesse. Concordei balançando a cabeça e ele continuou. – Olhe, Richard só falou tudo aquilo porque ele estava bêbado. Então, não fique pensando nas palavras dele, ignore todas elas. Prometa isso para mim. Prometa que vai ignorar. – Eu confirmei novamente com a cabeça, fungando, e ele sorriu. – Muito bem, então pare de chorar, não há motivos para isso. Richard não vai ficar bravo com você. Amanhã, quando ele acordar, ele vai se xingar por ter falado tudo o que te falou. Porque você não merece ouvir aquelas palavras de ninguém. Porque ele sabe o quanto é bom ter você como namorada. Ele sabe como é bom ver você sorrir, como é bom ver sua bochecha corar a todo o momento, como é bom olhar nos seus olhos, que sempre denunciam o que você está sentindo. Ele sabe e se ele não sabe ele é mais idiota do que eu pensava. – Eu não pude deixar de rir da forma como ele falava. Ele limpou algumas lágrimas e manteve uma mão na minha bochecha para continuar. – Agora faça o que ele mandou. Tem um monte de gente nessa festa, desça lá e sorria para todos que vieram comemorar o seu aniversário.
- ... Só você, a Hayley e o Richard estão aqui por causa de mim. Quero dizer, tem gente ali que nem se lembra de mim, gente da faculdade que nem faz questão. Só vieram porque é uma festa. – falei, revirando os olhos.
- Então se arrume, desça lá e sorria para a Hayley, para o Richard e para mim. – Sorriu de leve e eu, num impulso, o abracei.
- Desculpe te fazer passar por tudo isso. As coisas podiam ser bem mais fáceis se eu fosse um pouco mais corajosa. – sussurrei, desvencilhando nosso abraço.
- Não precisa se desculpar. As coisas vão ficar certas alguma hora. – Selou nossos lábios rapidamente, provavelmente com medo de que alguém visse. – Eu vou sair para você se arrumar. – disse, levantando.
- Não! – Levantei e segurei seu braço. Ele riu. – Fique aqui, por favor. Eu me troco no banheiro e você me espera aqui. – falei, fazendo ele sentar novamente na cama.
- Sabe... Eu não acho que você precise se arrumar. Você está linda assim, mas já que eles fazem tanta questão. – disse, enquanto eu pegava a roupa que teria que usar. Gargalhei e joguei uma blusa, que estava por cima da que eu usaria, nele.
Corri para o banheiro, antes que ele resolvesse jogar alguma coisa em mim também. Vesti a roupa e penteei o cabelo, querendo acabar com aquela festa logo. Tentei cumprir a promessa feita ao , de ignorar as palavras de Richard, mas elas estavam martelando na minha cabeça toda hora. A cada respiração.
Uma parte de mim esperava que estivesse certo quando ele disse que Richard não ficaria bravo comigo. Porém, a outra queria que ele terminasse tudo logo, para que eu não tivesse que fazer isso depois. Porque eu sabia que seria muito mais doloroso. Eu era covarde demais.
- Calma. Isso já vai acabar. – disse, enquanto me guiava escada a baixo e analisava a minha expressão de desespero.
Hayley correu em minha direção quando me viu descendo as escadas. Ela subitamente parecia feliz. Talvez fosse a bebida. Apesar de que, no Richard, ela parecia ter feito o efeito contrário, o deixando ignorante e insensível. Tudo bem, eu não poderia culpá-lo. Se tiver alguém nessa história que é culpado, esse alguém sou eu.
- Richard está muito bravo com você? – perguntou, tirando o sorriso do seu rosto.
- Ele me falou coisas horríveis. – concordei. E ela me abraçou.
- Onde ele está? – perguntou, após algum tempo.
- Na cozinha ainda. Alguém tem que falar para ele parar de beber.
- Eu faço isso. – se prontificou.
- Não, . É melhor não. – Ele não me escutou, acariciou meu rosto com sua mão, tentando me acalmar e conseguindo. Correndo, logo em seguida, para a cozinha.
- Vamos terminar com isso. – falei, voltando o meu olhar para Hayley. Ela fez biquinho e estava pronta para começar o seu discurso, mas eu fui mais rápida. – Por favor, Hayley, eu não agüento mais. Amanhã eu vou ter que conversar descentemente com Richard e se ele continuar bebendo assim talvez ele durma e não acorde nunca mais. – exagerei.
- Tudo bem. Vamos aos parabéns? – perguntou, tentando parecer feliz.
- Sem parabéns, por favor. Apenas tire essa música e a festa acabou, ok? – Ela apenas concordou com a cabeça, bem desanimada.
Confesso que não foi fácil expulsar toda aquela gente da minha festa. Alguns estavam bêbados demais e eu deixei esses com o , para que ele os colocasse para fora. Pelo o que eu tinha percebido, ele tinha jeito com bêbados, conseguiu fazer Richard subir e dormir, antes mesmo da Hayley parar a música e ser vaiada.
Hayley ainda estava um pouco decepcionada comigo. Ela esperava que aquela festa fosse comentada em toda a faculdade, por ter sido muito boa, mas seria o contrário. Ela e ajudaram a dar uma organizada na minha casa, tirar os cartazes, arrumar a mesa e deixar minha casa como antes. Uma casa e não um baile.
Eu não dormi com Richard. Optei pelo sofá da sala. Ele estava cheirando demais a álcool e eu não sabia qual seria a reação dele ao acordar. Richard, além de tudo, era um pouco incontrolável. Confesso que dormir no sofá não foi uma ótima escolha, primeiro porque, na realidade, eu nem dormi. Fiquei pensando no que falar quando Richard acordasse, porque, agora, não daria para adiar mais a conversa que nós deveríamos ter. Segundo porque meu pescoço logo de manhã estava dolorido e eu não conseguia fazer nenhum movimento com ele.
Acordei cedo demais, não agüentava mais ficar deitada e sentia vontade de me mover, de correr dali, talvez. Subi para meu quarto e Richard ainda estava em um sono muito profundo. Provavelmente ele só acordaria de tarde. Ajeitei melhor o edredom no corpo dele e fiquei analisando seu rosto por alguns minutos. Quando as pessoas dormem, elas parecem tão menos capazes de machucar.
Só me distanciei do rosto de Richard quando tive que descer para procurar o telefone sem fio que tocava. Era minha mãe.
- Eu sei que eu deveria ter te ligado ontem, mas eu só tive tempo de noite e você deveria estar dormindo. – Eu escutei ela implorar as desculpas, sentada no último degrau da escada, até que ela me deu vez para falar.
- Não importa, mãe. – Não importava mesmo. – Você sabe que eu não sou muito apegada a esse negócio de aniversário e eu sei que você está totalmente atarefada.
- Obrigada por me entender, . – Ela suspirou aliviada. – Mas, agora me conte, como foi a festa? – perguntou com uma animação típica dela, completamente excessiva.
- Legal. Quero dizer, como qualquer outra festa. Como é Dublin? – perguntei, fingindo animação, apenas para desviar o assunto festa.
O assunto das nossas ligações era sempre focado em mim, na minha nova vida. Eu sabia que, no fundo, minha mãe estava morrendo de ansiedade para contar sobre a Irlanda, mas eu nunca deixei, sempre ficava a entupindo com meus assuntos aleatórios.
- Ah, é maravilhoso. Você devia conhecer a Irlanda, filha. Devia mesmo... – Ela tagarelou um bocado sobre a Irlanda, sobre seu emprego, suas amigas e sobre os lindos Irlandeses. Eu tentava focar minha atenção na conversa, mas estava sendo um pouco difícil. E eu agradeci quando a campainha tocou.
- Tenho que desligar, provavelmente a Hayley chegou para conversar comigo. Sabe, ela está um pouco brava, mas depois eu te explico, ok? Amo você. – Desliguei o telefone antes que ela me enchesse de perguntas, que me levassem de volta a atmosfera da festa. Abri a porta e estava, completamente perfeito, parado do lado de fora.
- Vim ver como você está. – falou, após perceber que eu não teria força para falar nada.
- Oh! Eu estou bem, exceto pelo fato que meu pescoço dói, porque eu tive que dormir na sala, mas mesmo assim estou bem. – Ele arregalou os olhos quando contei que dormi na sala e me lotou de perguntas.
- Richard te fez dormir na sala? Ele está ai? Vocês brigaram? Você tem certeza que está tudo bem? – Eu ri.
- Calma. Richard não acordou ainda e acho que ainda vai demorar para ele acordar. Então, ele não me fez dormir na sala, eu fiz isso por vontade própria. Ela está cheirando a álcool e eu odeio isso. – expliquei e ele suspirou aliviado, rindo de si mesmo depois.
- Posso te fazer companhia por alguns segundos? – perguntou dando um pequeno sorriso.
Eu tranquei a porta e nós sentamos no meio-fio e ficamos conversando um pouco. Ele estava impecavelmente bem vestido e eu estava com uma calça de moletom e uma camiseta do frajola, que eu usava como pijama, mas eu não liguei muito para o que os meus vizinhos pudessem pensar. Eu só queria conversar mesmo.
- Olhe para as nuvens. – pedi e quando ele olhou, eu fiz o mesmo. – Elas são tão brancas, tão gordas e tão lindas que parecem perfeitas demais. Parece que nós podemos ir lá e deitar nelas, porque temos a impressão de que elas vão nos sustentar e aquecer. – Ele parou de analisar as nuvens e voltou a olhar para mim, sorrindo e tentando entender o que eu falava. Eu continuei olhando para o céu. – Contudo, se nós conseguíssemos ir lá agora, perceberíamos que é muito frio. Nós iríamos congelar e, além do mais, elas não nos sustentariam. Nós iríamos passar por elas, caindo, como se estivéssemos atravessando uma grande quantidade de fumaça. Mas, mesmo assim, mesmo nós sabendo disso, elas continuam parecendo perfeitas aos nossos olhos. Quero dizer... – Olhei para baixo buscando palavras para fazer com que ele entendesse minha linha de raciocínio – É assim que eu me sinto em relação a Richard. Ele é como as nuvens. Parece perfeito. Mas eu sei que, quando eu precisar que ele me sustente, ou melhor, que ele me escute e me entenda, eu sei que ele não vai atingir meus objetivos. Ele não vai fazer isso da forma que eu espero. – Subi meu olhar para o rosto dele e terminei. – Mesmo assim, eu continuo amando as nuvens; eu continuo amando o Richard.
- Eu acho que eu entendo. – ele falou com os olhos fixos nos meus. – Já que você expôs sua analogia, posso fazer o mesmo com a minha? – perguntou e eu imediatamente confirmei com a cabeça, sorrindo. – Feche os olhos. – pediu e eu o obedeci prontamente. – Imagine um daqueles coqueiros bem altos, com folhas bem verdes e bonitas. Bom, todos podem achar que a beleza dele está apenas nas folhas, que eu concordo, são lindas, mas o que o torna tão belo também, é a altura. E quem o deixa tão alto é o caule. – Eu não estava entendendo onde ele queria chegar, mas continuei com olhos fechados. – Porque, um coqueiro sem caule não seria um coqueiro. Claro. Mas, agora pense, para sustentar aquele caule tão grande é necessária a raiz. Não dá para imaginar um coqueiro sem raiz. Ou um coqueiro sem o caule. Ou sem as folhas. Os três são de imensa importância. Bom, imaginemos então que você é as folhas. – Gargalhei, mantendo meus olhos fechados. – Não ria, é sério. Você precisa de um caule, que no caso seria alguém para te erguer, te deixar bonita, no topo e feliz. Você precisa também de uma raiz, para te dar força, para te sustentar e te proteger de quedas. Richard não está conseguindo ser os dois, não é? – perguntou. Eu abri os olhos e concordei. – Bom, eu estou aqui. Estou tentando ser os dois, ser o seu caule e a sua raiz. Eu posso às vezes ser mais um do que outro, mas eu estou tentando. – Eu sorri por isso. Ele acariciou meu rosto e continuou. – Eu sei que você queria ter o caule e a raiz em uma dose certa. Mas ninguém consegue ser os dois em uma dose certa. E você tem que saber isso. Tem que saber que você é só uma humana, que tem que escolher uma pessoa para ser as duas coisas. Porque você não é as folhas do coqueiro, e só elas podem ter o caule e a raiz juntos.
Ele tinha razão. Eu não podia ter Richard e ao mesmo tempo. Eu tinha que escolher um e, no momento, era a opção que eu mais queria, porque só ele estava tentando ser completo para mim; ser a raiz e o caule.
Mesmo assim, eu queria poder ter a sorte que as folhas do coqueiro tinham.
- Talvez eu tenha sido mimada demais e agora eu quero tudo para mim, não é? – perguntei. Ele passou o seu braço em volta do meu pescoço e me puxou para mais perto dele.
- Não sei. – ele riu – Mas eu juro que estou tentando ao máximo ser o que você precisa nesse momento. – sussurrou no meu ouvido. – Eu apenas preciso que você me de uma chance e eu te provarei isso. Porque eu não quero ver você triste, precisando desabafar ou precisando de mais atenção. Eu quero te ver sorrindo, sendo a garota mais feliz do mundo. – Meu coração batia acelerado demais e eu acho que ele podia sentir isso. Ele sorria.
- Eu me sinto feliz quando estou com você. – confessei, afastei um pouco de seu corpo e analisei seu rosto. – Bem feliz. – ressaltei.
- Pois eu quero te fazer mais feliz. – disse – Bem mais. Mas eu não quero fazer isso com medo de perder a amizade de um amigo meu. Não quero fazer isso com medo que você fique mais triste depois, por esse meu amigo ficar chateado não só comigo, mas também com você. Então, você tem que conversar com ele. Não estou querendo te forçar, mas não dá para continuarmos como estamos. Não gosto de mentir. – Eu fechei os olhos e concordei com a cabeça. Era difícil escutar isso. Era fácil ele falar, quando eu é que tinha que entrar naquela casa e contar tudo para Richard.
- Eu sei, eu também não gosto de mentir. – falei. Abri os olhos novamente e fiz minha promessa. – Eu vou resolver isso tudo hoje. Vou falar com ele quando ele acordar. Prometo. – Ele sorriu e eu voltei a descansar minha cabeça em seu ombro.
- Você me desculpa por eu ter deixado sua vida mais confusa ainda?
- Você não a deixou mais confusa. Eu fiz isso. Eu que me apaixonei por você quando eu deveria apenas o ver como o amigo do meu namorado. Você não tem culpa. – Ele mexia no meu cabelo e eu tentava gravar o cheiro dele na minha memória.
- Você se apaixonou por mim? – perguntou, com o seu sorriso sarcástico no rosto.
- É o que tudo indica. – confirmei, já me acostumando com o jeito dele e, por isso, não corando tanto.
- É o que tudo indica no meu caso também. – ele confirmou.
- Você está apaixonado por você também? - perguntei o fazendo gargalhar.
- Você entendeu o que eu quis dizer, bobinha. – Desarrumou meu cabelo, enquanto eu ria.
- Você se apaixonou por mim? – repeti a pergunta dele. Apenas para ter certeza do que já estava um tanto evidente.
- Estou perdidamente apaixonado. – Ele descolou meu rosto do seu ombro e fez sua respiração encontrar a minha. Nós ainda sorriamos. Ficamos algum tempo assim, olhando um para o outro, até que eu não agüentei mais e lacei meus braços em volta do seu pescoço e o beijei calorosamente.
- Seus vizinhos podem ver isso. – disse, sorrindo, enquanto nós nos separávamos.
- Quando estou com você eu esqueço do perigo. – disse, um pouco tímida.
- Deu para perceber. – Ele riu. Ficamos alguns minutos em silêncio, observando a rua. – Gostei do seu pijama. – comentou, rindo. Minhas bochechas coraram e eu me encolhi.
- Eu sei que eu estou horrível, mas eu estou com preguiça de ir lá em cima e trocar de roupa. Então, guarde os seus comentários para você mesmo. – pedi, revirando os olhos.
- Mas eu gostei mesmo. Você fica bem bonita assim. – Ele ainda sorria, parecia extremamente sincero e isso me irritava. Eu sabia que ele estava sendo irônico no fundo. Dei um soco de leve no ombro dele e ele sorriu mais.
- Idiota. – bufei, entre risos.
- Obrigado! – agradeceu, ainda gargalhando da nossa briguinha boba. – Você fica bonita irritada também. – Revirei os olhos e procurei focalizar minha atenção em outras coisas.
- Acho que você precisa marcar uma consulta com algum oftalmologista. – disse – Ou então aprenda a ser um mentiroso melhor. Você é péssimo.
- Você não tem um pingo de auto-estima? – Não era bem uma pergunta. Ele sabia a resposta. – Precisa fazer algum tipo de terapia para recuperar isso.
Gargalhei sarcástica.
- Ótimo! Agora além de tudo sou louca.
- Não quis dizer isso. Mas que você precisa melhorar sua auto-estima você precisa. Você é linda e não tem noção disso. – falou, sorrindo.
- Ok, obrigada por me achar linda. Agora pare com isso, eu fico envergonhada.
- Você fica bonita envergonhada. – Revirei os olhos.
- Eu disse para você parar.
- Tudo bem. Parei. – disse, com as mãos para o ar se rendendo. – Você venceu. – Nós rimos.
- É melhor eu entrar. – levantei e ele fez o mesmo. – Richard já vai acordar e eu quero conversar com ele com roupas descentes. – Ele sorriu e me puxou pela cintura.
- Vejo você mais tarde? – perguntou, próximo demais. Eu tive que me concentrar para conseguir responder.
- Talvez. Eu te ligo, ok? – sussurrei com os olhos fechados.
Ele apertou os lábios nos meus e me segurou com firmeza para que eu não me derramasse na rua. Mas, não durou muito tempo.
- Lembre-se do perigo que estamos correndo. – ele disse sorrindo, quando eu tentei beijá-lo de novo.
- Certo. – disse, afastando-me e voltando a me concentrar. – Até. – Entrei em casa, ainda flutuando nas sensações boas que me trazia e subi para o meu quarto para trocar de roupa.

Capítulo 09

Richard estava sentado na cama. Eu não podia ver o seu rosto, para poder decifrar o humor dele, pois ele estava com a cabeça abaixada, apoiada em uma concha que ele fazia com suas mãos. Isso não era um bom sinal.
Fiquei um tempo sem me mexer, apenas para avaliar melhor os movimentos dele. Mas a única coisa que ele fazia era apertar os dedos de suas mãos na sua cabeça, cada vez mais forte, como se quisesse arrancar tufos de seu cabelo. E concluindo que aquilo não era um bom sinal, imaginei que toda aquela raiva era por minha causa.
Subi meu olhar para a janela, que proporcionava uma visão gloriosa para a rua, estava aberta e apenas coberta pela grossa cortina de cetim cor de salmão, escolhida por mim mesma, após uma briga com a minha mãe que preferia a cor bege. Ao observar a cortina por alguns segundos, não só lembrei de sua compra, como também, em um estalo, tudo se encaixou perfeitamente. Como se eu tivesse achado a última peça (que no caso era a janela) do quebra-cabeça (que no caso era a raiva de Richard).
Era evidente, claro, e eu era idiota. Richard tinha visto tudo. Rapidamente agora a cena que não presenciei, mas que parecia tão correta, se passou diante os meus olhos. Ele acordou, olhou pela janela e viu todo o meu incrível entrosamento com o seu amigo . E, assim como rapidamente Tom havia mudado meu humor naquele dia, todas as sensações boas desapareceram no instante em que eu encaixei os fatos. Era por isso que ele estava tentando arrancar tufos de seu cabelo.
Eu pensei em sair correndo, fugir parecia uma opção muito boa. Mas eu estava tão chocada com a minha própria idiotice que eu não consegui me mexer. Meus olhos ainda estavam na janela e não tinha coragem de analisar Richard.
- ? – sussurrou, e só então eu parei de analisar a cortina.
Ainda estava com um rosto um pouco inocente, com seus olhos pequenos, denunciando que ele tinha acabado de acordar e aumentando uma sensação ruim que queimava meu coração por dentro.
- Desculpe. – falei um pouco alto demais, não tendo condições de controlar meu tom de voz.
- Você não precisa se desculpar. – olhou para baixo novamente e continuou – Eu fui muito idiota. Eu fui um idiota de ter falado tudo aquilo para você. Você não merecia ouvir aquilo. – explicou. Senti o peso do meu corpo mais leve, ao entender que ele estava preocupado com ontem, com o que ele tinha me falado na festa, e não com o meu entrosamento com .
Suspirei.
- Você não precisa ficar preocupado com isso, Richard. – Consegui finalmente andar e me sentei ao lado dele. – Eu sei que você e a Hayley estavam muito animados com aquilo. Mas, é que eu acabei esquecendo mesmo. Minha cabeça estava em outro plano, por culpa do cansaço do trabalho. E, eu sei que você não consegue entender isso, mas eu já te disse que essas coisas não são para mim. Entende?
- Eu devia ter tentado parar Hayley com as ideias malucas dela. Mas, sabe como é, eu meio que também fiquei animado. Pensei que, no fundo, você ia ficar feliz com uma festa. – Ele colocou o braço em volta do meu pescoço e eu apoiei minha cabeça em seu ombro nu. – Porque você tem estado tão distante desde que chegamos aqui. No começo até achei você mais animada. Contudo, com o passar dos dias, nós fomos ficando mais distantes e eu tinha que arrumar alguma forma de contornar isso, uma forma de te fazer feliz. Eu te amo e eu quero a que conheci há uns anos e não essa que está ao meu lado agora. – Por mais que eu tentasse fugir da realidade, apoiando-me em outras coisas, como no meu trabalho, eu sabia que, uma hora ou outra, eu teria que encarar os fatos novamente. Ou pelo menos dar alguma explicação a Richard, que era o mais perdido e o mais traído em toda essa história. – Eu sei que é por causa da sua mãe. Eu sei que você queria que as coisas fossem diferentes. Quero dizer, você não queria estar morando comigo, com apenas 18 anos, como se eu fosse seu marido ou algo assim. Mas, eu sinto que tem algo a mais, algum desinteresse de sua parte. Você pode me contar? Eu vou tentar te ajudar. Prometo tentar ser melhor, de alguma forma. – Essa era a deixa para eu começar a explicar tudo a Richard, porque ele merecia explicações e, afinal, eu havia prometido ao .
Respirei fundo e fechei os olhos, reavaliando a ordem das palavras na minha cabeça.
- Eu preciso te contar. – Tirei o braço dele do meu ombro e tentei olhar em seus olhos. – Eu deveria ter te contado antes, muito antes. Mas eu não tive coragem e, também, eu pensei que as coisas se acertariam com o tempo. Pensei que eu ia ser aquela de dois anos atrás, que te amava mais que tudo no mundo.
- Você não me ama mais? – Eu via a dor nos olhos dele e isso fazia sentir uma dor em mim também. Mesmo assim não desviei meu olhar.
- É claro que eu te amo, Richard. Eu sempre vou te amar. Eu sinto isso em mim, nos meus ossos e em cada fibra do meu corpo. No entanto, não é como deveria ser. Eu não sei como explicar, mas é que eu não sou boa para você, entende? E nem você para mim. – O estranho nó na minha garganta não me atrapalhava na hora de falar, pelo contrário, ele fazia eu vomitar as palavras sem ter muito tempo de pensar no poder que elas teriam sobre Richard. Eu não queria machucar ele.
- É lógico que você é boa para mim. – Ele colocou a mão no meu rosto e me encarou com os olhos mais fixos ainda nos meus, com desespero.
- Não Richard. Você pode pensar que eu sou, mas não é verdade. Eu nunca fui e nunca vou conseguir ser.
- Eu te amo. – ele gritou. Seu grito percorreu meu corpo, causando mais dor ainda.
- Eu sei que você me ama e eu te amo também. Mas nosso amor não é um amor como pensávamos que era. Digo, nosso amor, não é um amor de um casal. – Eu via a aflição no seu rosto, a confusão e a vontade de gritar. Isso tudo também deveria estar impregnado no meu rosto. Eu esperei ele falar alguma coisa, mas ele parecia não conseguir, apesar de querer. Seus olhos queriam derrubar um monte de perguntas de mim, mas ele estava muito chocado para isso. Ele não esperava que as minhas explicações doeriam tanto. Então, eu resolvi continuar. - É um amor diferente. Tem mais a ver com querer bem, com carinho e admiração do que um amor de querer um para o outro.
- Amizade? – ele gritou novamente. – É isso que você está querendo dizer? - Eu não queria usar aquela palavra, sabia que ela seria estranha, doeria. Seria uma palavra estranha para mim e ele, para duas pessoas que namoraram por dois longos anos. Mas, mesmo sabendo, apenas concordei com um movimento de cabeça. - Você está terminando? – Ele conseguiu conter o tom de sua voz. Porém, ela não doeu menos em mim por isso. Agora eu percebia que ele sufocava a dor, para não chorar, ou para não gritar. E sufocar era horrível, eu sabia.
- Em partes. – sussurrei. – Eu ainda amo você, como já disse. – Eu tinha necessidade de deixar essa parte bem em negrito. – Eu quero continuar sendo alguém importante para você, mas não sua namorada.
- Não! Não, , não! Você deve estar confusa, só isso. Nós vamos voltar ao normal com o tempo. Nós vamos sim! Acredite nisso, eu te dou a minha palavra. – Ele ficou em silêncio por algum tempo, com a esperança que eu concordasse com ele. Deveria e queria falar alguma coisa, mas eu não conseguia, estava sendo mais doloroso do que eu imaginava que seria. Ele respirou fundo e, ao perceber que eu não teria forças para falar, continuou – Só me fala do que você sente falta. O que te fez achar que nosso amor não é amor de verdade? Foi alguma coisa que eu fiz?
- Não, Richard. Você não fez nada. Pelo contrário, você é um namorado perfeito. – Minha voz era um sussurro perto da gritaria dele.
- Então, por que? – perguntou, pegando meu rosto com força e acariciando minha bochecha com o polegar. Ele estava tremendo. Concentrei-me novamente, preparando a fala que eu deveria ter empurrado nele há muito tempo.
- Eu percebi que nem sempre sentimos amor da forma como imaginamos e falamos. E, eu só descobri isso, quando apareceu outra pessoa, que me fez sentir todas as sensações descritas em livros românticos e mudou o rumo das coisas. – Sua mão, que estava no meu rosto, caiu em seu colo e ele ficou estático. Os olhos arregalados mostravam a confusão e sua boca estava levemente aberta, por culpa do susto que minhas palavras tinham dado nele.
- Você está gostando de outro cara? – perguntou, com uma voz estranha, baixa e impregnada de medo da minha resposta.
- É. Desculpe, amor. Mas eu não consegui controlar isso. – Eu fechei os olhos quando vi algumas lágrimas escorrerem pelo seu rosto. Não era como um choro meu, lotado de lágrimas e soluço. Era um choro em silêncio, ele o evitava, por isso tinha poucas lágrimas. Mas eu sentia que era muito mais doloroso chorar daquele jeito.
Quando ele se deu conta das lágrimas, limpou-as rapidamente e não deixou que mais nenhuma escorresse. Levantou-se também muito rapidamente e a raiva tomou conta de sua voz.
- Quem é? De quem você está gostando? – Gritava alto de mais. Eu mantive meus olhos no lugar vazio, que antes ele estava, e não tive coragem de virar e analisar seu rosto. – Fala logo. Fala alguma coisa, bosta. Quem é, ? – Agora era eu quem estava chorando. As lágrimas desesperadas escorriam pelo meu rosto e eu levei um tempo para conseguir responder. Abri a boca duas vezes, mas as palavras não saiam. Até que eu gritei.
- É o ! – O nó que estava na minha garganta pareceu desatar. Mas com a saída dele veio mais um monte de lágrimas.
- Eu não acredito. Eu não acredito. O meu amigo. – Ele falava isso para ele mesmo, mas, mesmo assim, falava alto demais. – Desde quando isso? Você está gostando dele desde quando?
- Acho que desde quando ele veio aqui em casa me ver, um pouco depois do dia do jantar. – expliquei, entre suspiros, baixo demais. Rezei para que ele tivesse entendido, eu não conseguiria repetir.
- Ele vinha te ver escondido? Ah, que idiota eu sou. – Ele de repente estava na minha frente, agachado e com seus olhos raivosos perto dos meus.
- Não o culpe. – Eu consegui gritar, mesmo soluçando. – Ele só estava tentando ser meu amigo. Se tiver alguém que você tem que culpar sou eu, ok?
- Ah, pode deixar, eu estou te culpando. Ele é um dos meus melhores amigos. Eu aposto que ele não vai ficar com você, mesmo terminando comigo. Eu aposto. – Apesar de ele estar gritando e me deixando com medo, eu entendia ele. E eu tinha pena dele, por ter sido duplamente traído.
Nós nos olhamos por algum tempo. O ódio estampado em seu rosto revirava o meu estômago. Ele não iria me perdoar, minha mente gritava isso para mim. Ele não tinha motivos para isso e, se ele soubesse, realmente, a verdade, os motivos para isso nunca viriam. Porque eu era nojenta. Não se perdoa nunca uma pessoa que foi tão nojenta quanto eu fui.
- Ele gosta de você? – Não era uma pergunta, porque ele não esperou uma resposta, já foi concluindo. – Ele gosta de você. Vocês estavam juntos antes da festa. Vocês estavam juntos no dia que o nos chamou para a festa do . E você acabou de me contar, que vocês estavam juntos algum tempo depois do jantar. Vocês me traíram. – Sua voz baixa voltou a ser um grito ao continuar. – Eu sou um idiota. Como eu não percebi isso? Vocês estavam me traindo pelas costas, isso é nojento, nojento demais. – Ele segurou meus braços com muita força. Eu fechei os olhos e ele me chacoalhou. – Há quanto tempo? Desde quando você está me traindo?
Eu chorei um pouco mais alto, como uma criança com medo de apanhar. Ele percebeu que estava me assustando e largou meu braço num impulso, mesmo assim, continuei com os olhos fechados. Ele não falou mais nada, eu apenas ouvia sua respiração forte e os meus soluços.
Após algum tempo eu senti sua mão em meu braço de novo, eu resmunguei com medo de que ele me assustasse de novo, mas ele apenas me puxou para um abraço. Não era confortável, não era acolhedor e nem um abraço carinhoso. Estava repleto de raiva, mas mesmo assim era um abraço. Chorei em seu peito nu, o apertando com força e ele também me apertava. Era desconfortável, mas era um pedido de desculpa de ambos. Principalmente meu.
- Não faz muito tempo. – respondi a pergunta que ele fizera antes e o apertei mais. – Desculpe. – sussurrei.
- Eu tenho nojo de você. – desvencilhou o abraço muito rapidamente e eu percebi que me apoiava nele quando eu quase caí no chão. – Droga! – gritou, passando a mão nos cabelos. – Eu vou sair, ok? Eu vou tomar um ar. – Eu assenti, vendo-o vestir uma camiseta branca que estava jogada na cama.
Ele saiu do quarto rapidamente.
Fiquei sem me mexer por longos minutos, sentada no chão, com as costas encostadas na cama e deixando que todas aquelas milhões de lágrimas caíssem como meu corpo pedia. Tapava meus ouvidos com as minhas mãos, como se isso ajudasse minha cabeça parar de escutar os gritos de Richard de novo e de novo. Parecia que o mundo estava todo de cabeça para baixo e eu queria gritar tão alto quanto a voz de Richard gritava em meu subconsciente, mas eu não conseguia falar nada, nem sussurrar.
Estava caindo por dentro, desabando completamente sem ninguém para me segurar, e completamente estatelada por fora, sem conseguir mexer um músculo sequer. Tinha a impressão de que, se eu me movesse, doeria mais. Ou que, se eu olhasse o quarto vazio, seria quase como eu cutucar a ferida aberta em meu coração.
Tentei pensei em coisas boas, pensar em , mas foi pior. Foi como colocar vinagre na ferida e depois sal.
Não sei quanto tempo se passou, quanto tempo fiquei ali sentindo a dor correr minhas fibras, mas então, escutei o telefone tocar. O barulho, ao se misturar com a voz de Richard, fazia meu coração doer mais. Qualquer coisa fazia tudo doer mais em mim. A sorte é que o telefone não estava perto de mim, no gancho. Estava na sala. Por isso, o volume do toque irritante era menor.
Implorei para que a pessoa não usasse a caixa de mensagens, não estava suportando qualquer tipo de barulho. Quando eles se misturavam com as vozes na minha cabeça se tornavam irritantes demais.
- ? – A secretária eletrônica falou. – Você já deve estar acordada, né? Desculpe se você estiver dormindo. Eu sei que a secretária eletrônica fica no seu quarto e, se você estiver dormindo, ela deve estar te acordando e te irritando agora. – A voz de Hayley fez o efeito contrário. Eu consegui me concentrar nela e escapar dos gritos do meu namorado. – E irritando Richard também, então, desculpe duplamente. Mas eu pensei que nós poderíamos sair hoje, que tal? Não quero passar o meu domingo trancada nesse apartamento sozinha. Minha mãe não está a fim de sair da casa dela hoje para fazer compras comigo, ou algo assim. Quando acordar me ligue, ou venha aqui em casa. Beijos. – desligou e, para não deixar os gritos de Richard voltarem a ecoar na minha cabeça, levantei e apertei o botão da secretária para ouvir tudo de novo.
Enquanto a voz de Hayley começava a repetir tudo, abri o closet e peguei minhas duas malas de viagens que estavam escondidas próximas às calças de Richard. Joguei as duas na cama e fui colocando minhas roupas nelas de qualquer jeito. Levaria um zero no quesito organização se estivesse sendo avaliada.
Eu não tinha certeza do que estava fazendo, mas mesmo assim soquei as roupas nas malas, até que elas estavam estufadas demais.
Coloquei a escova de dentes e meus documentos no bolso menor de uma das bolsas e apertei o botão da secretária eletrônica de novo, antes de começar a escrever um bilhete, em uma folha de caderno que estava jogada perto secretária.
A voz de Hayley voltou a falar.
Eu escrevi com uma letra tremida.

Richard...

Bem... Você deve estar muito bravo comigo. Você tem razão, eu sou nojenta.
Eu te amo, e eu só não contei antes por medo de te machucar. Eu sei, eu acabei te machucando mais ainda contando só agora. Eu sou covarde.
Não vou pedir o seu perdão, porque eu não mereço nem um pingo dele.
Estou indo para a casa de Hayley, eu acho que ela vai me aceitar por lá.
Que você encontre alguém que não seja tão idiota e covarde como eu. E que, principalmente, não te faça sofrer. Você não merece isso.
Acredite que, mesmo eu te fazendo sofrer desse jeito, eu te amo muito.

.


Deixei o papel em cima da cama preso por um travesseiro e, antes que eu me arrependesse da minha decisão, peguei minhas duas malas e saí de casa. Sentindo um buraco, um vazio, dentro de mim quando tranquei a porta e olhei a rua vazia. Eu havia deixado um pedaço de mim, o pedaço que amava Richard e o queria por perto, dentro daquela casa. Não tinha certeza de nada, talvez porque não tive muito tempo para pensar e me decidir, mas eu sentia que tinha agido por impulso. Impulso ocasionado pelo poder que tinha sobre mim.
Tinha medo de não ter pesado bem os prós e os contras.
Eu arrastava as malas pelas ruas frias e só então percebi que ainda estava com a minha calça de moletom e minha camiseta do frajola. Devia esse ser o motivo de todos me olharem estranho. E também, claro, porque eu estava chorando com duas malas enormes nas mãos.
Meu dedo, tremendo, não tanto pelo frio e sim pelo nervosismo, apertou o botão 51A e em menos de um minuto a voz de Hayley voltou a falar, mas agora não pela secretária eletrônica.
- Hayley é a . – disse com uma voz falhada. Mas ela nem notou.
- Você veio! Pode subir. – Ela desligou e, minutos depois, escutei um estalo que indicava que a grande porta de vidro tinha sido destrancada.
Eu empurrei a porta com uma mão e, um pouco desajeitada, coloquei as malas para dentro. Nesse tempo pensei que deveria ter avisado Hayley antes. Ela iria entender, mas, mesmo assim, teria sido menos idiota da minha parte avisar antes. Menos idiota, uma coisa que eu deveria começar a ser logo.
Meu dedo, que continuava tremendo mesmo com a temperatura agora agradável, apertou o botão 5 do elevador. Procurei não olhar para o grande espelho que se encontrava atrás de mim, poderia me assustar muito. Tentei manter minha mente ocupada com coisas como o carpete verde musgo do elevador. Mas, claro, eu não conseguia. Pelo menos eu não estava mais escutando os gritos de Richard, agora minha mente mostrava para mim os pontos negativos de tudo aquilo. Mostrava com eu era mais idiota do que eu achava e mais nojenta do que Richard pensava.
Um quadrado verde, em volta do número cinco, acima da porta do elevador, brilhou indicando que estava no quinto andar e, logo em seguida, a porta abriu lentamente.
Girei a maçaneta da porta da casa de Hayley, com a certeza de que ela tinha deixado aberta para mim, e entrei, cambaleando pelo peso das malas, em sua casa. A televisão da sala estava ligada, mas ninguém estava lá. Coloquei as malas no chão e delicadamente fechei a porta, trancando-a.
- Hayley? – perguntei, ainda com uma voz estranha, sem me mexer da onde estava.
- Eu estava arrumando minhas gavetas. Elas estavam cheias de besteiras, tinha cartas do meu antigo namorado, você acredita? Vou ler elas para você. Você vai rir tanto, ele era ridículo. – Eu continuei sem me mover, esperando que ela me visse logo e me ajudasse. – Em uma ele escreveu, Querida Hayley... , o que aconteceu com você? – ela gritou, com os olhos arregalados quando me viu. Eu nem queria pensar como eu estava deprimente.
- Terminei com o Richard. – falei e então mais lágrimas escorreram. Eu tinha um grande estoque de lágrimas. – Ele me acha nojenta... Ele tem razão... Ele gritou tanto. – Minha boca vomitava as palavras de modo atrapalhado e os olhos de Hayley se arregalavam cada vez mais conforme eu falava.
- Oh meu Deus! Você está péssima.
- Isso não ajuda muito, Hayley. – disse.
- Desculpe.
Ela me abraçou e isso foi um incentivo para eu chorar mais. Soluçava parecendo uma criança e, por mais que ela mandasse eu ficar calma, eu tremia como uma vara verde. Levei alguns minutos para conseguir parar de chorar. E, mesmo quando parei, parecia que meu estoque ainda estava lotado de lágrimas prontas para voltarem a escorrer se eu permitisse.



Capítulo 10

Abri os olhos devagar, tentando acostumá-los com a luz forte que vinha do lustre. Revirei-me um pouco na cama, irritada, quando percebi que era de manhã. Era horrível acordar. O mundo dos sonhos era tão mais fácil de lidar, mais convidativo.
Hayley saiu do banheiro penteando seus cabelos ruivos e rindo da careta que eu fazia todo o dia de manhã.
- Você vai faltar na faculdade de novo? – perguntou, apesar de já saber a resposta.
- É. Ainda não estou preparada e, afinal de contas, uma semana de faltas não vai me prejudicar. – E não ia mesmo. Graças a Hayley que me ensinava todos os assuntos novos de cada matéria.
- Eu só espero que seja só uma semana mesmo. – suspirou, jogando a escova em cima da sua cama. – , você precisa se mexer! Já faz quatro dias desde que você terminou com Richard e você continua só jogada nessa cama. – disse e eu resmunguei, mexendo-me na minha nova cama confortável, que Hayley me fez comprar um dia depois de eu chegar na casa dela.
- Eu me mexo. Eu fui para o trabalho todos esses dias. – falei, tapando o meu rosto com o travesseiro.
- Eu entendo que você ainda está para baixo e tenho toda a certeza de que, se você fosse para faculdade, voltasse a sua rotina normal, essa dor ai no seu peito e toda essa confusão na sua cabeça, iriam sumir muito mais rápido.
- Ah, claro, ir para a faculdade iria me ajudar muito. – disse, irônica.
- Tudo bem, não vou falar mais nada. Mas, semana que vem, você querendo ou não, irá comigo para faculdade. Nem que eu tenha que te arrastar. – disse, jogando um travesseiro em mim enquanto ia para o closet.

Entrei no táxi e o aquecedor do automóvel me obrigou a tirar meu casaco. O taxista me olhou de rabo de olho quando informei para onde queria ir. Certamente porque estava muito perto dali, não era necessário um táxi, mas o frio daquela manhã me obrigou a isso.
Brinquei com as pontas do meu cachecol, para tentar me manter concentrada em outra coisa que não fosse , ou Richard, e tentei não olhar pela janela quando passamos perto da minha casa. Richard deve estar no trabalho, pensei quando não resisti e, rapidamente, olhei a casa vazia. Aquela dor horrível invadiu meu coração novamente. Então eu voltei minha concentração para o cachecol azul-marinho.
- Moça, você está dormindo? Já chegamos. – A voz do taxista me fez voltar para a realidade. Olhei para o lado direito e a casa de estava bem ali.
- Oh, claro. Tome. – disse, entregando o dinheiro. – Fique com o troco.
O frio percorreu a minha espinha quando não tinha mais o aquecedor do carro me aquecendo da baixa temperatura da minha cidade. Vesti meu casaco novamente e escutei o táxi partir.
Fiquei parada, olhando para a casa, enquanto tentava acalmar as coisas na minha cabeça. Eram muitas palavras que eu queria falar e elas estavam correndo dentro da minha mente. Respirei fundo.
Uma felicidade pulsava dentro de mim e fazia meu coração acelerar. Mesmo com toda a infelicidade de ter deixado Richard, eu conseguia ainda pensar em estar com e sentir o contrário de tudo o que estava sentindo. Eu me sentia horrível por isso. Mas, eu não podia evitar o poder que ele tinha sobre mim.
E eu não via a hora de abraçá-lo novamente.
Toquei a campainha e ouvi a voz de Annie gritar algo como: Eu abro. E ela abriu. Seu sorriso radiante, que me fez sorrir também, foi desaparecendo aos poucos quando ela raciocinou quem estava na sua frente, e o meu sorriso foi desaparecendo também. Ela me olhava com tristeza e eu não entendia nada. Será que ela não gostava de mim?
- . – disse, voltando a sorrir. Mas era um sorriso forçado. – Que surpresa!
- Eu imagino. Desculpe se atrapalhei algo. Mas é que eu preciso falar com . Ele está? – perguntei.
Ela olhou para a escada, que dava para os quartos, atrás dela, e depois voltou a me olhar. Com aquele olhar estranho.
- Ele está dormindo. – suspirou, fechando os olhos. – , é melhor você parar de fazer isso com ele. – Meus olhos se arregalaram. – Eu gosto de você. Acho que se tivéssemos oportunidade seríamos boas amigas. Mas não posso aceitar que você faça isso com o meu irmão. Ele me contou tudo... – Minha feição ficou severa e ela logo o defendeu. – Não fique brava por isso. Eu fui a intrometida. Ele estava mal e eu o forcei a contar. Ele me falou que você tinha prometido terminar com o seu namorado e que, depois, você iria ligar para ele. Ele ficou esperando. Depois concluiu que você não tinha conseguido terminar com o Richard, porque você ama o seu namorado, ele sabe disso. Mas o que eu não entendo é, por que você faz isso com ele? Se você ama o Richard por que fica fazendo criar falsas esperanças? – Meu rosto estava vermelho, de raiva de mim mesma. Eu tinha feito pensar que eu tinha desistido mais uma vez e tinha feito ele sofrer durante esses quatro dias.
Annie analisava meu rosto sem uma expressão definida. Suspirei e tentei explicar as coisas.
- Eu amo o . – sussurrei, mesmo sabendo que isso não explicaria nada. Mas minha cabeça estava mais lotada ainda de palavras para dizer que minha boca, em protesto à confusão, não conseguia falar nada.
- Eu não te entendo. – disse. Ninguém me entendia.
- Eu preciso falar com ele, Annie. Eu preciso explicar que foi um mau entendido. – agora eu falava rápido e alto demais. – Eu não acredito que deixei ele acreditar que eu fui covarde mais uma vez quando, na verdade, eu não fui.
- O que você está querendo dizer? – ela disse, chacoalhando a cabeça confusa.
Eu fechei os olhos e respirei para conseguir explicar para ela. Mas uma voz desconhecida gritou ao fundo.
- Quem é, Annie?
- É uma amiga minha, pai. – Seu olhar analisou meu rosto desesperado e então ela continuou. – Nós vamos dar uma volta, ok? – Pegou um sobretudo atrás da porta e o vestiu, enquanto eu tentava entender o que ela fazia. – Daqui a pouco eu volto. – Fechou a porta atrás de si.
- Nós vamos dar uma volta? – perguntei. Ela não respondeu, apenas puxou minha mão e começamos a caminhar.
- Agora me explique. – pediu ela.
Chutei uma pedra e a observei correr pela rua, enquanto Annie analisava meu rosto, querendo as explicações logo. Quando a pedrinha parou, eu suspirei e resolvi falar.
- Eu terminei com Richard. – disse. Pude ver os olhos dela se arregalarem. – Eu só não liguei porque... Bem, eu não estava em um bom estado para ligar. Entende? – perguntei, finalmente olhando nos olhos dela.
- Na verdade não... Se você gosta do meu irmão, porque sofreu tanto para se separar do seu namorado? – Seria complicado fazer uma garota tão nova entender o meu mundo estranho.
- Annie... Eu amo Richard. Contudo, não é o mesmo amor que eu sinto por seu irmão. – Eu olhava meus pés enquanto andava. Mas, mesmo assim, sentia os olhos curiosos dela me encarando. – Eu pensava que eu amava Richard. Mas, o que eu sinto por ele é mais um amor de amigo. E eu só percebi isso quando apareceu, fazendo com que eu o quisesse para mim no mesmo instante. No entanto, eu ainda amo Richard e doeu muito ver que eu tinha magoado ele.
- Eu acho que agora eu consigo entender um pouco. É mais complicado do que eu imaginava. – disse. Eu olhei para ela e concordei com a cabeça.
- Agora, eu preciso ir lá e falar isso para o . – Parei de andar me virei para voltar para a casa dela.
- É melhor não. – ela disse, mordendo o lábio.
- Por que? – perguntei, sentindo que tinha algo acontecendo. – Aconteceu alguma coisa Annie? – Ela não falou nada, apenas manteve uma feição cheia de pena. Eu estremeci como da outra vez. – Fala o que aconteceu, senão eu entro na sua casa e descubro por mim mesma.
Seus olhos ficaram preocupados e tensos, provavelmente ela imaginava a cena do meu escândalo.
- Maggie está lá. – sussurrou com receio.
Primeiro a raiva correu por minha corrente sanguínea, fazendo com que minhas bochechas voltassem a ficar vermelhas. Eu podia escutar o sangue pulsando debaixo das minhas orelhas e a vontade de chutar alguma coisa nas minhas pernas.
Depois, quando fechei os olhos e consegui controlar toda a raiva, senti uma nova ferida aparecendo dentro de mim. Um vazio que doía mais que tudo. Uma vontade de me jogar no chão e chorar até que alguém viesse me socorrer.
Meu estoque de lágrimas tinha acabado naqueles quatro dias, não havia mais como chorar. Eu tinha vontade, mas não conseguia. E, sentir toda aquela dor, sem poder chorar, era pior ainda.
- Porque ela está na sua casa? – perguntei com uma voz fraca demais, de olhos fechados. Ela me ouviu.
- Ela dormiu lá. – disse.
- Ela está com o ? – forcei minha boca a falar, mesmo que toda a dor quisesse impedi-la.
- Não literalmente, eu acho. – Abri os olhos devagar. – Bom... e Maggie nunca tiverem algo sério. Eles só ficam de vez em quando. ficou muito chateado com você, Maggie apareceu e... – Eu a interrompi, colocando minha mão na frente dos seus olhos.
- Eu já entendi. – Suspirei.
O mundo conspirava contra nós dois, finalmente, tinha conseguido o que queria. Eu estava despedaçada, ou melhor, esmagada. Não havia nenhum pedaço de mim ainda vivo, com esperança. Estava completamente vazia, ou melhor, tinha apenas uma coisa dentro de mim: a dor.
- Mas, quando Maggie for embora, você conversa com o . – Sorriu fraco.
- Não. Eu não quero. Eu não posso aceitar isso. não acreditou em mim quando eu disse que terminaria com Richard. Eu tinha prometido isso para ele e eu cumpri. Por mais doloroso que eu já sabia que iria ser, eu fui lá e fiz o que deveria ter feito. Eu fiz por . – Sentei na calçada e apoiei minha cabeça nas minhas mãos. – Ele deveria entender que não ia dar para eu terminar com Richard e vim correndo me entregar a ele. As coisas não são assim. Eu tenho sentimentos por Richard. Richard tem sentimentos. – Senti Annie colocar a mão no meu ombro. Esperei para ver se ela falaria algo, mas ela apenas me ouvia. – Eu apenas precisei de um tempo para eliminar da minha cabeça os gritos de Richard ao saber de toda a verdade. Quatro dias... Eu só precisei de quatro dias. poderia ter esperado quatro dias sem recorrer à Maggie. – Eu tentei chorar, mas a raiva me impedia. Ela me fazia querer gritar e não molhar o meu rosto. – Eu vim confiante demais. Cheia de esperança. Tocaria a campainha da sua casa, abriria a porta, veria nos meus olhos a felicidade e entenderia tudo. Depois ele me abraçaria por longos minutos e... Ah, porque ele fez isso? – Olhei em seus olhos, quase iguais aos do seu irmão, porém não tão brilhantes, e esperei que ela soubesse um motivo bom que explicaria tudo e me faria perdoar . Mas ela não tinha. Seus olhos cheios de pena mostravam isso.
- Procure entender o lado dele... – sussurrou – É complicado para ele também.
- Ah, claro. Ele quem teve que terminar com a namorada de dois anos dele e teve que escutar ela falar para ele que ele é nojento. – A raiva subiu novamente a minha cabeça. Eu percebi Annie olhar para o lado. Eu estava sendo rude demais com ela. – Desculpa. Você não tem nada a ver com isso, não posso descontar minha raiva em você.
- Tudo bem, isso não importa. Você não vai falar mesmo com ele? As coisas poderiam ser tão mais fáceis, . Você está sendo egoísta.
Idiota, nojenta e egoísta. Ótimo!
- Não. Eu vou para casa. Até mais, Annie. – disse. E deixei Annie com sua feição confusa para trás, enquanto andava rapidamente para minha casa. Ou melhor, para a casa de Hayley.
Quanto mais eu pensava que as coisas iriam se amenizar, mais elas pioravam. Já me bastava a expressão furiosa de Richard aparecendo, de vez em quando, na frente dos meus olhos. Agora, para fazer companhia a essa imagem eu tinha mais duas. A de Annie com pena, pena de mim, claro. E, a outra era de Maggie, no dia da festa do , olhando-me com um olhar vitorioso enquanto se jogava em cima de . Três imagens, três sentimentos diferentes conforme eu via cada uma.
Eu me sentia nojenta ao lembrar de Richard.
Idiota ao ter ódio de Maggie.
E egoísta ao lembrar de Annie.
Eu meti minha mão dentro da minha bolsa para achar a chave da porta do apartamento. Revirei minhas coisas e, tremendo, achei o molho de chaves. Abri a porta e a bati com força atrás de mim ao entrar. O barulho alto fez minha cabeça doer mais ainda e eu gemi. Eu joguei minha bolsa no chão e sentei, encostada na porta, ficando por lá mesmo.
Um filme todo começou a passar por minha cabeça, com partes reais e outras inventadas.
Eu vi a imagem de se aproximando, depois de colocar a música, no dia do meu aniversário. O sorriso dele era hipnótico e foi naquele dia que tive certeza do que sentia por ele. Eu vi Richard bêbado e decepcionado comigo na festa. Depois eu o vi gritando comigo com lágrimas nos olhos. Essas eram as partes reais.
A imagem de Maggie apareceu de repente, fazendo com que eu me sentisse sufocada de tanta raiva, ela estava ao lado de . As mãos deles estavam entrelaçadas e eles olhavam para mim felizes enquanto eu chorava. Essa era a parte que minha mente inventou. Contudo, por que eu sentia que, no fundo, ela era real? Por que eu me importava tanto com coisas criadas pela minha cabeça?
Foi mais dolorido do que deixar Richard, porque, quando eu o deixei, eu pensei em . Eu pensei que ele estaria me esperando e isso me deu forças. Eu poderia suportar a dor que fosse, desde que eu tivesse comigo.
Mas, eu não poderia suportar a dor de ele não estar comigo. De ser trocada e estar completamente sozinha. Eu estava sozinha. Terminei com Richard esperando em troca, mas agora eu não tinha nenhum dos dois. E eu me sentia sufocada quando pensava nisso.
O interfone tocou para tirar as imagens da minha cabeça por um tempo e para fazer minha cabeça doer mais. Descolei um pouco do chão e estiquei minha mão para o objeto que me irritava. Quando o peguei, coloquei no meu ouvido e caí de novo no chão, quase fazendo o fio quebrar.
- Oi? – perguntei baixo demais e a pessoa escutou. Sorte, porque eu não falaria de novo se não tivesse escutado.
- ? – Uma voz conhecida perguntou por mim e eu não consegui falar. – Eu posso subir? É o Richard.
Eu senti meus ossos fraquejarem. Ele não podia subir, mas eu não tinha forças para falar isso para ele. Ele não podia me ver naquele estado. Eu não conseguiria manter um diálogo legal com ele estando tão sufocada e irritada.
- ? Você está me ouvindo? Posso subir? – Uma lágrima caiu quando escutei a voz dele novamente e eu tive vontade de abraçar o interfone. Eu esperei que mais lágrimas caíssem, para poder limpar o que eu estava sentindo, mas eu não consegui liberar mais nenhuma. Eu gemi de raiva. – ?
- Não. – sussurrei. – Não pode subir. – Eu queria que ele fosse embora, mas ao mesmo tempo eu queria escutar a voz dele. E abraçá-lo.
- ... Eu preciso te entregar umas coisas e preciso conversar com você. – Eu sorri quando ele continuou falando, mesmo com tanta dor. Eu estava sendo retardada. – Vai ser rápido. Por favor, deixe-me subir. – pediu.
Em que mundo eu conseguiria dizer não para Richard?
- Suba. – sussurrei. Com muito esforço, levantei-me e coloquei o interfone no gancho. Apertei o botão ao lado para a porta destravar.
Peguei minha bolsa do chão e a joguei em cima do sofá. Passei a mão pelo meu cabelo bagunçado, alisando os fios rebeldes. Eu teria que parecer normal para Richard e não uma retardada despedaçada. Passei a mão no meu rosto, olhando no espelho da sala, e forjei um sorriso que parecesse simpático. Foi péssimo. Sem sorriso, pensei comigo mesma e suspirei derrotada. Eu era uma péssima atriz.
Richard não tocou a campainha, como se ele soubesse que eu odiaria, pois minha cabeça doeria mais. Deu duas batidinhas na porta e o som, graças aos céus, não me irritou.
- Está aberta. – gritei e sentei no sofá. Eu poderia desabar se olhasse Richard sem estar sentada.
Eu ouvi a porta bater e depois Richard estava bem na frente dos meus olhos. Eu primeiro encarei seu rosto, que nem de longe estava como da última vez que o vi, depois olhei seu sobretudo preto, era o que eu mais gostava, tinha dado para ele de presente em alguma data que não era especial e ele ficava lindo com ele. Suspirei e, por último, olhei suas mãos, a direita segurava quatro sacolas e a esquerda três. Ele pareceu esperar que eu o analisasse para falar.
- Oi. – disse, sorrindo. Porque ele conseguia sorrir tão bem, mesmo seus olhos mostrando que ele não estava tão feliz?
- Você não veio em uma hora boa, então, seja objetivo.
Ele colocou as sacolas no chão e sentou na poltrona que ficava ao lado do sofá onde eu estava.
- Nós precisamos conversar.
- Seja objetivo. – repeti. Eu não queria ser rude com ele, – eu não tinha direito – mas eu não estava bem para receber qualquer tipo de visita.
- Volte para mim. – Ele sabia mesmo ser objetivo. As palavras bateram em mim com força e eu tive que me concentrar para voltar a respirar. – Eu não consigo ficar longe de você. Você é a minha fonte de energia.
- Eu não posso ser sua fonte de energia sendo sua amiga? – perguntei. Ele passou as mãos no cabelo e olhou para mim com os olhos espremidos.
- Você realmente não me quer mais?
- Não é bem assim, Richard. – Eu esperei que ele falasse alguma coisa, já que eu não estava muito bem para falar. Mas ele esperou que eu continuasse – Nós poderíamos ser amigos.
- Não consigo ser seu amigo. – falou rudemente.
- Você pode se acostumar.
- Não posso. Não posso.
- Aposto que você consegue. – sussurrei de olhos fechados.
- Você não sabe de nada. Você pode se acostumar, isso pode até ser. Mas eu nunca vou me acostumar. – Mantive meus olhos fechados para não analisar o rosto dele. Doeria mais.
- Richard, você poderia facilitar as coisas.
- Eu? Facilitar as coisas? – ele riu – Nós tivemos um relacionamento ótimo de dois anos e, de repente, você vem me falar em um dia de manhã que está gostando do meu amigo. Então, você saiu de casa, deixando apenas um pedaço de papel com palavras sem sentido. E eu que tenho que facilitar as coisas? – Eu sabia que estava sendo egoísta como sempre. Ouvi um barulho de papel e depois ele continuou – “Que você encontre alguém que não seja tão idiota e covarde como eu”. – Olhei para ele e percebi o papel na mão dele. Era o meu bilhete. Meu coração bateu forte quando o vi, porque a imagem do dia que o escrevi veio à tona na minha cabeça. – Sabe... – Ele olhou o papel por um tempo. – Você pode ser, às vezes, idiota e covarde. – riu – Mas, eu não quero alguém senão você. Quero você, com todos os seus defeitos que eu aprendi a amar. – Eu deixei que ele falasse tudo o que quisesse, até porque eu não me lembrava de como se falava por alguns minutos. Ele olhou o papel novamente e leu mais um pedaço. – “Bem... Você deve estar muito bravo comigo. Você tem razão, eu sou nojenta”.– suspirou – Desculpe. Você não é nojenta. Eu falei aquilo na hora da raiva, sem pensar.
- Eu sou nojenta. – confirmei, em um sussurro. – Eu te traí. – Talvez, se eu deixasse bem claro esse fato, ele fosse embora e nunca mais me quisesse. Seria melhor.
- Eu sei que você se arrepende. Quero dizer, você gosta do , deve ter sido bom para você ficar com ele. – Ele fechou os olhos com raiva. – Eu sei que não é dessa parte que você se arrepende. Mas você se arrepende de ter me feito sofrer. Porque, no fundo você me ama. E isso compensa qualquer coisa. – disse.
Por que ele simplesmente não gritava que não me queria mais e ia embora? Estava sendo muito pior daquela forma.
- Eu me arrependo. Mas isso não muda nada. – disse.
- Pode mudar. Se você ainda me ama, nós podemos voltar e eu vou tentar ser bom o suficiente para você.
- Não pode mudar, Richard. Eu ainda te amo, mas, como eu já disse, não da forma como você imagina. – Olhei para o teto branco e suspirei.
- Lembra do dia que o nos convidou para a festa do ? – Ele não esperou minha resposta, porque sabia que eu me lembrava. – Você me perguntou, um dia depois, se caso você me fizesse sofrer, se eu te perdoaria. Eu te prometi que sim e eu estou cumprindo minha promessa agora. Depois eu te perguntei se você me amaria para sempre... – ele parou de falar por um segundo. – e você me prometeu que sim.
Olhei seu rosto, cheio de sofrimento, e então não pude mais conter a vontade que estava me sufocando desde que atendi o interfone. Levantei do sofá e abracei Richard, de uma forma desajeitada, por ele estar sentado e eu em pé. Ele levantou, muito devagar, e me apertou forte quando estava totalmente de pé.
Senti o tecido macio e fofo do sobretudo dele tocar meu rosto, do jeito que eu sempre gostei. Inalei o cheiro dele, que em apenas quatro dias eu já sentia saudade.
O cheiro que me lembrava conforto; dias tediosos mas super nostálgicos. Horas abraçada com ele, assistindo filmes que eu nem ligava e escutando ele mastigar a pipoca. E, quando o filme era de comédia, eu escutava a risada gostosa dele e eu ria também, mesmo prestando atenção mais nele do que ao filme. Quando o filme era de terror, ou suspense, eu me apertava mais a ele – mesmo que, às vezes, eu nem sentisse muito medo. – e ele beijava a minha testa ou acariciava meu braço para me manter calma. E eu ficava. Não tinha como não ficar segura ao lado dele.
- Eu sei que te prometi. – sussurrei, após longos minutos. Ainda abraçada a ele, continuei. – E é verdade. Eu vou te amar para sempre, Richard. Não há como não te amar; não há como não sentir falta do seu cheiro e da segurança que você me passava e ainda passa, como agora está fazendo. Eu queria que nós pudéssemos ainda ter tudo isso sendo amigos. Mas, já que isso é um tanto impossível para você, eu te faço outra promessa, que você pode ter certeza que eu vou cumprir. Eu vou guardar tudo na minha memória, todas as coisas boas que nós vivemos, cada segundo especial que você me proporcionou. Isso vai estar sempre comigo. Eu vou sempre amar isso. Eu prometo. – Senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Ele pegou meu rosto e fez eu olhar para ele. Limpou a lágrima na minha bochecha com o dedo indicador, passando ele por meus lábios, logo em seguida.
- Você vai estar sempre comigo também, por mais que você não me queira mais. – ele suspirou derrotado. – Pelo menos eu tentei, não é? – falou para si mesmo e não para mim. – Se você quiser voltar, bem, eu estarei lá. Mesmo que eu encontre outra garota por distração, você sempre será o amor da minha vida. – Ele selou seus lábios quentes no meu e, quando eu ainda estava de olhos fechados, falou. – Adeus, então.
Largou meu rosto e caminhou para a porta. As palavras dele foram fazendo sentido aos poucos e aquela dor forte foi chegando outra vez, agora que não tinha ele para me proteger delas.
- Richard, volte! – gritei, quando escutei a porta abrir.
Corri para abraça-lo novamente, com um monte de lágrimas, finalmente, molhando o meu rosto. Ele estava parado, confuso. Lacei sua cintura e molhei o sobretudo com minhas lágrimas, enquanto ele acariciava meu cabelo.
- Você não pode ficar longe de mim. – sussurrei, fungando. – Por favor, fale que você vai tentar ser meu amigo. Fale isso agora. Eu não suportaria ficar longe de você. Você vai conseguir, Richard. Nós vamos ser melhores amigos e vai ser... bem legal.
Ele se abaixou um pouco para ficar na minha altura e limpou as lágrimas mais uma vez.
- Não chore, por favor. – pediu. – Isso me machuca mais ainda. – Respirei fundo, tentando parar de chorar. Eu não podia fazer ele sofrer mais.
Ele suspirou novamente como se tivesse sido derrotado.
- Eu vou tentar ser seu amigo. Mas, vamos fazer isso com calma, ok? Por enquanto é melhor ficarmos por um tempo sem nos ver. É melhor. Eu juro que vou tentar depois. – disse. Um alívio momentâneo percorreu minhas veias.
- Obrigada. – sussurrei.
- Eu já vou. Aliás, aquelas sacolas são os presentes que você ganhou de algumas pessoas no seu aniversário. Você esqueceu de abrir. – Olhei para as sacolas. Eu não as queria. Elas me remetiam à um dia não muito bom.
- Tudo bem. Obrigada. Depois eu volto lá para pegar as roupas que ficaram. – disse, limpando melhor meu rosto.
- Ok. Tchau. – Beijou minha bochecha e saiu, ainda virado para mim, do apartamento.
O observei chamar o elevador. Nós ainda olhávamos um nos olhos do outro, decorando cada linha do rosto de cada um.
- Richard. – O chamei quando o elevador chegou. – Tenho certeza que você vai encontrar uma garota boa para você. Que te complete. – Ele olhou para baixo, com uma mão na porta do elevador para que ela não fechasse, e depois voltou a olhar para mim.
- Eu queria que essa garota fosse você. – Não me deu tempo de falar mais nada. Entrou no elevador e eu observei a imagem dele sumir conforme a porta automática fechava.



Capítulo 11

A tarde passou arrastada. Eu ficava irritada toda vez que olhava no meu relógio e percebia que o tempo estava contra o que eu queria. Os ponteiros pareciam zombar de mim conforme rodavam exasperadamente devagar. Além dele, o movimento da livraria também parecia zombar de mim. Sentia uma enorme falta de quando aquilo enchia de clientes e eu ficava sem tempo para nada, a não ser atendê-los o mais rápido possivel. Não tinha tempo nem para pensar. Essa era a melhor parte e a parte que eu gostaria de viver depois de um dia tão lotado de acontecimentos.
Busquei alguma recreação que focasse meus pensamentos a qualquer coisa que fosse, exceto a . A primeira coisa que agarrei para me distrair foi um livro. Mas eu não conseguia focalizar a história na minha cabeça, – a única história que se passava nela era a minha e nenhuma outra. – porque eu não conseguia interpretar qualquer coisa que fosse, pareciam, para mim, apenas palavras que foram alinhadas meticulosamente. Fechei o livro, irritada, quando percebi que ele não prestava para o que eu queria e parti para o segundo passatempo que tinha em mente.
Eu sempre fui péssima em jogos de celular e eu costumava ficar muito irritada jogando qualquer uma dessas coisas. Por isso, peguei meu celular e selecionei um jogo qualquer, o primeiro da lista. No começo eu não sabia qual era o objetivo do jogo, - Não li as instruções porque sabia que não prestaria atenção, assim como não prestei ao livro. – depois eu percebi que se eu apertasse o 1 eu conseguiria dar tiros. Isso foi o suficiente, apertei o 1 com muita força, meu dedo doía, e vi umas espaçonaves explodindo quando os tiros batiam nelas. Eu perdi algumas partidas no começo, depois fingi que as espaçonaves explodindo eram Maggie e, então, eu consegui passar da primeira fase.
A tática de me distrair com o jogo de celular foi boa, mas não para fazer tempo passar mais rápido. Na verdade, ela deu certo para eu descontar minha raiva nas espaçonaves. Depois de um tempo percebi que, se eu quisesse, as espaçonaves poderiam ser também e com isso eu passei para a terceira fase.
A terceira fase foi a mais prazerosa, havia dois tipos de espaçonaves, vermelhas e azuis. Explodir Maggie e em uma mesma fase foi bem legal.
Eu fiquei tão vidrada naquilo que tive raiva quando apareceram clientes para eu atender. Mas depois fingi que eles também eram espaçonaves e fiquei melhor.
Um cliente, que seria o próximo a virar a espaçonave e depois explodir, colocou um livro em cima do balcão. Estopei o jogo, esbocei o sorriso que eu deveria dar a todos os clientes, e levantei minha cabeça para analisar quem seria minha próxima espaçonave.
Meu sorriso ensaiado broxou quando percebi que o cliente era . Senti a raiva fervilhar dentro de mim, ao mesmo tempo em que sentia as feridas voltarem a doer. Meu coração assumiu um ritmo irritante, parecia que ele ia sair de mim no momento em que eu abrisse a boca para falar. Crispei os dedos de uma mão no balcão e com a outra peguei o livro que ele provavelmente compraria. Eu apenas tenho que ser profissional, pensei comigo mesma, olhando para baixo e logo em seguida voltando meu olhar para ele. Ele estava analisando cada reação minha com um sorriso debochado no rosto e isso fez minha raiva piorar. Eu queria poder explodi-lo como fiz com as espaçonaves. Engoli seco meu ódio e a minha vontade. Profissionalismo, pensei novamente e tentei colocar isso em foco.
- Algo a mais? – perguntei quando passei o leitor de código de barras no livro.
- Apenas esse. – disse. – , nós precisamos conversar.
- Como você vai pagar? - Meu profissionalismo lutava para vencer a minha voz falhada. Ele estendeu um cartão de débito para mim. Percebi que esperava que eu falasse alguma coisa, então, aproveitei que estava com minha atenção voltada para passar o cartão, e não para os olhos dele, e falei – Não tem nada para ser dito, .
- Você está enganada... – suspirou – Annie disse que você esteve na minha casa de manhã.
- Estive. Queria contar umas novidades para você. Mas acho que elas não são mais tão importantes assim agora.
- São sim. Annie me contou tudo e eu gostaria que você me desculpasse por ter pensado que você não tinha cumprido sua promessa. – disse.
- Eu não pareço o tipo de pessoa certa para você confiar, não é? – Estendi a máquina para ele digitar a senha.
- Eu confio em você. Mas é que você não deu notícias por quatro dias, então achei que não tinha conseguido. – Seus olhos suplicavam meu perdão e eu não olhei mais para eles quando percebi isso.
- Não tinha conseguido. – repeti para mim mesma – Sou tão previsível, não é? Você, no fundo, tinha certeza que eu seria covarde mais uma vez.
- Eu não estou dizendo que você é covarde. – Tirei a máquina da mão dele quando terminou de digitar.
- Senha errada. – revirei os olhos e devolvi a máquina.
- Preciso te explicar as coisas. Você está entendendo tudo de uma forma errada. Você está vendo como você quer ver. – disse.
- O que você vai me dizer? – bufei – Que Maggie dormiu na sua casa porque a casa dela pegou fogo? – Meu rosto queimava de raiva, formigava.
- Não. Eu não vou mentir para você, não faria isso. Maggie dormiu lá, dormiu comigo. – Senti meu estômago se revirar nesse momento. Meu ódio por Maggie cresceu mais ainda. – Mas, eu posso te explicar o que estou sentindo e porque fiz isso.
Eu não falei mais nada. Minha fúria aumentou quando ele confirmou o que eu gostaria e tentava acreditar que fosse mentira. Não conseguia aceitar que haveria algum motivo para aquilo ser plausível, ou algum motivo que me fizesse perdoá-lo.
Ele digitou a senha correta e o barulho do recibo saindo fez com que eu me concentrasse novamente na minha meta de ser profissional. Arranquei o papel com uma força exagerada e entreguei para ele, sem olhar nos seus olhos.
- É para presente? – perguntei baixo demais.
- É. – ele sorriu. Meu coração acelerou mais ainda com isso. Ele aproveitou a quebra do silêncio e continuou com seus pedidos. – Eu posso te esperar aqui em frente para quando você sair nós conversarmos melhor.
- É melhor não, . – disse enquanto embalava o livro.
- Então... Podemos almoçar amanhã?
- ... – Olhei para ele, mesmo sabendo que meu estômago reviraria se eu fizesse isso - Eu não quero conversar com você. Não hoje, nem amanhã e eu não sei quando vou querer, ok?
Ele olhou para o balcão de mármore e batucou a ponta dos dedos, estava pensando, depois voltou a olhar para mim.
- Você não pode fugir disso. – disse.
- Fugir do quê?
- Dos seus sentimentos... Do que você sente por mim. – Eu voltei minha concentração ao embrulho.
- Você me fez fugir disso. – sussurrei.
- Não fuja disso, por favor. – implorou – Vamos conversar, você só vai precisar me escutar e depois decidir se vai realmente querer fugir do que temos pela frente juntos.
- Eu não quero conversar hoje. Aconteceram coisas demais para a minha cabeça. – disse, enquanto tentava desgrudar a fita adesiva do meu dedo.
- Que tipo de coisas? – perguntou.
Olhei para ele, ainda com a fita no dedo, incrédula.
- Fora eu ter ido até sua casa à toa? – ri, revirando os olhos. – Fora Richard ter aparecido de surpresa na casa de Hayley para me implorar uma volta? Isso é o suficiente para você me deixar em paz?
- Vocês voltaram? É por isso que você não quer conversar comigo?
- É claro que não. Eu não faria isso com ele. – disse e coloquei o livro embrulhado em uma sacola.
- Então, vamos almoçar amanhã. – Pegou a sacola da minha mão.
Pensei um pouco na proposta. Mas era fato que eu não iria acordar bem, ainda estaria tão dolorida e tão irritada como estava naquele momento.
- Vá embora, . Você só está me irritando mais.
Ele olhou para o mármore do balcão e, depois de um tempo, virou para a porta e saiu sem dizer mais nada.
Quando o perdi de vista coisas estranhas começaram a acontecer dentro de mim. Um alívio idiota percorreu meu corpo. Idiota porque eu o senti só porque tinha vindo falar comigo e isso deveria significar alguma coisa, não é? Deveria significar que, no fundo, ele realmente estava desapontado com o que tinha feito. Sentir esse alívio era eu provar para mim mesma, mais uma vez, como eu era a pessoa mais egoísta do planeta.
Sentia também a raiva, que queimava meu rosto e fazia meu coração bater de uma forma estranha. Contudo, agora ela não era como antes, digo, eu não tinha raiva de ou de Maggie, – Tudo bem, de Maggie eu ainda sentia – agora eu tinha raiva de mim mesma. Uma parte de mim queria me punir por ter deixado ir embora sem escutar o que ele tinha para me dizer. E se ele não voltasse mais? Eu gemi ao pensar nessa possibilidade.
Derick, que estava mostrando uns livros para um cliente, me olhava estranho. Talvez eu estivesse demonstrando muito o que estava sentindo. Então, peguei meu celular e voltai a jogar, para tentar aliviar todas aquelas coisas que estava sentindo.
E agora eu era as espaçonaves.
Eu pensei que seria legal se meus sentimentos explodissem daquela forma.
Assim como eu cheguei mais cedo na livraria, para não ter ficar naquela casa sozinha, olhando aqueles presentes e sem nada para fazer, – Eu não sabia dos jogos de celular, senão ficaria lá com eles. – eu sairia também mais cedo. Quem sabe um banho e umas quatorze horas de sono não me ajudassem um pouco? Tudo bem, não iam me ajudar. Mas pelo menos quando estivesse dormindo minha cabeça iria parar um pouco. Eu definitivamente precisava de quatorze horas de sono, talvez até mais.
Joguei meu celular dentro da bolsa e tirei meu crachá, enquanto ia saindo de trás do balcão.
O cliente do Derick lia a orelha de um livro então aproveitei para me despedir dele.
- Derick, eu já vou, ok? – sussurrei e mesmo assim o cliente me olhou feio.
- Já? Não vai esperar Hayley chegar?
- Não. Estou muito cansada, preciso tomar banho e dormir o máximo que puder.- Ele riu.
- Tudo bem. Durma bem então. – disse. Eu sorri em agradecimento, enquanto saía. – ... – ele me chamou, um pouco alto. Eu pude ver o cliente revirar os olhos.
- Sim?
- Você gostou do presente que eu te dei?
O presente que ele me deu provavelmente estava ainda fechado, jogado debaixo da minha cama, assim como estavam todos os outros presentes que Richard levou naquela manhã.
- Oh, claro. Obrigada. – Esperava que ele não entrasse em detalhes. Não fazia idéia do que ele tinha me dado.
- Legal. – ele sorriu. Olhou por algum tempo para o chão e depois continuou a falar. – Você terminou mesmo com Richard?
Apenas confirmei com a cabeça. Tinha certeza de que aquele homem estava com raiva da nossa conversa. Ele poderia tacar aquele livro na minha cabeça e até que não seria má idéia.
- Só para saber mesmo. – sorriu, tímido, coçando a cabeça.
- Então... Tchau Derick. – disse.
- Tchau .
Abrir o presente do Derick, coloquei esse item na lista mental de coisas a fazer ao chegar em casa e sai da livraria. Tinha em mente ir andando até minha casa, para chegar um pouco mais tarde e assim não ter que esbarrar com Hayley. Não estava querendo contar meu dia para ela, para ninguém, na verdade. O que era bem estranho da minha parte, logo que eu sempre gostei de jogar meus problemas nas costas dos outros. Talvez eu estivesse aprendendo a sofrer sozinha. Isso era bom.
Senti uma mão tocar meu ombro e eu quase caí para trás, tamanha era a velocidade nervosa dos meus passos.
estava bem ali na minha frente de novo. No começo eu voltei sentir raiva dele, mas não era uma raiva a ponto de querer explodi-lo como antes era. Eu tinha raiva simplesmente por ele ter me esperado, mesmo eu pedindo para que não fizesse isso. Sentia raiva ao mesmo tempo em que ficava, novamente, aliviada, porque se ele tinha me esperado isso era mais uma prova de que realmente ele estava desapontado com ele mesmo.
Uma parte de mim disse em uma voz baixa: Não o faça ir embora de novo. Não fuja disso. Enquanto a outra queria sair correndo para casa.
- Eu posso te dar uma carona? – perguntou, mostrando as chaves do carro.
Eu respirei fundo e tentei ouvir a primeira voz com mais clareza.
- Pensei que tivesse deixado claro que não queria conversar hoje. – disse e continuei antes que ele pudesse retrucar. – Tudo bem, fale o que você quiser. Estou te ouvindo.
- Aqui? Nós não podemos ir à sua casa, ou algo assim?
- Hayley vai estar lá. Acho aqui um bom lugar. – Olhei em volta de mim, estávamos na calçada atrapalhando a passagem de algumas pessoas. Não era um bom lugar.
- Vamos sentar então? – disse, apontado para um banco do outro lado da rua, com umas árvores secas ao fundo.
Atravessei a rua rapidamente e ele teve que correr um pouco para me acompanhar. Sentei no banco e coloquei a bolsa no meu colo, apertando a alça com força.
- Agora pode falar. – disse.
- Por onde começo? – perguntou para ele mesmo. Eu esperei. – Eu fui para casa naquele domingo pensando no que tínhamos dito um ao outro. Eu te pedi para terminar com o Richard. Mas só depois eu pensei no quão difícil iria ser para você. Lembrei da analogia que você fez com as nuvens e tentei imaginar o quanto seria dolorido para você abandonar isso; abandonar Richard.
- Mas mesmo assim eu fiz isso... Por você – sussurrei, olhando para a alça da minha bolsa.
Ele suspirou e continuou sua explicação.
- Quando eu te conheci, eu tinha em mente de fazer feliz. Mas eu acabei te deixando com mais vazios dentro de você. Eu posso ver isso no seu rosto e eu me odeio intensamente por isso. Então, quando eu cheguei em casa naquele domingo, decidi que não ia mais te fazer sofrer. Se você não tivesse terminado com Richard, eu iria entender e aceitar. – suspirou novamente.
Eu olhei para ele por alguns segundos e meu estômago se revirou, então voltei a desviar meu olhar para não piorar as coisas dentro de mim.
- Eu tirei conclusões precipitadas, achei que você não tinha conseguido. – Ele colocou a mão sobre a minha, muito delicadamente. Tive que me esforçar muito para aparentar normalidade diante seu toque quente. – Eu fiquei mal. Eu fiquei tentando achar um motivo para eu ser feliz se eu não tivesse você comigo. Mas eu não encontrei nenhum.
- Você encontrou a Maggie. – disse, revirando os olhos.
- A Maggie apareceu – concordou - e eu achei que... Bem, eu achei que talvez eu precisasse de distrações.
- Distrações – repeti, rindo sem nenhum humor. Ele ignorava meus comentários.
- Mesmo assim não adiantou. Mesmo com ela eu pensava em você a cada segundo. – disse. E então esperou que eu dissesse alguma coisa.
- Isso foi insensível da sua parte – Finalmente olhei para ele e consegui me manter controlada. – Não só por mim. Por Maggie também. E se ela realmente gostar de você ?
- Ela não gosta de mim. – respondeu, convicto.
- Você não pode ter certeza disso. – bufei e voltei a olhar para sua mão que ainda estava sobre a minha.
Houve alguns minutos de silêncio. Apenas escutava o barulho de nossas respirações, enquanto ele acariciava, com o polegar, minha mão.
- Depois a Annie veio me contar o que aconteceu e eu fiquei mais irritado ainda comigo. – disse e olhou para cima, como se estivesse falando com o céu. – Quero dizer... Em uma tentativa de te ferir menos, eu te machuquei mais ainda. - Respirou fundo e voltou a olhar para mim.
- Eu já estou me acostumando com as feridas. – sussurrei.
- Não quero que se acostume. Você não merece isso.
- Mereço. Eu sei que mereço. Fui nojenta traindo Richard. Sou egoísta pensando apenas no meu bem. Fui covarde não contando para ele antes e estou sendo covarde fugindo de você. – Ele apertou minha mão com um pouco mais de força.
- Então não fuja. – Aproximou-se mais e eu tive que focalizar as coisas tudo de novo. Demorei alguns segundos.
- Eu não consigo. Tenho medo. É covardia, eu sei, mas mesmo assim, tenho medo. – disse.
- Medo do quê? – perguntou. Sentia sua respiração bater na minha bochecha. Isso me deixava tonta.
- Medo de me machucar mais. Não sei se suportaria sentir mais dor do que estou sentindo. – Fechei os olhos tentando abstrair o meu pensamento que supunha como seria uma dor maior que aquela.
- Eu não vou deixar você ficar pior. Agora as coisas estão corretas, não tem mais nada que nos impeça de sermos felizes... juntos.
- Minha covardia nos impede. – sussurrei.
- Você se faz de covarde, . Mas você não é nem um pouco. – disse e bufou antes de continuar. – Se você fosse covarde não teria se arriscado a viver uma nova vida, você teria ido para a Irlanda com a sua mãe.
- Errado. Depende de como você analisa. – o interrompi quando ele ia falar outra coisa. – Eu fui covarde ficando com Richard. Tinha medo de uma vida em outro lugar que não fosse na Inglaterra.
- Depende de como você analisa. – concordou. – Mas eu te conheço muito bem. Sua mãe era seu porto-seguro e, mesmo estando na ilha do lado, você se acostumaria mais fácil tendo o apoio dela.
Ele tinha razão, então deixei essa passar.
- Continuando... Se você fosse covarde não teria entrado naquela festa que fizeram para você e, mesmo se entrasse, não teria coragem de ir lá e falar com Richard no estado que ele estava. – disse.
- Eu não sabia do estado dele. – retruquei.
- Mas mesmo assim, se você fosse tão covarde quanto diz, você não se explicaria para ele naquele momento.
Suspirei e deixei passar essa também.
- E, para finalizar, você terminou com Richard, mesmo o amando. Pegou suas coisas e foi para a casa de Hayley, mesmo sem saber se ela te aceitaria. Uma pessoa covarde faria isso? – perguntou.
- Hayley é minha amiga. Eu sabia que ela me aceitaria. – retruquei novamente, já pronta para perder de novo.
- Você tinha suas dúvidas.
É, eu tinha. Então deixei essa passar também.
Fiquei algum tempo olhando nossas mãos, tentando acreditar que ele poderia estar certo. Talvez eu não fosse covarde. Talvez, se eu voltasse para ele, as coisas voltariam ao ritmo correto delas e minha vida pararia de parecer uma novela dramática.
- As coisas vão acalmar, amor. Confie em mim. – sussurrou.
- Estou tão confusa, . – Suspirei e olhei para ele. – Eu não sei o que pode me fazer feliz. Não sei a que lugar eu realmente pertenço e não estou decidida quanto à muitas coisas. – Tirei minha mão debaixo da dele e apoiei meu rosto nelas.
- Eu sei que você ainda não está decidida. Mas eu sempre soube, desde o momento que nós nos conhecemos, que você pertence ao meu mundo. E eu estou lutando por isso agora. – Acariciou meu cabelo e eu me mantive intacta, apenas escutando. – Lutando para você sentir o meu amor. Sentir como ele é de verdade. – Beijou minha cabeça e continuou. – Quero fazer você feliz, fazer todos os seus sonhos se realizarem. Não existe nada que eu não faria para isso acontecer.
Esperei alguns minutos para absorver as palavras dele e para ter certeza de que ele não falaria mais nada, para ter certeza que era a deixa para eu falar. A indecisão perturbava meus pensamentos. Eu sabia da veracidade das palavras dele, ele estava sendo sincero. Contudo, ainda tinha o medo dentro de mim. Minha cabeça ainda estava doendo, por causa de tudo o que tinha acontecido naquele dia e isso tornava aquele momento impróprio para uma reconciliação. Mas eu não podia deixar ele ir embora.
- ... – levantei minha cabeça e olhei para ele. – Eu acredito em você. Sei que você está dizendo a verdade. Eu fico bem melhor com isso. É uma dose de felicidade para eu poder dormir melhor essa noite, para esquecer tudo o que aconteceu de manhã e focar apenas nas suas palavras. – Ele sorriu fraco e colocou sua mão em meu rosto. Fechei os olhos e tirei sua mão de lá, abaixando-a e segurando ela junto da minha. Era mais fácil de falar daquela maneira. – Mas eu ainda estou muito lotada de imagens passando pela minha cabeça. Hoje realmente não era um bom dia para conversarmos. Mas, enfim, você esclareceu as coisas como gostaria de ter feito. E sinceramente eu te agradeço por não ter ido embora quando eu te pedi isso. – Olhei para nossas mãos e continuei – Por isso, é melhor terminarmos essa conversa em um dia mais calmo. Preciso sinceramente de um banho e, principalmente, de dormir o máximo que puder. – Sorri, de leve, e ele riu.
- Tudo bem. – Beijou minha mão e depois se levantou. – Eu te dou uma carona.
A maior parte do caminho no carro foi de silêncio. me dava espaço para eu pensar o quanto eu quisesse. Pensei muito em tudo e, toda vez que o olhava e ele sorria para mim, crescia a certeza de que, por mais que estivesse sendo difícil no começo, eu estava caminhando pela trilha certa. A trilha que me levaria à felicidade e ao amor que eu sempre sonhei em viver. Isso me deixou bem mais calma, digo, a certeza. Quando começamos a ter certeza de algo é como se acendessem uma luz dentro do escuro do nosso mais de dentro. E isso era aliviante e não sufocador como era estar confusa. Conseguia respirar melhor e não tinha vontade de me explodir como as espaçonaves no jogo do meu celular explodiam.
- Está entregue. – disse parando o carro e eu voltei para o mundo real.
- Obrigada pela carona. – Sorri enquanto me livrava do cinto de segurança.
- Posso passar aqui amanhã?
- Se você quiser. – Dei os ombros, fingindo pouco caso. – Eu não vou para a faculdade mesmo.
- Porque não? – perguntou.
- Resolvi faltar essa semana. Sabe como é, dei férias para mim mesma de faculdade. – Ele riu.
- Você tem sorte da Hayley estudar com você. – disse.
Concordei com a cabeça. Muita sorte!
- E você... Como está a banda?
- Nós temos boas músicas. Vamos fazer um teste daqui a duas semanas em uma gravadora. – Seu sorriso perfeito me fez ficar tonta de novo.
- Que maravilha, ! Isso é ótimo!
- Estou com um pouco de medo. – admitiu, olhando para os seus dedos que batiam no volante.
- Vai dar tudo certo. Vou torcer por vocês. – sorri.
- Nós vamos ensaiar sábado. Você poderia ir nos ver. – Olhou para mim com um olhar receoso.
- Vou ver, se der eu vou.
Ele deu novamente o sorriso perfeito dele, mostrando todos os dentes e sua nítida animação com a minha resposta.
- Então... Tchau. – disse. Abri a porta, mas sua mão em meu braço me impediu de sair. Olhei para ele confusa e com medo do que ele tinha em mente.
- Só queria agradecer por você ter me ouvido e acreditado em mim.
- Obrigada você também, por não ter ido embora e esqueça o papel idiota que eu encenei na livraria. – disse, corando ao lembrar daquilo.
Ele se aproximou, ainda segurando o meu braço e beijou minha testa por um tempo longo. Depois, quando ele se afastou e largou meu braço, saí cambaleando do carro sem dizer nada. Não tinha nada a ser dito. Caminhei até o portão de vidro de prédio e, antes de entrar, olhei para trás e ele ainda estava ali, esperando eu entrar. Sorriu e eu voltei meu olhar para a porta.
Descobri que realmente eu tinha gostado do presente de Derick, era um dvd do filme O Fantasma da Ópera, que eu tinha comentado com ele que gostaria de ter. Mas, naquele momento ele era um tanto irônico. Triângulos amorosos eram irônicos naquele momento.
Ainda faltavam três presentes para abrir. Procurei, dentre eles, o que seria de Richard. Provavelmente ele deveria ter comprado algo para mim. Deixei a sacola pequena para olhar por último – Richard normalmente gostava de me dar presentes exagerados, grandes. Mas, por incrível que pudesse parecer, o presente dele era o da sacolinha pequenininha.
Abri primeiro o envelope que estava amarrado na alça da sacolinha, que chegava a ser maior que ela. A data, no topo da folha de caderno, indicava que Richard tinha escrito aquilo dois dias depois de eu ir embora da nossa casa.

,
Era para você ter recebido isso no dia do seu aniversário. Eu ia te fazer uma surpresa. Mas, eu acabei estragando tudo – e você também – e a festa não foi como eu imaginava que seria.
Bom, nós nunca tivemos uma aliança de namoro, – Isso, na verdade, nunca importou para nós – então, eu achei que seria legal te dar uma no dia do seu aniversário. Principalmente porque nós estávamos morando juntos. Deveríamos estar muito mais ligados do que antes. Mas aconteceu o contrário e agora esses anéis não fazem mais sentido, não é? Bem, mas eu estou te dando eles mesmo assim. Faça o que você quiser com eles. É melhor assim, porque você está bem menos ferida do que eu e vai ser muito mais fácil, então, para você olhar para eles.
Richard.
.

Coloquei o papel de lado e rapidamente abri a caixinha, em forma de coração, que estava dentro da sacolinha. Dois anéis de prata, com uns detalhes – espécies de riscos ondulados – brilhantes. Eu não entendia muito de anéis, jóias e essas coisas. Mas eu sabia entender muito bem que aqueles eram lindos demais.
Meu corpo e minha mente estavam em outra atmosfera e, em um gesto de autômato, peguei um dos anéis – O anel que ficaria no meu dedo, se tudo fosse como deveria ter sido. – e analisei cada detalhe. Vi o nome de Richard brilhando, junto do dia do começo de nosso namoro, no lado de dentro do anel, e meu corpo estremeceu, voltando para a realidade. No mesmo instante, quando minha mente também pareceu voltar para a realidade, coloquei o anel no lugar dele e fechei a caixinha rapidamente. Apertei-a contra o meu peito, como se ela pudesse entrar no meu coração e tapar o buraco que estava ali. Mas tudo o que ela fez foi piorar as coisas.
Coloquei a caixinha de volta na sacola e a guardei dentro da minha mala, que ficava debaixo da cama.
Você já se decidiu, disse para mim mesma. Deitei na cama e olhei o teto branco por alguns segundos, tentando me acalmar. Richard vai perceber que eu não sou feita para ele, repeti isso três vezes para que eu mesma acreditasse. Ele vai conhecer outra pessoa e vai ser feliz. Dormi tentando acreditar que aconteceria o que eu gostaria que acontecesse.

br> Capítulo 12

Não acordei tão melhor na sexta-feira e a culpa foi do presente de aniversário que Richard me deu, que fez remoer as memórias durante quase toda à noite, não me permitindo assim ter minhas planejas quatorze horas de sono. O máximo de tempo que consegui dormir, aliás, foram às básicas oito horas. Necessitava de mais. Ficar inconsciente era uma coisa digna naquele momento.
Apesar de não sentir mais nenhum pingo de raiva de e apesar de estar um pouco mais feliz, por ter escutado todas aquelas coisas bonitinhas e, aparentemente, verdadeiras, ainda não estava cem por cento na sexta. Eu já esperava por isso, na verdade. Sempre demorei demais para curar feridas, esquecer memórias que não são legais de ser remoídas e tudo o mais. Por isso, analisando bem, tive certeza de que minha vida poderia até estar sendo como uma novela naqueles dias. Contudo, eu que fazia ela ser a novela dramática que era, colocando drama em excesso. Parecia até que gostava de sofrer, de ser a masoquista como estava sendo.
Tudo bem que ninguém, ninguém mesmo, conseguiria suportar facilmente o fardo que estava carregando nas costas. Afinal, eu era uma garota de dezessete anos normal, que passava praticamente o dia todo em casa com a mãe e saía, de vez em quando, com a amiga. Depois arranjou, por obra de alguma coisa divina, um namorado que garotas da sua idade chamariam de “perfeito”. De repente, sua mãe decide mudar para a Irlanda e, por isso, a garota começa a morar com o namorado. No seu aniversário de dezoito anos descobre que adquiriu um amor pelo melhor amigo do seu amado e então sua vida tediosa se transforma em um filme. “Um complexo triângulo amoroso” muito mais complexo do que fantasma da ópera e qualquer outro clássico do tipo que existir.
Liguei para para deixar claro que não faltaria na faculdade, como tinha dito para ele, sendo assim, inútil ele vir me visitar. Era mentira, evidente. Se eu faltei de segunda à quinta, por que diabos iria estudar na sexta-feira? E se por acaso ele resolvesse ignorar meu recado, assim como fez quando pedi para me deixar em paz na livraria, eu simplesmente não atenderia o interfone. Fingia que tinha mesmo ido para a faculdade.
Mas ele não apareceu, de qualquer forma. Sabia que eu precisava desse tempo mais do que ninguém e eu agradecia por ele ter aparentemente entendido bem essa parte. Só esperava que ele não sumisse novamente, ou pior, que ele recorresse a Maggie. Tive repulsa só de imaginar isso.
Com isso, minha sexta passou rápido. A livraria estava um pouco mais movimentada, o que não me permitiu começar com os meus devaneios. A única parte ruim dela foi ter que contar tudo, respeitando os micros detalhes, do que tinha acontecido na minha quinta-feira para Hayley. Não, talvez a parte pior foi ter que ouvir ela me chamar de idiota por não ter feito uma reconciliação completa e, detalhe, calorosa com . Mas eu ignorei isso da melhor forma que pude.
Então, o sábado finalmente chegou e eu estava bem feliz por poder mofar em casa. Nem precisaria trabalhar, já que eu tinha trabalhado sábado passado, no dia do meu aniversário. Hayley, ao contrário de mim, teve que ir para a livraria e, com isso, eu passaria meu sábado inteiro mofando sozinha. Nada melhor.
Amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo mal feito e fui para a cozinha fazer o almoço. Talvez isso me distraísse mais do que a televisão, que não tinha nada de interessante para me mostrar. Pensei em fazer alguma coisa simples, como um macarrão, já que eu tinha até o molho pronto, bastando apenas ferver. No entanto, se eu quisesse me ver distraída por um tempo maior era melhor pensar em algo mais complexo. Então, folheei as páginas de um livro de receitas que Hayley guardava em uma gaveta até encontrar uma receita de nhoque que parecia complexa o suficiente. Li e reli a receita várias vezes para decorar.
Quando chegou a hora de cortar toda aquela massa em cubinhos, para virar um digno nhoque, a campainha tocou e eu, desajeitada e com uma das mãos meladas pela massa, fui ver quem era. Provavelmente deve ser o síndico ou o porteiro, afinal ninguém usou o interfone, pensei comigo mesma. Mas, para minha surpresa, estava parado, vestindo uma camiseta branca e uma calça jeans escura, analisando minha expressão de surpresa com um belo sorriso no rosto.
- Eu sei que eu deveria ter usado o interfone. Mas eu entrei junto com um morador. Queria te fazer surpresa. – disse, quando eu dei passagem para ele entrar, surpresa e sem conseguir falar nada. – O que você está fazendo? – perguntou, olhando para minha mão.
- Meu almoço. – disse, apontando para a cozinha. – Gosta de nhoque?
- Você sabe fazer nhoque? – perguntou, cético. Fui até a cozinha ele me seguiu.
- O livro de receitas da Hayley sabe. – Ergui o livro com a minha mão mais limpa e ele riu.
Apontei para a cadeira, para que ele sentasse, e voltei minha concentração em cortar a massa em cubos.
- Eu ia te convidar para almoçar. Mas acho que vou ter que mudar meus planos. – Levantou e ficou ao meu lado. – Posso te ajudar? Você só precisa me dar as instruções.
- Está bem. Pegue uma faca ali na gaveta e me ajude com isso. Tem muita massa aqui para ser picada. – Fiz uma careta para a massa e continuei picando.
- Então... Você deve iludir muito aquele garoto da livraria. – falou, quebrando o silêncio. Fiquei atônita enquanto ele sorria debochado.
- Derick?
- Derick? Não sei o nome dele. – disse, ainda cortando a massa, enquanto eu o olhava sem entender nada. – Vai me dizer que você nunca reparou que ele gosta de você?
- Por que você acha isso? – Coloquei a faca na pia e aumentei o fogo da água que estava quase fervendo.
- Primeiro porque, no dia da sua festa, ele nos viu de mão dadas e fez uma cara feia para mim. – Riu e deixou a faca na pia, enquanto chegava mais perto de mim. – Ele ficava te olhando toda hora. Acho que ele gosta de você. E quando eu desci com você do quarto ele pareceu bem mais enfurecido.
- Passa o nhoque para eu jogar aqui na água. – disse, virando-me para a água que já fervia. – Derick é colega de Richard, por isso deve ter ficado desse jeito que você está falando.
- Deixa que eu faça isso, você pode se queimar. – disse e me afastou do fogão. Eu ri.
- , eu não sou uma criança.
- Vá pegando o molho. Eu faço as partes perigosas, está bem? – Revirei os olhos, enquanto ele ria. – Mas agora, voltando ao que falávamos antes disso... Quando eu fui na livraria, ele perguntou se eu queria algum livro em especial. Eu disse que não, que ele poderia me indicar qualquer um, porque, na verdade, eu só queria ter alguns minutos com a garota do caixa. Ele ficou roxo de raiva. – Gargalhou.
- Você comprou o livro só para falar comigo? – perguntei e ele se virou para mim.
- Era a única forma de você ser obrigada a me atender. – Sorriu – Só que a tecnologia faz os pagamentos serem tão rápidos. Então eu pedi para você embrulhar para presente e com isso ganhei mais algum tempo para falar, enquanto você se embolava com a fita adesiva. – Apertou os lábios para não rir de mim. Revirei os olhos e passei o molho para ele.
- Já que você faz as partes perigosas, é só colocar naquela panela e deixar ferver, já vem temperado. – Sentei na cadeira rindo, enquanto ele me olhava descrente.
- Essa parte não é perigosa.
- Envolve fogo. – Fiz cara de assustada e ele riu.
- Verdade. Não posso expor você a tanto perigo.
- Não abra com a mão, . Use a fac...- Mas antes que eu terminasse de falar ele já tinha feito o que eu previa. Parte do molho tinha respingado em sua camiseta branca. Segurei o riso e levantei da cadeira para ajudá-lo. – Sabia que você não iria dar conta disso sozinho. – Despejei o molho na panela e desliguei o fogo do nhoque, enquanto ele analisava o estrago em sua camiseta. – Tire a camiseta. – mandei.
- Quê? – perguntou, voltando o seu olhar malicioso para mim. Dei um tapa no braço dele enquanto ele ria.
- Vou tentar lavar a parte da mancha. Se deixar isso secar, vai ficar horrível de sair. – disse, e ele, ainda rindo, tirou a camiseta.
Tive que me concentrar seriamente em olhar para a camiseta e não para o seu peito. Mas meus hormônios femininos não me deixaram resistir e, quando olhei para o seu rosto novamente, o sorriso malicioso estava lá só para me deixar corada. Olhei para a mancha da camiseta e fui para a lavanderia para não cair na tentação mais uma vez.
- Tire o nhoque da água e coloque na travessa de vidro que está em cima da mesa. – ordenei e, ainda sentindo minha bochecha corar, comecei a tentar retirar a mancha.
- Já está pronto?
- Só são preciso três minutos. – Olhei para ele e pude ver o vapor da água quente se misturando com o seu rosto e seu corpo. Respirei e conclui que talvez uma “reconciliação calorosa”, como Hayley tinha dito, não seria uma má idéia.
- O molho já está fervendo, pode já colocar com o nhoque? – perguntou e no mesmo instante a campainha tocou.
- Atende para mim, deve ser a Hayley, ela deve ter vindo almoçar e esqueceu a chave. – Ele desligou o fogo do molho e foi abrir a porta. Voltei minha concentração para a mancha, que agora estava amarelada.
Esperei ouvir a voz de Hayley, surpresa ao ver em casa. Mas ouve apenas um silêncio muito grande. Então, deixei a camiseta de de lado e fui ver quem era.
Olhei por cima do ombro de e vi Richard com um olhar enfurecido. Os dois estavam parados, congelados, e eu esperava que alguém falasse alguma coisa, ou que desse espaço para que eu atendesse Richard. Meu coração batia de um jeito fora de controle e, mesmo tendo terminado com Richard, era como se eu estivesse o traindo. Coloquei a mão no ombro nu de e o forcei a me dar espaço. É, de fato, eu era mais corajosa do que pensava.
- Oi Richard. – disse, tentando parecer normal. Mas é óbvio que qualquer pessoa perceberia minha tensão.
- Acho que estou atrapalhando, não é? – perguntou, alto, lançando o seu olhar enfurecido para , que agora estava atrás de mim. – Então, , está aproveitando que agora a é livre? – riu. Fechei os olhos, querendo que alguém me gritasse que aquilo era um sonho ruim, ou uma alucinação. – Ah é, esqueci que você não costuma ligar muito se as pessoas são comprometidas ou não. Nem se elas forem comprometidas com algum amigo seu. – Ele foi para frente, como se quisesse se jogar em . Coloquei minha mão em seu peito o empurrando para trás.
- Richard. Não vamos criar uma confusão aqui. – falou, com uma voz calma. Quis poder olhar sua expressão, talvez ela fosse melhor que os olhos de Richard que brilhavam de fúria.
- Por que? Está com medo? – perguntou, gargalhando.
- Apenas não quero fazer isso perto dela. – disse.
Richard olhou para mim e seus olhos, que estavam cheios de ódio, ficaram como eram antes. Dóceis. Colocou a mão no meu rosto, me mantendo hipnotizada pelo seu olhar, e foi aproximando nossos rostos. Escutei bufar atrás de mim e então percebi o que Richard estava fazendo. Um jogo imbecil. Queria me prender a ele com aquele olhar para que ficasse com ciúmes.
- Pare com isso, Richard. – Tirei a mão dele do meu rosto e dei um passo para trás, trombando em . Ainda olhando para Richard continuei. – , vá terminar o nhoque, acho que Richard veio para conversar algo descente comigo e não para ficar fazendo jogos de ciúmes imbecis. – Esperei sair dali e então me afastei mais de Richard. – O que quer?
Ele suspirou.
- Nada. Na verdade, eu vi suas roupas lá no closet e achei que isso era uma boa desculpa para vir te ver. – disse, erguendo duas sacolas grandes.
- Obrigada por trazer. – disse – Você pode vir quando você quiser, não precisa ter desculpas. Mas, se acostume com a presença de . – Ele revirou os olhos e eu tive medo de ter o deixado mais enfurecido ainda.
- Vocês estão namorando?
- Não. – respondi, simplesmente. Ele pareceu não acreditar.
- Aqui estão suas roupas então. – disse, colocando as sacolas no chão. – E esqueça a minha promessa de tentar ser seu amigo. Não dá.
Senti a dor querer definhar meus ossos e apenas concordei com a cabeça, ainda irritada com a atitude infantil dele.
- Eu já me acostumei com a sua ida. Eu me acostumo fácil com as coisas que vão. Apesar do silêncio, da casa vazia, tendo a companhia apenas das coisas que você não quis e dos retratos agora vazios, eu me sinto um pouco bem sozinho. Só que ainda é um pouco complicado, por isso eu estou tentando esquecer tudo. Esquecer as memórias que você deixou e o seu gosto em cada cor de cada parede, eu quero tirar de mim essas coisas que me remetem a você. Por isso não posso te ver. Então, não me procure, não queira mais saber sobre mim. Porque eu vou fazer isso com você.
Fiquei parada, raciocinando as palavras dele, enquanto ele se afastava e fechava a porta ao mesmo tempo. Talvez eu nunca mais pudesse abraçar Richard, ou simplesmente rir com alguma piadinha sem graça dele. Isso fez meu coração doer. O estalo da porta sendo encostada me fez voltar para a realidade. Girei a chave duas vezes para trancar a porta e fui para a cozinha, querendo mais do que nunca que algo me gritasse que aquilo era um pesadelo. estava me esperando perto da porta da cozinha.
- Desculpe por isso. – disse e ficou na minha frente. Desviei dele e fui pegar os pratos e talheres no armário.
- , eu escolhi isso. Decidi que isso era o mais certo a fazer. Você não tem culpa de nada. – Coloquei os talheres na mesa e me sentei. – Vamos esquecer isso agora, está bem?
- Certo. – Ele se sentou e ficou sorrindo para mim enquanto eu pegava o nhoque.
- ... – revirei os olhos, rindo. – Por que está me olhando assim?
- Porque você não está olhando para mim. – ele riu. – Você foge o olhar e eu estou tentando te entender. Isso significa que você ainda está fugindo?
- Não é isso, . – respondi, colocando uma garfada de comida na boca. Não queria ter que explicar os pensamentos pervertidos que estavam passando pela minha cabeça naquele momento.
- O que é então? – perguntou, aproximando mais o rosto do meu.
- É só minha cabeça que está bem agitada. – Olhei para ele e pude ter certeza que ele sabia o real motivo para a minha atitude. – Coma, .
- Eu acho que você fica linda corada. Mas eu estou começando a achar que você está passando mal, ou algo do tipo. – falou e eu desviei meu olhar para o meu prato. – Isso ficou realmente bom. – disse, apontando o garfo para o nhoque enquanto mastigava.
- Pois é. Estava tentando compreender o porquê de Hayley ter um livro de receitas se só come macarrão instantâneo.
- Não sei o que as pessoas têm contra macarrão instantâneo. – disse, rindo.
- Não tinha nada contra, até vir morar aqui e só comer isso desde então. – ri – Mas agora decidi que vou assumir a cozinha.
- Mudando de assunto... Lembra que te falei que, se você quisesse, poderia conferir um ensaio da McFly? – perguntou e eu concordei animada.
- Você falou que seria hoje. Ainda está de pé o convite?
- Na verdade, teve que sair com os pais deles. – Fiz biquinho e ele riu. – Então, vamos ensaiar amanhã. Você vai, né?
- Claro. Que horas? – perguntei e fui até a geladeira pegar algo para beber.
- Quatro da tarde. Vai ser na minha casa. – explicou – Deixa que eu abro. – Tomou o refrigerante das minhas mãos e abriu com facilidade. – Não sei o que seria de você sem mim. – Piscou.
- Oh, meu mundo estaria perdido! – Coloquei os copos na mesa, voltando a sentar no meu lugar. – Então, estarei lá às quatro. Certo?
- Não. – disse sorrindo e enchendo meu copo com a bebida.
- Quer que eu chegue mais tarde?
- Chegue mais cedo. – disse.
- Está bem. – disse, tomando um gole do refrigerante esperando que as coisas esfriassem dentro de mim.
Aquela animação toda dentro de mim me deixava quente. Fervilhava de animação e eu poda sentir que também estava fervilhando, por mais que ele não demonstrasse, ficando com as bochechas vermelhas como eu. No entanto, ele demonstrava da maneira dele, com aquele sorriso e com seus olhos brilhando. Tinha certeza de que só ele conseguia fazer aquilo. Fazer os olhos terem tanto brilho a ponto de, às vezes, falarem por ele.
- Não . Depois eu faço isso. – disse, segurando a mão dele, quando foi pegar o detergente para lavar a louça.
Fiquei um tempo com a mão sobre a dele, presa por seu olhar, até que me dei conta e tentei tirar minha mão da sua. Mas ele não soltou a minha. Apertou as duas e se virou para ficar de frente para mim, com um sorriso lindo nos lábios. De repente, tudo o que eu enxergava era isso: os seus lábios se aproximando muito devagar. E eu só queria que fosse mais rápido. Ele soltou minha mão e, como se tivesse medo de que eu tentasse fugir, rapidamente me pegou pela cintura e aproximou seu corpo do meu. Senti minhas mãos tocarem o seu peito nu e um tanto quente. Arrepiei inteira por isso. Como se ainda tivesse algum espaço entre nossos corpos, ele me apertou mais e, ainda devagar, aproximava nossos rostos. Eu estava fervilhando mais ainda. Então, coloquei uma das minhas mãos em sua nuca, mantendo a outra no peito, e apertei meus lábios contra os dele. Senti sua língua procurar a minha e depois um beijo tão quente quanto minha temperatura de dentro começou. Fervia como eu gostaria que fervesse.
- Quase esqueci a chave na livraria de novo. – Hayley disse, fazendo com que eu e nos separássemos rapidamente. – ? – sorriu cheia de especulações.
- Oi Hayley, como está? – Tirou a mão que ainda estava na minha cintura e cumprimentou Hayley.
- Bem e você?
Eu ainda estava parada no mesmo lugar. Ainda sentia minha boca pulsar e meu coração bater rápido. Como conseguia se recuperar tão fácil? Eu ainda sentia tontura e falta de ar.
- Também.
Os dois olharam para mim por um tempo, esperando que eu desse algum sinal de vida. sorria malicioso e eu não olhei mais para ele quando vi isso.
- Fizemos um almoço de verdade hoje! – apontei para a travessa em cima da mesa. – Acho que ainda está quente.
- Estou morta de fome. – ela colocou sua bolsa em uma cadeira e foi pegar um prato. – Isso parece bom. Não sabia que você tinha capacidade de fazer isso, .
- Eu tenho capacidade para fazer muitos pratos. Basta ter a receita, claro. Aliás, não sabia que você tinha um livro com receitas. – disse, apontando para o livro em cima da mesa.
- Você descobriu isso? – fez careta – Minha mãe me deu quando resolvi morar sozinha. Mas eu não tenho capacidade nem com isso.
- Deveria ter imaginado. – Rimos.

Tirei minha mala debaixo da cama, enquanto se ajeitava sentando na cama. Sentei ao lado dele e coloquei a mala na nossa frente. Os presentes ainda estavam na mala por minha falta de ânimo de organizá-los no lugar onde cada um ficaria. ria toda vez que eu fazia uma cara feia quando mostrava algum presente que não tinha gostado e eu me diverti com os comentários dele. Fui lembrando, aos poucos, como era bom estar com ele. Era como se eu não tivesse mais nenhum tipo de problema. Uma vela se acendeu na minha memória para me fazer lembrar o porquê de ter mudado o rumo da minha vida por ele. Porque era só com ele que eu ficava tão desconectada do mundo e era só com ele que minha pele arrepiava toda vez que ele me tocava.
- Esse foi o presente irônico de Derick. – Ri e tirei o presente da sacola.
- Por que o presente irônico de Derick? – perguntou confuso, pegando o dvd.
- Triângulos amorosos. – disse, mordendo meu lábio inferior, com medo de ter estragado tudo com o meu comentário.
- Claro. – Riu e leu a citação pequena – Um complexo triângulo amoroso. Bem irônico. – devolveu o dvd para mim. – E aquele? – apontou para o único presente que eu não tinha mostrado. O de Richard.
- É o de Richard. – sussurrei, enquanto colocava o dvd dentro da sacola.
- Posso ver?
- Não sei se você iria gostar de ver. – disse.
- Posso mesmo assim? – insistiu. Dei os ombros e ele pegou o presente.
Olhei para a mão dele, que tirava devagar o coração vermelho e a carta de dentro da sacolinha. Eu pensei em impedí-lo, afinal aquilo poderia de certa forma machucá-lo. Não por ciúmes, talvez um pouco. Mas mais porque ele também estava um tanto chateado por ter perdido uma amizade como a de Richard. Contudo, ele não abriu a caixinha, obviamente porque já sabia o que era, colocou-a de volta na sacola e abriu a carta. Analisei seus olhos enquanto eles liam cada lia daquela carta, que eu já conhecia de cor.
- Fico feliz que ele não tenha ficado tão bravo com você. Deve ser menos ruim assim. – disse, dobrando a carta.
- Talvez. Ele ainda não aceita como eu gostaria que aceitasse. – Suspirei.
- Como você queria que ele agisse? – Colocou seu braço em volta de mim e eu deitei minha cabeça em seu ombro.
- Eu fantasiei as coisas como eu queria. Pensei que ele me entenderia e nós terminaríamos bem, sem brigas, e poderíamos até ser amigos. Contudo, ele não quer ser meu amigo. Para ele é tudo ou nada. – expliquei.
- , quando eu decidi que não correria atrás de você caso você não tivesse terminado com ele, pensei em tentar ser seu amigo. Mas eu sabia que não ia conseguir depois de tudo o que aconteceu entre nós. Seria impossível olhar para você e não poder te ter como eu gostaria. – Passou a sua mão vaga pelo meu rosto e eu fechei os olhos. – O que eu quero dizer é que, eu acho que Richard deve se sentir parecido. Então, de um tempo a ele. Talvez com o tempo ele consiga entender isso.
- Eu sei disso. – Abri os olhos e acariciei sua mão que estava no meu rosto. – Eu posso superar a falta dele se você estiver comigo sempre.
- Eu vou estar. – prometeu, beijando minha testa.
- Você faz eu esquecer essas coisas. Todas as coisas que não são tão legais de lembrar. – Olhei para ele e o beijei devagar.
- Você também faz isso comigo. – sorriu e eu voltei meu olhar para a gola da camiseta dele.
- Você está um pouco triste também, não é? Por ter perdido a amizade dele? – perguntei, brincando com a gola branca de sua camiseta. Ele pegou meu queixo e me fez olhar para ele.
- Mas, às vezes, para ganharmos alguma coisa que queremos muito, temos que abrir mão de outras. – disse. Eu sabia que isso era o mesmo que um sim.
- Desculpa te fazer abrir mão de algumas coisas. – sussurrei. Ele revirou os olhos.
- Você também teve que abrir mão. Não existe motivo lógico para você se desculpar. – Voltei a brincar com a sua gola enquanto ele esperava que eu concordasse.
- Existe um motivo. – disse e ele esperou que eu explicasse. – Bem, no meu caso, eu decidi que você era o que eu queria. Então, o meu dever era terminar com o Richard. Eu fiz isso e, obviamente, Richard ficaria bravo comigo de qualquer maneira. – Suspirei e continuei – Bom, mas eu poderia ter resistido a você até terminar com ele. Eu terminaria com ele e então, depois de um tempo, ficaria com você. Talvez, se eu tivesse feito isso, ele poderia ficar bravo comigo. Mas não com você.
- Não tem lógica. – disse. – Primeiro porque, você ficando comigo, antes ou depois, o faria ficar bravo comigo. Ele não está assim porque eu fiz você traí-lo e sim porque eu estou com você. Quero dizer, se eu ficasse com você dois anos depois, ele ficaria do mesmo jeito comigo. – Ele tinha razão. – Segundo, ele não está bravo com você.
- Prefiro acreditar que ele está bravo ao invés de triste. – Ele demorou um tempo para responder e eu tive medo de olhar sua expressão.
- Tudo bem. Mas, você perdeu de qualquer jeito. Não existem motivos para você se desculpar. – disse, acariciando meu cabelo. – E, aliás, eu tenho você agora. É completamente fora de senso eu querer algo a mais, ou ficar chorando perdas pequenas comparadas ao ganho que tive. – Eu ri, sentindo minhas bochechas queimarem.
- Você fala como se eu fosse algum tipo de prêmio super cobiçado. – Revirei os olhos, mesmo ele não podendo ver meu rosto.
- Verdade. Desculpe-me. – disse – Você é bem melhor do que isso.
Fez com que eu olhasse para ele novamente por um longo tempo. Acariciou minhas bochechas coradas. Beijou meu queixo e depois o canto dos meus lábios. Demorando, fazendo com que sentíssemos a fundo cada sensação. Por fim, nos beijamos como nossa sede pedia, ou pelo menos como a minha sede pedia.



Capítulo 14

O Sol fraco estava encoberto por nuvens um pouco mais escuras do que eu gostava. Apesar do Sol estar ali, o vento frio e constante nos obrigava a usar moletons. Respirei fundo, sentindo o cheiro de grama e de gás carbônico brigarem ao entrar pelo meu nariz. Eu adorava aquele tempo. Pessoas sorrindo pelos pouquíssimos raios de Sol que conseguiam chegar na terra, mesmo que eles não esquentassem nada. Era o melhor tempo.
A grama bem verde e bem aparada estava seca. Mas eu podia ter certeza que isso não duraria muito. As nuvens escuras mostravam que estavam carregadas de água e, com isso, elas tentavam intimidar todas as pessoas que, assim como eu e , estavam deitadas na grama seca. Mas, aparentemente, ninguém se sentia intimidado o suficiente para sair dali. Porque, oras, o Sol estava ali, não estava? Escondido, mas estava.
estava esparramado na grama de barriga para cima, com as mãos atrás da cabeça, olhos fechados e um pequeno sorriso que não saia do seu rosto. Eu estava com minha cabeça apoiada na barrigada dele, de barriga para cima também. Meus olhos, ao contrário dos olhos das pessoas dali, estavam bem abertos. Olhava as nuvens se moverem lentas demais e deixava meus pensamentos irem além dali. Mesmo com os olhos abertos eu conseguia ver, perfeitamente, as imagens acontecerem desenhadas no céu.
Mamãe estava do meu lado de repente, passando a mão pelos meus cabelos curtos na época. Eu tinha dez anos e estávamos em um parque que eu adorava ir. Ela me olhava com dor, como se eu tivesse feito uma pergunta que era impossível de responder de tanto que doía. Mas eu queria saber mais sobre ele. Era o meu direito, já que ele não poderia estar ali.
- Seu pai era romântico demais. – Ela riu e olhou para o céu. – Ele tinha um sotaque engraçado. Dava para perceber que ele era alemão. Não tinha como ele se passar por um britânico. – riu.
- Ele preferia calor ou frio? – perguntei, feliz por minha mãe estar falando nele.
- Frio, definitivamente. Um dos poucos pontos incomuns entre nós. – disse – Queria nos levar para a Alemanha quando você completasse uns dois anos.
- Se ele ainda estivesse aqui, nós teríamos ido várias vezes para lá, não é? – perguntei, devaneando. Ela concordou.
- Ele quase me convenceu uma vez. Insistiu tanto que eu acabei aceitando em passar alguns dias lá. Depois descobri que estava grávida de você e usei isso como desculpa para adiar a minha visita aos parentes alemães dele. – Suspirou. – Eu deveria ter aproveitado mais meu tempo com ele. Deveria ter ido. Ter feito o que ele tanto queria. Era o mínimo que eu poderia ter feito por ele me fazer tão feliz.
Era horrível tentar imaginar a dor que minha mãe sentia. O arrependimento por não ter aproveitado como deveria. Eu tinha medo de sentir algo igual ao que ela sentia. Parecia ser insuportável e incurável.
Eu vou aproveitar cada segundo ao lado de quem eu amo, prometi a mim mesma ao ver a imagem da minha mãe sumindo nas nuvens. Eu ainda tinha uma vida inteira. Por mais que, uma vida ao lado de parecesse pouco diante do que eu queria. Eu queria a eternidade com ele. A eternidade tem que existir, pensei comigo mesma novamente. Seria injusto demais tudo acabar. Seria injusto eu não poder conhecer meu pai. Ela tem que existir. Eu acredito nela.
Richard estava na minha frente, seus olhos estavam felizes. Eu podia sentir a felicidade dele e eu suspirei aliviada ao perceber isso. Ele estava bem, não estava com ódio nem dor. Finalmente eu consegui pensar nele sem ser de uma maneira ruim. Podia analisá-lo melhor assim, notar cada detalhe. Foi então que percebi que ele estava mais novo, com o cabelo cortado do jeito como estava quando nos conhecemos.
- Você quer uma carona? – perguntou, sorrindo. Minha mochila da escola estava pesada e minha mãe não me buscaria naquele dia.
- Mas eu nem te conheço direito.
- Eu sou Richard, o filho do diretor. Quer uma carona agora? – Revirei os olhos rindo.
- Tudo bem. – disse.
Ele abriu a porta do passageiro e eu entrei no carro. Todo mundo da escola parecia olhar em nossa direção. Provavelmente pensavam "O que a garota estranha faz com Richard?" Na verdade, até eu me perguntava isso. Era meio que surreal ele estar sendo tão simpático comigo. Justo ele, o Richard. O que ele queria em troca disso? Deveria existir algum motivo, não é?
Até minha mãe achou surreal quando contei para ela que estava namorando Richard. Ela estava cortando a batata cozinha em rodelas finas quando eu dei a notícia que estava namorando. Sorriu animada e perguntou quem era, se era algum colega de classe ou algum vizinho. Quando expliquei que era Richard, o filho mais velho do diretor, ela me olhou com a boca aberta e cortou o dedo.
Não sei se essas pessoas, incluindo minha mãe, aprovariam a minha escolha. Eles provavelmente falariam "Mas era o Richard!" As pessoas costumavam a tratá-lo como algum popstar ou algo do tipo. Era esquisito até. Mas eles nunca entenderiam meus motivos. Não entenderiam que eu me descobri apaixonada por , o amigo de Richard. Contudo, eu não precisava de aprovação de ninguém. Eu me sentia completamente feliz com , como nunca pensei em me sentir e isso era o suficiente.
A imagem do Richard sorridente foi desaparecendo e eu esperei pela próxima imagem que apareceria. Ele vai voltar a ser assim sorridente, disse para mim mesma e sorri. Eu sabia que ele ia. Só precisaria de um tempo para curar o choque.
Olhei para , quando não apareceu mais nenhuma imagem, e ele estava ainda na mesma posição, com os olhos fechados e sorrindo. Sorri por isso. Virei meu corpo para o lado dele, ainda com a cabeça encostada em sua barriga e o vi abrir os olhos. Sorriu mais ainda ao encontrar meus olhos.
- O que estava pensando? – perguntei. Ele olhou para o céu.
- Várias coisas. – disse. – Mas todas envolviam você.
- Diga algumas delas. Tenho o direito de saber, já que eu fazia parte das imagens no seu pensamento.
- Você sempre faz parte. – retrucou rápido e logo continuou – Estava pensando no dia que nos conhecemos. Depois pensei nos dias que eu passava com você sendo seu amigo. E depois no seu aniversário.
- O dia do jantar foi confuso para mim. – Fiquei de barriga para cima de novo e continuei – Eu não conseguia entender como você poderia ser tão legal para mim, sendo que eu nem te conhecia direito.
- Eu também estava confuso. Mas estava mais porque você estava quieta, apenas ouvindo eu e Richard conversar. Eu tinha achado você tão legal também e eu queria que você participasse. Parecia que você não estava gostando. – disse.
- Eu estava gostando. Aliás, foi o primeiro dia que eu me senti feliz depois de todo o monte de coisas que aconteceram. Na hora eu não entendi o porquê, mas agora eu sei que foi por causa de você. – Ele tirou uma mão de trás de sua cabeça e pegou a minha.
- Quando eu fui te ver, depois do jantar, eu meio que agi por impulso. Sua imagem não saía da minha cabeça e eu queria saber como você estava. Naquele dia, conversando com você, que eu percebi que estava sentindo algo a mais. – falou, acariciando minha mão.
- Eu acho que eu também. Mas eu demorei um pouco para aceitar isso. Achava que talvez fosse só coisa de momento.
- Pensei em desistir. Sabe... Eu sabia que seria um tanto complicado. Mas quando você apareceu na minha casa, naquele dia que fomos para a casa de , eu resolvi que não poderia desistir. Não conseguiria. – Virei de lado novamente, não podendo esconder o sorriso nos meus lábios e cheguei um pouco mais perto dele, ficando entre seu peito e sua barriga.
- Ainda bem que não desistiu. – falei. Ele, ainda segurando minha mão, acariciou meu rosto.
- Ainda bem. – concordou.
Ele voltou a fechar os olhos, ainda acariciando meu rosto e eu voltei a olhar o céu, que ainda continuava do mesmo jeito. Raios tímidos do Sol e muitas nuvens intimidadoras. Preparei-me para começar mais um momento nostálgico. Tentei enxergar a próxima imagem que viria.
- E o que você estava pensando? – perguntou, fazendo a imagem, que eu ainda não tinha identificado, sumir.
Olhei para ele, seus olhos ainda estavam fechados, então, voltei a olhar para o céu.
- Primeiro eu pensei na minha mãe. – disse.
- Saudades?
- Não exatamente isso. Lembrei de uma das poucas conversas que tivemos sobre o meu pai. Eu vire e mexe lembro disso. – Suspirei. – Ela não falou nada demais sobre ele. O que me prende a essa memória era a feição que ela deixava demonstrar enquanto falava.
- Como ela estava? – perguntou. Eu esperei alguns minutos para responder.
- Arrependida. – falei, voltando a ver a imagem da minha mãe. – Ela se sente arrependida por não ter aproveitado direito o tempo dela ao lado do meu pai. Ela se pune até hoje por não ter feito o que ele queria. Ir para a Alemanha para umas férias.
- Por que ela não foi?
- Eu não sei exatamente. Ela nunca me falou o porquê de não querer ir. Talvez medo. Usou como desculpa a gravidez para não ir. Ele compreendeu. – expliquei.
- Isso vem à tona na sua memória, pois você acha que sua mãe ainda se sente triste? – Eu não me sentia incomodada com suas perguntas. Era tão natural que parecia que estávamos conversando sobre coisas sem importância.
- Não. Ela superou a tristeza. Lógico que sente falta dele, mas não como antes. – disse, tirando sua mão do meu rosto e colocando-a sobre meu peito, brincando com seus dedos compridos.
- Então por que?
- Quando minha mãe falava dele sempre dizia que nós não tínhamos porque ficarmos tristes, porque um dia ela ia se reencontrar com ele e eu ia conhecê-lo. Passaríamos, então, a eternidade juntos. – Parei de olhar o céu e olhei para a sua mão, que eu ainda brincava. – Só que, quando nós crescemos, descobrirmos que essa eternidade talvez não exista. E, se ela não existir, as coisas são injustas. Não só porque eu gostaria de conhecer meu pai. Mas também pelas pessoas que eu amo. Você, por exemplo. Eu queria passar a eternidade com você.
- Nós vamos passar. – disse, convicto. – Eu acredito na eternidade e nós vamos estar juntos. – Eu ri, ainda olhando para nossas mãos.
- Você fala como se tivesse certeza dela.
- Eu tenho. E, mesmo que ela não exista, ainda temos a vida. Se eu passar a minha ao seu lado para sempre, estará ótimo para mim. – disse – Nós vamos aproveitar cada segundo. Vamos conhecer o mundo todo. Podemos ter uma casa em Dubai. – Eu gargalhei.
- Claro. Percebo que seremos bem humildes. Casa em Dubai, Alemanha, Brasil... – Ele ria mais alto conforme eu listava.
- França, Irlanda, África do Sul, Itália. – acrescentou.
- Vamos ter várias fotos. Compraremos uma estante grande só para álbuns e a lotaremos.
- Vão ter tantos que teremos que fazer identificação na estante, com fita adesiva, para saber de qual lugar é cada álbum. – disse e logo continuou. – E, aliás, vamos começar agora. – Tirou uma câmera fotográfica digital do seu bolso.
- Que?
- Vamos começar com as fotos para o primeiro álbum. Vai ter que ter o destinado à Inglaterra também, não é mesmo? - Colocou a câmera no topo, mirando para nós, e eu, por instinto tapei meu rosto. O flash quase me cegou, mesmo eu estando com a mão no rosto.
- Não estou bem para fotos. – disse, ainda com a mão no rosto. Ele riu.
- É lógico que está. – disse.- Vai , você está linda, tire a mão do rosto e sorria para uma das primeiras fotos do nosso álbum.
Controlei meu riso, para não sair rindo como uma retardada na foto e tirei a mão do meu rosto e ele, rapidamente, com medo que eu voltasse a cobrir meu rosto, bateu a foto. Abaixou a câmera na altura dos seus olhos e analisou as fotos sorrindo.
- Deixe-me ver. Se eu saí estranha você vai ter que apagar. – avisei, indo deitar ao lado dele, com a cabeça apoiada em seu ombro.
- Pode olhar. Mas não apague. – disse, entregando a câmera para mim.
Analisei as duas fotos.
- A que eu estou com o rosto tampado ficou melhor. – disse e ele fez uma careta para mim. Rapidamente, apontei a câmera para ele e bati uma foto, rindo.
- Ficou a melhor essa sua cara de nojinho. – Gargalhei, enquanto ele tentava pegar a câmera de mim.
- Devolve. A câmera é minha. – Girei e fiquei de barriga para baixo, com os cotovelos apoiados no chão e a câmera segura nas minhas mãos.
- Você não vai apagar. – disse, tentando controlar minha risada escandalosa. Ele colocou um de seus braços em volta de mim, fazendo com que eu ficasse presa.
- Por favor, amor. – disse, dando beijinhos no meu pescoço e no meu rosto.
- Não vou cair no seu jogo. – disse, rindo e me esforçando para não virar o rosto e beijá-lo. – Primeiro prometa que não vai apagar.
- Não vou. – disse.
- Não vai prometer ou não vai apagar?
- Não vou apagar. – disse.
- Se você apagar...
- Eu não vou. – riu e continuou com os beijos.
- Mesmo assim... Se você apagar eu arrumo um jeito de fazer essa câmera explodir. – Ele gargalhou.
- Tudo bem. – Continuou me beijando.
Muito devagar, virei de barriga para cima, ainda presa pelos seus braços, e ele, continuou me beijando até que eu estivesse totalmente virada para ele. Estendi a câmera para ele, que sorriu, porém não a pegou. Deitou seu corpo, parte no chão e parte em cima de mim e me beijou. Joguei um dos meus braços em volta do seu pescoço, brincando com as pontas do seu cabelo, enquanto ele acariciava meu rosto.
- Eu vou te amar por toda a eternidade. – disse. E selou nossos lábios antes de voltar para sua posição original, de barriga para cima.
- Eu também. – Ele estendeu o braço, para que eu deitasse novamente em seu ombro. Ajeitei-me e levantei a câmera para bater mais uma foto.
- Sorria. – ordenei, rindo.
- Onde foi a que não estava muito bem para tirar fotos? – perguntou.
- Apenas sorria, . – Bati a foto e depois devolvi a câmera para ele.
- Não vai querer ver como ficou? – perguntou, pegando a câmera.
- Prefiro fazer outra coisa. – disse e me aproximei mais, o beijando de novo.
Deitei de barriga para cima, ainda envolta pelo braço dele, ofegante, quando o beijo acabou. Analisei o céu por alguns segundos para me recuperar. Eu acho que eu nunca iria me acostumar com as sensações que ele me fazia sentir. Respirei fundo e, quando já me julgava recuperada, olhei para ele. Seu sorriso malicioso estava estampado, tirando um sarro de mim por ser tão vulnerável, corei e voltei a olhar para o céu.
- Por que está me olhando assim? – perguntei.
- Só acho interessante como você fica depois de um beijo. – disse, rindo.
- Interessante. – Ri sem humor, ainda sem olhar para ele. – Só sou vulnerável demais a você. – expliquei, após algum tempo.
- Também sou. – disse. Pegou minha mão e colocou no seu coração, que batia tão desesperado quanto o meu. Eu sorri por isso. – Só não demonstro tanto quanto você. – Riu.
- Tenho que aprender a não ser tão explícita.
- Eu gosto disso. – confessou – É legal saber que eu não sou o único a sentir esse monte de coisas.
- Monte de sentimentos. – corrigi, olhando agora para ele. Sorriu e concordou. – Eu achava que essas coisas só existiam nos livros. Sabe, coisa de escritores necessitados de amor. – Ele gargalhou.
- Escritores necessitados de amor. – repetiu, rindo.
- É verdade. Eu acho que os escritores meio que escrevem coisas que queriam viver. Porque, pense comigo, se eles escreverem coisas iguais à realidade deles, não ia ter tanta graça. Quero dizer, por exemplo, se eu fosse escritora, meu ou minha personagem principal não moraria aqui. Moraria na Alemanha, definitivamente. – expliquei minha teoria e me virei para encarar sua expressão.
- Vou ter que concordar. Se eu fosse escritor, meu personagem seria um astro do rock e passaria férias em praias legais. – disse.
- Acho que você deveria escrever um livro. Já até imagino seus personagens humildes com casas em Dubai. – comentei, rindo.
- Vou seguir sua dica. – Selou nossos lábios e levantou logo em seguida. – Temos que ir, daqui a pouco vai começar o ensaio. – disse, esticando o braço para me ajudar a levantar.
Percebi que a maior parte das pessoas também estava indo embora. Claro que não por causa do ensaio da banda e sim porque as nuvens intimidadoras agora estavam bem mais intimidadoras, já nem era mais possível ver os poucos raios de Sol como antes.
No carro, quando ficamos em silêncio, eu pude pensar um pouco, de novo, na minha vida. Na mudança que ela sofreu. Era engraçado agora que estava aparentemente tudo certo e feliz. Engraçado perceber como, às vezes, uma decisão te leva para mais um monte. Eu decidi que moraria com Richard e, de repente, surgiram mais decisões a serem tomadas. Se eu tivesse ido para a Irlanda, por exemplo, não teria decisões. Minha vida continuaria como antes, calma e tediosa. E, sinceramente, eu preferia muito mais minha vida agora. Mesmo passando por todos os sofrimentos que passei, eu tive pontos positivos em troca. era o melhor deles.
- Seus pais estão ai? – perguntei, quando saí do carro. Ele riu.
- Estão. Está com medo?
- Não. – respondi prontamente e entrelacei nossos dedos novamente.
- Eu sei que você está. – disse. Eu ri, nervosa.
- Eu demonstro tão bem assim? – perguntei e não esperei sua resposta. – Estou sentindo meu estômago dar voltas.
Ele beijou minha testa antes de abrir a porta.
- Eles vão te adorar. Respire e procure não ficar tão vermelha. Sabe como é, eles não te conhecem e podem achar que você está passando mal. – disse. Bufei e ele riu enquanto abria a porta. - Pai? Mãe? – gritou e vi sua mãe se aproximando de nós com um sorriso grande nos lábios.
- ! – disse. – Como foi o passeio?
- Ótimo! – Sorriu e olhou para mim. – Essa é a . – Sorri, sentindo minhas bochechas queimarem.
- Sinta-se em casa . É um prazer recebê-la. – disse, exacerbando simpatia.
- Obrigada. – agradeci.
- E o pai? – perguntou.
- Saiu. Mas vai estar aqui para o jantar. – explicou. – Vai ficar para o jantar ?
- Não vou poder. Tenho que estar por dentro das matérias da faculdade. Faltei a semana toda e minha amiga vai me ajudar. – expliquei, tentando demonstrar tanta simpatia como ela.
- Tudo bem. Mas quero que você volte para um jantar então.
- Eu volto. – sorri e olhei para que sorria mais do que nós duas juntas.
- Vou para o meu quarto enquanto os garotos não chegam. – disse e me puxou para subir as escadas.
Ele subiu os primeiros degraus rápido demais, fazendo com que eu quase caísse, a sorte é que eu estava segurando a mão dele e o corrimão. Depois de gargalhar de mim, terminou de subir como uma pessoa normal subiria.
- Seu rosto está todo vermelho – ele disse e colocou a mão na minha bochecha – e quente. – acrescentou.
- Não consigo controlar isso. Você ajudaria se parasse de ficar me lembrando. – Ele riu e me puxou para mais perto dele.
- Você vai ficar mais vermelha agora. Mas eu preciso falar... – disse, sorrindo de lado.
- O que? – perguntei.
Ele me beijou por pouco tempo antes de explicar.
- Lembra de ontem, na sua casa? – perguntou e me beijou novamente quando concordei. Ainda me beijando, fechou a porta do quarto e depois continuou – Quando você estava com Hayley na cozinha... – Outro beijo demorado – conversando. – Sua mão estava por dentro do meu moletom, acariciando minhas costas. Parou de me beijar e rapidamente tirou seu moletom e sua camiseta ao mesmo tempo. Eu fiquei parada por algum tempo, entendendo o que ele queria e admirando seu corpo, até ele me puxar para outro beijo. – Bem... Vocês disseram algo como nós dois termos uma reconciliação calorosa – Tirou meu moletom e jogou no chão. – Eu acho válido. – Separou nossos rostos, sorrindo e esperando minha aprovação.
Eu fiquei um bom tempo ofegando, sentindo minha boca pulsar e meu coração bater descontrolado. Não me dei tempo para pensar – eu não conseguiria mesmo, estando daquele jeito. – e fiz o que minha vontade pedia. Voltei a beijá-lo, apertando nossos lábios com força. Nossas línguas se mexiam rápidas, demonstrando nossa vontade. Nos separamos ofegantes, para respirarmos, e ainda não me permitindo pensar, tirei minha blusa. Ele abaixou a alça do meu sutiã e beijou meu ombro, descendo para o meu colo e depois subindo para o meu pescoço, queixo, até voltar a encontrar meus lábios.
Fez com que eu deitasse delicadamente em sua cama e, antes de voltar a me beijar, a campainha tocou. Ainda envolvida por aquilo, tentei voltar a beijá-lo. Ele colocou seu dedo indicador sobre meus lábios e só quando escutei a voz de Annie que entendi o que estava acontecendo.
- Acho que chegou mais cedo, . – ela gritou, batendo na porta.
Ele bufou, levantou da cama e começou a vestir sua camiseta novamente. Eu demorei um tempo, como sempre, para conseguir ficar normal. Só então levantei da cama, arrumando a alça do meu sutiã e procurando minha blusa.
Bateram na porta de novo.
- Eu já estou indo. Fala para ele já ir para a garagem. – disse e estendeu minha blusa para eu vestir. Sorri, sem graça, e ele riu. – Prometo matar depois do ensaio. – Vestiu seu moletom e pegou o meu que estava no chão. – Pode falar alguma coisa? Estou ficando preocupado. – disse, rindo.
- Eu ainda estou um pouco tonta. – Vesti meu moletom o ouvindo rir. Segurou minha mão e selou nossos lábios.
- Depois continuamos. – Piscou para mim, sorrindo, e abriu a porta.
Respirei fundo com esperança que isso me ajudasse a ficar normal.
e demoraram uma hora para chegar. Enquanto isso, e ficaram discutindo sobre algumas músicas e eu fiquei sentada em um banco duro que tinha na garagem tentando parecer normal depois de tudo. falava comigo de vez em quanto, perguntava se eu queria alguma coisa e quando eu dizia que não ele me olhava com aquele sorriso malicioso, que fazia toda a minha concentração em tentar parecer melhor se dissolver. fez algumas piadinhas sobre a tonalidade do meu rosto. Ele achou que eu estava com vergonha dele. Depois de um tempo, Annie desceu para a garagem e ficou conversando comigo sobre diversas coisas. Desde como eu achava que ela deveria cortar o cabelo até discussões construtivas sobre filmes.
- Acho que podemos começar. – disse e se posicionou.
- Temos um público maior hoje. – falou, rindo.
- A nunca nos viu tocando. Um aviso... – disse apontando para mim – Você vai se apaixonar por nós. – Revirei os olhos rindo.
- Só não nos agarre, por favor. Não gostamos disso. – disse, sério.
- Gay. – falou apontando para – Você pode me agarrar se quiser. – Sorriu de lado. Minhas bochechas começaram a queimar novamente enquanto os outros assobiavam e riam da situação.
- Ela vai explodir! – disse apontando para mim. – Está ficando vermelha de novo.
- Toquem logo, seus gays. – Annie falou, rindo. Lancei um olhar de agradecimento para ela.
- Qual música vamos tocar primeiro? – perguntou , se posicionando.
- I’ve got you – disse e sorriu para mim.
Annie sabia de cor todas as músicas que eles tocaram. Definitivamente eles tinham futuro, tinham jeito de astros do rock enquanto tocavam e aposto que teriam jeito com os holofotes. As músicas eram todas incríveis. Eu podia enxergar agora os sonhos que tinha como um futuro próximo e não como sonhos exagerados.
Meus olhos passaram pelos outros garotos. Mas eles ficavam presos em . Analisando cada movimento dele. Ele lançava olhares para mim quase sempre e eu sentia meu coração bater um pouco mais rápido por isso, uma reação instantânea. E ele sorria nas partes que eu mais gostava da letra. Parecia que ele sabia que era minha parte favorita. Parecia que algumas coisas eram para mim. Principalmente na primeira música.
- Vocês foram ótimos. – disse, quando desvencilhamos nosso abraço. – Sou fã de vocês agora. – Ele riu.
- Quer um autógrafo? – perguntou, levantando as sobrancelhas.
- Acha que eu me contento com um autógrafo? – perguntei, rindo. – Sou groupie, vou te agarrar. – Selei nossos lábios e ele me puxou para um beijo intenso não me deixando me afastar.
- Preciso te ver amanhã. – sussurrou, beijando o canto dos meus lábios. – Vou sentir saudade assim que você sair do carro.
- Às seis da tarde já estou em casa. – informei sorrindo e o beijei novamente antes de sair do carro.
Entrei no elevador e apertei o botão cinco, não conseguindo esconder o sorriso que pregou nos meus lábios.
Olhei no relógio. Eu já estava contando as horas para vê-lo novamente.
Eu tinha um plano. Sorri mais ainda.

Capítulo 14

Pendurei minha bolsa na maçaneta da porta do quarto e prendi, de um modo bem desajeitado, meu cabelo. Comecei a organizar a bagunça do quarto, colocando escovas de cabelo na gaveta, roupas no closet, revistas velhas na caixa de revistas velhas e pegando os papeis picados – Frutos de uma idéia minha e da Hayley de fazer recortes de madrugada. – do chão e jogando-os no lixo, já quase trasbordado, do lado da escrivaninha. Eu tinha que ser rápida.
Peguei uma roupa de cama nova de Hayley – Ela não ficaria brava comigo, não é? Eu esperava que não. – e coloquei na minha cama. Joguei a roupa de cama velha no cesto de roupas sujas e fui organizar a sala logo em seguida.
Minhas mãos transpiravam mais do que o normal e, quando eu não estava apertando os dedos na minha mão com força, eu poderia perceber que tremia de leve. Dentro de mim tinha uma espécie de frio, como um arrepio interno e constante. Talvez do medo de meu plano não dar certo. Talvez de ansiedade. Ou, o mais provável, talvez os dois juntos.
Eu não sabia porque estava me sentindo daquele jeito, com todos os arrepios e ansiedade. Não era minha primeira vez. Eu era experiente. Não tem motivos para você transpirar desse jeito, disse olhando para minha mão. Motivos para ansiedade eu até poderia ter. Mas não uma ansiedade como a que eu estava sentindo, carregada de medo e receios.
Quando era inexperiente e fui ter minha primeira vez com Richard era aceitável eu sentir essas coisas que eu sentia agora. A questão é: eu não senti. Lógico que eu fiquei nervosa e minhas mãos podem até ter transpirado um pouco. Contudo, não como agora. Eu lembro que foi meio desajeitado no começo, para ambos. Mas eu não senti nenhum frio dentro de mim quando estava me preparando. Qual é o meu problema? Eu sou uma mulher experiente.
Respirei fundo e sequei o suor frio das minhas mãos em minha calça novamente.
Optei por uma blusa de alça e tive que ligar o ar condicionado para esquentar um pouco a casa, caso contrário eu tremeria mais ainda.
Sentei no sofá e fiquei encarando a tv desligada. Não queria ficar como uma louca olhando no relógio a cada segundo, mas não pude deixar de notar que já eram sete horas. Por que ele estava demorando? Minhas mãos suaram mais.
Hayley não iria voltar para casa depois do trabalho. – Por isso que eu estava querendo colocar meu plano em prática ali. Ela dormiria na casa da mãe dela, que não estava passando muito bem desde o final de semana. E, pelo o que ela havia me dito, ela só voltaria amanhã à noite. O que tirava os ricos do meu plano falhar.
Sete e meia. E mais suor nas minhas mãos.
Oito horas.
Oito e meia.
Então eu percebi que estava esperando à toa.
Eu queria levantar do sofá e, já que ele não tinha vindo, fazer outra coisa. Dormir, por exemplo. Eram ainda oito e meia, – Nenhum tipo de pessoa normal dorme esse horário. – mas eu percebi que era a única saída que me sobrava. Talvez eu pudesse ter hoje aquelas quatorze horas de sono que eu queria.
Nem isso me animou a levantar do sofá.
Minhas mãos não suavam mais. Um ponto positivo, pensei olhando para elas. Mas logo que eu percebi que não era. Agora elas estavam meio frias. Com movimentos e apertos meio agoniados. Preferia o suor e a ansiedade. Era idiota e infantil me sentir daquela forma, porque se ele não apareceu ele teve os motivos dele. E ele apareceria outro dia. Teríamos outras oportunidades. Eu sabia disso, mas mesmo assim eu me sentia triste. Não triste do jeito que você tem vontade de chorar e sim do jeito que você tem vontade de bater os pés no chão e arrancar os cabelos da sua cabeça. Era estranho. Agonizante. Dava vontade de deitar no chão frio e me encolher o máximo que conseguisse.
Nunca busquei refúgio em nada quando eu me sentia assim, ou quando eu me sentia triste, porém de outra forma. Tudo bem, às vezes eu usava as pessoas como refúgio. Contudo, tirando as pessoas, eu nunca busquei outra forma de aliviar ou esquecer coisas.
Sempre temos nossa primeira vez.
Peguei um copo grande, que coubesse o máximo de bebida possivel, e tirei o vinho barato que Hayley tinha ganhado em alguma dessas cestas natalinas baratas. Ela não bebia e nem eu, por isso o vinho ainda estava ali fechado. Levei um susto ao tirar a rosca da bebida e tive que respirar e rir de mim mesma – psicologicamente, porque sorrir necessitaria de muito esforço. – para depois colocar uma quantidade significativa no meu copo.
Dei uma golada considerável, como se tivesse bebendo algum suco, e senti o álcool queimar um pouquinho minha garganta. Não era ruim, apesar de ser um vinho barato. Mas eu era muito mal acostumada com álcool então eu tinha que apertar os olhos com força enquanto engolia mais goladas consideráveis.
Depois da quinta golada ficou mais fácil.
Enchi o copo mais duas vezes. Na segunda vez minha cabeça já estava um pouco tonta. Mas eu nem liguei, já que dormiria logo em seguida. Depois eu desisti do copo e levei a garrafa comigo para o quarto.
Sentei na cama e minha cabeça girou um pouco pelo meu movimento rápido. Dei mais uma golada para esquecer isso.
- A companhia de um vinho é bem melhor que a de . – menti, não sei para quem. Para mim mesma talvez. Mas eu sabia que estava mentindo e isso me fez suspirar como se tivesse sido derrotada.
Dei mais um longo gole depois disso.
- No que você está se transformando, ? – perguntei para mim mesma, olhando para a garrafa. – Você nunca fez isso. Nem quando Richard gritou com você e, então, você percebeu que era nojenta. Nem quando você descobriu que foi para a cama com Maggie. – Meu estômago se revirou nesse momento. – E só porque não apareceu você faz isso... – suspirei e fitei a garrafa por mais algum tempo antes de dar outro gole.
As coisas começaram a ficar um pouco confusas, tinha impressão que a escrivaninha mudava de posição. Então, fechei os olhos por algum tempo. Comecei a devanear imaginando como seria se tivesse aparecido. Imaginei-o de verde. Mas depois conclui que rosa ficava melhor e então mudei. Seu sorriso malicioso estaria impregnado em seu rosto e eu ficaria vermelha e quente por isso. Então ele me beijaria daquele jeito que me deixa tonta e meus lábios pulsariam pedindo mais quando ele nos separasse para respirarmos. Eu odiaria ter que respirar. Isso é tão inoportuno quando poderíamos aproveitar outras coisas. Ficaria analisando, sem piscar, seu peito novamente, até ele me puxar para mais um beijo. Não conseguiria então evitar o sorriso quando ele me deitasse na cama.
O barulho vindo da geladeira, já velha, fez com que eu abrisse os olhos novamente. Tive que piscar várias vezes para parar de ver tudo rodando. Dei mais um gole na bebida quando percebi que meus devaneios não passariam de devaneios. não vai aparecer, pensei comigo mesma e meu estômago se revirou novamente. O que eu tinha planejado e criado na minha cabeça não aconteceria. Não passaria de planos que escaparam da realidade e se tornaram apenas mais uma criação fantástica da minha mente.
Tomei mais um gole ao concluir isso.
Então, a campainha tocou. Coloquei, muito devagar, o pé para fora da cama. Sentia que se eu fizesse qualquer movimento muito rápido, ou numa velocidade normal, minha cabeça giraria mais. Deixei a garrafa de vinho em cima da cabeceira da cama de Hayley e, muito devagar, (campainha de novo) levantei da cama. Tive que me apoiar na parede quando vi que ia bater minha cabeça na janela. Respirei fundo e pisquei mais algumas vezes. Concentrei minha atenção em me manter em pé, sem cair e sem precisar me apoiar em nada, (campainha de novo) e então fui andando devagar, olhando para o chão, até a porta.
Bati meu dedo no pé da poltrona que ficava na sala e quase cai por isso. Tive que esperar alguns segundos (campainha de novo) para voltar a andar. Levei algum tempo para conseguir colocar a chave na fechadura e, quando eu coloquei, voltei meu olhar para frente e minha cabeça rodou de novo. Abri a porta devagar e estava lá.
As coisas rodaram mais ainda e eu não sabia se era o álcool ou a presença dele. Ele sorria daquele jeito, droga! Tive a impressão que tinha dois dele. Mas o clone desaparecia se eu espremesse os olhos. Então, não espremi.
- , você está bem? – perguntou, colocando a mão no meu rosto.
Fechei os olhos quando senti a tontura se intensificar. Só vi que estava caindo quando ele me segurou firme com seus braços e eu pude sentir o cheiro dele quando minha cabeça se encostou a seu peito. Eu sorri, mesmo que ainda continuasse tonta.
- Você está cheirando vinho. – disse, encostando o seu nariz no meu cabelo. – Você está bêbada.
- Não. – falei, ainda sorrindo. – Ah , ainda bem que você veio! – suspirei feliz me abraçando mais a ele.
- É claro que eu vim. – disse – Só me atrasei um pouco por causa da banda.
- Pensei que não viria mais e eu não estava suportando conviver com isso. – Minha cabeça estava rodando demais para pensar, então, eu simplesmente falava, sem medir palavras. Ele me afastou, segurando-me pelos ombros, sorrindo.
- Você está bêbada sim. – Ele e o clone dele riram um pouco de mim.
- Por que acha? – perguntei, espremendo os olhos para achar o verdadeiro.
- Fora você estar cheirando a álcool, – disse – você está falando sem analisar as palavras. – Espremeu os olhos, imitando-me talvez. - Da segunda parte eu gosto.
- Você está com repulsa de mim? Porque quando eu sinto cheiro de álcool nos outros eu passo mal. Eu não sei porque não estou passando mal agora... Tudo bem que minha cabeça de vez em quando fica tonta. Mas isso não conta. – falei, rápido demais e ele gargalhou.
- Não tenho repulsa de você. – Espremeu os olhos de novo. – Mas acho que você precisa de um café e uma cama.
- Eu gosto de café. – Sorri e lembrei do meu plano. – E cama seria uma ótima idéia. – Então, eu lacei meus braços em volta do pescoço dele e o beijei.
- Acho que não quis dizer cama nesse sentido. – sussurrou. Eu não processei as palavras dele. Estava muito envolvida – e tonta – para isto. Sorri e voltei a beija-lo imediatamente, então.
Fomos, um pouco desajeitados e cambaleando, até o quarto. Havia um misto de sensações no meu estômago. As borboletas, que sempre apareciam quando ele me beijava, estavam lá. Isso era normal. Contudo, elas estavam se remexendo com uma força e uma velocidade muito maior. Incomodava, mas eu não conseguia ligar para isso. O que importava era simplesmente fazer o meu plano se concretizar.
Abri os olhos quando ele parou de me beijar e nos afastou um pouco, ainda me segurando firme pela cintura. Estávamos já no quarto, que rodava um pouco. Achei que ele estivesse esperando eu tomar mais alguma atitude e então peguei a barra da camiseta dele e levantei.
Mas ele não deixou eu continuar.
- , você está bêbada. Não quero fazer isso com você assim. – disse, acariciando meu rosto com uma de suas mãos.
- Eu sabia que você estava com nojo de mim. – Suspirei e tive vontade de chorar como uma criança. Um efeito do álcool talvez.
- Não é isso, amor. – Selou nossos lábios. – É só que eu preferia que você estivesse sóbria... Para ter certeza.
- Eu tenho certeza. – disse, voltando a beija-lo com força. Meu estômago começou a se remexer de novo. E, de novo, eu nem liguei.
Separei meu rosto do dele, percebi que ainda estava tonta, mas sorri mesmo assim para passar confiança. Tirei minha blusa e percebi que ele me olhava com receio, como se eu tivesse fazendo algo errado. Eu queria o sorriso malicioso do dia anterior. Mesmo assim voltei a beija-lo.
Sua língua encontrou a minha e meu estômago se revirou mais. Porém, agora ele se revirava muito mais e só com isso percebi o que estava preste a acontecer. Empurrei-o de leve, quando abri os olhos tudo girou e senti que tinha que correr para o banheiro rápido. falou alguma coisa que eu não entendi. Apertei meus lábios com força para não vomitar ali e fui, o mais rápido que eu pude, para o banheiro quando as coisas pararam de rodar.
Tranquei a porta e escutei bater nela. De repente, em uma golfada, todo o vinho que havia bebido estava na privada. Minha garganta ardia. Levantei devagar me apoiando na pia e lavei minha boca com água corrente.
- , abra a porta. – gritou, batendo na porta com força.
- Estou bem, . Estou bem. – menti.
- Então abra a porta, caramba! – gritou. Peguei minha escova de dente e coloquei o creme dental nela. Aquele gosto na minha boca me fazia querer vomitar de novo.
continuava batendo na porta como um louco.
A escova de dente, às vezes, duplicava. E o espelho se mexia.
- Vá buscar água para mim. – falei para fazer parar com o escândalo dele. Aquele barulho estava piorando minha tontura. Rapidamente ele parou de bater.
Escovei meus dentes rapidamente, o gosto do creme dental também me fazia querer vomitar. Em pouco tempo estava batendo na porta de novo e falando algo que minha tontura, que piorou conforme eu levantei a cabeça rápido demais, não deixava eu entender. Coloquei a escova dentro do armário e, quando o fechei, enxerguei tudo borrado e deduzi que poderia desmaiar. Destravei a porta e sentei no chão, colocando minha cabeça nas minhas mãos. Escutei abrir a porta e depois senti que estava perto de mim, quando sua respiração me tocou.
- O que você está sentindo? – perguntou, baixinho, como se tivesse medo de piorar as coisas.
- Tonta e... Tonta – sussurrei.
- Amor, escute o que eu vou falar. – sussurrou e no meu ouvido. – Eu vou te ajudar a levantar, bem devagar, e você vai manter os olhos fechados. Tudo bem? – Fiz um barulho com a boca que pareceu um ‘sim’ e ele continuou. – Consegue levantar agora ou quer esperar mais um pouco?
- Consigo. – disse, meio lento demais.
Ele pegou uma das minhas mãos com muita delicadeza e laçou seu pescoço com ela. Laçou minha cintura com um braço e com sua outra mão segurou o pulso do meu braço livre. Espremi meus olhos com força. Apesar de sentir que minha cabeça girava, sabia que era melhor sentir isso do que ver tudo rodar na minha frente. Pelo menos meu estômago não estava mais tão revoltado.
Fez com que eu sentasse na cama, pegando cada perna de uma vez e colocando-as sobre a cama. Beijou minha testa e foi se afastando devagar. Como reflexo abri os olhos e segurei a gola da sua camisa. Minha cabeça girou e ele me segurou firme, como se eu corresse risco de cair estando sentada na cama.
- Fica aqui. – Consegui falar depois que fechei os olhos.
- Eu ia buscar um café para você. Ajuda a passar mais rápido isso que você está sentindo.
- Não vá embora, ! – Coloquei minha mão no meu rosto e comecei a sentir uma dor muito forte só de imaginar. – Não . Eu não vou conseguir agüentar se você for embora. Vai doer muito. Não... – ele colocou a mão sobre meus lábios.
- , eu não vou embora. Estou aqui, estou com você. – falava devagar para que eu entendesse cada palavra. – Só espere dez minutinhos e eu estarei de volta.
Abri os olhos devagar para poder enxerga-lo. Pisquei algumas vezes para conseguir enxergar sua imagem perfeitamente. Ele esperou. E quando eu consegui vê-lo como gostaria, sorri de leve.
- Você veio. – suspirei feliz. Ele estava lá! – Eu achei que você não viria. Fiquei com medo e triste. – Tive a impressão de que ele riu.
- Eu vim, claro. – disse e colocou a mão no meu rosto. – Ainda está tonta?
- As coisas não giram mais e não vejo mais dois de você. – Não falei que a segunda parte, a de ver dois dele, era legal. - Mas sinto minha cabeça doer e às vezes é como se meu cérebro estivesse correndo dentro dela.
- Já que não quer o café, você precisa dormir. – disse e sentou do meu lado. Quando pensei em retrucar com alguma coisa ele continuou. – Eu vou ficar aqui. Prometo.
Fez com que eu deitasse e puxou o edredom para nos cobrir. Encostei minha cabeça em seu peito e fechei os olhos.
- Não vou dormir. – disse, enquanto ele acariciava meu cabelo.
- Por que não?
- Porque você está aqui. Tenho que aproveitar, nem que seja ouvindo sua voz. – Ele riu.
- Você precisa dormir agora. Pode escutar minha voz amanhã.
- Amanhã eu tenho faculdade. – disse e minha cabeça doeu mais só de pensar.
- Acredite em mim, você não vai estar bem amanhã para ir para a faculdade. – disse. Abri os olhos e olhei para ele confusa.
- Por que? – Ele acariciou meu rosto.
- Sua dor de cabeça vai estar um pouquinho pior. – disse, fazendo uma leve careta. Voltei a me ajeitar em seu peito.
- Droga! – exclamei. Dei um tapa em seu peito logo em seguida. – Tudo culpa sua.
- Que? – Ele riu.
- Não se faça de tonto. Eu disse que estaria em casa seis e meia e você não apareceu na hora... E então eu achei que beber seria um bom refúgio.
- Desculpe. – suspirou. – Eu deveria ter te ligado. Prometa que nunca mais vai fazer isso.
- Prometo. Prometa de me lembrar como é horrível ver tudo rodando e prometa me lembrar que eu prometi não fazer mais. – Ele beijou o topo da minha cabeça e eu pude escutar uma risadinha.
- Prometo. – Ficamos alguns minutos em silêncio.
- Ia ser tudo tão... Legal. – Tapei meu rosto com uma das minhas mãos quando senti a raiva de mim mesma o queimar.
- O que?
- O meu plano. – respondi, como se fosse óbvio.
- Que plano? – perguntou.
- ... Por que você está se fazendo de tonto hoje? – Se meus olhos estivessem abertos eu os reviraria. – O plano de nós... É... – Apontei para a alça do meu sutiã.
- Ah. – falou como se tivesse entendido. – Vamos ter muitas outras oportunidades, amor. – O bom do álcool é que eu não ficava corada, com vergonha. Talvez eu devesse beber um pouco sempre antes de encontrar .
- Acho que fiquei com pressa do nada. – falei e esperei que quando eu acordasse eu esquecesse todas as minhas indiretas.
- Não precisa ter pressa e não precisa buscar maus refúgios se não acontecer. – Eu balancei um pouco minha cabeça, concordando, e me arrependi quando senti a dor se intensificar um pouquinho.
Tentei dormir, mas minha cabeça estava dolorida e pensativa demais para isso. ficou em silêncio, esperando que eu adormecesse logo, provavelmente.
Pensei comigo, Será que Richard se sentiu do jeito que estava me sentindo no dia do meu aniversário? Porque, se ele sentiu um por cento disso, eu digo com certeza, ele tinha motivos para estar grosso. Era insuportável como minha cabeça doía. Pensei também que isso era um bom motivo para perdoá-lo. Mas eu o perdoei sem isso, então não fazia diferença.
- Está dormindo? – sussurrou.
- Não. – bufei.
- Está com dor de cabeça? – Não era bem uma pergunta. Mas mesmo assim ele esperou minha confirmação.
- Mas não preciso de nada. Fique como está. – disse, quando ele pareceu ficar preocupado. – É suportável.
- Hayley vai chegar daqui a pouco, não vai?
- Não. Ela está na casa da mãe dela. Pode ficar despreocupado.
- Então, eu vou cuidar de você amanhã. – Olhei para ele, confusa, e ele sorriu.
- Não preciso de babá. – retruquei. – Mas você pode ficar aqui, se quiser.
- Precisa sim. Você nunca bebeu na sua vida, não é? – perguntou e não esperou minha resposta. – Vou ficar aqui sim. Você vai precisar de mim... E eu vou precisar de você.
Olhei para ele novamente e apertei uma das bochechas dele. Se minha visão não estivesse tão podre, por causa da luz apagada e da bebida, poderia ter certeza que ele tinha corado. Ele se aproximou para me dar um beijo. Mas eu afastei colocando minha mão entre nossos rostos.
- Eu devo estar com gosto de álcool ainda. – Ele tirou minha mão e falou perto do meu rosto.
- Você me agarrou há poucos minutos atrás e agora não quer me dar um beijo? Injusto.
- Há poucos minutos atrás eu ainda estava afetada.
- Você ainda está afetada. – retrucou, rindo de mim.
- Estou menos. Estou me acostumando.
- Ninguém se acostuma com não estar sóbrio, .
- Não. Eu não estou me referindo à bebida. – Ele fez uma careta, meio que lutando para não rir. – Estou me referindo a você.
- Como assim?
- Há poucos minutos atrás eu ainda estava afetada por causa de você. – expliquei e ele sorriu de lado. – Porque estava surpresa por você ter aparecido. Agora estou me acostumando.
- Por isso você soltou tantos, Ai , você veio. – disse, tentando imitar minha voz. Revirei os olhos rindo.
- Confesso que até agora eu estou um pouco incrédula. Talvez eu possa ter bebido muito e dormido por isso. Agora estou sonhando. – falei e meio que quase acreditei.
- Vou te fazer acreditar que isso é verdade então.
Ele tocou meu rosto e rapidamente me beijou. Um beijo diferente do de antes. Talvez porque eu não pressionava nossos lábios com força. Era mais leve, porém tão bom quanto antes. Sua mão acariciou meu rosto e depois desceu para tocar no meu ombro e no meu braço, que estavam nus. Minha pele se arrepiou. Um arrepio que, acima da vontade que eu ainda tinha de realizar meu plano, mostrava o meu imenso amor por ele. Porque só com ele tudo aquilo acontecia. Era como se eu tivesse entrado na vida de algum personagem de algum livro romântico que li. Não, na verdade era bem melhor do que isso. Voltei a deitar minha cabeça em seu ombro e finalmente me permiti dormir, com a certeza de que não era um sonho, por mais que parecesse. Ele vai estar aqui quando eu acordar, pensei antes de cair em um sono profundo e sorri por isso.

Abri os olhos devagar, não por culpa da costumeira preguiça matinal e sim por causa da minha cabeça, que parecia estar a ponto de explodir, tamanha era a dor irritante que sentia. Aos poucos fui recordando os possíveis acontecimentos do dia anterior. Contudo, eu não sabia colocá-los em uma ordem cronológica. Vagavam soltos na minha cabeça e apareciam diante dos meus olhos de forma randômica. Também não tinha certeza da veracidade deles. Já que não pareciam totalmente fatos reais; pareciam sonhos, ou melhor, pesadelos. Talvez, então, algum deles possa ser algo da minha mente, refleti comigo, olhando para o teto branco. Eu tenho que averiguar para ter certeza da veracidade das coisas, concluí e logo o fiz.
A cama de Hayley estava vazia e arrumada, assim como eu me lembrava que ela a havia deixado. A luz do banheiro estava apagada. E a do closet também. Portanto, conclui que a parte de Hayley ter passado a noite fora era real. Pelo o que eu consegui lembrar, ela estava na casa da mãe dela. Ótimo começo!, incentivei a mim mesma para que continuasse a averiguar.
Teoricamente, então, eu deveria estar sozinha; apenas eu e meus pensamentos tumultuados. Contudo, o barulho, não muito alto, vindo da cozinha me provava o contrário. Tinha alguém comigo. E, após tentar resgatar algo real nas coisas que vagavam pela minha cabeça, conclui que esse alguém só poderia ser .
Segundos após essa última conclusão, senti minhas bochechas, de repente, queimarem e minha cabeça começar a latejar mais do que o aceitável, quando supus um acontecimento. Teria eu posto meu plano em prática? Fechei os olhos tentando pescar alguma memória que comprovasse o que eu supunha. Mas não me vinha nada. Se isso aconteceu, como podia eu não lembrar de nada?
Averigúe as coisas, ordenei e abri os olhos novamente.
Levantei o edredom e, em um choque, mais um monte de imagens vieram à tona.
Estava de sutiã e calça jeans. Não tinha acontecido nada do que eu planejei, suspirei triste.
Voltei a me cobrir com e edredom e tirei o travesseiro debaixo da minha cabeça, colocando-o em cima do meu rosto para tentar, em vão, aliviar o misto de ódio e vergonha que estava sentindo.
Lembrei do vinho queimando minha garganta e fazendo com que eu visse dois s. Lembrei do meu estômago se revirando em protesto ao álcool e, logo em seguida, do vômito. Lembrei de me guiando até a cama, quando eu senti que provavelmente desmaiaria, e me oferecendo café. E então desejei não lembrar de mais nada. Já estava constrangedor demais só com essas recordações.
- Já acordou? – Ouvi a voz de perguntar.
- Acho que sim. – respondi, ainda com o travesseiro sobre meu rosto.
- Você, por um acaso, está tentando se suicidar?
- Bem que eu deveria ter coragem para isto.
Houve um instante de silêncio e depois senti que ele estava sentando na cama.
- Tome esse remédio. É para parar a dor na sua cabeça. – Eu hesitei um pouco, mas minha vontade de fazer a dor na minha cabeça passar era maior que minha vergonha, então, tirei o travesseiro do meu rosto e sentei na cama, tentando não olhar muito para , para minha vergonha não aumentar.
- Obrigada. – engoli o comprimido com um suco de laranja concentrado demais.
- Beba tudo. – ordenou quando eu tentei devolver o copo. – Preparei um café da manhã para você.
- Não costumo tomar café da manhã.
- Hoje você vai. Não fiz panquecas à toa. – sorriu.
- Tudo bem. – deixei ele vencer. – Mas preciso acordar primeiro.
- Não está acordada? – perguntou, rindo.
- Demoro um pouco para poder levantar e acho que isso demora mais com os efeitos da bebida. – Revirei os olhos, corando ao lembrar da minha idiotice.
olhou para o edredom por algum tempo, em silêncio, e eu o analisei, querendo decifrar os pensamentos dele. Será que ele gostava menos de mim depois de todo o meu vexame?
- Não gostei do que você falou logo que entrei. – confessou. Forcei minha mente para lembrar o que eu tinha falado.
- Desculpe, mas minha cabeça dói muito para eu pensar. O que foi que eu disse?
- Bem que eu deveria ter coragem para isto. – repetiu o que eu havia dito e então eu finalmente entendi.
- Pode ficar tranqüilo, não vou me suicidar, nem penso nisso. Foi só uma brincadeirinha. – Tomei mais um gole do suco concentrado. – É só que, depois do vexame que dei ontem, gostaria de me enterrar em um buraco bem fundo. – confessei e ele riu.
- Não foi tão ruim assim. Gostei de cuidar de você, digo, estou gostando de cuidar de você. – Bufei fingindo irritação com o fato de ter adquirido uma babá, enquanto ele ainda ria.
- Não está com vergonha, ou alguma coisa pior, de mim?
- Óbvio que não, amor. – Segurou meu rosto e se aproximou para me beijar.
- Não gosto de beijar sem escovar os dentes. – disse, afastando seu rosto com meu dedo indicador. Ele voltou a me beijar mesmo assim.
- Precisamos conversar. – disse, quando nos afastamos, voltando a nossa posição original.
- Sobre?
- Sobre o que você tinha planejado para ontem e que acabou não dando certo. – explicou e eu corei imediatamente. Parei de analisa-lo e comecei a analisar o copo.
- Diga... – pedi, ainda sem olhar para ele.
- Você já... Fez, não é?
- Eu namorei tempo suficiente para acontecer isso. – Olhei-o de rabo de olho e o vi concordar.
- Só para ter certeza. – disse. – É que você parecia tão nervosa, como se estivesse com medo.
- Ansiedade. É que, com Richard, tudo aconteceu diferente. As coisas foram mais fácies. Já com você, acontece todo esse monte de sentimentos e isso me deixa mais nervosa. – disse, brincando de rodar o copo para ver o suco mexer.
- Só queria que você soubesse que eu não quero forçar nada. – Pegou meu rosto e fez com que eu olhasse para ele. Eu tremi toda por dentro. – Aquele dia na minha casa eu posso ter sido rápido demais, eu sei, mas é claro que eu não faria nada se você não quisesse. E, eu não quero que você faça isso porque a Hayley fica te perguntando se teve algo a mais entre nós. Quero que você faça por vontade sua. Entendeu? – Balancei a cabeça positivamente e ele sorriu. – Ótimo. Então, vamos tomar café agora. – ordenou e antes de levantar pegou o copo de suco da minha mão e me beijou novamente.

Capítulo 15

Foi bom e, confesso, ao mesmo tempo estranho ver minha semana caminhar normalmente, sem dramas. Viver reclamando de cada minuto e sentir vontade de mudar o jogo, a minha vida, já estava sendo corriqueiro no meu dia-a-dia. Teve horas, quando eu não estava com , nem com Hayley, que eu fiquei de olhos fechados, esperando aquela dor indesejável voltar. Mas ela não voltava. Então, suspirei aliviada quando percebi que eu estava, talvez, curada de tudo aquilo.
Confesso também que tudo não estava ainda cem por cento como eu gostaria que estivesse. Richard ainda não falava comigo, não dava notícias. Eu tinha criado um futuro na minha cabeça e nele Richard e eu éramos amigos. Não gostava de pensar que tudo indicava que essa minha idealização era utópica. Por isso, ainda existia o vazio dentro do meu peito, um buraco que ninguém, a não ser Richard, conseguiria preencher completamente. Contudo, como já disse, o vazio não doía, apenas era um vazio cicatrizado. E seria um vazio permanente se tudo continuasse como estava, eu sabia disso. Mesmo assim eu tinha a esperança e eu sabia que era ela que fazia a dor sumir. Se ela não estivesse comigo, provavelmente eu estaria definhando. Certo, assumo que estou exagerando mais uma vez, botando drama demais.
Eu tinha , afinal. Isso valia muito. Com ele eu esquecia de tudo, esquecia das obrigações chatinhas e cansativas que tinha que cumprir e esquecia até do vazio. Nós não tínhamos muito tempo juntos nos dias de semana, ainda mais agora que ele estava quase cem por cento voltado para o teste que a Mcfly faria. Entretanto, os finais de semana dele eram quase sempre comigo. Eu o fiz me prometer isso, porque, antes mesmo de a banda dele virar famosa, eu já podia ver o único ponto negativo nesse sonho dele virando realidade: a falta de tempo. E era altruísta o bastante para prometer e fazer o máximo para cumprir essa promessa.
A parte mais complicada na minha semana foi ter que contar para minha mãe, por telefone, tudo o que tinha acontecido e explicar porque eu terminei com Richard. Eu tive que explicar três vezes, porque ela estava incrédula. Depois de um tempo ela aceitou – antes disso ela brigou comigo por ter sido eu quem saiu de casa e não o Richard – e então quis saber mais sobre .
?, ela perguntou, Gosto desse nome, pelo menos. E eu não pude deixar de revirar os olhos por causa de seu tom de desdém. Ela quis saber que faculdade ele fazia e eu expliquei que ele estava focado na banda dele, que era um máximo, que em breve eles fariam um teste e que eu tinha total certeza que eles iam fazer muito sucesso. Ela ficou alguns minutos em silêncio e eu pensei que estava tendo problemas na ligação. Mas depois eu entendi o porquê do silêncio quando ela falou com uma voz aguda, Se você casar com ele, vai passar o resto da vida tendo que sustentá-lo! , para ser uma banda famosa não é assim tão fácil. Eu tentei retrucar, dizendo que a banda dele era realmente um máximo, mas ela não me ouviu. Então preferi mudar de assunto e perguntar sobre a Irlanda. Funcionou, ela não parou de tagarelar nem um segundo.
Então veio a bomba. Eu fiquei sem respirar por uns minutos e meu queixo caiu quase abrindo uma cratera no chão. Minha mãe estava apaixonada. Depois de anos chorando a morte do meu pai e dizendo que nunca nenhum homem iria substitui-lo, ela estava totalmente apaixonada por um Irlandês. Eu pude perceber pelo tom de voz dela que ela estava amando. Era um tom de voz de pessoas apaixonadas – eu sei disso porque o meu era igualzinho.
Eu fiquei um pouco feliz por ela, não posso negar. Era triste demais ver minha mãe arrependida e se apegando às fotos que tinha com meu pai. Contudo, havia uma parte de mim, uma grande parte, que eu não entendia o porquê, mas já rejeitava esse Irlandês. Ciúmes? Não acredito. Não era por mim que eu sentia isso. Era pelo meu pai. Como minha mãe podia esquecê-lo? E toda a história que ela contava que iria encontrá-lo e passariam a eternidade juntos? Eu lembrava que ela sorria idiotamente olhando para o céu ao falar isso. Ela fica extremamente feliz ao acreditar nisso. Tudo isso tinha apagado por causa de um Irlandês?
Mãe, e o papai?, perguntei quando consegui limpar minha garganta e falar. Ela disse, calmamente como se eu fosse alguma criança de cinco anos, que ela continuava amando meu pai e que amaria para sempre. Mas só que ela percebeu que não podia ficar se apegando ao passado e o Irlandês fez ela viver o presente. Eu confesso que entendi essa parte, porque me fazia viver o presente e eu sabia como isso era bom. Comecei a gostar um pouco do Irlandês por causa disso, então. Só um pouco.
Então, eu fingi que a comida estava queimando e desliguei o telefone. Eu nem estava cozinhando, na verdade, mas eu não conseguia conversar direito depois da bomba que ela jogou em mim.
Corri para o meu quarto e fiquei pensando nas palavras da minha mãe. Eu não posso sentir isso, disse para mim mesma. Minha mãe estava feliz, isso era o que importava. Isso deveria valer para mim. Deveria me fazer gostar do Irlandês também.
Passei meus dedos pela foto que eu guardava sempre na minha bolsa. A foto que eu mais gostava do meu pai, a única que eu me permiti pegar da minha mãe quando saí de casa. Ele estava sentando em um banco de alguma praça na Alemanha. Estava frio, eu podia notar isso pelo tanto de roupa que ele usava. Ele estava olhando para o lado e eu queria saber o que tinha lá para ter puxado a atenção dele. Estava sorrindo.
Apertei a foto contra meu peito. Por que você teve que ir, pai?, perguntei para a foto, Queria tanto ter te conhecido. Voltei a colocar a foto sobre meu peito e fechei os olhos, Alemães são melhores que Irlandeses, disse convicta, como uma criança rabugenta que não quer gostar do padrasto, e sorri.
Acho que foi um reflexo do choque da bomba. Ver as coisas em relação à minha mãe virarem de cabeça para baixo. De repente, ela havia se transformado em outra mulher. Imaginei-a fazendo limpeza de pele, drenagem linfática e academia semanalmente, só por causa do Irlandês. Essa não era minha mãe de antes. Antes ela abolia até maquiagem. Enfim, deve ter sido esse choque, porque depois eu até comecei a aceitar isso como deveria. A felicidade dela estava em primeiro plano. E, mesmo com isso, as coisas não mudaram muito no meu lado. Afinal, nós nem nos víamos mais. Então, o choque foi temporário. Talvez quando ela voltasse da Irlanda para uma visita ela estaria igual.
Ah, droga, é verdade. Não ia ter visitas. Ela deixou bem claro no telefone, após implorar quinhentos perdões, que não daria para passar o natal comigo. Ou seja: eu passaria o natal sozinha. Não que isso fosse grande coisa. Quando morávamos eu e minha mãe o natal era só com nós duas. Nós só jantávamos e depois ia cada uma para um canto. Seria quase igual mesmo. Tive que dizer a ela várias vezes que estava tudo bem, eu não me importava. Ela tentou me convencer a ir para a Irlanda, mas isso estava completamente fora de cogitação por enquanto. Não estava no pique de encontrar o Irlandês. Já me bastava ter que encontrar minha mãe com uma pele melhor que a minha depois de meses de limpeza de pele.
Então, logo após terminar de ingerir toda a conversa com a minha mãe, me ligou animado fazendo com que eu voltasse meus pensamentos à Inglaterra. Nós estávamos tecnicamente namorando agora, mas mesmo assim eu estremecia e ficava tonta perto dele como na primeira vez que ficamos. E ele ainda se divertia com isso. Tudo estava como antes, tudo mesmo. Até a parte não ter colocado meu plano em prática e isso me deixava triste. No entanto, depois da conversa que tivemos, após a incrível vergonha que passei, tudo estava claro para ambos e eu apostava que ele estava preparando algo especial. Eu só queria que ele preparasse logo.
Como já disse, eu nunca vi tão animado quanto ele estava na ligação que citei. Ela falava alto e era impossível não imagina-lo com um sorriso brilhante no rosto. Adivinha!, pediu ele três vezes. Mas minha cabeça estava muito lenta depois da bomba da minha mãe para conseguir processar o motivo da animação dele. Depois de um tempo ele percebeu que eu era incapaz de fazer adivinhações e então explicou tudo, Nós fomos contratados! A Mcfly foi contratada!. Não foi uma novidade para mim, apesar de eu não ter conseguido adivinhar o que era tão óbvio, eu sabia que eles iam conseguir. Tive vontade de dar um abraço nele bem forte e usar isso como desculpa. Mas eu tive que me contentar com uns parabéns por telefone mesmo. Então ele me chamou para o jantar que eles fariam em comemoração e isso me deixou animada. Quem sabe o que aconteceria depois do jantar?
Fiz Hayley ir também, ela precisava se divertir um pouco. Passar a semana trancada naquele apartamento comigo, uma pessoa que não sabe fazer nem falar nada de muito interessante, deveria ser monótono demais para uma garota como ela.
Tive sorte que o jantar foi avisado no dia, quase na hora, porque senão Hayley, com certeza, teria feito eu ir ao shopping com ela para comprar “algo legal para usarmos”. Legal no ponto de vista dela e não no meu. Então eu podia ir bem feliz com tênis e calça jeans. Ela, como eu já imaginava, vestiu um vestido e um salto super alto, fazendo com que eu parecesse um... um nada perto dela. Pelo menos eu estava confortável.

Estava me distraindo com o único ravióli que sobrou no meu prato, mexendo a comida solitária e provavelmente já fria enquanto escutava os burburinhos em minha volta misturados com a música baixa, que eu ainda não conhecia. Estava feliz, a ponto de, às vezes, não conseguir conter o sorriso em meu rosto. E eu não estava feliz só por mim, não estava sendo egoísta naquele momento. Estava feliz por todos ali, principalmente por . O sonho dele, o maior sonho dele, estava a um fio de se realizar. Já haviam dado a partida, só restando eles começarem a trabalhar e esperarem a realização chegar. Ela estava tão próxima, era possivel sentir o cheiro dela naquela mesa em que estávamos naquele restaurante. E não só eu sentia isso, eu podia ver nos rostos de todos que eles também notavam o clima de realização. Um futuro certo é sempre o que todos esperam, afinal. Um futuro sem muitas incertezas. Eles tinham isso agora com eles. O futuro sucesso da Mcfly era uma coisa certa. O garçom aproximou-se da nossa mesa e começou a retirar os pratos. Larguei meu garfo então e dei adeus para o meu ravióli solitário. Respirei fundo, levantando minha cabeça, ainda sorrindo, e coloquei minhas mãos debaixo da mesa, sobre meus joelhos. Senti a mão de pegar uma das minhas mãos e entrelaçar nossos dedos. Olhei para ele sorrindo, mas ele olhava para os garotos na mesa, enquanto mantinha uma conversa animada e alta, que eu não consegui entender muito bem, por ter passado minutos importantes daquela conversa observando o ravióli. Nas conversas deles, se quisesse estar por dentro, deveria não fugir nunca à atenção. Olhei então para o meu lado esquerdo e observei Hayley olhar incansavelmente para um garoto que estava na sua diagonal. Eu ri, pensando que ela iria notar que estava sendo descarada demais e, então, começar a tentar ser discreta. Mas ela não me notou.
Peguei meu copo de coca-cola e tomei um gole, voltando minha atenção para . Ele olhou para mim ao sentir meu olhar e sorriu de lado, antes de voltar a prestar atenção na conversa dos garotos. Decidi que observar a coca-cola balançar no copo conforme eu o mexia seria melhor do que bebê-la, já que o gás estava acabado e sua temperatura não estava mais agradável, dando assim a impressão que parte do liquido, ou do açúcar dele, estava grudado na minha boca.
Voltei a pensar no sonho dos quatro garotos daquela mesa que iria se realizar. Entretanto, desta vez, meu lado egoísta e invejoso falou um pouquinho mais alto. Quando eu iria conseguir realizar meus sonhos? Eu sempre fui tão lotada deles, tinha uma bagagem incrivelmente cheia de sonhos. E, se qualquer um deles se realizasse, nem que fosse o menor deles, eu ficaria satisfeita.
Devolvi o copo para a mesa e puni meus pensamentos invejosos. Eu já tinha o que precisava, afinal. Tinha, enfim, minha felicidade garantida ao meu lado, segurando minha mão. estava ali, não havia mais o que querer. Há tempos eu procurei algo como ele, por mais que fingisse que não procurava, e ele estava ali agora. Isso devia contar como um sonho realizado. Afinal, eu não estava mais dolorida por dentro, não estava mais como quando eu estava desde que saí da minha casa para viver com Richard. Estava sã.
E tinha Hayley também, ninguém se mostrou mais minha amiga do que ela nos últimos dias. Eu finalmente encontrei uma amizade que realmente eu pudesse contar quando eu necessitasse. Ela enfrentou e agüentou todos os dias que eu passei me definhando, dando-me força com os conselhos necessários para eu parar de ser tão masoquista.
As gargalhadas dos garotos fizeram com que eu parasse de ficar pensando em coisas inúteis e então voltar minha atenção para a conversa dele. Eles gargalharam por um bom tempo e depois veio o silêncio. se virou para e começou a sussurrar alguma coisa que fazia o outro rir baixinho. chamou o garçom e virou para o meu lado, analisando meu rosto com um sorriso enorme no rosto. Suas bochechas estavam coradas e eu me perguntei se era pelo calor que estava dentro do restaurante ou se era pela bebida.
- Está quieta. – disse, passando a mão pelo meu rosto.
- Só estava pensando em como estou feliz por vocês. – Ele sorriu mais ainda e passou seu dedo delicadamente sobre meus lábios.
- Preciso te mostrar uma coisa que fiz. – Afastou a cadeira da mesa e se levantou. – Vem comigo. Vai ser rápido. – Piscou. Eu não pensei duas vezes e levantei também.
Ele me puxou por algumas mesas rapidamente e logo estávamos na porta do restaurante. Estendeu meu casaco para que eu vestisse e vestiu seu sobretudo preto antes de abrir a porta para que saíssemos ao encontro do frio. Eu estremeci mesmo estando com o meu melhor casaco e, ao perceber isso, ele largou minha mão e me puxou pela cintura para mais perto dele. E eu me apertei mais forte ainda a ele. Andamos até debaixo de uma árvore. olhou para lados, verificando se ali era um lugar bom e depois voltou a me olhar. A luz azul, que vinha do letreiro do restaurante deixava seu rosto mais convidativo. Ele selou nossos lábios e, antes que eu me empolgasse e começasse um beijo de verdade, ele abaixou a cabeça e tirou de dentro do seu bolso uma folha de caderno dobrada.
- É uma música. – disse, erguendo a folha – Eu escrevi há pouco tempo. Você me inspirou para ela e achei que devesse ser a primeira a analisar a letra. – Estendeu a folha para mim, sorrindo com timidez.
- Obrigada – Peguei a folha e a analisei por algum tempo. Ele me segurava pela cintura e observava cada gesto meu. Olhei para ele e sorri, depois, rapidamente, comecei a desdobrar a folha.
Ele colocou sua mão sobre o papel, impedindo-me de o abrir. Olhei para ele confusa e ele ainda sorria.
- Veja depois. – explicou e pegou o papel da minha mão, colocando-o no bolso do meu casaco.
- Mas estou curiosa. – Fiz biquinho e ele riu.
- Vai ter que esperar chegar em casa para matar sua curiosidade. – disse. Olhou para baixo e depois, quando voltou a olhar nos meus olhos, um sorriso malicioso estava em seu rosto. – Agora me diga... Como é namorar um futuro astro da música?
Eu gargalhei, revirando os olhos e ele manteve o sorriso no rosto.
- Você se acha, não é? – Balancei minha cabeça negativamente – Não sei como vou agüentar esse seu narcisismo daqui para frente, quando o seu sucesso começar.
- Apenas estou encarando o meu futuro brilhante. – Puxou meu corpo para mais perto dele e continuou – Ou melhor, nosso futuro brilhante. – Eu sorri.
- Nosso? – perguntei, feliz demais para conseguir disfarçar meu entusiasmo.
- Claro. Quando você se formar, pode desenhar roupas estilosas e diferentes para mim. Todo astro precisa ter roupas autênticas. – Piscou e pegou minhas mãos, fazendo meus braços laçarem o seu pescoço.
- Desde que você me pague muito bem para isso – Dei ombros e ele fez cara de chocado.
- Não acredito que não terei desconto. – disse, rindo.
- Oras, você não estava se gabando do seu futuro brilhante? – Levantei as sobrancelhas e controlei minha risada. - Como é namorar um futuro astro da música? – falei, fazendo uma imitação barata da voz dele. – Astros da música não precisam de descontos. – Pisquei e ele gargalhou.
- Você tem uma resposta sempre na ponta da língua. – disse, aproximando o rosto do meu.
- Acho que é assim que deve ser com você. – expliquei – Tenho que aquietar essa sua ansiedade pela fama e essas suas idéias utópicas com um pouco de realidade. – Ele riu e encostou os lábios quentes no meu.
- Aquiete minha ansiedade de outra forma. – pediu, roçando os lábios e depois me beijou suavemente.
E então qualquer pensamento que estivesse antes na minha mente se dissolvia com seus lábios nos meus. Eu não conseguia pensar em nada, só em me concentrar na minha pulsação e respiração. O resto pouco importava.
- Você consegue entender o quanto estou feliz? – perguntou, acariciando meu rosto, quando nos separamos.
- Devo fazer alguma idéia. – concordei. – Estava mesmo pensando comigo, dentro do restaurante, o quanto deve ser bom, não só para você, mas também para , e , estar a um fio de realizar um sonho. – disse e ele me olhou confuso, com os olhos cerrados. – Sabe como é, o futuro de vocês não é uma coisa tão incerta agora. Eu sempre achei que isso é o que todo mundo busca. – expliquei, mas ele continuou com os olhos cerrados. Depois balançou a cabeça negativamente, controlando um sorriso.
- Não me refiro ao meu futuro com a banda, . – disse e arrumou minha franja, que estava se bagunçando por culpa do vento. – Estou feliz por você enfim ser minha.
Tive que respirar fundo duas vezes para aquietar meu coração. Minhas bochechas provavelmente estariam vermelhas, mas eu nem ligava mais para isso, já era tão comum.
- Também estou feliz por isso. – confessei e ele sorriu.
- Agora, só para caso você não saiba... – Sorriu presunçoso e continuou – Você estava falando sobre futuros incertos e eu senti que você, talvez, tenha pensando que o seu futuro não é tão certo quanto o meu. Então, eu te digo com toda a certeza, seu futuro é tão certo quanto o meu, tão brilhante quanto ele. Isso é óbvio, . É só olhar para você. – disse e me olhou de cima até em baixo.
- Obrigada. – disse rindo – Mas eu estou me perguntando... – cerrei os olhos, sorrindo. – Já que você enxerga o futuro... Por que diabos ainda não montou uma tenda ou algo do tipo? – Ele gargalhou e mostrou a língua para mim.
- Bobinha... – sorriu de lado – Para o seu saber, eu não preciso de tendas. – disse. – Tenho uma garagem ótima para isso. Espaçosa e iluminada. – Piscou e eu gargalhei.
- Oh! Acho que vou marcar uma hora com você. Preciso saber detalhes do meu futuro.
- Bem, vou te adiantar alguns detalhes. – Colocou os lábios próximos a minha orelha e continuou. – Você vai se casar um astro da música, que vai ter como hobbie adivinhar o futuro. – sussurrou e passou os lábios por minha bochecha até chegar ao meu queixo.
- Isso parece bom. – Sorri, estremecendo com seus lábios me tocando e depois, não resistindo, o beijei novamente.
- Agora vamos entrar. – disse, sorrindo – Eles devem estar achando que nós fugimos. – comentou, enquanto voltávamos, de mãos dadas, para o restaurante.

- O que? – Eu pisquei duas vezes, rindo e tentando acreditar no que tinha acabado de ouvir. – Você pediu para o garçom entregar um cartão com o seu número para o garoto que você não parava de olhar? – Gargalhei e Hayley tapou minha boca.
- Shh. Fale baixo, por favor. – pediu, olhando para os lados para verificar se ninguém estava nos olhando. Depois largou minha boca e sorriu. – Sou uma mulher de atitude.
- Claro. – concordei, rindo. – No meu dicionário pessoal isso é mais bem entendido por descarada.
- O seu dicionário pessoal é mais obsoleto que o da minha bisavó. – disse, revirando os olhos. – Além do mais, os garotos me falaram que homens gostam de atitude feminina também. – Ela se endireitou na cadeira dela, fazendo pose, e continuou – Aposto que ele vai me ligar.
- Você deu ouvidos justo à eles? – perguntei, cética.
- Eles são amigos do seu namoradinho. – retrucou, apontando para .
- É bem diferente. – retruquei também, mas ela fingiu não escutar.
- Bom, acho melhor nos irmos, já está tarde demais. – levantou da sua cadeira e os garotos, reclamando um pouco, fizeram o mesmo.
me ajudou a vestir meu casaco e colocou minha cadeira no lugar quando eu levantei. Selou nossos lábios e, sem falar nada, afinal não era necessário, começou a me guiar para fora daquele restaurante.
- Ei, ... – ouvi alguém chamar meu nome. Eu e Hayley paramos imediatamente e os garotos saíram do restaurante sem se importarem com nós.
Olhei para meu lado esquerdo, perguntando-me de qual mesa vinha a voz que me chamava. Então, me girou para o lado oposto fazendo com que eu visse Derick sentando em uma mesa próxima de nós.
- Oi Derick. – Hayley disse, enquanto nos aproximávamos dele. Eu podia sentir os dedos de apertando forte minha mão, como se estivesse com medo de que eu fugisse.
- Olá Hayley, – Ele sorri para ele por educação. – E... ... Estou certo? – perguntou com os olhos cerrados.
- Está. – respondeu sério.
- ... – olhou para mim sorrindo e continuou – Posso ter uma conversa rápida com você?
Eu pisquei várias vezes para ter certeza que estava mesmo acontecendo aquilo. O que Derick teria para conversar comigo? Alguma coisa da livraria? Olhei para , que agora me analisava sério e depois olhei para Hayley que estava de queixo caído, provavelmente não entendendo nada, como eu.
- Claro. Fale. – pedi, cerrando os olhos.
- A sós. – Então eu fiquei mais confusa ainda. apertou mais forte a minha mão, mas depois de um tempo soltou.
- Vamos te esperar na porta. – sussurrou no meu ouvido e depois ele e Hayley foram para perto da porta do restaurante.
Fiquei por um tempo sem entender nada, olhando confusa para Derick, que não parava de sorrir. Olhei depois para e Hayley, que estavam aparentemente tentando manter uma conversa, mas seus olhos voltavam-se em minha direção toda hora. Puxei a cadeira à frente de Derick para me sentar.
- Não. – disse – Sente aqui. – e afastou a cadeira ao seu lado para eu me sentar.
- Diga então. É algum problema na livraria? – perguntei, ajeitando-me na cadeira.
- Não, nada disso. – Ele ajeitou a gola da camisa xadrez dele, como se estivesse nervoso e depois continuou – Queria te pedir uma coisa.
- Peça. – ordenei. Ele suspirou.
- Não gosto desse . – Então tudo se encaixou em um estalo. Entendi o motivo para a conversa quando lembrei do dia em que havia comentado de Derick comigo.
Provavelmente Richard estava no meio disso. Revirei os olhos irritada.
- Mas eu gosto. Isso é o que importa para mim. – disse, punindo-me nos meus pensamentos por estar sendo tão nervosinha com ele.
- ... Você merece algo melhor, que te dê a felicidade que você merece. – disse e eu bufei.
- me deixa muito mais do que feliz. Mas... Isso não é da sua conta... – Olhei para os lados irritada e conclui que Richard estava passando dos limites. Então, resolvi deixar um recado – Avise Richard que, se ele não estiver gostando do meu relacionamento, não precisa ficar colocando você contra mim e . – suspirei – E avise que estou muito chateada por isso.
- Richard não tem nada a ver com isso. – Derick falou, agora sério. – Eu não o vejo há um bom tempo.
Mais uma vez os fatos rodaram diante dos meus olhos. Lembrei novamente do dia em que comentou de Derick. Contudo, lembrei exatamente o que ele tinha falado, que ele achava que Derick gostava de mim. Minha cabeça latejou ao concluir esse fato e eu fechei os olhos, espremendo-os com força.
Não, não podia ser. Devia haver outro motivo.
- Então... Por que está falando tudo isso, Derick? – perguntei, baixo demais, pois as suposições estavam gritando muito alto dentro da minha cabeça.
Ele sorriu, como se eu tivesse feito uma piada, depois balançou a cabeça negativamente, como se soubesse que eu estava perdendo a minha própria piada. E então, rápido demais para que eu pudesse raciocinar e empurrar Derick, para que ele caísse, batesse a cabeça e compreendesse que no fundo não ele gostava de mim, ele segurou meu rosto com força e me beijou. Um beijo sem um pingo sequer de emoção ou sentimento.
Quando ele resolveu me soltar, a primeira coisa que fiz não foi bater nele, ou derrubar a mesa e fazer o maior barraco que aquele restaurante já viu. Apesar da imensa vontade que eu sentir de fazer isso. Olhei para ele rapidamente, limpando minha boca, com uma feição que provavelmente demonstrava meu ódio e meu nojo e, então, olhei para a porta, sentindo meu coração bater rápido pelo medo de ter acontecido um mal entendido.
Mas não estava lá. Apenas vi Hayley, olhando para mim com os olhos esbugalhados e a boca aberta. Desviei os olhos dela, conforme levantava da cadeira, escutando Derick balbuciar alguma coisa que eu não entendia e nem queria, e procurei em todos os cantos que eu conseguia enxergar daquele lugar. Mas ele realmente não estava lá.
Comecei a caminhar devagar pelo restaurante a caminho da porta. Escutava Derick falar, mas era como se ele estivesse falando em outra língua. Depois percebi que ele, talvez, estivesse gritando, porque todas as pessoas olhavam para mim e, as que não olhavam, tinham seus olhos na mesa de Derick. Eu só queria achar e, caso ele tivesse visto o beijo, eu explicaria tudo. Explicaria que era um mal entendido.
Um misto de emoções estava dentro de mim. Por um lado eu estava aliviada por não estar ali. Isso era um indicio que eu provavelmente não viu o beijo e, então, eu não precisaria perder meu tempo explicando as coisas. Contudo, uma parte de mim, gritava que talvez, se ele estivesse lá fosse melhor. Assim, as coisas seriam resolvidas logo. Ele iria me entender, claro.
- Onde está o ? – perguntei, ao chegar perto de Hayley.
Seus olhos ainda estavam esbugalhados. Ela lutou duas vezes com ela mesma para falar, pude ver sua boca abrindo e, após não sair nenhum som, fechando. Ela olhou para os lados, mordendo o lábio inferior e depois olhou para mim com receio.
- Ele foi embora... – disse e eu esperei. Tinha algo mais na garganta dela e ela sabia que ele esperava que ela vomitasse logo a verdade. – depois de ver o beijo.
E eu tive vontade de me jogar no chão, encolhendo-me o máximo que eu pudesse.
Ao invés disso gritei. Gritei bem alto sem me importar com nada. Contudo, era um grito silencioso para qualquer pessoa dali, exceto para mim. Era um grito interno, só meu.
Por que diabos tudo tinha que atrapalhar minha felicidade? Por que o destino conspirava tanto contra mim?


Capítulo 16

Tapei minha respiração e emergi totalmente na água morna, coberta pela espessa camada de espuma com aroma embriagante de morango. Doce demais. Entretanto, eu não me queixava por ter exagerado demais na quantidade de essência para banhos de banheira que tinha comprado no supermercado logo cedo, pois o cheiro era tão forte e doce que fazia minha cabeça doer, e com isso, eu pensava um pouco menos, sem muitos detalhes, no que tinha acontecido nos últimos dias e no que aconteceria a partir de então.
Minha decisão já estava tomada, acertada e paga também, e eu merecia um banho daqueles como uma espécie despedida comigo mesma. Afogaria a dos últimos tempos naquela água fedida demais a morango e construiria uma nova. Sem vida dramática e sem vazios, obrigada.
Voltei para a superfície ofegante, pegando o ar com a boca e sentindo a água morna que estava no meu rosto pingar em meu lábio inferior. Fechei a boca e senti o gosto ruim da essência, algo parecido com gosto de shampoo infantil, tão ruim quanto o cheiro. Cuspi saliva para tentar tirar o gosto ruim da minha boca, mas foi em vão, aquilo já estava grudado na minha garganta conseguindo me irritar mais do que a dor na minha cabeça irritava.
Tentei me distrair com alguma coisa, nem que fosse um pensamento torturante, para tentar esquecer o gosto ruim na minha boca e não foi difícil. Logo que permiti ao meu cérebro pensar o que quisesse, ele, como eu já esperava, pensou na minha decisão. A decisão que eu deveria ter tomado desde o início, desde quando aquela bola de neve começou a criar vida, só que não fiz por simples medo de mudanças exageradas. Eu era mesmo uma covarde de primeira.
Se tivesse feito a coisa certa, tudo estaria bem menos dramático. Eu me definharia um pouquinho, claro. Choraria ao receber as cartas do meu namorado. Choraria ao perceber que, aos poucos, nosso amor estava acabando por culpa da distância. Mas depois, quando tudo estivesse realmente acabado entre nós, eu criaria distrações e até poderia achar outro alguém que me ajudasse com isso. Então, eu me casaria com esse alguém e nós teríamos filhos e eu seria uma mulher normal. Assim como tantas outras que acham que são felizes no amor só porque tem uma familia erguida e um marido ajudando a pagar as contas do mês e fazendo sexo duas – às vezes só uma – vezes por semana, mesmo sem amor. Seria tão mais normal.
Contudo, eu decidi que ficaria, para provar minha independência e para eu não perder meu tempo chorando em cima de cartas de Richard. Ele poderia ser o alguém com quem eu casaria e teria filhos, afinal. Eu não me importaria, mesmo na época não sabendo que na verdade o que eu sentia por ele não era realmente amor de marido e mulher. Mas, mesmo assim, eu não me importaria, nós nos dávamos tão bem. Era completamente impossível alguém não se dar bem com Richard.
Aparentemente minha decisão caminhava certa até aí. Parecia realmente um plano ótimo, eu até me orgulhei disso no inicio. Mas aí ele apareceu e foi como se eu ficasse cega para todo o resto. Eu me perguntei e me pergunto isso até hoje, Como ele consegue fazer isso? Fazer eu ficar tão vulnerável, tão apaixonada, tão cega por ele. Isso não é justo!
Não é justo porque, apesar de eu o amar e ele, aparentemente, também, o destino conspirava contra nós. Contra mim, na realidade. A prova disso é que sempre brotava um empecilho, um problema, que fazia com que nós nos distanciássemos.
Eu não conto Richard como um problema, ao contrário, ele foi uma espécie de cupido (eu sei, é horrível ter que assumir isso). Mas minha covardia foi um problema, depois Maggie e Derick. Derick! Como eu poderia imaginar que o meu colega de trabalho, que parecia tão normal, murcho, incapaz de quebrar algo com aquele jeito doce e calmo, seria um problema no meu relacionamento com ? Pior: Ele foi o problema final. O problema que anulou outras possíveis tentativas de viver com . Foi o problema que me fez enxergar que não havia mais como tentar, eu tive que fazer o que eu deveria ter feito quando minha mãe decidiu se mudar.
"Mas...", eu me perguntei enquanto brincava de encharcar a bucha e depois espreme-la, fazendo a água espumenta cair sobre o meu joelho, "Será que eu conseguiria sofrer essa mudança depois de tudo o que aconteceu?"
Afinal, eu já havia criado todo um laço que me prendia aqui. Tudo bem que Richard não falava mais comigo, mas eu apostava que ele um dia apareceria para me ver. Eu esperaria até quando fosse necessário. Tudo bem também que aparentemente tinha cortado relações comigo. Eu não sabia ao certo se ele estava me odiando. Na verdade, resumindo tudo de uma maneira que eu não recorde das coisas com detalhes e comece a sofrer tudo de novo, Hayley me contou que ele não saiu bufando nem nada disso. Simplesmente saiu quando Derick me beijou. Se ele tivesse ficado muito bravo comigo ele teria ficado lá para gritar no meu ouvido o quanto eu era nojenta. Não é? Bem, estando ou não muito bravo comigo, eu tentei ligar para ele logo que cheguei em casa. Mas ele não atendeu. Depois liguei no dia seguinte. E depois no outro dia. Então, após perceber o silêncio da parte dele, eu conclui que ele queria o mesmo que Richard: Não falar comigo, não me ver. Foi então que eu tomei minha decisão. Já estava tudo torcido, afinal. Não dava mais para arrumar.
Eu arruinei a vida de duas pessoas que eu amei e vou continuar amando. Eu os trai. De formas diferentes, mas mesmo assim eu fiz isso. Eu podia ter empurrado Derick mais forte, unhado a sua mão que segurava meu rosto, mordido a língua nojenta dele, qualquer coisa que fosse. Eu não poderia ter perdido assim. Uma lágrima se misturou com as gotas da água que estavam no meu rosto e eu fingi que ela era só mais uma gota. Eu deveria ser forte para agüentar a dor de ter que começar tudo novamente, esquecendo os momentos vividos com que estavam cravados no meu peito.
Eu tinha coisas para fazer antes de qualquer decisão. Enrolei a toalha no meu corpo e peguei a caixinha em forma de coração que estava ainda dentro do pacote, debaixo da minha cama. A abri e observei os anéis por algum tempo, tocando-os com o meu dedo indicador enrugado por ter passado muito tempo na banheira com cheiro excessivo de morango.

Eu estava inteira cheirando a morango e isso era ruim, minha cabeça latejava toda vez que eu respirava fundo e sentia o aroma queimar minhas narinas. Dei uma última olhada na caixinha e coloquei-a de volta na minha bolsa. Eu poderia tocar a campainha, seria o mais certo, mas eu tive vontade de usar aquela chave de novo, e pela última vez agora. Retirei as chaves delicadamente da fechadura, após já ter destrancado a porta, e girei a maçaneta devagar. Isso me lembrou o dia da festa, que eu abri aquela porta com a mesma lerdeza e com o coração batendo numa velocidade tão parecida. Mas, ao contrário daquele dia, agora eu não tinha comigo, não tinha como ter a coragem. Suspirei e balancei a cabeça para afastar aquela imagem. Ela teria que ser apagada, assim como as outras. Entrei na casa, fechando a porta atrás de mim e sentindo um clima nostálgico me dominar. Lembrei de quando chegava da faculdade cansada e suspirava quando fechava a porta atrás de mim e via o sofá me esperando para eu esticar meu corpo nele.
Entretanto, mesmo tão parecido quanto antes, estava diferente. Doeu perceber isso. Richard realmente estava disposto a apagar toda a nossa história. Não havia nada ali que pudesse fazer com que ele se lembrasse de mim. Não havia o monte de fotos espalhadas, alguns porta-retratos estavam vazios e outros abaixados. Os quadros que eu tinha comprado com Richard e minha mãe não estavam mais colorindo as paredes. E as paredes estavam com outras cores, eu não gostava delas. Tudo o que antes mostrava um pouco do meu gosto havia sido arrancado. Era como se eu encontrasse minha casa de volta, mas não me encontrasse nela.
Dei alguns passos para a frente, analisando cada detalhe novo e procurando uma marquinha que ainda tivesse um pouco de mim. Pensei em subir as escadas. Quem sabe lá ainda não existisse algo que me lembrasse? Contudo, detive minha vontade. Já era sem educação demais ter usado meu antigo molho de chaves, sendo que eu nem morava mais ali.
- Richard? – chamei-o em uma voz alta o suficiente para que ele pudesse ouvir do andar de cima. – Richard? Você está ai? – Cheguei um pouco mais perto da escada e tentei perceber se tinha alguma luz acesa lá em cima. Mas não tinha. – Sou eu, a .
- Acho que Richard está tomando banho. – Levei um susto com a voz vinda da cozinha. – Desculpe, não queria te assustar. – A garota ruiva chegou mais perto de mim, sorrindo com uma enorme simpatia, segurando uma xícara nas mãos. Eu realmente não esperava por aquilo. Eu não pude conter minha feição chocada. – Você está bem? – perguntou, e eu apenas consegui balançar a cabeça positivamente. – Você é parente de Richard? Aposto que é prima... Ele me falou de você, falou que você viria visitá-lo. Mas... Cadê a sua irmãzinha? Ele me falou dela também. – Ela riu e tomou um gole da bebida, depois de assopra-la com delicadeza.
Muito errado sentir o que eu estava sentindo. Muito errado.
Isso era o que? Uma espécie de ciúmes? Não, eu não podia sentir ciúmes. Afinal, eu terminei com Richard e eu queria que ele fosse feliz com outra pessoa. Queria que outra pessoa mostrasse à ele o que mostrou para mim. Mas, tinha que ser essa ruiva tão... simpática? Tão... Ruiva.
Fechei os olhos, segurei a bolsa com força no meu ombro e balancei a cabeça negativamente.
Será que ela que escolheu as novas cores das paredes? Será que ela que fez Richard tirar tudo o que pudesse ter o meu gosto?
Eu odiava as cores das paredes. Vivas demais, normais demais. Davam enjôos.
Abri os olhos e a garota me olhava curiosa com seus olhos azuis demais. Respirei fundo e o cheiro de morango fez minha cabeça latejar. Forjei um sorriso e caminhei devagar, tonta, em direção à porta.
- Não... É, não. Eu não sou... – Cerrei os olhos, tentei me concentrar. – Eu já vou. Não era tão importante, afinal. – Coloquei meu molho de chaves antigas discretamente perto do vaso que enfeitava o hall. Richard iria encontra-lo ali facilmente.
- Tudo bem. Eu aviso Richard que você esteve aqui... – A garota passou por mim e colocou sua mão na maçaneta, como se eu fosse a estranha ali. Será que ela sabia que eu vivi bastante tempo naquela casa? Será que ela podia parar de sorrir tanto?
- Não. Não avise. – Ela me olhou confusa e eu sorri falsamente.
Abriu a porta numa velocidade normal, mas minha cabeça estava tão assustada, curiosa, que enxergava tudo como se fosse em câmera lenta. Irritantemente devagar demais. E ela sorria até para a porta. Mais irritante ainda.
- ? – A voz de Richard soou atrás de nós. A ruiva virou em direção a escada primeiro que eu, provavelmente o coração dela não estava quase voando para fora dela. Fechei os olhos de novo e virei, lenta demais, para encara-lo.
- Rich! Você tem visita. – A garota apontou para mim, sorrindo, é claro. Rich? O que era esse apelido nojento?
Richard não sorriu. Ele deveria estar tão chocado quanto eu. Ou ele deveria estar muito bravo, afinal eu havia quebrado minha promessa de não aparecer mais. Ele pisou no último degrau e ficou parado, apenas me olhando.
- Bom... – Ouvi a voz irritante da garota falar, mas eu não olhei para ela para ver sua expressão. Aposto que ela estaria sorrindo. Tão previsível. – Rich, eu vou tomar um banho e depois estudar. Qualquer coisa... Estou lá em cima. – Richard confirmou com a cabeça e a garota subiu o lance de escadas pulando.
Como assim? Ela tinha essa liberdade toda?
- Não escutei a campainha. – Richard disse, chegando um pouco mais perto de mim e fazendo com que eu parasse de olhar a escada com a minha feição ainda incrédula pela liberdade da ruiva.
Tentei sorrir. Deve ter parecido uma careta.
- Ah, desculpe. – disse, colocando uma mecha de cabelo para trás da minha orelha. – Eu usei meu molho de chaves. – Apontei para as chaves ao lado do vaso. Ele confirmou com a cabeça.
Fiquei um tempo em silêncio olhando para os meus pés e tentando colocar ordem nas coisas que eu deveria falar. Esperei que Richard falasse alguma coisa, mas ele ainda olhava para o molho de chaves. Ignorei meu cheiro de morango e respirei fundo.
- Eu precisava falar com você. – Olhei para ele e o observei mudar seu foco de visão, passando das chaves para mim.
- Vamos nos sentar então. – Apontou para o sofá, escolhido pela minha mãe, que embelezava aquela sala. Agora ele não combinava com o tom da parede.
- Gostei das novas cores. – menti, apontando para a parede, ao me sentar no sofá. Ele riu.
- Você nunca gostou de azul nesse tom. – Eu mordi meu lábio inferior e olhei para minhas mãos.
- Verdade. – assumi. – Preferia as cores escuras apagadas que eu tinha escolhido. Combinavam mais com o sofá. Mas, isso não importa agora. – dei os ombros.
- Eu também preferia. Entretanto, elas me lembravam demais você.
- Você está realmente tentando apagar as memórias, não é? – perguntei, sentindo meu coração doer.
- Tentei. Mas depois conclui que, mesmo se eu mudasse essa casa inteira, mesmo se eu mudasse de casa, as memórias vão continuar comigo. Então, desisti. – explicou. Balancei a cabeça concordando, enquanto olhava a nova casa.
- Bem... Mas eu acho que você está lidando bem com isso. – Voltei a olhar para ele, tentando sorrir. – Até encontrou outro alguém. – disse, lembrando da ruiva.
- Kristen é legal. – concordou. – Ela faz comida para mim. Você sabe, eu nunca fui bom na cozinha. – Riu.
- Isso é bom. – Ri ao lembrar na falta de habilidades de Richard. – É bom que você esteja vivendo... vivendo uma nova vida, por assim dizer. – Ele balançou a cabeça negativamente e ficou sério.
- Não chamo ainda isso de viver. Acho que passar o tempo se encaixa melhor. – Sorriu e eu engoli a seco suas palavras.
Passar o tempo. Eu sabia exatamente como era isso. Eu tentei passar o tempo durante os três últimos dias sem . E foi como se faltasse parte de mim, como se ele tivesse com ele sempre um pedaço do meu coração e, então, eu só pudesse estar completa com ele. Pensei se Richard sentia o mesmo. Eu não queria machuca-lo a esse ponto.
Ficamos um tempo em silêncio e eu tentei nesse tempo colocar minhas falas em ordem novamente. Estava tudo caminhando diferente do que eu imaginei, eu tinha falado coisas inúteis como a cor da parede, mas nem cheguei perto de começar o que eu queria. Richard pareceu impaciente por um tempo, balançando as pernas e passando a mão pelo braço sem parar.
- Estou me perguntando o que você veio fazer aqui. – Ele disse quebrando o silêncio. Ótimo, pensei comigo, agora eu poderia começar. Olhei para ele e depois voltei a olhar para minhas mãos.
- Bom... Eu tomei uma decisão importante e achei que deveria comunicar você. – Omiti a parte do: Queria te abraçar pela última vez.
- Decisão? – perguntou, cerrando os olhos.
- Sabe Richard, quando minha mãe disse que se mudaria para a Irlanda, uma parte de mim queria pegar o avião com ela. Contudo, eu não fiz isso porque, você sempre soube, eu tenho medo dessas mudanças drásticas e eu não queria cortar o laço que eu tinha com você. – Sorri, mas ele continuou sério. – Bem, no começo eu me orgulhei disso, de ter ficado. Foi uma coisa que realmente me fez criar um pouco de indepêndencia. – Apertei minha mão na minha perna e fechei os olhos para continuar no rumo certo, sem desvios. – Mas, sabe quando você sente que seu tempo em um lugar acabou? Você sente que aquele lugar não te quer mais e o destino faz de tudo para te empurrar desse lugar? Eu senti e sinto isso. Eu extrapolei meu tempo na Inglaterra. Ela não me quer mais. – Suspirei.
- O que você está querendo dizer? – perguntou e depois respondeu por mim – Você vai para a Irlanda. – Olhei para ele, que agora estava com os olhos esbugalhados, e concordei com a cabeça. – Mas... E o... ? – Ele lutou para falar o nome do amigo.
- Nós não estamos mais juntos. – disse, segurando minha respiração, como se isso ajudasse na tarefa de não derramar lágrimas. Ele ficou em silêncio, esperando que eu continuasse. Quando meu pulmão começou a pedir ar eu respirei e continuei. – Eu gosto do , gosto muito. Eu não sei o quanto ele gosta de mim, mas parecia ser recíproco. Contudo, toda vez que nós achávamos que ia dar certo, que tudo enfim ia ficar nos conformes, vinha algum problema e nos separava. – Olhei para ele, com medo de estar falando coisas que não deveria. – E, a cada problema, a dor ficava maior e mais insuportável. Então, eu decidi que, por mais que eu o ame, é melhor nós ficarmos longe. Se o destino quer assim, não tem como discutir com ele. – Ele pareceu me escutar sem respirar. Seu rosto começou a ficar vermelho e eu tive medo de ele estar muito bravo com minhas palavras.
- Não vá, . – Ele abaixou a cabeça e lutou para falar. – Vocês podem... Podem dar certo... Juntos. – Olhou para mim novamente e pediu. – Não faça isso.
Eu fiquei confusa, minha cabeça girou e não entendi o porquê daquelas palavras estarem saindo da boca de Richard.
- Por que você está dizendo isso? Não faz sentido. – Balancei a cabeça e tentei procurar algum sentido lógico. – Por que você me quer aqui se não quer nem mais me ver?
- ... – Ele respirou fundo e revirou os olhos. Parecia impaciente. – Eu não quero ter qualquer tipo de laço com você. Isso é um fato. Seria pior para mim. Contudo, eu estou pensando em você. Eu penso que, talvez, você fique mais infeliz na Irlanda e eu realmente não gostaria de te ver mais triste. Então, pense bem no que você está fazendo. Você não pode fugir dos problemas, porque eles vão voar com você para onde você for.
Fugir. Ele estava certo, eu estava fugindo dos problemas. Mas eu não poderia me dar o luxo de pensar mais um pouco, estava decidido e não havia jeito de mudar.
- Eu vou ter minha mãe, Richard. – Meus olhos se encheram de lágrimas ao se lembrar dela. – Ela sempre foi meu porto-seguro e eu não vejo a hora de reencontra-la. Eu vou ter minha mãe de volta.
- Talvez seu porto-seguro não seja tão eficiente para algumas dores.
- Ele sempre foi eficiente para tudo e será agora. – Suspirei e ele não pareceu convencido. – E mesmo que não seja... Não dá mais para ficar na Inglaterra.
- Quando você vai? – perguntou, sério.
- Amanhã de manhã. – respondi e abri minha bolsa para terminar logo com aquilo. – Bem, eu estou te devolvendo o molho de chaves, como você percebeu. E estou te devolvendo isso também. – Tirei a caixinha de coração da bolsa e estendi para ele. Ele não se moveu, continuou olhando para mim. – Acredite. Agora, depois de tudo isso, vai ser bem mais doloroso se eu ficar com ela. – Ele respirou fundo e concordou, estendendo a mão e pegando a caixinha.
- Prometa uma coisa? – perguntou, ainda olhando para a caixinha. Eu ri, sem humor.
- Todas as promessas que te fiz quebrei. Você quer mais uma, mesmo assim? – Ele sorriu e colocou sua mão sobre a minha.
- Acho que essa você não vai quebrar. – disse e logo continuou – Ligue para mim, quando estiver na Irlanda. Uma vez por mês, ou, sei lá. Eu sei que eu deixei claro que não quero ser seu amigo. Mas... Enfim... Ligue.
- Eu vou ligar. – Balancei a cabeça positivamente, sorrindo, e o abracei. – Eu sei que eu não deveria falar isso, mas... Eu te amo, Richard.
- Eu vou sentir sua falta mais ainda. – sussurrou. Então, eu deixei uma lágrima escapar, mas a limpei antes que nós nos separássemos e ele a percebesse.
- Espero que você seja muito feliz. De verdade. – disse, levantando-me do sofá e colocando minha bolsa no meu ombro.
- Eu espero que as coisas melhores para nós. – Riu e me guiou até a porta.
- Dublin me espera! – exclamei, tentando parecer animada, antes de ir embora.
Ele tentou sorrir. Mas mais pareceu uma careta.

Joguei minha bolsa em cima da mesa da sala de jantar e me joguei no sofá da sala. Coloquei minhas mãos no meu rosto e o cheiro de morango ainda estava nelas. Talvez eu devesse tomar um banho com água sanitária para tirar esse cheiro doce de mim. Tirei-as do meu rosto quando o cheiro entrou pelo meu nariz e coloquei-as sobre minha barriga, perto do bolso do meu casaco, fazendo assim com que eu sentisse e lembrasse que tinha algo ali dentro. Abri os olhos e peguei a folha de caderno que estava dobrada dentro do meu bolso.
A memória veio correndo para diante dos meus olhos e eu recordei de quando me entregou o papel. Naquele momento nós tínhamos certeza do nosso futuro juntos e, como em um passe de mágica, no mesmo dia, todas as esperanças se desfizeram.
Desta vez eu não me forcei para não chorar, deixei que as lágrimas escorressem enquanto eu lembrava das palavras, do toque e do beijo de . Eu teria que apagar aquelas memórias de mim quando chegasse na Irlanda. Então, esse era meu último tempo para recordar delas sem me punir por ser nostálgica demais. Lembrei de cada toque, cada sorriso, cada vontade que dominava meu corpo quando estava com ele.
Olhei para o presente que ele tinha me dado, que ainda enfeitava a mesa de centro de Hayley, e chorei mais um pouco ao lembrar do dia do meu aniversário. Tão conturbado, mas tão saudoso. Michael Bublé tinha falado por nós. era o meu tudo, era cada minuto dos meus dias, era a linha na areia quando eu fosse longe demais. E seria para sempre, se o destino permitisse que nós ficássemos juntos.
Mas ele não permitia.
Então, todas as memórias teriam que ser apagadas, ou pensadas em uma intensidade menor, não importava quanto isso iria me custar.
Desdobrei o papel. Analisei a caligrafia de , rápida e azul, sem ler ainda as palavras, pois as lágrimas embaçavam meus olhos. Olhei para o final da carta e pude perceber, mesmo com dificuldade, a assinatura dele.
Limpei meus olhos, para que eu pudesse ler, e sentei de uma maneira mais normal no sofá.

Escrevi essa música pensando em você, amor. Espero que você goste...

I wanna hold you

Tell me that you want me baby. Tell me that it's true.
Say the magic words and I'll destroy the world for you
Not before the broken hearted marching through the streets
Every cities burning to the ground under your feet

(Me diga que você me quer baby. Me diga que é verdade
Diga as palavras mágicas e eu destruirei o mundo para você
Um exercito de corações partidos marchando pelas ruas
E toda a cidade esta queimando debaixo de seus pés)

I wanna hold you
My skies are turning black. Feels like a heart attack
(And I) Do anything you ask.
I wanna hold you bad

(Eu quero te abraçar
Meu céu está ficando preto. Sinto como um ataque cardíaco
E eu faria qualquer coisa que você pedir.
Eu quero muito te abraçar)

Melt the polar ice caps baby. Watch them flood the earth
I'd do anything to show you what your love is worth
Won't you show me your devotion?
To heal my aching heart
It's like a neutron bomb explosion tearing me apart

(Eu derreteria as calotas polares baby. Assistiria elas inundarem a Terra
E eu faria qualquer coisa para mostrar que seu amor tem valor
Não vai me mostrar sua devoção?
Para curar meu coração dolorido
É como uma explosão de bomba atômica acabando comigo)

I wanna hold you
My skies are turning black. Feels like a heart attack
(And I) Do anything you ask
I wanna hold you bad

Attention please, we interrupt this program, with some disturbing news,
World wide evacuation, we're going to lose, we've pulverised the nation,
I guess it shows that's just the love you do

(Atenção, por favor, interrompemos esse programa, com algumas notícias perturbantes,
Uma evacuação mundial, nós vamos perder, nós vamos pulverizar a nação
Eu acho que isso mostra o que o amor pode fazer)

I wanna hold you
My skies are turning black
Feels like a heart attack
(And I) Do anything you ask
I wanna hold you bad, bad, bad
Do anything you ask
I wanna hold you bad


Amo você demais.
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Capítulo 17

Estava sentada, apoiada à guarda da cama, observando o vento vindo de fora levantar um pouco a cortina pesada e arrepiar os pelos dos meus braços. Observava também, em intervalos desiguais de tempo, o papel que eu segurava firme em minhas mãos, cheio de palavras de amor e memórias tão nostálgicas para mim. Apesar de estar escuro o suficiente para eu não conseguir enxergar a letra corrida que estava pintada naquele papel, eu, por já ter lido e relido, sabia de cor cada linha daquela música. E cada uma dessas linhas decoradas pela minha mente passava diante dos meus olhos, no escuro, e me impedia de ter o sono tranqüilo que eu precisava e deveria ter naquela noite, já que, daqui a algumas horas, eu estaria dentro de um avião, pronta para recomeçar a minha história. Além do mais, eu teria que esquecer toda a confusão e todos os machucados que eu causei, não só em mim, como também em pessoas que eu amo, desde que resolvi que teria pernas fortes o suficiente para enfrentar o meu caminho aqui na Inglaterra. É claro que eu não tive, fraquejei, e por isso estava decidida a ir ao encontro da pessoa que me sustentaria qualquer fosse o meu caminho, minha mãe.
Não sei se conseguiria ser forte o bastante para esquecer tudo e ignorar a parte do meu coração que ficaria na Inglaterra, entrelaçado fortemente em meio aos laços que eu construí aqui na minha terra natal, que agora deixaria para trás. Contudo, sendo forte o suficiente ou não, as coisas já estavam acertadas e em algumas outras eu estaria na ilha do lado, separada, por um não tão extenso mar, das pessoas que fizeram parte da estória dramática que era a minha vida.
Hayley se mexeu em sua cama e rosnou alguma coisa que eu não consegui traduzir. Imaginei que, talvez, aquele vento frio que estava soprando para dentro de seu quarto, pudesse estar atrapalhando o seu sono. Levantei da cama, sem soltar o papel, fechei a janela delicadamente e, a fim de não atrapalhar a noite de sono de Hayley, fui para outro cômodo.
Arrastei meus pés até a cozinha, podia sentir que estava cansada, mas o medo em minha cabeça era tamanho que ele anulava o sono. Enchi um copo grande com água e coloquei uma colher de açúcar dentro, se isso fosse real, ou não, eu não me importava, precisava tentar qualquer coisa para conseguir dormir e parar de pensar. Tomei um gole da bebida estranha, que desceu forçada pela minha garganta e coloquei o papel, que ainda estava nas minhas mãos, em cima da mesa, de modo que eu conseguisse enxergar a letra corrida de .
Amo você demais. Apesar de meus olhos conseguirem enxergar cada palavra escrita naquele papel, minha cabeça só conseguia processar essas três. Processava, mas eu ainda continuava descrente disso. Ele poderia ter me amado. Contudo, se ele ainda me amasse, teria atendido pelo menos a uma das minhas ligações, mas eu tinha certeza de que agora ele estaria com sua distração, Maggie. Ela já deveria ter aparecido para aliviar as dores dele. Estaria na cama com ela, fazendo o que eu não fiz com ele, porque eu era inútil o bastante para ficar bêbada e estragar o que eu e ele queríamos naquele dia. Entretanto, mesmo eu descrente da veracidade daquelas três palavras, elas ainda eram as únicas que minha mente processava. Talvez, no fundo, eu quisesse acreditar que elas fossem reais.
Tomei mais um gole da água adocicada e meu estômago reclamou disso. Ignorei a vontade de continuar a analisar as três palavras e tentei focar minha atenção à outra coisa. Encontrei, então, outras palavras para analisar, Every cities burning to the ground under your feet. Tão verdade que eu tive vontade de chorar. A cidade estava queimando debaixo dos meus pés, porque eu era um peso morto que ela queria se livrar o mais rápido que pudesse e, para isso, ela colocava os empecilhos no meu caminho para acabar com tudo o que me fazia completa e feliz aqui na minha terra natal.
O sono começou a piorar, apesar da minha cabeça não parar nenhum minuto, não acreditei que foi culpa da mistura que estava no copo, mas mesmo assim tomei mais um gole. Li novamente as últimas palavras em que eu me perdi com minhas análises, depois apoiei minha cabeça sobre meu braço, que estava encima do papel, e fechei os olhos sem me importar com o local alternativo que escolhi para o meu sono.
- – ouvi uma voz ao fundo me chamar e acordei em um susto. – Você dormiu aqui? – Levantei minha cabeça, sem conseguir mexer meu pescoço dolorido, e espremi meus olhos para que eles se acostumassem com a luz.
Hayley pegou o copo que estava ao meu lado, cheirou, analisou o açúcar não dissolvido no fundo do copo fazendo uma careta e depois voltou ele para o lugar de origem, enquanto sentava na cadeira ao meu lado. Batucou suas unhas grandes e rosas na mesa, olhando para mim, enquanto eu ainda forçava meus olhos se acostumarem com a luz. Seus olhos arregalados estavam ansiosos e nervosos. Imaginei que talvez eu devesse falar alguma coisa.
Mas, o que eu falaria? Ah Hayley, eu vou viajar hoje, mas eu não quero. Quero ficar aqui com aquele idiota que não me ama mais. Então, vim para a cozinha ontem à noite e resolvi testar se essa coisa de água com açúcar ajuda mesmo a acalmar os nervos, os pensamentos. E veja só! Eu consegui dormir!
Não, é claro que não. Isso ela já sabia.
- Você já sabe, não é? – perguntei e logo expliquei – Sabe que eu não quero isso, mas eu tenho que tentar. Além de já estar tudo acertado... – Suspirei e ela balançou a cabeça negativamente.
- Isso não faz o menor sentido e você está sendo burra. É tudo o que sei. – disse, com seu tom irritado, e empolgada engatou – Onde já se viu? Você fugir do lugar que te faz bem, do lugar onde você descobriu um grande amor e uma amiga – apontou para ela mesma –, tudo porque um problema apareceu. Você é mais forte que isso, ! – Ela bateu a mão na mesa e depois diminuiu o tom de voz - Você é muito mais forte do que você pensa.
- Hayley. – Respirei fundo - Está completamente óbvio que o não me quer mais. – revirei os olhos e ela ficou mais impaciente.
- Você já tentou falar com ele?
- Liguei várias vezes. – confirmei e ela gargalhou.
- Telefonemas não prestam para isto. – Colocou uma mecha do cabelo para trás da orelha e me explicou como se eu fosse lerda demais para entender. – Lembra quando ele dormiu com a Maggie? – É claro que eu lembrava. E ele deveria estar fazendo o mesmo agora. – O que ele fez? Ele foi atrás de você. Ele fez você o ouvir, para que assim você percebesse que você analisou as coisas de uma forma errada. E, agora, eu te pergunto... Se ele tivesse apenas te ligado, você teria atendido? – Olhei para mesa e pensei nisso, mas ela respondeu por mim. – Não, você não teria.
- Mas... – tentei retrucar, mas Hayley não deixou.
- Não tem mas. – disse, agora um pouco mais calma. – E mesmo que ele não te queira mais, não é por isso que você tem que mudar de país. Se você se apaixonar por um garoto na Irlanda, e depois vocês se separarem, você vai ter que se mudar para a Escócia? E depois da Escócia para a França? Isso não tem lógica. As coisas não funcionam assim.
As coisas não funcionavam daquele jeito, eu sabia muito bem. Contudo, eu precisava respirar outro ar, aquela atmosfera já estava sufocante demais para mim e eu não podia ter certeza de quanto tempo eu conseguiria agüentar. Então, por mais que ela tivesse razão e por mais que eu soubesse que ela ficaria chateada comigo, tive que colocar um ponto final na conversa.
- Eu tenho que me trocar, senão perco o avião. – disse, pegando o papel da mesa e dobrando-o. Ela levantou e ficou na minha frente, impedindo a minha passagem.
- Você é a pessoa mais idiota que eu já conheci. – Sem que eu esperasse envolveu seus braços ao redor do meu pescoço em um abraço. – Mas, eu vou sentir sua falta.
Tentei ignorar da melhor forma possível os pedidos e as verdades que Hayley e Richard haviam jogado em mim e que agora estavam me assombrando, passando e repassando diante os meus olhos. Então, ocupei minha mente com outras coisas aleatórias, enquanto terminava de arrumar as últimas coisas que faltavam na minha mala, além da preparação psicológica.
Uma sensação de déjà vu tomou conta de mim quando eu me vi transportada para uma atmosfera antiga, porém tão familiar a que eu estava vivendo naquele momento. Lembrei de quando estava prestes a sair de casa, quando só me restava acabar com as despedidas da minha mãe e ir ao encontro de Richard, que me esperava impaciente de tanta ansiedade em seu carro estacionado em frente a minha velha casa. Foi nesse dia que percebi que eu não era uma das pessoas mais abertas a mudanças, não chegava nem perto disso, - por mais que, naquele dia, apenas me mudaria de distrito – meu estômago revirava e, logo que tive noção do que estava preste a acontecer, quando as coisas realmente vieram à tona, minha cabeça começou a latejar. Contudo, eu mal podia imaginar que, não em muito tempo, esses sintomas irritantes voltariam a tomar conta de mim e o pior, voltariam com uma força redobrada, pois minha mudança agora era definitivamente muito maior que a primeira.
Eu não me mudaria de Harrow apenas, ou da Grande Londres. Eu me mudaria da Grã-Bretanha, iria para a Irlanda, algo muito maior e que por isso fazia meu estômago parecer estar em uma espécie de montanha-russa que nunca conseguia adquirir uma velocidade lenta. Estava sempre em velocidades altas e em descidas. Sempre.
Logo que Hayley foi para a faculdade, decidi que era melhor eu já ir para o aeroporto. Apesar de que eu provavelmente chegaria bem mais cedo do que o necessário, eu não queria ficar naquela casa por mais tempo, despedindo-me de cada coisa inanimada como se eu fosse uma louca.
Deixei minha mala de mão descansar no braço do sofá da sala no mesmo instante em que parei de andar, esquecendo da minha necessidade de ir embora logo dali, e fiquei lutando com a dúvida que pairava logo que avistei o enfeite da mesa de centro da casa de Hayley. Eu o levaria comigo ou não? Eu seria forte o suficiente para esquecer tendo comigo uma miniatura, desprezível aos olhos de outros, porém de extrema significância para mim?
Não levei muito tempo para pensar, talvez eu não fosse forte o suficiente para esquecer tendo aquela lembrança comigo, mas certamente seria muito mais difícil estar na Irlanda sem nada que, de vez em quando, me fizesse devanear. Esse não era o meu objetivo, mas eu sabia que era inevitável. Quero dizer, no fundo eu sabia que não adiantava nada, as memórias boas sempre estariam comigo. Saudade ia se tornar algo inevitável. Na verdade, já estava sendo.
Peguei, então, o meu presente de cima daquela mesa. Coloquei minha mala sem rodas, com dificuldade, nas minhas costas e com a mão que estava desocupada arrastei minha segunda mala, juntamente com a minha mala de mão. Apertei o botão do elevador que me levaria ao térreo e analisei pela última vez a porta do apartamento de Hayley, enquanto a porta automática do elevador fechava.
Entrei no táxi e descansei a minha miniatura de Frankfurt no meu colo, não deixando de analisar cada detalhe dela como se fosse a primeira vez. Escutei o motor do táxi roncar baixinho no mesmo instante em que eu suspirei e passei meus dedos por um mini arranha-céu.
- Férias? – perguntou o taxista, fazendo com que eu levantasse um pouco a cabeça e tentasse sorrir.
- Não. Vou me mudar. – expliquei. E ele sorriu.
- Alemanha? – Apontou com o dedão para a miniatura no meu colo, sem desviar sua atenção do trânsito. Eu ri, sem humor.
- Errou. – Levantou as grossas sobrancelhas, já com alguns fios brancos, e esperou que eu lhe contasse meu destino correto - Irlanda. – Suspirei.
- Você não parece feliz.
- Não estou. – Era bom não ter que fingir estar fazendo a coisa certa com alguém. Por mais que esse alguém fosse um taxista.
- Sempre costumo dizer... Não faça algo sem estar totalmente certo da sua felicidade. – disse. Revirei os olhos e voltei a olhar a miniatura. Até o taxista estava opinando na minha escolha.
- A minha felicidade não está importando muito agora. – retruquei baixo, mas ele tinha bons ouvidos.
- E o que importa para você?
- Talvez causar menos dores para quem eu amo. – dei os ombros e voltei meu olhar para fora do carro.
- Quer uma dica? – perguntou e olhou para mim pelo retrovisor, sorrindo.
- Eu não vou segui-la. – avisei, dando os ombros novamente.
- Não seja tão altruísta.
Eu segurei o riso. Se ele me conhecesse provavelmente estaria fazendo uma piada comigo. Era óbvio que eu não era nem um pouco altruísta. Era egoísta, isso sim.
Mesmo com uma dica tão fora de nexo, o taxista me fez pensar, novamente, em desistir. Jogar tudo para o alto e ficar para observar o castelo de dores que eu criei, até que ele desmoronasse ou aumentasse. Contudo, não seriam as palavras de um estranho que me fariam desistir. Se nem as de Richard ou as de Hayley fizeram isso, as dele fariam muito menos.
De todos os bilhões de pessoas no mundo apenas uma tinha o poder de me fazer parar, de fazer com que eu não entrasse no avião que me esperava. , claro. E, bem, como estava praticamente óbvio que ele não estava nem um pouco preocupado comigo, ou com o meu próximo destino, eu iria para Dublin. Entretanto, apesar de isso ser praticamente um fato, eu ainda tinha a maldita esperança dentro de mim.
Esperava, quase suando frio dentro do táxi, que meu celular vibrasse e fosse ele querendo resolver tudo. Ou, quem sabe, que ele estivesse no aeroporto pronto para implorar que eu ficasse com ele, de joelhos se preciso. E eu, claro, desistiria. Por mais errado que fosse estar com ele, por mais que a porcaria do destino conspirasse contra nós, eu tentaria de novo. Tentaria quantas vezes ele agüentasse, porque eu poderia agüentar quantas vezes fosse preciso, então, só dependeria dele.
O taxista me ajudou com a minha bagagem, ajeitando a milha mochila nas minhas costas, enquanto dizia que eu deveria pensar melhor, pensar na minha felicidade. Eu sorri e ignorei minha vontade de seguir a sugestão dele.
Olhei mais uma vez ao meu redor, antes de entrar no aeroporto, despedindo-me da minha Inglaterra. Ela me queria fora dali, pois eu era um peso morto para ela, mas mesmo assim continuava tão acolhedora como sempre foi aos meus olhos. Sentia-me tão em casa ali. Parecia que, naquele momento, estava começando a sair de mim, do que me fazia bem e do lugar que me acolhia, para viver a vida de outra pessoa. Sentia minha personalidade e meus gostos se perderem pouco a pouco a cada passo que eu dava em direção a grande entrada do aeroporto.
Arrastei minhas malas devagar, analisando o rosto de cada pessoa que passava por mim a fim de encontrar a única que pararia a minha loucura. Meu estômago estava vazio, não por falta de comida e sim pelo medo de que a pessoa que eu idealizei aparecendo na minha frente realmente não estivesse se importando tanto assim comigo. Talvez ele nem tivesse ficado sabendo da minha viagem. Talvez ele demorasse algumas semanas para enfim saber. Talvez meses. Talvez ele realmente me anulasse da vida dele e pouco importava para onde eu estava indo.
Eu tinha chegado um pouco mais cedo do que o previsto, então, poderia enrolar um pouco para fazer o check in. Pensei em sentar em uma das cadeiras desocupadas, mas preferi ficar de pé para conseguir enxergar bem o local e, acima de tudo, para que, caso alguém estivesse me procurando para tentar me fazer desistir dessa loucura, essa pessoa conseguisse me ver. Eu estava criando esperanças no pouco de tempo que me restava e era torturante ver os ponteiros do meu relógio caminharem em uma velocidade alta demais. Até os ponteiros estavam loucos para me verem longe dali o mais rápido possivel.
Puxava a manga longa do meu moletom vermelho tentando cobrir os dedos da minha outra mão e, quando conseguia, fechava o punho e apertava até minhas unhas começarem a machucar a palma da minha mão, mesmo estando separadas dela pelo grosso moletom.
Ninguém estava se aproximando. Nenhum rosto era familiar. Meu celular não estava vibrando sem parar. Não estava acontecendo como eu imaginei.
Eu estava indo para a Irlanda.
Eu estava me mudando.
Em poucos minutos estaria dentro de uma droga de avião.
Quando, enfim, depois de todas as decisões e acertos, a minha ficha realmente caiu e eu percebi que aquilo realmente iria acontecer, senti vontade de gritar igual ao dia que foi embora do restaurante quando Derick me beijou. não estava ali. Eu queria gritar. Coloquei o meu punho fechado na minha boca, quando notei que o grito não sairia. Ficaria ali preso. Fechei os olhos, apertando-os com força, e tentando ativar a parte do meu cérebro que me faria gritar como eu gostaria, mas não funcionava. Meu cérebro deveria estar com algum problema, afinal era só gritar e pronto. Gritar aquele grito inteiro que estava fazendo minha cabeça pirar e meu coração se desesperar. Qual era a dificuldade nisso?
Minhas pernas ficaram fracas, como se elas fossem uma outra parte de mim e que queriam ter sua própria autonomia. Comecei a deslizar, quando senti a parede atrás de mim, até que conclui que estava sentada e não teria riscos de desmaiar ou ter um ataque de pânico maior do que eu estava tendo. Tirei minha mão da minha boca e encostei minha cabeça entre os meus joelhos.
Estava tudo errado. Tudo doloroso, decisões dolorosas.
A droga do grito estava presa em mim.
E eu precisava ir lá e fazer a porcaria do check in.
Mas eu não conseguia me mexer. Meus pensamentos rápidos e desalinhados estavam impedindo que eu movimentasse um dedo que fosse. Ouvia os passos, as vozes, mas elas eram um segundo plano. Minha voz era o primeiro plano, o meu grito interno.
Uma mão tocou meu ombro. Droga! As pessoas deveriam estar achar que eu estava passando mal, morrendo ou algo assim. Não levantei a cabeça, tive medo de notar vários olhares curiosos em mim. Esperei para ver o que iria acontecer, talvez chamassem uma ambulância para mim. Eu realmente estava começando a acreditar que era necessário uma.
- ? – A voz de perguntou. Ou era ele, ou meu ataque de pânico foi tamanho que afetou meu cérebro e agora eu estava imaginando coisas. – Você está bem? – Eu não respondi, ainda estava chocada. E tive medo de levantar a cabeça, porque seria trágico demais se ele não estivesse ali na verdade. – Você pode, por favor, me responder? – bufou, irritado. – Está me ouvindo? Não está querendo responder porque está muito brava comigo? – Ficou apenas o barulho dos passos e da falação das pessoas, se sua mão ainda não estivesse no meu ombro pensaria que ele tivesse evaporado. Pensei em levantar a cabeça e confirmar se ele estava mesmo ali, mas ele voltou a falar e eu preferi continuar na minha posição, respirando entre meus joelhos. – Bom, vou te falar mesmo assim... Estou aqui porque eu não vou deixar você ir para a Irlanda. Você vai ficar aqui, comigo, porque aqui é o seu lugar. E não me venha falar que o destino está contra você... Ele não está. Seu destino é comigo, realizando seus sonhos comigo e vice e versa. Fique ... Não me importa mais aquele beijo que o Derick te deu. Não me importo se você gostou ou não, retribuiu ou não. Eu apenas quero você.
Como sempre, demorei um pouco para digerir o que ele falou. Ele estava ali, estava parando minha loucura. Não como eu imaginei, pois eu imaginei algo como eu o encontrando de pé, e não toda encolhida, então corria e o abraçaria e cheiraria o pescoço dele. Não estava sendo assim, mas, mesmo com tudo que tentava fazer daquilo o menos romântico possivel – no caso eu encolhida e sem falar nada -, era melhor ainda. Porque as palavras dele calavam todas as vozes ruins na minha cabeça, faziam o vazio sumir de dentro de mim e que, novamente, as coisas voltassem pouco a pouco ao eixo original.
Abri os olhos, arregalei-os, na verdade, quando processei cada palavra que ele tinha deixado escapar, e levantei minha cabeça.
Ele estava lá. O que significava que eu não estava ficando maluca nem nada assim. Estava sorrindo daquele jeito que acelerava o meu coração e parecia que saia fogos de artifício tamanha era a felicidade que brotava em mim, mas seus olhos estavam ansiosos, preocupados e com medo. Respirei fundo, tentando, apesar da distância, conseguir sentir o cheiro embriagante de seu perfume.
- Não foi recíproco. – gaguejei – O beijo que o Derick me deu... Não foi recíproco. – Ele sorriu mais.
- Não importa. – balançou a cabeça negativamente. Depois sua feição ficou desesperada. – Só não vá embora.
É claro que eu não iria. Ele estava ali para parar minha loucura e eu era fraca o suficiente para não resistir àquilo. Desistiria de qualquer plano, sendo ele bom o ruim, se me prometesse ficar comigo.
Por impulso lacei meus braços em seu pescoço e o apertei o mais forte que eu pude. Encostei meu nariz entre o seu pescoço e ombro, fiquei estática, enquanto ele passava as mãos pelo meu cabelo e sussurrava coisas que eu não ouvia direito, pois estava muito entretida com o cheiro dele. Pensei ter ouvido meu nome e depois um “eu te amo”, e mesmo sem ter certeza se ele tinha falado o que eu estava achando, respondi com um “eu te amo também”, então ele beijou meu pescoço.
- ... – disse, quando nos afastamos um do outro. – Como você ficou sabendo que eu ia viajar? – perguntei. Ele olhou para os lados e depois sorriu de leve.
- Richard apareceu na minha casa hoje, contou que você iria para a Irlanda e disse que sabia que eu era a única pessoa que te pararia. Então, mandou eu parar de ser idiota e ir atrás de você. – Ele riu e eu sorri.
Richard me amava a ponto de não querer me fazer sofrer. Por mais que ele não gostasse do meu relacionamento com , ele respeitaria e apoiaria se eu estivesse feliz. Era por isso que o amava e o amaria sempre. Era inevitável amar Richard.
- Será que agora vai parar de aparecer empecilhos entre nós? – Suspirei e se aproximou mais de mim.
- Vai. Acho que isso foi só uma prova para nós. – disse, encostando seus lábios nos meus. – Para ver se nós agüentaríamos tudo e se nos amaríamos mesmo após tantos empecilhos.
- Eu te amo mesmo após tantos empecilhos. – sussurrei de olhos fechados.
- Eu te amo mais a cada segundo. – Ele então juntou nossos lábios em um beijo intenso, porém devagar. Devagar e sem preocupações como se estivéssemos em um lugar calmo, só nós, e não em um aeroporto cheio de gente.
Agora meu coração batia acelerado, mas não por medo e sim por felicidade. Meu estômago parecia uma montanha-russa, mas de uma maneira diferente e bem melhor. A minha felicidade era tanta que poderia sair fogos de artifício de mim e pensar na Irlanda não era mais pensar em um novo destino, porque agora a Inglaterra voltava a me querer. Eu estava com , estava amando, e quando se ama você não se torna um peso morto.
Estava inteira, estava vazando felicidade. O aeroporto se tornou apenas um bom cenário para a nossa cena perfeita. Não a cena final, porque nós teríamos muitas cenas juntas vindo, para sempre e por toda a eternidade. Contudo, era a cena que ditava o nosso real começo, o começo da nossa felicidade sem empecilhos e principalmente sem dramas.
Nós tínhamos tido um começo errado, porém inevitável. Tínhamos tentando conviver com o que nossa realidade nos permitia ser. Nós fraquejamos e isso também foi errado. Nós fomos inteiramente errados e aquela cena era a deixa para nos tornarmos certos.
Na verdade, como eu já tinha concluído muito antes disso, às vezes o errado é o que nos completa.
me completava.


Epílogo: Make your dreams come true

Olhei a rua esbranquiçada pelo vidro impecavelmente transparente da janela com bordas brancas, aparentemente recém-pintadas, e observei a neve que caia do céu e se juntava com a neve que já estava ali caída, ajudando a aumentar o esbranquiçado da rua.
Isso podia me parecer uma cena comum, ver neve caindo, e não uma cena para me prender como estava me prendendo. Mas, não era tão comum assim.
Não era como olhar a neve caindo da janela da minha antiga casa em Croydon, quando minha mãe não estava em casa e, então, eu corria para o quarto dela para ver a neve cair na rua. Não era também como ver a neve caindo da janela, nem de longe tão impecavelmente limpa e branca como essa de agora, do quarto de Hayley. Não era nada perto disso.
A neve caia da mesma forma, claro, e era tão branca quanto as que eu já tinha visto. O que mudava era o lugar, os detalhes que eu imaginei diante de mim por tantos anos e agora estavam desenhados perfeitamente diante dos meus olhos.
O que mudava era a arquitetura das casas, as cores usadas nelas e a placa indicando o nome da rua, que não era um nome de uma rua inglesa conhecida por mim e sim um nome alemão que eu ainda teimava em errar a pronuncia correta.
Era diferente porque não era olhar a neve caindo na Inglaterra, era olhar a neve caindo na Alemanha.
Dentro do nosso grande quarto no hotel, grande demais para ser uma escolha minha e de e grande no ponto para ser a escolha da produtora da McFly, a temperatura estava ambiente. Mesmo assim, estava enrolada no edredom do hotel, também impecavelmente branco, sentindo o cheiro de que em apenas um dia de uso já estava impregnado ali.

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