Tell No One



Levantei-me da cama, expelindo felicidade. O plano havia dado certo. Abaixei-me cautelosamente e peguei minha pequena bolsa, com algumas roupas e minha nécessaire. Coloquei a bolsa nas costas e andei em passos leves até a janela de meu quarto. Seria difícil fazer aquilo, mas era preciso. Quando alguém coloca barreiras em sua felicidade, você tem que, de alguma forma, conseguir chegar ao outro lado. E era isso que eu estava fazendo. Tentando ultrapassar as barreiras, de uma forma desesperada, admito.
Abri a cortina e em seguida a janela. Já estava quase subindo no parapeito, quando me lembrei da carta. Ah, como eu pudera esquecer a carta? Era tão importante! Reconstitui meus passos anteriores e parei ao lado da cama. Abaixei-me e tentei encontrar o pedaço de papel rasgado de meu caderno. Minha carta de despedida, que continha apenas um “Adeus, John”. John Tucker era o homem mais nojento e deplorável que alguém pode ter por perto. Mais conhecido como meu tio, ele me criou desde pequena. Sempre me disse que meus pais tinham morrido num acidente de carro, mas eu sabia que isso não era verdade. E não era porque eu não queria que não fosse, mas porque dentro de algum lugar em meu peito, eu sentia isso. Era algo que eu procurava não pensar, porque não me levaria a nada. Eu era apenas uma adolescente que queria os pais vivos, que não queria mais viver com o explorador inútil que a criou desde quando era criança. Minhas esperanças estavam implícitas, mas quando eu conheci , tudo mudou. Ele me ajudou e me deu amor. E sim, eu o amava, inexoravelmente. Eu o conheci em uma sorveteria. Estava lá, sozinha, tomando meu sorvete delicioso de tutti-frutti, acompanhado de um milkshake, quando o vi pela primeira vez. Ele entrou com uma menina loira, alta e bela. Eles sentaram numa mesa ao lado da minha e começaram a conversar. Confesso que eu desejava que ela fosse embora e o deixasse sozinho, porque era irritante ver a empolgação dele, e ela sem falar nada, sem nem rir das piadas engraçadas que ele fazia, e fazendo cara feia para todo mundo, uma metida... E meu desejo logo se realizou, ela se levantou e foi embora, o deixando falando sozinho. Burra, era a única coisa que eu conseguia pensar sobre ela naquela hora. Muito burra mesmo.
E quando ela se foi, ele percebeu meus olhares e me chamou para sentar com ele. Claro que eu aceitei, porque eu não perderia essa oportunidade por nada. Sentei no mesmo lugar que a loira estava antes e começamos a conversar. Tudo estava indo bem demais, até a hora que eu pedi um suco, suco de tangerina, porque eu tinha alergia a laranja. O garçom o trouxe, e quando fui tomar, acabei botando todo o conteúdo para fora em uma única cuspida. Ele se molhou todo, e ao invés de ficar irritado, começou a rir. Era suco de laranja, e eu tinha pedido tangerina... Minha garganta começou a coçar, graças ao efeito da alergia. Ele, que se chamava por , ou , para os mais íntimos, não deixou barato, chamou o gerente e reclamou pra valer. Depois de algum tempo, enquanto caminhávamos em direção à minha casa, já que ele tinha se oferecido pra me levar, ele beijou meus lábios. O que ele não sabia era que aquele tinha sido a primeira vez que eu beijava alguém. Meu primeiro beijo. Meu primeiro e único amor. .
Algum tempo depois, além de namorados, éramos melhores amigos. Contei a ele todos os meus medos, meus pensamentos mais íntimos, as prioridades de minha vida, sobre John e o que ele fazia comigo... Deixei-o me conhecer verdadeiramente. Não aquela que se mostrava forte demais, astuciosa demais, perto de John, mas a vulnerável, com defeitos e qualidades como todos os outros. Aquela que tinha medo de morrer, não por conta da escuridão, mas por causa do que deixaria no mundo. De morrer e não fazer nada significativo. De não significar nada para ninguém. Ele me ouvia com dedicação e compreensão, que, às vezes, me impressionava e eu vi o quanto era egoísta por não deixá-lo falar. Sim, eu era, mas eu poderia justificar. Desde pequena, fui levada a crer que não precisamos de ninguém para viver, que pessoas são como árvores, nascem e morrem, sem mudar algo no mundo, sem nem percebermos sua existência. Mas ao crescer, percebi que essa teoria era inválida, porque árvores podem até nascer e morrer sem percebermos, mas precisamos delas. Precisamos do que elas nos remetem, daquele oxigênio, daquilo que nos faz respirar. Percebe o quanto é errado falar que as árvores são inúteis? Nós precisamos delas para respirar. E desse jeito, podemos compará-las às pessoas. Nós sabemos que elas estão ali, sabemos que precisamos delas, apesar de não percebemos. Isso é o certo. E me ajudou a perceber que não são só pessoas que devem ser comparadas a árvores, mas também os sentimentos e emoções, principalmente o amor.
Andávamos pela praia à noite, eu comendo balas de tutti-frutti e ele me acompanhando, ouvindo mais uma vez um de meus discursos. Já fazia dois meses que saíamos juntos, e eu já estava aberta como um diário, que só ele tinha a chave. Ele segurava nossos chinelos e andava fazendo riscos na areia.
- , você já dormiu com alguma mulher? – perguntei, normalmente, como se fosse uma pergunta qualquer. Ele semicerrou os olhos para mim, sorriu e passou as mãos sobre meus ombros. Já que ele era alguns anos mais velho, eu sempre perguntava sobre experiências que eu ainda não tinha passado. E ele sempre respondia com sabedoria.
- Sim – respondeu. Eu já esperava essa resposta, mas confesso que me desapontei um pouco. Eu o queria. E também queria que tudo significasse o mesmo para nós dois. – Isso é importante? – Eram poucas as vezes em que ele me questionava algo. Éramos o Ouvinte e a Locutora. O ouvinte não se manifestava com o que a locutora dizia, e se não concordasse, ficava calado, esperando a chance e a hora certa de falar o que acha. – Digo, isso vai mudar alguma coisa entre nós? – o tom dele não me agradou, foi um pouco austero.
- Não – respondi brevemente, me afastando dele e colocando mais balas na boca. Continuei andando, evitando o contato de nossos olhos. Uma hora, vi que ele não andava mais ao meu lado, olhei para trás e ele estava parado, me encarando friamente. O chuvisco que começara há alguns minutos já estava mais forte, se transformando em neve. O tempo não estava nada agradável para um passeio na praia. A reação normal numa hora dessas é correr para um lugar coberto, mas naquela hora, só pude perceber que os olhos dele eram azuis e me perder dentro deles.
- Eu amo você – ele disse, como se fosse uma doença ou algo que não queria. O tom foi duro, frio e vazio. – Eu. Amo. Você – repetiu, olhando para o chão, entre dentes. Não era nem um pouco uma cena romântica, estava mais para um filme de drama, no qual o garoto diz que ama a garota, mas o amor é inapropriado, porque ele vai morrer em alguns meses. – Você me ouviu? – gritou e andou em minha direção. A chuva engrossou, agora estávamos ensopados. Apesar de toda água, dava para ver seus olhos vermelhos, como se aquela fosse a hora de anunciar a doença terminal. Ele parou em minha frente e franziu os lábios, chorando. Eu o abracei fortemente e também chorei. Desencostei um pouco nosso corpo, para nossos olhos ficarem um na frente do outro, nossas respirações pesadas se misturando, nossa pele gélida pela chuva se tornando quente. Se pensasse direito, era capaz de se encontrar uma justificativa para o jeito que ele falou. Eu era uma menina cheia de problemas, mais nova, com parente super controlador. E outra, ele não podia ter certeza de como eu iria reagir. Eu era inexperiente, ninguém tinha me dito isso antes. Excêntrico demais seu primeiro “eu te amo” ser carregado de tensão.
- Eu também amo você, – sussurrei, com minha mão em sua nuca, meus lábios encostados levemente nos seus. Nunca pensei que seria capaz de dizer isso a alguém, porque sempre achei que amor era apenas luxúria e atração, mas percebi que precisava dele mais do que de mim mesma, e não era como uma droga, mas sim como meu sangue. era o sangue que pulsava em minhas veias. Ele era o que meu coração bombeava. O essencial para minha vida, assim como a árvore é para nossa respiração. E quando conheceu John, viu que não era exagero o que eu falava, que aquele homem era pior que ruim, era o ser humano mais terrível de todos os tempos. Não que ele era, mas achava isso, porque ele me amava, e você odeia quem machuca a quem você ama, não é mesmo?
Ele me ajudou a bolar um plano de fuga, já que encontrou indícios que meus pais estavam realmente vivos. E lá estava eu, fugindo da casa daquele monstro indomável, depois de quinze anos, porque os últimos dois anos não contavam, já que eu estava com e ele amenizou toda a situação com sua coragem e amor. O dia da fuga tinha chegado, o bilhete estava no canto certo, agora era minha chance de ser feliz, e eu agarraria com garras e dentes. já me esperava lá fora, com o carro desligado. John devia estar roncando, ao lado de seu gato gordo, Marvin. Descer do primeiro andar foi fácil, já que eu fazia isso todas as noites, para me encontrar com . Entrei no New Beetle dele e joguei a mala no banco de trás. Ele pisou no acelerador e andou alguns quilômetros, para ter certeza que estávamos a salvo, e parou, para me dar o beijo que devíamos ter dado quilômetros antes. O toque de nossos lábios foi urgente e aliviado. Normal para quem estava fugindo... Após alguns minutos de carinho, ele pisou fundo no acelerador, atrás de meus pais biológicos, e para mais precisa, estávamos indo para Amsterdã.
morava sozinho, já que tinha vinte e quatro anos, e trabalhava na empresa do pai dele. Então não foi difícil ele descobrir coisas sobre minha família, nem se encontrar comigo, ou viajar, porque ele era independente, não precisava justificar seus atos para ninguém. E ele também tocava guitarra. Tinha dias que eu ligava só para ouvi-lo tocando.
- ? Vai demorar muito? – perguntei, já exausta. Me endireitei no banco ao lado do motorista, porque minha coluna doía, já que fazia horas que estávamos na estrada. – Estou com dor de cabeça – franzi o lábio e estiquei meus braços. Ele sorriu de canto parou o carro, simplesmente. Eu o olhei, sem entender. Por que ele havia parado o carro no meio da estrada? – , amor, não acho recomendável parar o carro assim, no meio do nada.
- Confie em mim – mordeu o lábio. Ah, como não confiar? – Nós já estamos chegando em Amsterdã, uma paradinha não vai fazer mal, . – Por que ele sempre e chamava desse jeito? ? Ele sabia que me deixava irritada, mas mesmo assim continuava a me chamar desse jeito... – E além do mais – esboçou um sorriso iluminado – não vou deixar minha noiva ficar com dor de cabeça... – ESPERA. Ele disse o quê? Minha noiva?
- Óh, é melhor pararmos mesmo... – meu tom era brincalhão. – Você precisa descansar, . Não está bem, não – ele me olhou, com os lábios abertos; quase chocado.
- Wow, eu te peço em casamento e você fala que eu não estou bem... Tudo bem, , sou forte, posso superar a dor... – falava, imitando uma voz de choro. – Se você não me quer, há quem queira... – afundou a cabeça no volante e começou a chorar de mentira.
- Cale a boca – sorri, tirei meu cinto e avancei em cima dele. Sentei em seu colo, de frente para ele, com uma perna de cada lado. – Você é meu, sempre. Não há quem queira, porque produto que já tem dona, não fica em exposição. Você sempre será meu, – a última frase, eu sussurrei antes de selar nossos lábios.
- E você é minha, – as mãos dele deslizavam por toda a região de minhas costas e nuca. – Mas... – descolou nossos lábios delicadamente e afundou a cabeça em meu ombro. – Se você continuar com isso, minha situação não vai ficar nada boa... – Olhou para baixo e eu entendi seu recado. Não tínhamos tempo naquela hora. Beijei seus lábios mais uma vez e voltei para meu banco. - E agora, sua dor de cabeça já passou? – perguntou, gargalhando. Sorri e afirmei. – Hm, que pena, porque tem umas uvas pretas deliciosas lá atrás... – comentou, respirando fundo e parando de rir.
- Teremos muito tempo para uvas pretas depois... – falei, piscando e mordendo o lábio, dando um recado pervertido. Ele entendeu e sorriu maliciosamente. Murmurou um “Vamos lá, baby” e ligou o carro, dando partida em seguida.
Depois de mais algumas horas, e algumas músicas do Red Hot Chili Peppers, entramos em Amsterdã. A cidade era linda, cheia de flores e pessoas alegres. Andamos dentro dela um bom tempo, até que ele parou em frente a uma mansão, que provavelmente era mais um dos brinquedinhos do pai dele.
- Bem vinda – ele suspirou. Semicerrei os olhos. – Essa é a casa de sua mãe, . WTF? Como assim? Abri a porta do carro rapidamente e observei a casa. Havia dois portões enormes de vidro, o que nos permitia ver todo o belo jardim, que era lindo, por sinal. Era colorido e vivo, expelia emoções. Aproximei-me do portão e toquei no vidro. Parecia tão quebrável para uma casa daquelas.
- É blindado – ele disse, distraído com seu celular. Tinha saído do veículo e estava encostado no mesmo. – Tem duas câmeras ali – apontou para cima dos portões. – E cinco escondidas nos arbustos - sorriu. – Oi, é o – falava ao telefone. – Sim, já estamos aqui – fechou a porta do carro e andou em minha direção, ainda com o celular no ouvido. – De nada, Marrie. Eu sei disso – e desligou. – Está pronta? – beijou meus lábios de leve. Eu ainda estava pasma.
- Eu sou pobre, – lágrimas se formavam em meus olhos. – Essa não é minha casa.
- Eu estou aqui – sussurrou em meu ouvido. – Vou lhe ajudar a superar as mudanças, prometo. – Tentei falar mais, mas fui interrompida pela porta se abrindo e uma senhora andando em nossa direção rapidamente. Ela me tomou nos braços, como se fossemos velhas conhecidas.
- Óh, querida – senti lágrimas em meu ombro. Sua voz era doce e aveludada. – Senti tanto sua falta. – Se afastou um pouco e olhou em meus olhos. Riu da minha expressão de “Quem é você?”. – Você deve estar se perguntando quem sou eu, não é mesmo, querida? – afirmei com a cabeça.
- Ela é sua avó, disse. Ele permanecera do meu lado. Apenas um pouco afastado para não atrapalhar o abraço com a senhora. Avó? – Seus pais estão viajando, mas chegarão logo. Ela está aqui para lhe receber.
- Vamos entrando – ela disse. – Aliás, Sou Marrie . – tocou em minhas costas e me levou portão adentro. Quanto mais eu andava, mais magnífica aquela casa ficava. – Ah, querida, temos tanto pra conversar. Você tem que conhecer nossa família, ah, e seus pais chegarão logo, logo... – ela tagarelava demais. Falava e falava, não dava tempo nem de respirar. Mas aquilo estava sendo bom. Eu afirmava e sorria. Eu não me sentia mais uma Tucker. Agora eu era uma . Mas estava faltando algo... . Olhei para trás e ele ainda estava no mesmo lugar, parado. Olhei para ela, como se pedisse uma permissão para ir até ele. Ela sorriu maternalmente e disse:
- Você teve sorte, , seu noivo é um bom homem – e balançou a cabeça na direção dele. Sorri para ela e corri até ele.
- Você é um louco, já disse para a minha avó que é meu noivo? – abracei-o e beijei sua bochecha. Ele deu o sorriso que eu amava e me abraçou mais forte.
- – sua voz ficou séria. – E aí? Como está sendo? – suspirei e me afastei um pouco dele.
- Bem, ela fala um pouco demais, mas acho que está indo tudo bem – ele soltou uma risada.
- Ela é uma boa pessoa, . Todos eles são.
- Bom para mim, bom para você – falei, olhando profundamente em seus olhos. – Se você vai ser meu marido, isso com certeza é bom para você.
- Você quer isso?
- Mais do que tudo. Eu disse, . Você é meu.
- Isso é bom, muito bom – afirmou, com um sorriso de canto. – Porque se você não aceitasse, eu iria perder o dinheiro do aluguel do nosso apartamento novo, e perderia a chance de finalmente entrar para uma banda... Você sabe... São muitas bandas precisando de guitarristas aqui em Amsterdã.
- Eu aceito me casar com você, amor.
- Eu sabia – fez um gesto vitorioso com as mãos.
- Mas antes você tem que ter a permissão de meu pai, não acha?
- Claro, mas antes você precisa conhecê-lo... – falou em um tom brincalhão de deboche.
- E John? O que vai acontecer com ele? – perguntei, cortando o clima de felicidade.
- Ele vai ser preso, . Ele te seqüestrou quando era pequena. Não é seu tio... Me desculpa dar essa notícia a você assim...
- Quem é John mesmo? – brinquei, fazendo uma cara de questionamento.
- Um merda qualquer – jogou as mãos pro alto, com desdém, entrando na brincadeira.
- Vamos lá, . Marrie está esperando.
- Vá, eu preciso ir arrumar as coisas no apartamento.
- Não. Você prometeu que estaria comigo. Você faz parte de tudo isso – girei o dedo indicador. – Você completa meu tudo – segurei sua mão e beijei sua bochecha.
Andamos de mãos dadas e em passos leves até aonde Marrie nos esperava.
- Você pode dizer como foi que conseguiu descobrir sobre tudo isso? – perguntei quase num sussurro.
- Eu tenho poderes mágicos – ele disse como se fosse um segredo precioso.
- Uhum, sei... – ri. – Vou perguntar a seus pais se isso é verdade mesmo...
- Shiu, é um segredo. Não conte a ninguém – falou com uma voz afetada. Talvez um dia eu descobrisse como ele tinha feito para saber de minha família verdadeira. Mas não era isso que me preocupava naquela hora.
- Eu te amo, meu Super-herói – sibilei em seu ouvido antes de chegarmos perto de Marrie, e lidando com metáforas, perto da minha nova vida.


N/a: Fanfic dedicada à Mykitta. Espero que tenham gostado. Beijos, Bia Guimarães.


Nota da Beta: Qualquer erro nessa atualização é meu, só meu. Reclamações por e-mail ou pelo twitter, nada de e-mails para o site, ok?
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that xx

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