– Você tem certeza absoluta disso? – a garota perguntou novamente e o senhor Fourest bufou, impaciente. cruzou os braços, sem parar de encarar o chefe.
Era uma manhã maravilhosa. O sol estava brilhante e o clima, extremamente agradável. Do jeito que ela gostava. O problema era apenar um: era o dia dos namorados. Algo puramente comercial e sem significado, mas que tinha feito noventa por cento da equipe da revista onde trabalhava faltar ao trabalho. A culpa de tal coisa, comum em todos os anos desde que trabalhava ali, era do chefe, um romântico incurável. Foi preciso quase uma hora de conversa para convencê-lo de que realmente não tinha ninguém e que queria, sim, trabalhar nesse dia. Era uma segunda-feira! O que mais ela faria? Andaria por aí feito uma louca em busca de um príncipe que não iria aparecer? Não. Obrigada. Estava bem trabalhando. Era colunista em uma revista de sucesso, que saía a cada quinze dias. O que mais podia querer?
Ah, ela sabia muito bem o que mais poderia querer. Um chefe melhor. Não que Fourest não fosse bom. Ele era um ótimo chefe... Até a chegada da maldita data. Desta vez, ele chegou a atrasar o lançamento da revista para fazer uma reportagem especial sobre ela. Como o mesmo disse “nos dias anteriores, não há graça nenhuma em fazer entrevistas. Tem que ser no dia mesmo. Todos com os nervos à flor da pele, à mercê de romantismos e clichês, mostrando o amor de verdade”.
– , você é a melhor de nossas colunistas e nenhuma outra veio trabalhar hoje, como pode ver – gesticulou para as outras mesas, vazias e solitárias, assim como . Virou teatralmente para o chefe, dando um sorriso.
– Posso mudar de idéia e tirar folga hoje? – disse e o chefe riu.
– Não. Você vai entrevistar casais e escrever uma reportagem sobre a maravilha que é esta data – deu ênfase no fato de que terá que ser algo positivo, e não melancólico, como a garota tinha pensado. – E entregá-la em minha mesa na hora que quiser, porém terá que ser hoje. Amanhã, durante a tarde, mandarei tudo para a gráfica e quero ter tempo de analisar o seu trabalho. Não me decepcione – piscou, saindo do local com um buquê de rosas em mãos. Para a sua mulher, obviamente. Porém apostava que ele tinha um igual em seu carro, para a amante. Surpreendente, não? Ela tinha visto inúmeras vezes o chefe com outra mulher, que ela tinha a certeza de não ser sua esposa. Não poderia ser. A garota devia ter uns oito anos a menos do que ele! Chegava a ser cômico o quanto ele se empolgava com o dia dos namorados, se nem ao menos merecia comemorar essa data.
até merecia, mas, bem, ela não dava a mínima para isso. Como todos os “odiadores” do tal dia, a garota também tinha uma história ruim para contar. Quando era adolescente, era fascinada por romances e coisas do gênero. Dia dos namorados, então, nem se fala! O seu dia preferido do ano. Qual foi sua felicidade então quando começou a namorar um mês antes dessa data? A garota pulava de alegria. Começou logo a pensar no presente que daria ao garoto. Quando o esperado dia chegou, ela chegou à casa do menino com duas caixas cheias de presentes. Exagero, sim. Contudo a garota estava realmente apaixonada. Qual foi o tamanho de sua surpresa quando chegou até lá e todos os amigos dele estavam ao lado do rapaz, e abriam os presentes e riam da cara dela? A maior humilhação pela qual já havia passado. Desde então, ódio eterno.
E some isso ao fato de que a sua mãe também tinha pavor a esse dia. Dizia que era puro marketing e ilusão. Dia dos namorados para a garota era igual ao Halloween: um dia assustador.
Não tendo outra escolha, pegou a sua bolsa com o seu material dentro e saiu às ruas, sorrindo ao ver o lindo céu azul. Aquilo sim, definitivamente, merecia uma foto. Tirou cuidadosamente a sua câmera da bolsa e obteve um ângulo perfeito do céu azul, com um prédio lindo ao canto da imagem e o sol ao outro. Quando ia guardar a câmera na bolsa, observou ao longe um casal andando abraçado. À contragosto, mirou os dois e, ao momento em que ele virou a cabeça um pouco para o lado, na direção da namorada, ela clicou. A foto ficara maravilhosa, mas ainda sim torceu o nariz ao ver o seu resultado. Tão superestimado, esse tal de amor. Uma ilusão à qual todos se submetem para ter algo no qual se segurar no caso de as coisas darem errado. Esperança. Outra palavra da qual não consegue ouvir falar. Esperança atrapalha tudo. Olhe o que aconteceu com a garota. Esperou um sorriso amoroso do namorado da adolescência, e o que ganhou? Risos debochados. Decepção. Não há nada pior do que se decepcionar.
E é por esse motivo que nunca esperava nada de ninguém. Assim, quando algo ruim acontecia, ela não se abalava tanto. Medo de sofrer? Sim. Ela tinha. Mas quem gosta, não é verdade?
Desta vez, tirou um bloquinho e uma caneta da bolsa, guardando a câmera. Precisava entrevistar algumas pessoas.
Meio-dia e a garota tinha terminado. Finalmente! Entrevistara cerca de cinco casais e não tirou mais nenhuma foto. Usaria aquela única mesmo. Estava boa. Tinha que admitir.
Ao final de tal pesquisa, sentia-se mais irritada do que nunca. Tanto açúcar a deixava enjoada.
O primeiro casal que entrevistou era adolescente e namorava há pouco tempo. Não desgrudavam as mãos por um segundo sequer. Ilusões. Estava claro para a garota que os dois ali não iriam durar. Ah, não iriam mesmo.
O segundo, já mais adulto, mal se tocava. Apenas tomava um café, usufruindo da companhia do outro. A entrevista se tornou tão insossa que a parou na metade e foi embora. O casamento dos dois tinha caído em uma mesmice de dar dó. teve o relato completo do dia-a-dia dos dois, mas nenhum romance foi mencionado. Ambos nem pareciam cientes de que era o dia dos namorados.
O terceiro chegava a soltar fogo e parecia prestes a se engolir na frente da garota. A cada palavra dita, um novo beijo. Ela ficou tão agoniada que saiu quase correndo dali. O casal nem notou o seu sumiço. Destes, poderia dizer que não durariam nem uma semana. Tanto fogo se extinguiria rápido... Rápido demais.
O quarto eram duas crianças pequenas... Destes, ela poderia dizer que gostou. Eram encantadores. Não eram namorados, obviamente, mas eram muito amigos. O pequeno tinha dado uma rosa à garota que sorriu lindamente. lamentou não estar com a câmera nesse momento. Daria uma foto magnífica.
O quinto casal foi o único do qual a menina poderia tirar algum proveito... Ou poderíamos dizer lição? Eram dois idosos, casados há quase cinqüenta anos. O que mais impressionou a colunista foi o modo como os dois se olhavam, cheios de carinho. Quando falavam um do outro então, era de uma simplicidade mesclada com um amor arrebatador. se pegou com lágrimas nos olhos por alguns instantes. Nenhum dos quatro anteriores lhe causou tamanha sensação, porém a garota precisou admitir que era aquilo o que ela queria. O que os dois sentiam um pelo outro era fascinante. Queria saber como era se sentir assim. Deveria ser um sentimento incrível de se guardar no peito.
Afastou tal lembrança da mente e entrou em uma adorável cafeteria perto de onde estava. Estava vazia. Sentou-se em um dos lugares bem ao fundo e logo um garçom parou ao seu lado. Não era para menos. Ela era a única ali. Pediu um café, percebendo o quão lindo era o tal garçom, todavia afastou tal idéia e começou a escrever a sua coluna. Decidiu se basear no casal de velhinhos, já que, se levasse em conta qualquer outro, seria algo depressivo.
Quando o seu telefone tocou, colocou o ponto final com a sensação de trabalho bem feito. Nem parece que foi ela quem escreveu aquilo, mas o chefe irá gostar. Tirou o telefone da bolsa e viu que quem ligava era o seu melhor amigo, .
– Ei, alien. Bom dia – falou, rindo. entrou na revista na mesma época em que ela e se tornaram amigos quase que instantaneamente. Hoje são inseparáveis. Ele a entende como ninguém.
– Fale, Sméagol – ele respondeu, usando o seu apelido. A garota adorava “O Senhor dos Anéis” e, por isso, colocou o nome de seu cachorro de Sméagol. achou aquilo tão cômico que, desde então, a chama pelo mesmo nome. – Aproveitando muito o seu dia de alegria? – disse com ironia.
– Claro. Acabei de escrever uma coluna sobre quão maravilhoso é o dia de hoje. Estou pensando em pôr o seu nome ao invés do meu no final, porque não parece que fui eu quem escreveu essa porcaria.
– Nossa! Pode pôr o meu nome. Vou adorar receber o crédito no seu lugar, senhorita – ele riu. – Queria convidá-la para jantar aqui em casa hoje. Topa? – Claro! Combinado então. Beijos.
– Au revoir, ma Jolie ¹ – desligou, não sem antes jogar na cara dela que não fala francês. adora a língua e sempre diz isso quando se despedem ao telefone. Ela nunca soube o que significava.
Virou-se para guardar o celular na bolsa e, quando se virou, o tal garçom que a atendeu estava sentado à sua frente. Assustou-se, pois finalmente o reconheceu. Era Zach, o tal ex-namorado da adolescência, que a fez odiar a data de hoje com todas as forças. Inegável era o fato de que ele estava lindo, ela admitia.
– Você está maravilhosa, – ele sorriu com aqueles dentes ridiculamente brancos e sentiu algo estranho. Uma vontade desesperadora de sair dali a tomara, todavia se controlou. Parte dela tinha a curiosidade de saber que raios ele estava fazendo sendo garçom de uma cafeteria.
– Obrigada, Zach – sorriu de volta e os seus olhos se desviaram rapidamente para a porta, porém logo voltaram a fitá-lo. – E então, o que faz por aqui? – perguntou como quem não quer nada. Não esperava vê-lo na cidade. Zach morava no lugar onde nasceu, e não ali.
– Vim para cá fazer faculdade, mas não passei. Enfim... – deu de ombros, como se não ligasse a mínima para aquilo. – Gostei do lugar e resolvi ficar. Que bom ver você.
– Você está diferente – foi tudo o que disse e estava certa. Estava quase irreconhecível. O seu cabelo, antes pintado de uma cor diferente a cada semana, agora se encontrava tingido num tom castanho que lhe deu um ar mais adulto, mais maduro. Por isso não o reconheceu à primeira mirada. Esperava que a sua mentalidade tivesse mudado também, mas não tinha como ter certeza.
– Espero que isso seja bom – sorriu novamente e ela se limitou a um sutil dar de ombros. – Quer dar uma volta?
– E o café? – perguntou, acenando levemente para o estabelecimento, e ele sacudiu os ombros, mostrando a chave. Ela esperava que ele não arrumasse problemas por fechar mais cedo. Ah, a quem está enganando? Ela não se importa.
Seguiu o garoto e andaram pela rua por um tempo, colocando o papo em dia. tinha se transformado numa pessoa muito diferente. Já Zach estava quase igual. A única diferença era que ele, agora, parecia nutrir um sentimento de adoração por ela, já que a cada oportunidade a elogiava. A garota começava a ficar sem jeito, porém feliz por receber elogios, mesmo que fossem dele.
Chegaram a uma praça adorável e pensou que iria gostar dali. Ele tinha certa admiração pela natureza e tudo que a envolve. Ela aprendera a admirar também e agradecia ao amigo por isso. As árvores do local, percebeu ela, eram lindíssimas. As flores, então, possuíam um eflúvio que a deixou pasma. Nunca havia sentido tal aroma e era deleitoso. Parou perto de uma árvore e, sem que pudesse raciocinar, sentiu os lábios de Zach sobre os seus. Ele a segurava com firmeza e reconheceu que havia sentido falta daquilo. Ele beijava muito bem. Isso era inegável. Será que desta vez, com ambos adultos, daria certo? Ela queria arriscar? Sim, queria.
Quando estavam já ofegantes, o telefone de Zach tocou. Ele atendeu e, apesar de a garota não ter entendido o que ele dizia, notou que sorria. Aguardou e ele desligou o telefone, voltando a beijá-la. Desta vez, porém, ela o interrompeu.
– Quem era? – perguntou e ele sorriu, dando de ombros.
– Minha namorada – respondeu, voltando a beijá-la, todavia estava pasma demais. Como assim namorada?
Afastou-o novamente e deu um tapa em seu rosto, que ficou vermelho instantaneamente. Com lágrimas de raiva nos olhos, saiu de lá a passos firmes, pegando o seu carro e indo até a casa de para jantar.
Ele não havia mudado. Claro que não. Ela fora idiota por pensar que teria. E, mais uma vez, tamanha idiotice lhe causou sofrimento.
Desceu do carro e tocou a campainha, controlando a sua raiva. Quando abriu a porta, todo e qualquer sentimento ruim que tinha dentro de si se esvaiu naturalmente e ela foi tomada por uma felicidade imensa. Pulou em seus braços, envolvendo-o num desajeitado abraço.
– Ei, Sméagol. A gente se viu ontem. Que alegria toda é essa? – ele disse, rindo, e se soltaram lentamente.
– Se não quer o meu abraço, é só falar. Ok? – ela disse, mostrando-lhe a língua, e adentrou o local que estava milimetricamente arrumado. – Nossa Senhora! A fada da faxina passou aqui e você não me avisa? Podia tê-la mandado dar uma voltinha lá em minha casa.
Horas depois, o local estava completamente silencioso. e se encontravam deitados no sofá. Eles assistiam a um filme, quando ele adormeceu. Ela, porém, continuava de olhos bem abertos e o olhava de cima abaixo. Tinha um amigo estupidamente lindo. Isso tinha que admitir. Nunca conhecera alguém tão bonito quanto e não era de se surpreender que ele atraísse todo o olhar feminino quando ia a algum lugar. Ela se sentia, sim, atraída por ele, porém ignorava esse sentimento. Não queria perder a amizade dele. E se ele não sentisse o mesmo? Não poderia sentir.
Pensando nisso, ela se levantou e foi até o quarto dele. Não conseguiria adormecer novamente. Adentrou o lugar e o examinou calmamente, apenas matando o tempo. Viu que na escrivaninha dele tinha uma foto dela. O que ele poderia querer com aquilo? Quando a deixou novamente na mesa, percebeu que tinha algo escrito atrás: Je t'aime tellement et vous n'avez aucune idée. Francês, para variar. Desta vez, foi tomada pela curiosidade. Ligou o computador de e pesquisou a tradução daquilo.
Eu a amo tanto e você nem tem idéia.
Congelou, enquanto lia e relia aquilo. Não podia ser verdade. Podia?
No susto, apenas fechou o notebook, com o coração palpitando freneticamente. Ao invés de se sentir em dúvida, ela se descobriu... Feliz? Apesar de não entender tal sentimento, sorriu e desceu novamente as escadas, dando de cara com que estava subindo.
– Ei – sorriu, porém a sua feição mudou quando percebe o que tinha nas mãos da garota. nem percebera que ainda estava com a tal fotografia e não tinha qualquer reação, a não ser encarar o garoto que ficava cada vez mais vermelho.
– Por que você nunca me contou? – ela disse num sussurro e percebeu que estava à beira de um acesso de lágrimas. Ele mordeu o lábio inferior e não respondeu nada por alguns segundos.
– Porque sei como você se sente em relação a esse sentimento e esse dia em particular. Tive medo de você... Sei lá – ele se desculpava, porém não se sentia magoada pela ocultação desse fato. Ela se sentia feliz apenas por descobri-lo. E agora borboletas percorriam cada pedaço do seu corpo e, tomada por algo repentino que a possuiu naquele momento, deu um passo para frente, aproximando os seus lábios dos dele, fazendo-os ficarem perigosamente próximos, porém ainda sem se tocar.
– É verdade. Não acredito no amor. Não acredito no dia dos namorados e em coisas do gênero. Não acredito que alguém seja capaz de se sentir tão bem apenas por estar com outra pessoa – disse num raio e a respiração de ficou mais pausada a cada palavra. A de , porém, estava cada vez mais rápida. – Mas, quando se refere a você, ... Nada faz sentido. Porque, se não é amor o nome disso que estou sentindo agora, sinceramente não sei qual é – murmurou, porém ele conseguiu ouvir perfeitamente. E, pela primeira vez desde que ela começou a falar, ele levantou os olhos. Eles se encararam profundamente por alguns segundos, um misto de sentimentos rondando ambos.
E então, depois dos segundos que pareceram horas, foi quem tomou a iniciativa e juntou os seus lábios, levando uma de suas mãos até as costas da garota, que por sua vez envolveu os braços ao redor de seu pescoço, aprofundando o beijo ainda mais.
não acreditava no amor e não via motivos para celebrá-lo, porém nos braços daquele que a conhecia melhor do que ninguém, ela se sentia única, sentia-se amada. E, ironicamente, queria que o mundo inteiro soubesse disso. Queria que o mundo inteiro soubesse que eles pertenciam um ao outro, pois era aquilo o que ela sentia no momento. Sentia que, finalmente, estava no lugar certo.
Fim
¹ – Au revoir, ma Jolie – Significa “adeus, minha linda”.
Nota da autora: Oi, pessoal! Confesso que eu não ia escrever uma história para esse especial, mas a linda da Luisa insistiu tanto que num belo dia acordei com a idéia na cabeça e aqui está ela!
Uma história curtinha, sim, mas comecei a escrevê-la muito em cima do prazo. Não tinha exatamente tempo para fazer algo enorme como eu queria (sempre quero, né, haha). Obrigada à Bruna, pelo apoio de sempre e pela idéia que me deu para um pedaço da história. Haha.
O que acharam? Comentem, por favor!
E, FFOBS, seja bem-vindo de volta! Sentimos a sua falta. =D