A Thousand Chances


Escrita por:Laís Stéfani
Betada por: Flávia C.




Meu nome é . Tenho vinte e cinco anos. Moro em Mullingar, uma pequena cidade no condado de Westmeath na Irlanda, com cerca de nove mil habitantes. Nasci e cresci aqui, e hoje em dia me sinto presa pela cidade.
Há quatro anos trabalho em um serviço que me deixa esgotada e infeliz, e não faço ideia do que desejo fazer com minha vida. Quando eu era mais nova, gostava de fazer planos e sonhar com o futuro, com quando eu fosse livre para fazer o que quisesse. Hoje em dia, o tempo passa muito rápido e não há nada que eu possa fazer quanto a isso.
Meu terapeuta pediu que eu começasse o dia com pelo menos três pensamentos felizes todas as manhãs. E isso era o melhor que eu conseguia pensar às oito e meia da manhã de uma quinta-feira chuvosa em Mullingar.
Estávamos no meio de outubro e era outono na Grã Bretanha. Ainda não estava muito frio, mas a noite já começa a cair mais rápido. O vento volta a trazer as cores acinzentadas e amareladas ao ambiente. As folhas secas adornam as calçadas. É preciso aproveitar mais o dia, pois anoitece muito mais rápido agora. Diz a lenda que as pessoas ficam mais tristes durante a época de chegada do frio e por isso o índice de suicídio é maior por aqui. Bem, eu não estou muito longe dessa etapa.
Perdão. Juro que não sou tão ruim assim. Eu não sou uma pessoa depressiva que vive sozinha reclamando da vida pelos cantos. Na verdade, eu acho mesmo que minha vida é uma droga. Não gosto de meu trabalho, não tenho namorado, não faço sexo há quase um ano e quase nunca saio com meus amigos. Mas quem é que gosta do emprego que tem? Além disso, na maior parte do tempo eu me convenço de que não preciso de um namorado, estou muito bem sozinha e sou uma mulher forte e decidida que não precisa de nenhum homem em sua vida. E, é claro, levo tudo isso como uma trágica comédia, fazendo piadas sobre minha própria situação.
Na maior parte do tempo, dá certo.
Tenho que admitir que eu não esperava nada para aquela quinta-feira em especial. Eu esperava que fosse apenas mais uma quinta-feira infeliz que passaria atrás do balcão do pub em que trabalhava. Era um lugar horroroso que se chamava Drikke Fisk, que significava algo como “bebida de peixe” em dinamarquês e vendia cervejas baratas e comidas gordurosas por preços absurdos.
Porém, e o que não é muito comum em minha vida, aquele dia me surpreendeu.
Pouco antes das dez da manhã, quando eu estava tomando um banho para acordar melhor, recebi uma ligação inesperada.
Ao ouvir o aparelho tocar dentro do quarto, tateei à procura de minha toalha do lado de fora do boxe e saí enrolada na mesma, pingando água no chão do banheiro. Procurei o celular no meio do cobertor e depois de achá-lo vi um número desconhecido no visor.
- Alô? – atendi, voltando para o banheiro e fechando o registro do chuveiro.
- Escuta só, , eu estou chegando na cidade em meia hora e preciso de alguém para me dar uma carona até em casa. Será que você pode quebrar essa para mim?
De todas as pessoas que me conheciam apenas uma me chamava de , e apenas uma tinha aquela voz que eu reconheceria em qualquer lugar desse mundo.
- Eu estarei lá.
- Ótimo. Vê se usa verde. Você fica incrível quando usa verde.
Ri.
- Pode crer. Até mais tarde.
A chamada foi desligada e aí eu abri a porta de meu pequeno armário de roupas, procurando algo para vestir. Acabei colocando uma calça jeans branca, uma botinha de couro marrom e um sobretudo verde, como foi pedido.
Peguei o carro de Dora, a garota com a qual eu dividia o apartamento desde que saí do colégio e fui para o aeroporto minúsculo da cidade. Ao chegar lá, esperei na sala de desembarque. Não havia quase ninguém lá, então não seria difícil me encontrar.
E então, alguns minutos depois, lá estava ele, desembarcando junto com outra meia dúzia de pessoas de um avião de porte médio no salão de desembarque. Ele não teve dificuldade em me encontrar, e veio direto até mim, me abraçando pelos ombros e me balançando um pouco para os lados.
Aquele era Niall Horan, a celebridade da cidade. Desde mais ou menos dez anos atrás, quando foi embora bem jovem para a capital para participar de um reality show, o garoto nunca mais voltou para ficar por muito tempo. Nós éramos amigos desde o berçário, e fico feliz em dizer que isso não mudou mesmo com todos os anos que se passaram e tudo o que a fama impôs a ele.
A banda de Niall havia estourado alguns anos atrás e ficado por vários anos no topo de todas as paradas. Hoje em dia, todos os integrantes estavam mais sossegados e haviam saído de umas férias de carreira de dez meses há pouco tempo. Ainda estavam juntos e ainda eram mundialmente famosos, mas agora eles passaram de “ícones adolescentes” a “ícones mundiais”, como com qualquer bom artista. Alguns deles já tinham famílias formadas, outros ainda estavam no início de suas vidas conjugais, e então havia Niall. Niall nunca se interessara de verdade por alguém em todos esses anos.
Ele namorara com uma modelo famosa por um ano e alguns meses, mas o namoro terminou exatamente como começou: Muito de repente e de uma hora para outra.
Niall era exatamente a mesma pessoa desde que saíra de Mullingar. Amava a vida, amava os amigos, a família, amava a tudo e a todos, era sempre feliz e não havia tempo ruim para ele. Ficávamos sempre juntos, mas passamos por muitos momentos difíceis. Mas para entender bem essa história, precisamos voltar alguns anos no passado.

13 de Abril de 2010, 4:15 A.M
- Você volta, não volta?
- Mas é claro que eu volto, Pipoquinha. Vai ser só uma audição. É claro que eu estou destinado a ser o próximo Justin Bieber, mas sempre vou voltar para Mullingar para ver você e o meu velho. E também tem o Greg e a minha mãe e todo o pessoal do colégio, você acha que essa gente sobrevive sem mim?
- Eu acho que você tem que ser mais humilde na frente de Simon Cowell, isso sim. – ri e empurrei seu ombro.
Niall deitou para trás no telhado de sua casa, olhando para o céu estrelado em cima de nós. Nós passávamos muito tempo ali em cima, às vezes, como naquela noite há dois dias da audição do The X-Factor, passávamos uma madrugada inteira no telhado, conversando, sem se importar com nada.
- Você sabe o que eu vou dizer a ele?
- Sei.
- Eu vou dizer que eu fui lá para ser o melhor artista que eu posso ser. Além disso, Louis Walsh vai me adorar. Nós dois somos irlandeses, ele diz sim a qualquer irlandês que apareça por lá.
- Niall, você... Eu sei que isso não está nos seus planos, quer dizer, e nem vai acontecer, mas... Já parou para pensar no que vai acontecer caso você não passe?
Ele fez uma careta, meio incomodado, mas não tirou os olhos do céu.
- Se eu não passar, ... Eu vou ficar arrasado. Só vai me restar voltar para cá e viver uma vida exatamente igual à do meu pai. Sem nenhuma surpresa. Nunca. E isso seria a pior coisa à qual alguém poderia me submeter.
Eu entendia ele. Naquela época, com 15 anos, eu estava pronta para ser a rainha do mundo em meus sonhos. Sonhava alto, tinha muitos planos, queria cursar várias faculdades, viajar para vários lugares, fazer várias coisas. A pior coisa à qual alguém poderia me submeter era uma vida entediante, sem desafios, sem surpresas, apenas a mesma rotina todos os dias. Eu e Niall éramos iguais nessa época.
- Mas, sabe, você sempre pode ter um plano B. Eu tenho um.
- Você tem até um plano jota, . Tem o alfabeto inteiro de planos e mais um pouco.
Eu ri. Ri porque era verdade. Eu tinha até um caderno com toda a minha vida planejada nele.
- O que eu quis dizer, é... Você pode pensar em outra coisa que te agrade. Pode fugir dessa vida que não quer ter, você sabe. Somos de uma nova geração, Niall. A gente pode escapar dessa cidade e ser feliz em outro lugar. Onde nós quisermos ser.
- Você é tão otimista.
- Eu sou otimista? Não sou eu que sonho em ser uma super star.
- Tá legal! – ele riu.
Ficamos em silêncio por um tempo, e então ele se sentou em um pulo ao meu lado, me olhando com um sorriso, o que me assustou.
- O que foi?
- A gente pode fazer um trato. Se não conseguirmos seguir nossos planos, a gente fica junto. Eu digo, eu e você, a gente foge, vamos para a capital, depois viajamos para outros lugares, ganhamos a vida fazendo qualquer coisa em qualquer lugar. O que você acha? A gente pode viajar para todos os lugares sem precisar montar moradia em nenhum. E depois, só depois, quando formos adultos o suficiente e já soubermos o que queremos para nós, a gente pode se instalar em algum lugar do qual nós gostamos muito e começar a criar uma família.
Eu fiquei paralisada enquanto o ouvia falar. Talvez tivesse entendido errado, mas parecia que ele estava fazendo planos para nós dois... Juntos. Eu digo, juntos como... como um casal.
- Você quer dizer, tipo... Eu e você... Uma... Uma família...
- Sim, quer dizer, você com um cara legal e eu com uma garota que tenha peitões.
, você é uma idiota.
- Ah, claro. Claro, peitões. Desde que eu possa morar na praia, eu não me importo em te ver com uma garota que tenha peitões.
- Não se preocupa, Pipoquinha, se você não conseguir achar ninguém até os trinta anos eu deixo tudo que tenho e me caso com você. – ele riu e me puxou para um abraço meio apertado demais, meio protetor, meio de amigo, irmão, camarada.
Eu adorava sentir seu cheiro. Ele era sempre tão cheiroso...
- Pode crer, Niall.

E dois dias depois disso, ele nunca mais voltou. Quer dizer, nunca não. Ele voltou sim, vários meses depois, para passar o natal com a família e nós nos vimos por cerca de dois minutos antes que ele precisasse voltar para casa e depois para Londres outra vez.
Nos meses que se passaram, eu e Niall não nos falamos. Eu ainda pensava nele o tempo todo, sentia muito a sua falta. Eu era uma garota que acabara de fazer dezesseis anos e estava sem o melhor amigo de infância. Ele, era um menino que acabara de ficar em terceiro lugar no reality show mais famoso da TV e estava ficando a cada dia mais conhecido pelo país.
- como você está diferente. – Niall me disse logo depois que se afastou de mim no aeroporto. – Mas verde ainda cai muito bem em você.
Sorri.
- Você é o mesmo de sempre. Talvez um pouco mais... moreno – franzi o cenho e olhei para seu cabelo arrepiado.
- Ah, sim. Decidi deixar o cabelo natural, sem mais tinta – levantou a mão e cruzou os dois dedos.
Eu ri.
- Foi ótimo para você. Eu não te via assim desde os dez anos de idade, acho.
- Bom, mas você, por outro lado, – ele pegou minha mão e deu um passo para trás, me fitando de cima a baixo. – está mais magra, e esse cabelo ruivo ficou bem em você. Também combina com os seus olhos.
É claro que eu estou mais magra. Mal tenho tempo para comer e quando tenho eu não tenho vontade. Sorri para ele e tirei o cabelo do rosto.
- Eu decidi mudar um pouco.
Sempre odiei a cor indecisa do meu cabelo natural. Era um castanho claro nem muito loiro nem muito moreno que tinha uma coloração um pouco verde, estranha, sem vida, sem brilho, sem nada demais. Eu já passara por muitos estilos diferentes de uns anos para cá até achar uma cor que ficasse bem nele e que me satisfizesse pelo menos um pouco como aquele ruivo natural que ele era agora.
- Muito bem, o primeiro passo já foi. Quando é que você vai decidir mudar de emprego, de apartamento, de carro, de vida?
- Niall, às vezes quando você fica longe por muito tempo é melhor esperar alguns minutos antes de vir falando essas coisas, tá legal?
Ele me abraçou de lado com uma mão e com a outra pegou sua mala e foi nos direcionando para a saída.
- Eu amo você, Pipoquinha. Só quero o seu bem, e você não é feliz há... quanto tempo está naquele Pub?
- Quatro anos.
- Você não é feliz a pelo menos quatro anos. Tem que mudar isso.
- Eu não vou discutir sobre a minha vida com você, milionário de Londres.
Niall riu e fomos conversando até a vaga onde eu havia deixado o carro. Ele me contava sobre sua vida movimentada e eu, como não tinha nada a contar, ouvia.

13 de Abril de 2014, 15:27 P.M.

- Você acredita que já se passaram três anos?
- Foram três longos e cansativos anos por aqui.
- Para mim foi tão rápido, . Tão rápido, que até parece um sonho. Eu tenho até medo de acordar em minha cama, de volta a três anos atrás, com minha antiga vida monótona e chata. Eu tenho mesmo, vou te contar. Deus me livre ter que voltar a viver aqui.
Eu nunca sabia o que dizer quando ouvia aquelas coisas. E Niall falava muito esse tipo de coisa nos últimos tempos. Eu não o via quase nunca, mas sempre que o via ele fazia questão de me lembrar o quanto odiava sua antiga vida comparada a essa, e o quanto estava mais feliz agora.
Eu entendia, na verdade, porque mataria para ter as condições que ele tem. Ter dinheiro suficiente para ir onde quiser quando quiser e ter o que quiser, e além disso fazer o que ama todos os dias de sua vida. Enquanto seus companheiros de banda estavam engajados em problemas amorosos e familiares, Niall estava apenas curtindo, sendo ele mesmo, dando o melhor de si todos os dias. Eu ainda admirava isso nele, e desejava nunca perder essa admiração.
Mas não podia dizer nada, porque na verdade, eu tinha a mesma vida inútil desde que ele saíra dali. Ainda estava esperando minha vez. Niall fora tirado de Mullingar direto para frente dos refletores, exatamente como ele queria, como em um sonho, enquanto eu ainda esperava por algo que nunca vinha. Dois anos depois que terminei o colegial, ali estava eu, esperando.
- Quando você vai começar a cursar sua faculdade?
- Eu ainda não sei o que quero fazer.
- Mas você disse que ia se decidir no ano passado, quando nos encontramos aqui.
- Eu sei, Niall, é que... Eu ainda não tenho certeza.
A verdade era que nada ali me chamava atenção, e eu não sabia o que queria fazer.
- E você vai ficar cuidando de crianças para ganhar doze euros por semana até quando?
Levantei meu olhar da grama para ele, e esperei que se retratasse. Mas ele apenas me olhou, curioso, esperando uma resposta. Naquele momento, eu achei mesmo que explodiria com ele. Eu pensei que diria tudo o que queria dizer para qualquer pessoa que me perguntasse uma coisa dessas há muito tempo.
- Niall, sua mãe quer saber se nós vamos ficar para jantar. – Barbara me interrompeu quando abri a boca.
Nós dois olhamos para trás, de onde vinha a voz, e a garota olhou-me e sorriu. Não era o sorriso mais verdadeiro do mundo, mas sorri de volta.
- Hum, eu já vou lá, amor.
- Tudo bem. – a garota disse e voltou a entrar.
- Bonita, ela. Tem peitões?
Ele riu.
- Ela é da Victoria’s Secret. – olhou-me. – Elas nunca têm peitões.
Balancei a cabeça e arranquei algumas gramas com os dedos.
- Faz sentido.
Ele olhou-me por mais um momento, em que eu fingi não perceber, e depois se levantou e levantei-me junto.
- Eu preciso entrar. Volto para Londres amanhã, e tenho que ficar com a minha família.
Assenti e coloquei as mãos nos bolsos. Niall me abraçou e me segurou em seu abraço por um tempo.
- Foi muito bom te ver, . Se cuida.
- Você também.

Antes que conseguíssemos encontrar o carro de Dora no estacionamento, Niall me fez parar em uma lanchonete. Ele disse que estava morrendo de fome, e que se eu não parasse com ele, nunca mais me perdoaria.
Comecei a rir de sua infantilidade, mas parei e esperei que Niall comesse suas panquecas com chocolate e seu suco de laranja natural.
- Tive que parar com a Coca-Cola. Meu médico disse que meu colesterol está alto demais para alguém de vinte e seis anos e que eu devo evitar o açúcar. Eu fiz um trato com ele. Parava com o refrigerante, ou nada feito.
- Grande trato esse o seu.
Ele riu e colocou mais um pedaço de panqueca na boca.
- A saúde é sua, não é mesmo?
- Foi exatamente o que ele me disse.
Sorri e voltei minha atenção ao celular, para ver a hora. Eu tinha que estar no pub às duas da tarde, e ainda precisava voltar para casa e cozinhar antes disso. Eu cozinhava o almoço, e Dora a janta. Era essa a regra.
- Como andam as coisas, ? – fui surpreendida com a mão de Niall segurando a minha em cima da mesa, e a pergunta repentina.
Guardei o celular e olhei para nossas mãos, e depois para ele.
- você anda se cuidando, não anda? – Niall passou o polegar em cima da cicatriz profunda no dorso de minha mão.
Concordei com a cabeça, respirando fundo.

13 de Abril de 2016, 11:53 P.M.
Eu não conseguia controlar meu próprio corpo. Não conseguia fazer minhas mãos pararem de tremer, e não conseguia abaixar o olhar para minha mão. Eu estava apertando minha mão contra meu peito, sentido minha camiseta branca completamente ensopada contra meu peito, minha mão também molhada, minhas pernas respingadas. Mas eu simplesmente não podia ver aquela cena. Não podia encarar a mim mesma, às minhas roupas, ao meu estado, ao meu reflexo no espelho. Agora a adrenalina estava passando, e a dor latejante no dorso de minha mão estava aumentando ainda mais. Eu não sabia há quanto tempo estava no sofá, encolhida, na mesma posição, sendo encharcada com meu próprio sangue.
De repente, a porta se abre e dou um pulo, olhando para a mesma.
Niall surge em minha frente, seu sorriso usual dando lugar a uma expressão assustada enquanto ele fecha a porta e corre até mim. Se ajoelha em minha frente no sofá.
- Ah, meu deus, , o que aconteceu aqui? O que... puta merda, o que aconteceu? O que você fez? – ele levou as duas mãos aos cabelos e olhou para minhas mãos. – De onde... de onde está vindo esse sangue todo? Eu... eu vou chamar uma ambulância.
Fechei os olhos com força enquanto ouvia Niall falando ao telefone e andando de um lado para o outro na sala de meu apartamento. Ele desligou e voltou a se ajoelhar na minha frente.
- Quem fez isso com você?
Abri os olhos e encarei-o, soluçando. Eu não conseguia falar. Niall passou os dois polegares embaixo dos meus olhos, e secou as minhas lágrimas.
- Respira. Shhhh, só respira. Comigo, respira – ele começou a respirar fundo de vagar, e segui seus movimentos, conseguindo me acalmar o suficiente para conseguir falar.
- Agora, o que aconteceu?
Balancei a cabeça, envergonhada.
- Brad estava bêbado. Ele... ele...
- Meu Deus. – Niall fechou os olhos e fez uma careta de nojo, como se não conseguisse suportar aquilo. – Eu não acredito. O que ele fez com você?
- Nós brigamos. Ele gritou, e... ele quebrou uma garrafa. Ele quebrou uma garrafa, e pegou em minha mão. Ele... – fechei os olhos e voltei a chorar, sem conseguir controlar os soluços.
- Shh shh, , você precisa me contar, por favor. – sua voz era desesperada. – eu preciso saber, para que possamos explicar aos paramédicos. Tá legal?
Assenti.
- Ele bateu no meu rosto. Eu pedi desculpa, eu pedi, eu pedi para ele parar Niall... eu pedi para ele parar...
Não consegui falar mais nada depois disso. As lágrimas caíam em grande quantidade, e Niall apenas me puxou e segurou meu rosto contra o seu peito por um momento.
- Vai ficar tudo bem. Nós vamos achar esse cara, eu vou mandar os meus seguranças darem uma surra nele antes que alguém mais o faça, e depois ele vai apodrecer na cadeia, você entendeu? Eu prometo, , ele vai pagar. Eu prometo. Shh, vai ficar tudo bem. Tudo bem.
Enquanto chorava, eu tentava entender porque Niall não me disse o que todos diziam. “Esse cara não é confiável, ele não é boa gente, eu não gosto dele. Abre seus olhos, ele não é o que você pensa.” Depois, percebi que Niall era diferente. Ele estava preocupado comigo, e não em estar certo no final. E agradeci mentalmente por isso.

Logo que encontramos o carro na vaga do aeroporto e entramos dentro dele, eu e Niall ficamos em silêncio. Por algum motivo não havia nada a ser dito da minha parte, e aquele silêncio começou a pesar. Eu esperava que ele não puxasse assunto sobre como está a minha vida, mas era o normal a se fazer depois de ele ter me contado da dele. Não sabíamos mais o que dizer, porque haviam muitas coisas a serem ditas sobre assuntos do qual não sabíamos se era bom falar.
Niall começou a bater as mãos no banco e balançar a cabeça no ritmo da música que tocava no rádio. Depois, de repente, me olhou sorrindo.
- e então, como vai a...
Fechei os olhos antes que ele terminasse a pergunta, sem querer ouvir o resto, e a sua voz sumiu junto com seu sorriso.

13 de Abril de 2017, 11:32 P.M.
- Gostou do que viu até agora? – ele perguntou, fechando a porta de seu apartamento, pela qual eu acabara de passar.
- A cidade é incrível. – balancei a cabeça, tirando o casaco e olhando em volta, para os detalhes de seu apartamento.
- Qual foi seu lugar preferido até agora? – ele sorriu e veio até a minha frente, pegando meu casaco de minhas mãos.
Eu sorri para o gesto e segui seus passos até onde ele foi pendurar meu casaco.
- Eu acho que a London Eye. O castelo de Buckingham também é lindo, mas aquela vista lá de cima... – balancei a cabeça e encarei o chão. – é maravilhosa.
Ele concordou com a cabeça e sumiu em um pequeno corredor que dava para algum lugar bem iluminado. Eu fiquei parada no meio da sala onde estava, olhando para onde ele foi.
- Quando você me ligou e disse que viria, eu fiquei muito feliz. Finalmente ia poder te mostrar tudo, te fazer conhecer mais da minha vida.
Sorri, e ele voltou nesse momento com uma garrafa de vinho em uma mão e duas taças em outra. Sentou-se no sofá soltou as coisas na mesa de centro, fazendo um gesto para que eu me sentasse ao seu lado, e assim o fiz.
- Aliás, gostei do seu cabelo.
- Você já disse isso – ri e coloquei a franja atrás da orelha.
Ele deu de ombros e riu junto.
- Deve ser porque é verdade – olhou-me enquanto abria o vinho. – Realça seus olhos...
Desviei o olhar para a garrafa, e ele levou-a à boca puxando a rolha com os dentes.
Niall entregou uma taça a mim, e pegou a outra. Com uma mão, serviu nossas duas taças com vinho tinto suave e soltou a garrafa na mesinha. Levantou sua taça em direção à minha e nós fizemos um brinde.
- À sua visita. Eu estava com saudade.
- Eu também – sorri.
Ele tomou um gole e encarei minha taça.
- É cristal – ele apontou para a mesma, e levantei a sobrancelha.
- Hum.
- Hum. – imitou.
- E então, como vai a... Dora, é esse o nome dela, não é?
- Uhum. A Dora vai bem. Na verdade, ela conheceu um cara e ele a pediu em casamento.
Ele ergueu as sobrancelhas.
- Não brinca.
- O quê?
- Ela vai casar? Dorothy Whitehead? – riu.
- O que, Niall? E como sabe o nome dela?
Niall balançou a cabeça, negando.
- Cidade pequena, você sabe que todo mundo conhece todo mundo. Só fiquei surpreso porque, sabe, ela não é a garota mais bonita do mundo. De fato, eu esperava que você se casasse primeiro, é muito mais bonita. Como vai sua vida amorosa, falando nisso?
Tomei dois grandes goles de vinho.
- Eu estou passando por um processo de independência.
- Independência, é? – sorriu. – como?
- Decidi ficar sozinha por um tempo. Cansei de conhecer os caras errados e acabar me magoando, você sabe. – suspirei. – eu vou ficar sozinha e deixar que o cara certo venha até mim.
Niall riu, e mais uma vez encarei-o.
- Não é assim que funciona, . Não é assim que o amor funciona, sabe? Você não pode achar que é só sentar e esperar que o amor da sua vida apareça, como nos contos de fadas. Príncipes não existem, e se você não procurar nunca vai encontrar.
- E como você sabe disso, esperto? Nunca ficou com uma garota por mais de cinco meses.
- E você, já ficou com um cara?
Fiquei quieta, e tomei mais um gole de vinho. Niall sorriu.
- De qualquer modo, eu fico feliz que você saiba o que quer. Aí, quer dançar?
Olhei-o, confusa.
- Mas não tem música.
Niall sorriu e, nesse momento, as luzes da sala se apagaram e uma música lenta começou a tocar.
- Como você fez isso? – olhei em volta.
- Uma coisinha mágica chamada controle remoto – ele ergueu o controle no ar, soltou sua taça e se levantou, rindo.
Niall pegou minha taça, soltou-a com a sua e pegou minha mão, me levantando.
- Niall, eu não sei dançar. Você sabe que sou um desastre.
- A prática leva à perfeição, vamos lá.
- Fácil para você falar. – fiz bico.
Niall riu e apontou o controle para um aparelho perto de sua TV. Música trocou para um hip hop antigo, e eu ri.
- Vamos lá, , vamos lá – ele começou a dançar de um jeito horrível e engraçado na minha frente, e eu comecei a rir.
Niall continuou dançando até que eu me entregasse à loucura e dançasse também, do mesmo jeito desengonçado e engraçado que ele fazia. Aí a música trocou para uma música eletrônica agitada e com uma letra legal, e dançamos por mais uns minutos. Até que, de repente, Niall para de dançar e dá uma gargalhada. Eu paro com ele, e o acompanho na risada, porque aquela cena era simplesmente engraçada. E então, por um momento Niall me encara sério, e eu paro de rir. E de repente, ele se inclina e me dá um beijo doce, mas suave na boca.
Nós nos afastamos depois de um momento. Nossa expressão está meio indecifrável. É algo que se compara a um “wow”. Não sabemos como exatamente aquilo aconteceu, mas descobrimos naquele momento que o resultado foi bom. E então, quando subo meu olhar de seus lábios para os seus olhos azuis intensos, ele joga o controle no sofá e se aproxima, pegando meu rosto com as duas mãos e me beijando outra vez.
Dessa vez, o beijo é mais intenso. Não estamos bêbados, porque não bebemos nem mesmo uma taça inteira. Aquilo está acontecendo, e está acontecendo por livre e espontânea vontade de ambos. E eu não quero que pare, porque não há motivo para parar. Niall já é uma figura tão íntima em minha vida, que sei que nossa amizade prevalecerá não importa o que aconteça na manhã seguinte.
E então tudo acontece. Suas mãos percorrem o meu corpo com uma naturalidade imprevista. Eu tiro sua roupa como se em algum momento já houvesse feito aquilo. A boca de Niall percorre meu corpo, e em algum momento nós já estamos em sua cama, e compartilhamos aquele momento. Fora algo imprevisível, porque não sabíamos que ia acontecer até o momento em que realmente aconteceu. Nem mesmo sabíamos que nós dois compartilhávamos de tamanha química, que nossos corpos desejavam um ao outro com tanta intensidade. E a partir daquele momento, tudo que consegui foi querê-lo mais.

- Por que exatamente você veio? – perguntei, depois de um tempo de silêncio no carro. – Quer dizer, você quase nunca vem ao não ser em datas especiais.
- Eu só queria fazer uma surpresa à minha família. Trazer um presente ao meu sobrinho.
Olhei-o de canto, incrédula. Eu sabia que se quisesse dar um presente, ele mandava por correio. Niall raramente vinha, de verdade. Ele preferia evitar estar na cidade. Ele sabia que eu não caí em sua explicação, mas não disse mais nada, e apenas sorriu. Levou a mão para trocar de estação no rádio no mesmo momento em que eu o fiz, e tirei minha mão rapidamente com o contato dos nossos dedos.

13 de Abril de 2018, 09:13 A.M.
O contato dos dedos de Niall ao se entrelaçarem com os meus me causou um arrepio. Abri os olhos com um suspiro, vendo a luz da janela iluminar o quarto. E como eu gostava daquele quarto.
- Bom dia, Pipoquinha.
- Acordar com uma piada sobre minha altura é sempre gratificante – murmurei, a voz saindo um pouco rouca, e ele riu em meu ouvido. Mordeu o lóbulo de minha orelha e se levantou da cama em um pulo.
Eu fiquei na cama enquanto ele caminhava pela casa, fazendo coisas de Niall. Pensei em como eu gostaria de ver aquela cortina esvoaçante para sempre ao abrir meus olhos de manhã. Imaginei uma vida em que eu não precisasse usar o uniforme ridículo do Drikke Fisk, e aquela foi a primeira vez que realmente senti vontade de participar da vida turbulenta de Niall, rodeada de luxúria e de câmeras seguindo seus passos a todo momento.
Eu e ele nos víamos uma vez por mês, e passávamos apenas uma noite juntos a cada trinta dias. No outro dia, era quando eu ia embora. Alguns diziam que saudade faz bem a qualquer relação, mas aquela me matava. Não éramos um casal, mas nós tínhamos uma relação. Foi por pedido meu que ficássemos no anonimato, pois eu não queria sair na capa de revistas sendo chamada de garota misteriosa. Eu acho que merecia mais do que esse título na vida de Niall. Ele concordou.
Depois de ouvir o barulho de talheres vindos da cozinha, senti meu estômago reclamou de fome e me levantei, vestindo sua camiseta de time de futebol americano que ele gostava de dizer que ficava bem em mim logo que eu acordava. Fui até a cozinha e ele olhou por cima do ombro.
- eu já ia levar o café para você, estraga prazeres. Por que se levantou?
- porque você não avisou antes, babaca. – ri e beijei seu rosto ficando na ponta dos pés.
Sentei na mesa e fui servida com uma xícara de café preto. Peguei um pedaço de pão e passei geleia, mordendo a ponta. Niall sentou na cadeira à minha frente e por alguns minutos ficamos tomando café e conversando, enquanto o pé dele roçava minha perna debaixo da mesa e me fazia rir.
- Qual foi a última pessoa com quem você fez amor?
Os olhos de Niall desviaram no meu no mesmo segundo, e ele olhou para seu café. Percebi que ele fez força para manter a expressão impassível, e isso foi um sinal de que as coisas estavam erradas.
- Niall?
- Hum... – ele mexeu o café outra vez. – Eu não lembro. – levantou o olhar para mim e sorriu.
- Não lembra?
Negou com a cabeça.
Tomei um gole de meu café.
- Niall.
Ele me olhou outra vez.
- Eu conheço você melhor do que qualquer pessoa.
Niall continuou sem falar nada, mas então desistiu e soltou a respiração.
- Foi... argh, não faz importância, . Não é ninguém importante.
- Niall, quem foi?
- Foi... – ele fechou os olhos por um segundo. – a Dora.
Soltei minha xícara e terminei de engolir meu café.
- como?
- A... a Dora. Foi a Dora. Mas não importa, de verdade, ela... foi há muito tempo atrás, , eu já nem lembrava.
Levantei da mesa e fui até a pia, ficando de costas para ele e olhando pela janela. Eu não conseguia acreditar. Dora, aquela cachorra que morava comigo há seis anos, que sabia que eu e ele estávamos saindo, que eu sempre gostei de Niall.
- Quando foi, Niall?
- ...
- Eu perguntei quando foi.
Houve silêncio por um momento.
- Foi... há dois anos. Quando eu estive lá, e... e aquilo aconteceu com você e o Brad. Foi... foi um dia depois.
Me apoiei na pia e abaixei a cabeça. Fiquei quieta por um tempo, processando aquela informação, e Niall levantou e veio até mim, tocando a mão em meu ombro. Me esquivei e virei-me para ele.
- Você ficou com ela no nosso apartamento... no... – fiz careta e olhei-o. – no dia em que eu estava o hospital?
- , me escuta. Não ignificou nada. Nada, nada mesmo. Foi só um momento de fraqueza, nós estávamos sentados assistindo TV e conversando sobre o que aconteceu e aí... e aí só rolou, entendeu? Eu não...
- É claro que eu entendi. É claro que eu entendi, porque foi exatamente o que aconteceu com a gente. Aqui no seu sofá, na sua sala, há um ano atrás. Só rolou, não é, Niall?
- Eu... – ele ficou sem reação por um momento. – , a gente nem estava junto ainda. A gente era só amigo, e eu estava preocupado com você, e...
- Ah, aí você quis descontar metendo a boca na Dora, entendi.
Dei as costas a ele e fui até seu quarto, tirando a blusa e jogando-a na cama.
- O que você está fazendo? – ele disse, me seguido.
- Me trocando. Eu vou embora.
- , não faz isso. O eu voo só sai à noite, nós ainda temos um dia inteiro para ficarmos juntos, e você não conhece nada aqui. Por favor, vamos conversar, tá legal? Você está exagerando.
- Eu estou exagerando?! – digo, pegando minha blusa da noite passada e vestindo-a virando-me para ele. – Eu estou exagerando, Niall? Você transou com uma das minhas únicas amigas no meu apartamento enquanto eu estava no hospital toda ferrada porque apanhei de um cara! Você só esperou que eu virasse as costas para comer ela no meu sofá! Você é nojento!
Coloquei minha calça jeans enquanto Niall voltava a andar de um lado para o outro no quarto e enfiei meu tênis nos pés sem prestar muita atenção. Quando me levantei, ele parou na minha frente, um pouco longe de mim.
- Escuta, aquilo não foi nada. Se eu soubesse que a gente ficaria juntos eu não teria feito, tá legal? É isso que você queria ouvir? Eu não teria fodido a Dorothy no seu sofá se eu soubesse que um ano depois eu iria...
- Você iria o que? Me foder no seu sofá?
Ele não respondeu. Peguei minha bolsa em cima da poltrona.
- Solta essa bolsa, . Solta essa bolsa agora e vamos conversar.
- Eu não quero conversar com você.
Ele deu mais uma volta e parou com a mão no rosto.
- Mas que porcaria! – gritou como eu nunca havia visto Niall gritar antes. – Que merda, ! Por que você está fazendo isso comigo?! Me fazendo sentir culpado por algo que não tem importância alguma?! Nós não tínhamos nada! Nós continuamos não tendo nada! Nunca tivemos! Isso me dá o direito de foder quem eu quiser, você entendeu?! – gritou. – você entendeu, ?! Eu não tenho culpa!
Dei um passo à frente, encarando-o de perto.
- Você pode foder quem quiser sem se sentir culpado por minha causa a partir de agora.
Passei por ele e fui em direção à porta, mas ele segurou meu braço antes e me fez olhar para o seu rosto.
- Você não pode ir embora. Eu... – Niall fechou os olhos e respirou fundo. – Foi você quem escolheu isso, se lembra? Foi você quem escolheu o anonimato, escolheu que nós não fossemos um casal.
- Porque eu não queria viver essa vida medíocre de popstar que você vive. Você acha que eu me importo com a sua fama? Que eu quero viver com você por causa das suas taças de cristais, dos seus Grammys, do seu dinheiro? Eu não quero isso, Niall. Eu estava aqui por causa de você. Eu vinha aqui todo mês para ver você, para ficar com você, e não queria ser reconhecida como a prostituta que Niall Horan vê uma vez por mês. Mas acho que é só isso que sou para você. Uma prostituta. Afinal, nós não somos nada. – puxei meu braço e me aproximei do seu rosto. – procura outra garota para pôr no meu lugar.
Virei as costas, mas antes, virei-me de novo, lembrando-me de uma última coisa.
- E ah – olhei para ele, decidida. – Há dois anos atrás prometi a mim mesma que homem nenhum podia me dizer o que fazer. Nunca mais ouse dizer o que eu devo ou não fazer.

Ao abrir meus olhos outra vez, me deparei com o sinal verde em minha frente. Um cara impaciente buzinava sem parar atrás do carro, e tratei de sair dali logo. Continuei dirigindo, até que Niall resolveu falar.
- ...
Não disse nada, e apenas esperei que ele falasse.
- , eu vim para me desculpar pessoalmente outra vez. Você ignorou minhas mensagens, minhas ligações e meus e-mails por um ano inteiro. Um ano inteiro, . É muito tempo, certo?
Desviei meu olhar para fora do carro e suspirei. Eu sabia que havia pegado pesado com ele. Sabia que devia ter respondido, pelo menos avisado que ainda estava viva, mas durante todo o ano que se seguiu depois daquilo eu simplesmente não conseguia suportar ouvir o nome dele. Haviam dois anos que eu estava me recuperando do incidente com Brad, e quando finalmente consegui entregar meu coração outra vez, eu entreguei de verdade. Eu acreditei que daria certo, porque Niall era a pessoa em quem eu mais confiava no mundo, e não havia motivo para dar errado. Mas deu. E eu saí machucada mais uma vez.
- Quando você voltou a me responder no ano passado, eu fiquei muito feliz. Senti tanto a sua falta, ! Mas você se recusava a ir me visitar ou responder meus e-mails de um jeito que exigia mais do que somente educação, e eu não suportava mais isso. Aí eu decidi vir aqui por mim mesmo.
Niall esperou que eu dissesse algo, mas quando viu que não ia rolar, suspirou e voltou a falar.
- Eu sei que vim tarde, tá legal? Dois anos depois daquela história toda. Mas a verdade é que eu não consegui esquecer de você. Eu ficava esperando que você ligasse. Eu tentei achar alguém melhor, alguém que me fizesse sentir do mesmo jeito, mas ninguém chegou nem perto de você. Porque... porque nós somos melhores amigos, . Porque você me conhece como ninguém, e porque eu amo... Eu amo o seu jeito de ser desde que te conheci, eu amo como você prefere ouvir a falar, e amo até o seu silencio. Eu amo como você muda de cor de cabelo e todos eles ficam bem em você, e eu amo a cor dos seus olhos. ... ...
Respirei fundo e tranquei a respiração quando percebi que meus olhos estavam quase transbordando. Eu continuava olhando para frente, prestando atenção na rua como se não conseguisse sustentar seu olhar caso eu o olhasse.
- , por favor... Por favor, olha pra mim.
Fechei meus olhos e deixei uma lágrima cair.
- Você demorou, Niall. – disse. – Você demorou muito, e eu pensei em desistir. Você pensa que me conhece, mas a verdade é que sou eu quem te conheço. Essa história não é sobre nós. É sobre mim. É sobre como eu fiquei te esperando por anos. Desde quando você se mudou eu estou aqui te esperando todos os anos, guardando o seu lugar, guardando a sua memória. Porque eu não consigo me desfazer de você. Eu não consigo deixar você ir. E... – fechei os olhos e mais lágrimas caíram, e apertei o volante com força. – E é por isso que eu não consigo seguir com a minha própria vida. É por isso que minha vida está congelada enquanto a sua voa. Eu...
- Eu vim te buscar. – ele disse, e tomou minha atenção de um modo que fez com que eu virasse para olhá-lo. – Eu vim porque a espera acabou, e quero você comigo. E se você não quiser ir, eu fico. Porque eu só quero você. Como, não importa. Desde que esteja comigo.
Eu o encarei por um segundo, e então um sorrisinho nasceu em meus lábios.
- Você...
- Eu te amo, .
Meu sorriso cresceu. Olhei para frente, com suas palavras ainda ecoando em minha cabeça, e a cena que vi não fez nenhum sentido. Mas foi só por uma fração de segundos. No segundo seguinte, o carro colidiu em uma pancada bruta, como uma explosão, e meu corpo foi jogado para frente com uma força arrebatadora. E depois de uma dor cruciante em minha cabeça, senti o mundo se despedaçando aos poucos em meu redor.

13 de Abril de 2021, 21:21 P.M.
- , querida?
Levantei meu olhar do livro que segurava para a porta do meu quarto.
- Sim, mãe?
Minha mãe abriu a porta e colocou a cabeça para dentro do quarto, olhando-me.
- Tem alguém aqui que quer te ver.
- Se for a Dora, diz para subir.
- Não é a Dora, querida. – sorriu.
- Quem é, então?
Ela sorriu outra vez, e fechou a porta.
- Eu vou mandar subir.
Bufei. Pior do que ser uma mulher de vinte e seis anos de idade que mora com os pais, é ser uma mulher de vinte e seis anos de idade que mora com os pais e tem uma mãe tão estranha quanto a minha.
Soltei a caneta que tinha em mãos dentro da página do livro que eu tinha em mãos e fechei-o. Fechei o caderno em meu colo também e soltei ambos em cima da minha cama, levantando da mesma e indo até a frente do espelho de minha escrivaninha. Parei ali e observei meu reflexo por um instante. Meu terapeuta recomendou que eu fizesse isso sempre que me sentisse confusa.
Passei as mãos em meus cabelos ruivos desde a raiz, e parei por um instante para sentir a cicatriz na lateral de minha cabeça. Suspirei.
A porta se abriu com um clique e acordei de meu devaneio, olhando para lá. Com certeza não era Dora.
Era ele outra vez. O garoto dos olhos azuis. Bem, ele não era bem um garoto. Já era um homem, sim. Tinha um ano a mais que eu, como me disseram. Mas por algum motivo, em minha cabeça ele ainda era um garoto. Tinha olhos de garoto. Sorriso de garoto. Voz de garoto. Sempre seria um garoto.
Niall, era o seu nome. Tinha uma cicatriz na testa que se originou no mesmo acidente em que a minha. Ele quebrara a perna e o cotovelo e teve várias fraturas expostas. Já eu não tive a mesma sorte. Aparentemente pelo que dizem eu não devia estar viva. Meu crânio simplesmente saiu do lugar, é o que eles dizem. Sofri traumatismo craniano, o osso que recobria meu cérebro rachou. Fui colocada em coma induzido e fiquei como um vegetal por meses. Acordei, um bom tempo depois, sem reconhecer minha própria mãe.
Niall já havia me visitado antes. Morava em Londres, mas nos primeiros meses logo que acordei ele sempre estava por perto. As pessoas diziam que eu me lembraria dele uma hora ou outra, mas eu não fazia ideia de quem ele era.
- Oi. – ele disse, sorrindo.
- Oi – respondi, e voltei a me virar para o espelho.
O garoto entrou e sentou na ponta de minha cama com uns cadernos pequenos em mãos. Eu o via pelo reflexo.
- Sabe o que eu percebi? – olhou para mim pelo reflexo também. – É meio louco, porque não é proposital. Mas há anos que eu venho para a cidade no exato mesmo dia. Treze de Abril.
- Treze de abril. – repeti. Às vezes eu precisava repetir várias coisas. Meu terapeuta quem recomendou, também. Eu as repetia em voz alta quando sabia que já ouvira antes, e então me lembrava. – O dia do acidente.
- Sim. Há exatamente um ano atrás, .
Virei-me de frente para ele e mordi meu lábio.
- Por que você me chama de ? Todos me chamam de . Só você me chama assim.
Ele sorriu, mas não respondeu, e abaixou o olhar para as mãos.
- O que é isso que trouxe aí?
Ele levantou o olhar para mim e fui até a cama, sentando ao seu lado.
- São coisas suas, na verdade. Eu peguei no seu antigo apartamento, se não se importa. Não os abri, mas achei que você gostaria de abrir.
Peguei um dos cadernos, e abri na primeira folha. Não havia nada escrito lá, mas algo me ocorreu.
- É um diário?
- É. – ele assentiu. – Você escrevia quando tinha quinze anos. Eu não sei se escreveu mais depois disso. Eu... não estava aqui.
- Onde você estava?
Niall sorriu outra vez.
- Sabe, , antigamente você costumava fazer menos perguntas. Falava só o necessário. Era como uma marca registrada de você.
- Você está querendo dizer que eu preciso calar a boca?
Ele riu.
- Não. Não, de jeito nenhum. Eu gosto de ouvir a sua voz. Só comentei.
Fiquei quieta por um segundo, enquanto passava as folhas do caderno. Parei em uma em especial que tinha apenas uma frase escrita e nós dois lemos.
“Niall sempre vai ser o meu melhor amigo, não importa o quanto esteja mudado, porque ele continua sendo a pessoa que eu mais admiro no mundo.”
- Eu acho que gostava muito de você.
- É o que dizem – ele empurra devagar meu ombro com o seu e sorri.
- O... o médico disse que eu poderia mudar. – olhei-o. – Que eu poderia ser diferente em alguns aspectos depois de... Você sabe, do que aconteceu.
Ele assentiu, e ficamos em silêncio por um tempo.
- Às veze eu desejo poder me lembrar. – falei, baixinho.
Ele nega com a cabeça e olha para baixo.
- É melhor que você não lembre. – diz, e passa os dedos de leve no dorso de minha mão, em uma cicatriz que acredito ser do acidente.
- Todos acham que eu mereço lembrar. Por que você discorda?
- Porque eles não te conhecem como eu conheço – ele fala, tão simplesmente que me sinto tola. – Existem poucas partes da sua vida que realmente te agradavam. Existiram muitas partes ruins. Às vezes eu quase desejo que você se lembre, para poder lembrar de mim, , mas... mas não posso. Simplesmente não posso. – ele diz e se levanta, soltando o resto dos diários e indo para a porta rapidamente.
Levantei-me rápido.
- Por que?
Ele se virou para mim.
- Por que você não pode?
- Porque seria egoísmo. – ele sorri fraco e abre a porta. – Você merece uma segunda chance de ter a vida que sonhou. – e, falando isso, Niall saiu do quarto.

13 de Abril de 2023, 16:15 P.M.
- Você vem, ? – Carl chamou, puxando Evelyn com ele. – Para o café?
-Aah, não. Eu vou encontrar um amigo, mas fica para amanhã, tá legal?
- Tudo bem. – Evelyn concordou enquanto seu namorado dava de ombros. – Se cuida, e ah! Não esquece de fazer sua parte do trabalho!
Sorri e dei tchau com a mão, me afastando do casal de amigos. Carl e Evelyn eram provavelmente meus melhores amigos desde que eu chegara em Londres. Eu gostava de ficar sozinha, essa fora uma das primeiras coisas que descobri sobre mim logo após o acidente, mas também adorava sair com os dois e mais alguns colegas depois da faculdade.
Eu estava cursando medicina na Universidade de Londres há seis meses. Ganhara uma bolsa depois que prestei o vestibular, e meu pai me deu um apartamento com o dinheiro que guardava de suas economias. Era humilde, pequeno, mas era a minha cara. E era apenas meu.
Hoje faziam dois anos desde o acidente, e devido a isso eu e Niall tomaríamos um café perto da Universidade. A data tinha pouco significado para mim. Pelo menos muito menos do que tinha para ele, por questões que eu não conseguia compreender e acho que nunca mais conseguiria.
Cheguei ao local marcado e esperei por alguns minutos lendo um livro de medicina da faculdade. Eu escolhera esse curso porque me apaixonei pela profissão quando passei meus primeiros meses no hospital, recebendo tratamento dos médicos e enfermeiros dos quais eu nunca conseguia lembrar o nome. Decidi prestar o vestibular pouco tempo depois que voltei para casa e dar um rumo em minha vida, que eu também não compreendia porque ainda não estava com o rumo tomado.
Niall chegou na hora prevista. Eu e ele nos víamos às vezes, muito mais frequentemente agora que morávamos na mesma cidade. Eu gostava da sua companhia, apesar de não entender porque ele se recusava a falar qualquer coisa sobre meu passado. Ele não contava absolutamente nada sobre nós dois ou apenas sobre mim. Dizia sempre a mesma coisa. “Confie em mim, . Esse acidente pode parecer uma catástrofe, mas te deu uma nova chance. Te deu a chance de arrumar sua vida e deixar para trás coisas que te impediam, então apenas confie em mim e siga em frente.” E por algum motivo, eu confiava.
- Vinte e oito anos em Julho, hum? – ele sorriu. – Está ficando velha.
- E você? Não faz vinte e nove em setembro? – ri. – Cuidado com o que fala, Horan.
- Tudo bem, me pegou. – ele revirou os olhos. – Mas eu estou tranquilo.
- Ah, é? Eu duvido. Todo mundo fica pirado quando está se aproximando dos trinta.
- Eu estou tranquilo. – ele repetiu. – Na verdade, estou ansioso para os meus trinta anos. – riu.
- Tá legal.
Uma garçonete apareceu para anotar o pedido de Niall e ele pediu apenas um café preto.
- Tive que parar com a Coca-cola. Meu médico disse que meu colesterol está muito alto para alguém com vinte e oito anos.
- Por que é que você sempre me traz um sentimento de deja vu?
Ele sorriu e deu de ombros, tomando um gole de seu café.
- Hum, mas e aí? Como vai a vida?
- Muito bem, obrigado. E a sua?
- Eu estou bem. Tentando estudar ao máximo e curtir também antes que eu fique velhinha que nem você.
Niall riu.
- Tudo bem, , vim aqui te fazer um convite.
- Já estava na hora de chegar no momento em que eu me beneficio! – disse e ri. – fala.
- Eu vou ficar dois meses fora trabalhando em um projeto com a banda na América, e antes disso queria te convidar para ir lá em casa. Você sabe, passar a última noite antes de viajar com uma velha amiga, curtindo, bebendo um vinho, talvez dançando...
Ri.
- Eu sou péssima com dança.
- A prática leva à perfeição.

13 de Abril de 2025, 19:50 P.M.
Eu acabara de chegar de uma comemoração especial no pub de perto da faculdade. Estava comemorando a chegada do meu último semestre da faculdade junto com outros amigos.
Ao chegar em casa, enquanto tomava um banho relaxante, percebi que eu me sentia feliz. Foi algo estranho, porque eu sabia como a felicidade era, sabia o que ela provocava, mas por algum motivo, era como e eu a sentisse de verdade pela primeira vez.
Eu estava com quase trinta anos. Pela primeira vez sentia que não havia desperdiçado minha vida. Sentia que tudo estava se encaminhando para o lugar certo. Eu tinha amigos legais, estava terminando minha faculdade, tinha uma cor de cabelo da qual eu gostava muito. E além disso, é claro, tinha um namorado. Um namorado, com 29 anos, quando eu já devia ter até filhos. Sim, e daí? Eu me sentia feliz. Me sentia feliz e realizada. E era algo que eu podia sentir para o resto da vida.
Ao sair do banheiro e trocar de roupa, ouvi a campainha tocar e fui atender com um copo de refrigerante em mãos. Abri a porta e Niall pulou para dentro, beijando minha boca rapidamente antes de espiar para dentro do copo.
Afastei o copo dele, sabendo que era algo que ele não podia tomar.
- Feliz um ano de namoro. Não comprei uma bombinha de confete porque eu não achei, e eu juro que procurei, mas... Eu achei isso. – tirou um buquê de trás das costas e eu ri.
Peguei o buque, soltando o copo, e cheirei as flores.
- Muito obrigada, amor.
- Agora, . – ele pegou minha mão e me puxou até o sofá, me fazendo sentar ali com ele. – Eu tenho outro presente. Que na verdade é uma proposta.
- Tá legal. – sentei-me e prestei atenção nele. – Eu sou toda ouvidos.
Niall respirou fundo.
- Quando nós tínhamos quinze anos eu fiz uma promessa com você. Prometi que, se você não tivesse ninguém até seus trinta anos, eu largaria tudo que tenho para ficar com você. Disse que nós poderíamos fugir, ir para algum lugar, qualquer lugar, viver onde você quisesse.
- Certo – sorri.
- E hoje, quinze anos depois, eu estou te propondo cumprir essa promessa.
Niall soltou duas folhas em meu colo e eu as olhei. Elas eram, na verdade, duas passagens de avião para a Austrália.
- O que? Niall? O que é isso? – olhei-o, surpresa.
- – ele tirou uma mecha de meu cabelo do meu rosto. – Eu amo você. Eu estou certo de que quero ficar com você desde... – ele riu. – muito tempo atrás, e... E se você aceitar, quero te propor isso agora. Vamos sair. Vamos viajar, conhecer o mundo e conhecer um ao outro. A gente pode voltar em alguns meses. Mas vamos só... Sair por aí sem rumo como se... Como se tivéssemos quinze anos outra vez. É isso que estou te propondo. Outra chance para viver todos os anos que você perdeu em apenas alguns meses. E aí? O que me diz?
Fiquei catatônica por um tempo.
- Mas... Niall, eu... Eu tenho a faculdade, eu... você... tem a banda, e nós... a gente só está junto há um ano. Eu não posso... E a minha faculdade?
- Você tranca! Você acabou de chegar no semestre final, merece umas férias. Depois que voltar, você continua e se forma!
- Eu... – balancei a cabeça. – E... e a banda?
- A gente teve uma reunião hoje. Vamos entrar em férias outra vez. Férias de dez meses, como fizemos há alguns anos atrás.
Coloquei meu cabelo atrás da orelha e encarei as passagens outra vez.
- Não tem porque não ir. Você sabe que quer aceitar, . E sabe por quê? Porque esse era seu sonho há quinze anos atrás. E lá no fundo continua sendo. Eu quero refazer a minha turnê de 2014. Quero visitar todos os países que conheci na turnê daquele ano, mas dessa vez só eu e você. Vamos lá, . Vamos fazer uma loucura antes que seja tarde demais! Eu juro que se quiser voltar, a gente volta na mesma hora.
Pensei por um tempo. A verdade é que era irrecusável. Ele estava certo. Eu sentia dentro de mim que sempre quis aquilo. E tinha certeza que amava Niall. Não tinha como evitar.
Olhei as passagens outra vez, e percebi que a data do voo era para o dia seguinte. Levantei os olhos para ele.
- Eu vou fazer as malas.

FIM



Nota da autora: Essa foi minha primeira história com personagens acima de 22 anos, e eu gostei do resultado. Espero que quem leu tenha entendido o recado principal: Todo mundo tem uma chance para ser quem sempre quis ser. E se algum dia parecer que tudo está perdido, a gente só precisa dar um passo atrás e retomar o foco.
Além disso, gostaria que quem leu parasse um momento para pensar no tempo. Em como ele é relativo e passa muito rápido, e temos que aproveitá-lo.
Espero que tenham gostado.
Laís x




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