Charlie Brown
Autora: Marielly Atala | Beta: Thais


1. The “A” Team

OS PEQUENOS FLOCOS de neve caiam incessantemente do céu londrino. O movimento nas ruas aumentava cada vez que às seis horas da tarde se aproximava, o famoso “horário de pico” era mais intenso na sexta-feira.
No meio de todos aqueles rostos desconhecidos um, apenas, se destacava. A pele branca como a neve delicadamente salpicada com algumas sardas, os olhos tão azuis quanto às águas dos oceanos, lábios finos e rosados, cabelos castanhos que esvoaçavam de acordo com o ritmo do vento, porém, atrás do corpo pequeno e dos olhos grandes estava um coração imenso, maior e melhor do que qualquer órgão daquele singelo corpo.
dá passadas rápidas, sabia que Hugh, seu chefe, brigaria se ela atrasasse novamente. Para em frente ao bar as seis e cinco, sorri para Joseph, o segurança, e entra.
- O que eu posso fazer com você, doce ? – Hugh aparece na porta do escritório assim que ela pisa no estabelecimento.
- Desculpe-me. Isso não irá se repetir. – Diz baixo. Era a quarta vez na semana, o chefe não acreditaria.
- Vá se trocar, abriremos daqui cinco minutos. – Faz uma pausa, pensativo. – Você fica no bar, dançará essa noite.
Assente relutante.
- Oi! – está no vestiário terminando de fazer sua maquiagem. – Como você está?
- Eu estou bem, obrigada. – é uma das poucas amigas que tem. Elas haviam se conhecido no ensino médio, e não se separaram desde então.
- Odeio dançar para esses velhos bêbados. – Resmunga enquanto guarda os pincéis em seu estojo. – Espero pelo menos ganhar uma boa gorjeta, estou precisando. – O sotaque carregado revela o quão americana é.
Seu celular bipa, com toda certeza é o namorado.
- Ficarei no bar, graças a Deus. – passa-lhe a fantasia da vez. A roupa é curta e pelo menos uns dois números menor do que o manequim de , os detalhes dourados e vulgares deixam algumas partes do corpo, além das pernas e braços, a mostra. A única diferença da roupa daquela noite é a máscara dourada. – Máscara?
- Como se todos já não soubessem quem nós somos. – revira os olhos enquanto termina de digitar uma mensagem. – Quer que eu te arrume?
assente.

****


- Cansado? – aparece na porta do escritório, onde lê alguns papéis.
- Um pouco. – Sorriu para o amigo.
- Os caras estão indo para o bar, vamos? – assente. – Vamos para um diferente hoje.
- É? Qual?
- Katrine. – Riem. – Ideia do Adam.
- O que vou falar para a Amber?
- Amber, querida, vou a um bar de strippers com os caras do hospital. – diz com a voz aguda. – Volto para o jantar.
ri e pensa por alguns segundos.
- Vamos antes que eu me arrependa.
O bar Katrine fica em frente ao hospital público onde os amigos trabalharam esta noite. Como qualquer sexta-feira, no final do expediente, todos saiam para beber antes de voltar para casa e encontrar a família, e naquela, certamente, não seria diferente.
Atravessam a rua e encontram Thomas, Adam e Phillip atrás de algumas pessoas na longa fila.
- Achei que tivessem desistido, maricas. – Adam caçoa. Ele já beberica um líquido aparentemente gelado de uma garrafa verde.

O bar já está cheio, uma música agitada preenche o lugar, diferente da expectativa dos cinco companheiros, ninguém dança semi-nua em cima do balcão. Alguns amigos de sentam-se na mesma minúscula mesa redonda de aço inoxidável que eles.
- O tão famoso Katrine é isso? – Thomas zomba e um dos velhos carecas de terno preto e gravata vermelha ri.
Eles se perdem em uma conversa qualquer.
Amber surtaria se soubesse onde está.
O que será que ela está fazendo?
Jantando com sua mãe em um restaurante chique, talvez.
Ou com Ashley, sua irmã mais velha.
Ela não se importaria se não jantassem juntos mais uma vez, aliás, nunca jantam juntos.
Para aliviar a consciência pesada, saca o celular do bolso e digita uma mensagem para sua noiva.
“Amb, estou bebendo com os caras, não devo demorar, não se preocupe” - Pare de se justificar. – sussurra em seu ouvido. Ele está quase bêbado, mas não deixa de ter razão. - Ela já é bem grandinha para entender.
Suspira.
- Vou pegar alguma coisa para beber. – empurra a cadeira com as costas e ruma para o bar.
Sabe que tem que escutar seu amigo, sabe que ele está certo mais uma vez. Há quanto tempo ele não tem uma noite com os amigos depois do trabalho? Há quanto tempo ele não sai para beber? E quando sai ainda tem que aguentar as amigas frescas de Amber.
Quando dá por si, já está parado em frente ao balcão. Uma bela moça o encara por algum tempo. Talvez, tempo demais.
- Senhor, senhor, – Uma voz o desperta de seus pensamentos. – o que deseja? – A voz está impaciente, mas não desvia seus olhos dos olhos dela. Castanhos em azuis. Lindos. – Senhor! – A voz é doce, mas dessa vez a paciência se esgotou.
- Perdão, senhorita. – pisca algumas vezes e as imagens ficaram mais nítidas. Uma bela moça curvilínea presa atrás de uma máscara dourada. – Uma Heineken, por favor.
- Cinco libras, senhor. - Os olhos do homem param no pulso estendido da garota, lá está um fino bracelete dourado com pedras vermelhas. – Senhor, tem uma fila. - Ele balança a cabeça e estende uma nota de cinquenta.
- Fique com o troco.
E sai.

****


Brown

- Ele te deu as cinquenta libras e saiu? – faz a mesma pergunta pela décima vez.
Estamos no final do expediente. O relógio beira a meia-noite. Penso no táxi que posso pagar com a gorjeta que ganhei.
- Sim, acho que ele estava bêbado, ficou parado me encarando durante um bom tempo.
- Deveria estar chateado. – Assinto.
- Ele era bonito? – Rio.
Termino de tirar a maquiagem em silêncio. guarda as fantasias no armário e desliga as luzes.
- Vamos?
Dou um sorriso fraco.
Meu estômago se contorce de fome.
Do lado de fora do bar o vento é cortante, consigo um táxi rápido e estou dentro dele segundos depois. se recusou a vir comigo, acho que vai se encontrar com o namorado secreto que ela nunca me apresenta.
Quando o carro para no portão do meu prédio desperto do meu rápido cochilo. O porteiro está dormindo sentado em sua cabine, sorrio para sua imagem.
Moro sozinha em um apartamento pequeno com sala, cozinha, dois quartos, lavanderia e um banheiro, não mais do que o necessário.
O telefone começa a tocar quando abro a porta.
- Alô?
- ! Amore mio!
- Mama, como vai?
- Muito buona. Tenho sentido saudades de voi, amore.
- Eu também, mama. Mas não tive tempo para ligar.
- E perché no?
- Estou trabalhando muito.
- Venha para a Itália per ficar con me!
Ri.
- Preciso ir, mama. Estou cansada.
- Durma con agli angeli, piccola .
- Amo você, Mama.
Pego minhas coisas e saio dali, a noite não acabou, e tenho mais algumas coisas para fazer.

****




- Bom dia, amor. – Amber sussurra em meu ouvido.
Resmungo.
Procuro o celular.
São seis da manhã, porra!
Acabo de acordar de um sonho de olhos azuis.
- Bom dia. – Balbucio.
- O que você acha de irmos correr?
- Agora?
- É, Jer, agora.
- Estou cansado, Amb, me dê mais uma hora, por favor. – Murmuro já virando para o outro lado da cama.
Como foi que eu cheguei aqui ontem?
- Tudo bem, - Ela pula da cama e cruza os braços na minha frente. – eu vou com a Ashley.
Não vi quando, ou se Amber saiu do quarto. Acordo às nove e meia da manhã de um sábado parcialmente ensolarado, um dia bom para dar uma volta pelo centro, sozinho.
Tomo uma ducha morna e visto roupas mais finas do que costumo vestir diariamente, coloco a carteira e o celular no bolso, e deixo um bilhete em cima da escrivaninha para Amber, caso ela volte para minha casa hoje.
Nosso noivado foi no mês passado, e foi precipitado demais. Nossos pais são sócios, e aquela clássica história de casar seus filhos não poderia ficar de fora. Nós discordamos em quase todos os aspectos, eu tenho trinta anos, ela tem vinte e seis. Eu trabalho, ela faz compras. Eu quero um casamento simples, ela quer imprensa e tudo mais. E o maior problema de todos: eu quero filhos, ela não.
Ora, calculemos, eu não estou tão novo assim, se não tiver um filho agora, não terei mais.

As ruas estão abarrotadas, não consigo dar um passo sem esbarrar em alguém. Passo no hospital para ver alguns pacientes, e sigo até o banco que fica na esquina para sacar algum dinheiro.
- Perdão – Digo pela milésima vez naquela manhã para qualquer estranho que me olha torto.
Ao entrar pela porta giratória encontro poucas pessoas usando os caixas eletrônicos. Paro atrás de uma mulher com longos cabelos castanhos, ela parece nervosa, mas logo termina sua operação, pois o caixa eletrônico apita.
Ela se vira com a mão na nuca e para. Naquele instante o tempo parece se fracionar. Seus olhos azuis, o bracelete dourado pendurado em seu pulso, eu a conheço.
- Com licença. – Ela diz. – Senhor. – Sussurra. Um sorriso mínimo brinca com o canto dos meus lábios, ela se lembrou de mim, e estou estranhamente feliz por isso.
Dou um passo para o lado, mas assim que ela ameaça passar por mim, seguro seu braço.
Suas pupilas se dilatam a espera de uma resposta.
- Qual é o seu nome? – Sussurro. A garota sob meus dedos se desmancha.
- Não conheço o senhor, como vou lhe dizer meu nome?
Sorrio.
- Sou . Dr. . Muito prazer. – Estendo a mão, mas ela não a toca. – Você é a garota do bar. – Sussurro.
Seus olhos ficam duros. Quase petrificados.
- Eu preciso ir. – Aperta a bolsa contra seu corpo e sai do banco.
Meu Deus! Quem é essa mulher?

****


- Fala, . – Atendo o celular já caminhando para casa.
- Cara, desculpa te ligar assim, você já estava acordado?
- Sem problemas, eu estou na rua.
- Ótimo então, você se lembra da ?
- Sim, o que tem a ?
- Digamos que eu estou noivo. – Engulo em seco. . Noivo. É uma piada?
- , eu não sei o que te dizer.
Ele ri.
- Acho que fiz a coisa certa, ela é uma boa pessoa, você vai gostar dela.
- Poderia te dar essa certeza, mas você nunca quis que eu a conhecesse.
- Você sabe como são as mulheres, não é?
Solto uma risada nasalada.
- Então, parabéns!
- Obrigado, Jer! Eu te amo, cara!
Damos uma gargalhada simultânea.
- Em todo caso, quer fazer um jantar amanhã à noite aqui em casa, tudo bem para você?
- Ótimo.
- E tudo bem se você não trouxer a Amber?
Por essa eu não esperava.

- Por que não, ? - Ah, Jer... Você sabe... Não sei como te explicar isso, mas não acho que a Amber vá gostar da , e quero que tudo esteja perfeito.
- Se você está pedindo... – Deixo um suspiro escapar.
- Obrigado, Jer. Me desculpe por isso. Até amanhã.

Volto para a minha casa vazia. Amber não voltou, e com toda certeza não voltará, não hoje. Vou até a cozinha e abro uma garrafa de vinho tinto, encho a taça até a metade e sento em um dos bancos de aço, esparramo alguns papéis sobre a bancada e quando meus olhos começam a focalizar as letras miúdas o furacão Amber entra.
- Por onde você andou o dia todo? – Senta-se no banco ao meu lado. – Te liguei, mas você não me atendeu.
- Estava ocupado. – Folheio os documentos sem interesse. – Estou precisando de um tempo.
- Você vive ocupado, . – Ela resmunga cruzando os braços. – Mal tem tempo para mim. – Entrelaça seus braços nos meus. – Por que não viajamos? Que tal Moscou, ou até mesmo Lisboa. Ah, nós podemos nos casar na Catedral de Santa Sofia, na Ucrânia. Seria mágico!
- Amber, por favor. – Reviro os olhos. – Isso tudo é demais para mim. Não sei se é uma boa ideia.
- É uma ótima ideia, meu amor. O casamento...
- Não a igreja, não as viagens, mas o casamento. Não sei se quero isso.
Ela dá uma risada nervosa.
- Como não sabe se quer, ?
- Não sei, ok? Não sei se sou capaz de fazer tudo o que você quer.
- Não fale besteiras, , céus.
A essa altura, Amber já está de pé. E eu também.
- Preciso de um tempo para pensar.
- Pensar, você quer pensar?
Seus olhos já estão encharcados, ela os limpa com as costas da mão e dá uma fungada nada educada para uma moça.
- O que você tem para pensar? – Se pronuncia diante ao meu silêncio. – Você vai me deixar? – Sua voz cai algumas oitavas.
- Eu não sei, Amber.
Ela suspira.
- Você nunca tem certeza de nada, sempre “acho que sim”, “acho que não”. – Murmura. - Pense, pense o tempo que for necessário. Você só vai perceber que eu sou perfeita para você. – Reviro os olhos.
Não é bem assim...
- Volte para os seus plantões, as senhoras do botox precisam de você.
- Não fale assim, por favor.
- Como você quer que eu fale? – Ela explode.
Por que estamos discutindo?
- Meu noivo está me dando um pé na bunda e você quer que eu tenha calma?
Sinto vontade de rir, mas não o faço.
- Eu não estou te dando um pé na bunda. – Faço aspas com as mãos.
Amber anda de um lado para o outro, e o barulho de seus sapatos batendo contra o piso me irritam.
- Por que você não me quer mais?
Senhor, como essa mulher é exaustiva!
Não vejo outra alternativa se não a sinceridade:
- Acho que estou apaixonado por outra pessoa.
****


Brown

- Ah, , obrigada, obrigada! – solta suspiros altos. – Estou tão feliz.
- Finalmente vou conhecer o . – Digo sugestivamente fazendo rir.
- Posso passar as oito para te buscar?
- Não se preocupe, eu vou de táxi.
Conversamos por mais alguns minutos até que Hugh aparece murmurando algumas palavras desconexas ao telefone.
- Cinco minutos, meninas. – Diz afastando o telefone do ouvido.
Assentimos e ele dá meia volta.
A noite no Katrine é parada, uma música brasileira sai baixa das caixas de som gigantescas, e Lionel, o Dj, ronca em sua cadeira de aço.
Rolo os olhos.
- E quando um certo alguém, desperta o sentimento entoa com seu péssimo português.
Dou um risinho.
- Você viu quem voltou? – Nego, e olha disfarçadamente para uma mesa no canto do bar. E lá está ele. Dr. .
Sentado sozinho em uma mesa para quatro e recebendo olhares devassos das dançarinas.
Será que está esperando alguém? Sua noiva, talvez.
Deixa os ombros cair.
A imagem do anel prateado no seu dedo anular volta à minha mente. Chacoalho a cabeça, tentando espantar os pensamentos.
Seus olhos castanhos viajam pelo recinto, e por um momento, só por um momento, desejo saber o que ele está pensando.
Ele passa os longos dedos nos cabelos que estão um pouco mais compridos que o normal. Sua camisa branca está amarrotada por baixo de um casaco preto de couro.
- Vá atendê-lo. – me dá beliscões, mas eles não me machucam.
- Nã-não, - Ela revira os olhos. Penso por alguns instantes. Não seja boba, , daqui quantas vidas você terá uma chance como essa? ...
- Hm?
- Você pode me dar um cardápio? – Ela sorri vitoriosa.

Meus saltos parecem desmanchar como areia a cada passo que eu dou, e meu corpo parece não sustentar o próprio peso. Devo estar mais branca que o normal.
Não sei a razão pela qual resolvi atender o Dr. Bonitão. Meu inconsciente me olha de cara feia. Não consigo nem ficar em pé. E hoje tem tantas garçonetes disponíveis. Ah, Senhor!
- Boa noite, senhor. Gostaria de fazer seu pedido? – Meus instintos sambam dentro de mim, só pelo fato de ter pronunciado todas as palavras completas.
Suas pupilas se dilatam assim que seu olhar encontra o meu. Azuis e castanhos. Minhas pernas tremem. Seu silêncio é perturbador.
Vamos lá, diga alguma coisa.
- Um Gim-tônica, por favor, . – Seus lábios desenham meu nome e eu coro instantaneamente.
Agarro a plaquinha prateada onde está escrito meu nome por instinto e ele dá um sorrisinho.
- Quer se sentar?
- Eu estou trabalhando. – Me viro para voltar ao bar, mas ele agarra meu braço, como de praxe. Por que praxe? Meu inconsciente ralha comigo – Vocês só se viram duas vezes.
Decida-se inconsciente!

Ele fica de pé e puxa uma das cadeiras.
- Uma bebida, por minha conta. – Uau, como ele é alto. Minha cabeça passa alguns centímetros de seus ombros largos.
Ombros...
- Estou trabalhando, não posso. – Não olhe nos olhos, não olhe nos olhos...
Saio como um raio até o bar. está me esperando.
- E aí? Por que demorou tanto? – Ela tem um sorriso malicioso.
- Um Gim-tônica, Jullie. – Ela resmunga em voz alta, mas não entendo uma palavra sequer, ou quiçá não faça nem questão. – Ele me convidou para sentar.
solta uns gemidos eufóricos.
- Você nem olhava para ele, ! – Reviro os olhos. – Não sei como ele ainda insiste...
- Se eu olhasse, não estaria aqui agora. – Faço um estalo com a boca e saio:
A bebida está pronta.

- ! – grita e se joga nos braços de um homem alto e musculoso. Ele dá um beijinho em sua testa. – Ah, querido, essa é Brown, minha amiga. – Ele abre um sorriso enorme e aperta minha mão.
- Bom conhecer você. – Tento parecer séria, mas é difícil.
Suas mãos são grandes e quentes, nem parece que ele acabou de enfrentar o mal tempo lá fora.
- Digo o mesmo.
- Vim buscar vocês para jantarmos, que tal? – Por que o plural?
- Seria ótimo. – Sorri. – Você vem, não é ?
Hein?
- Ah, acho que sim. – Coço a nuca intrigada.
- Estamos acabando aqui, só vamos trocar de roupa. Quer beber alguma coisa?
analisa o local com os olhos e parece encontrar alguém conhecido.
- Não, obrigado. Espero por vocês ali. – Não tenho tempo de ver onde, já que está me puxando para o vestiário.

****


Uma Mercedes para em frente à boate, Joseph solta um assovio indiscreto. Reviro os olhos. Mas é quando o Dr. de dentro do carro que o meu queixo quase perfura a calçada.
Como é que é?
- , esse é , meu amigo. – diz com educação, mas seu tom mostra que ele está a par de toda a situação.
!
Seus lábios se curvam em um sorriso discreto.
- Muito prazer, senhorita. – Seus lábios crispam ao meu olhar desdenhoso.
Como pode!
aparece em um carro esportivo de duas portas.
Meus olhos saltam das órbitas oculares.
- Você se incomoda em ir com o , ?
SIM!
- Não.
O carro é insuportavelmente lindo por dentro. Suspiro.
- Então, faz tempo que você trabalha no bar? – As pessoas ficam para trás em uma velocidade absurda, não tem mais neve, mas o vento frio ainda sopra.
- O senhor se importa em diminuir a velocidade? – Aponto para o velocímetro que marca 90 km/h. E então o ponteiro vai descendo. – Trabalho lá há dois anos. – Mordisco minhas cutículas que são mil vezes mais interessantes do que encarar o cara que está ao meu lado. – O senhor é médico? - Tem uma maleta preta e um jaleco branco no banco de trás.
- Pare de me chamar de senhor. – Engulo em seco. Sua voz está mais grave. – Sou cirurgião plástico.
- Ah, interessante.
Ele dá um risinho nasalado.
- Você não é daqui, é?
Nego.
- Sou da Itália, mas moro aqui há quatro anos.
Após cruzar o sinal, o carro para em frente a um restaurante japonês. Manzoku está escrito em letras grandes e pretas. O movimento do lado de fora é pequeno, e logo vejo e a nossa espera.
- Vamos? – Não tinha percebido que o Dr. já tinha descido do carro e estava do meu lado com a porta aberta.
Aperto o casaco contra o meu corpo e caminho até , que sorri.
- Já temos uma mesa, vamos?

**** Apesar de ser italiana, sou uma grande fã da culinária japonesa, então, peço um temaki de legumes e meu estômago ronca quando um rapaz baixinho coloca o prato a minha frente.
- Tem passado os dias amarrada, Srta. Brown? – murmura indiscretamente em meu ouvido. Arregalo os olhos.
Na verdade, sim.
Mas é melhor não comentar.
enfia um Sushi na boca e solta um gemido.
- Estava morta de fome. – Dou um sorrisinho em concordância.
- A senhorita deveria comer. – Ah, ele tem problemas com comida também? Um Christian Grey não é suficiente para o mundo?
Dou uma mordida generosa no meu jantar.
Está delicioso.
Termino em poucos minutos.
Todos estão conversando.
Não tenho dinheiro para pagar isso tudo.
sorri para mim.
- Estava bom? – Assinto.
A maneira como seus lábios se curva quando ele sorri é tão bonita, dá até vontade de beijá-lo. Meu inconsciente fecha a cara.
Sua mão está pousada em cima da mesa, e o anel prateado não está mais lá. Sorrio, mas desvio o olhar quando seus olhos param juntos aos meus.
chama o garçom e logo o baixinho dos olhos puxados está lá.
- , vamos ao toalete?
para em um cantinho cheio de flores onde tem uma pia alta e branca e um espelho redondo. Meu reflexo me assusta: rosto pálido e lábios brancos.
- Sua mãe me ligou, – Abre a torneira e coloca um pouco de sabonete liquido nas mãos. – ela me disse que está preocupada com você.
Engasgo com a minha própria saliva.
- E ela disse o motivo?
Tenho vontade de rir, mas não posso.
- Você já se olhou no espelho?
Não reajo.
- , você está mais magra, mais pálida, quase não come. Tem certeza de que não está doente?
- Meu único problema aqui é a falta de dinheiro, . Tem sido assim desde os meus dezoito anos, cada noite um cara estranho, lutando para pagar uma porcaria de um aluguel.
- A vida está te dando uma nova oportunidade, você não vê?
e acenam da porta do restaurante.
É hora de ir para casa.

****

- Dr. , a paciente do 247 voltou a sentir dores. – Juliet, a enfermeira que estava de plantão naquela tarde, me entrega a ficha e o estetoscópio.
- Obrigado, Juliet, eu já vou. – Coloco o objeto ao redor do pescoço e espero a moça sair da sala para poder ligar para .
- Fala, doutor. estava no segundo turno se seu plantão, já que sairia de férias na semana seguinte, e sua voz entregava o quão cansado ele estava.
- Vou precisar da sua ajuda para fazer os enxertos na Sra. Lincoln amanhã, ok? – Juliet aparece novamente com uma cara de reprovação.
- Sem problemas, mas ela consegue ficar até amanhã?
- Consegue, ela está bem.
- Ótimo, vou ter que desligar, minha paciente chegou. Até mais tarde, Jer.
E desliga.
- Vamos, doutor! – Juliet já está estressada. Suspiro e caminho tranquilamente até o apartamento 247.
- Boa tarde, Sra. Bennet. – A mulher estava encolhida na cama. – Como a senhora está?
- Ah, Dr. , está doendo muito. – Ela agarra minha mão com muita força. Ai, caramba!
- Eu vou receitar um relaxante muscular. Isso é comum, Sra. Bennet, fique tranqüila. Porém o quadro varia de pessoa para pessoa, dependendo da quantidade de gordura retirada na lipoaspiração. Ela apenas assente, peço os medicamentos à Juliet que diz já estar a caminho.
Saio do quarto para atender meu celular que vibra incessantemente em meu bolso.
- .
- , preciso da sua ajuda no centro cirúrgico B, agora. – A voz do Dr. Ferraz estava mais cansada que o normal. Suspirei.
- Estou indo.

**** - Parabéns, ! Estou muito feliz por vocês. – O jantar de noivado de já havia começado há algumas horas, e graças a cirurgia inesperada eu estava atrasado.
Muitas pessoas conhecidas já circulavam a vistosa cobertura do mais novo casal, que estava com um clima bem ameno com uma música ambiente tocada por uma banda localizada mais ao fundo da sala de estar. Na varanda, algumas mesas proporcionalmente distribuídas e uma concentração maior de murmúrios.
- Obrigada, ! – Ela me deu um abraço, o qual retribui desajeitado. – Pensei que você não viesse.
Adam acenou de longe, e ao seu lado está uma loira muito alta. Dou um sorrisinho discreto, voltando a prestar a atenção em .
- Tive uns problemas de última hora no hospital. – Abre um sorriso e se junta a conversa me dando um aperto de mão.

Tomo meu segundo drink quando vejo entrar discretamente. Ela dá um abraço apertado em , que desfaz o sorriso ao olhar a garota dos pés a cabeça. veste um sobretudo e botas pretas. Me pergunto o porquê dela não tirar o casaco.
- Não sabia que a tinha clientes hoje. – A loira mais alta cospe as palavras.
Observo atentamente sua expressão carrancuda.
- Acho que Hugh está irritado com ela. – Responde a outra.
Quando dou por mim, já tinha dito em voz alta a pergunta que rodeava minha cabeça.
- Que clientes?
As duas se olham e dão uma risadinha nervosa, a mais alta olha para Adam e Phillip, que estão apenas a alguns passos de nós, conversando com Dr. Ferraz, e suspira.
- Você sabe com que nós trabalhamos? – Nego. Mais um suspiro. – Mas sabe onde, não é? – Assinto. Lembro-me de tê-la visto um dia no bar. Esboça um sorriso. – Não é legal falar isso, mas você é um pouco lerdinho. – Ela dá um tapa na minha testa. – Somos acompanhantes de luxo, doutor . – Meu estômago dá uma, duas, três, quatro voltas ao ouvir aquelas palavras. – Estamos recebendo um bom dinheiro por estar aqui. – O sarcasmo voltou a preencher sua voz. – Caso precise de algum serviço, avise-nos. – Ela dá um sorriso que mostra todos os dentes perfeitamente brancos. Sinto um enjôo terrível.
- Vocês não são amigas da ? – ...
- Somos, mas não estamos aqui como amigas. Estamos aqui a trabalho.
Ela fala com tanta naturalidade, como se estivesse vendendo cookies na porta de um supermercado. Meu estômago dá um salto triplo.
Peço licença, mas saio antes que elas abram a boca. está na porta da cozinha conversando com um dos caras que estavam conosco no bar no dia em que conheci , cumprimento-o rapidamente e puxo para o escritório, o qual já sei muito bem o caminho.
- Por que você não me disse que a é uma... – Não consigo dizer a palavra e ele faz uma careta.
- Uma?
- Prost...
- Shhh! Não termine, eu já entendi! – Diz alarmado. – , ela não é, ok? – Seus olhos estão saltados. – Ela trabalha naquela espelunca, fato que logo irá mudar, mas é só isso.
- Você tem certeza?
- Mas que caralho, ! – Grita. – É claro que eu tenho.
- Tudo bem, - Passo as mãos pelos cabelos. – tudo bem. Desculpa.
- De onde você saiu com isso?
- As duas que estão com Adam e Phillip falaram...
- Tá’, chega. – Ele suspira. – Nunca, nunca comente nada sobre isso com , por favor.
- Tudo bem.
sai do escritório e dá de cara com . Ela está sorridente, então posso suspirar aliviado, ela não ouviu nada.
- Olá, Dr. . – Dou um pulo quando a voz de preenche o silêncio do lugar.
Ela não traja mais o sobretudo preto, agora uma calça jeans e uma camisa três quartos branca cobrem o corpo dela.
Como ela está linda.
- , por favor. – Sorri tímida. – Olá, .
Ficamos em silêncio por alguns minutos, até que ela pega um porta-retrato com a foto de e . - Eles são tão bonitos juntos, não é?
Não posso deixar de sorrir.
- Como anda o trabalho? – Aquela pergunta me dá um arrepio na espinha, mas não posso deixá-la ficar em silêncio de novo.
- Bem, - Ela sorri. Seu sorriso é reconfortante. – fiquei na cozinha hoje, então devo estar cheirando a peixe. – Ri. E o sou daquela gargalhada é maravilhoso. Tenho vontade de rir junto.
Esqueço dos clientes, esqueço das prostitutas, esqueço de e de .
- Para mim, você está maravilhosa. – Ela cora enquanto dou uma risadinha. – , - Dou dois passos. – você não percebe?
- O quê?
É agora ou nunca.
- Eu quero você, porra.
No segundo seguinte minhas mãos estão em seus cabelos, e meus lábios nos seus. É perfeito. De repente, ergo seu corpo leve como uma pena, e ela entrelaça as pernas em minha cintura, e já estamos subindo as escadas da casa de .
Ela leva a mão até meu pescoço e seus dedos queimam cada milímetro tocado, e param no primeiro botão da minha camisa branca, tirando-a completamente segundos depois.
Suspiro.
Corro o nariz ao longo de seu queixo, e suas mãos acariciam meus cabelos.
- Eu tinha razão, você tem um cheiro maravilhoso.
Estamos no quarto de hospedes, já havia dormido ali algumas vezes, quando estava muito bêbado para ir para casa, ou quando brigava com Amber, mas nunca tive a companhia de uma mulher.
Puxo-a e a conduzo de costas até a cama king-size, deitando-a, e me junto a ela, em seguida.
Seus toques lentos e delicados fazem o meu sangue ferver.
Abro os botões de sua camisa branca em uma lerdeza torturante, e quando termino, ela se inclina para me ajudar a tirá-la, voltando a me beijar quase que instantaneamente.
- Eusoucomoelas. – Intensifico o beijo sem prestar atenção em suas palavras, mas ela me afasta.
- O que você disse? – Pergunto um pouco grogue.
- Eu sou como elas.
- Elas quem? – Meus batimentos já estão acelerados e minha respiração ofegante.
- As loiras. Eu sou como elas.

2. Who You Are



- DR. GILBERT, a paciente está pronta para a Mentoplastia*. – Juliet para na porta do meu consultório usando sua típica roupa para cirurgia.
Assinto esperando que ela vá embora, mas ela não se move.
Juliet é uma senhora de aparentemente cinquenta anos, nunca tive a oportunidade de perguntar sua idade certa, que trabalhava com o Dr. Ferraz, porém foi transferida para o meu departamento quando fui transferido para o hospital. Fato que não a deixou muito feliz.
- A equipe está a sua espera, Doutor. – Juliet não costuma ter muita paciência comigo, ela sempre resmunga e sai batendo o pé, mas hoje ela não o faz, ainda está parada no batente olhando fixamente em meus olhos. – Está tudo bem, Doutor? – Pego a xícara com o café já frio e dou um bom gole.
- Sim, obrigado por se preocupar, Juliet. – Ela dá um sorriso torto, pouco simpático. – Subo em dois minutos. – Ela dá de ombros e, finalmente, vai embora.
Flashes da noite passada ainda assombram minha mente, mas não me dou ao luxo de pensar nisso. Não agora.
Troco de roupa e vou para o centro cirúrgico.

- Parabéns, , ótimo desenvolvimento. – Um dos assistentes dá um tapinha em minhas costas e se afasta assim que empurro a porta.
São seis e dez de uma tarde chuvosa. Volto para a minha sala, onde encontro uma xícara de café fumegante e dois recados na caixa postal do meu celular, aceito ouvir o recado e logo a voz do meu pai preenche a sala.
- , nós precisamos conversar. Sei que está muito ocupado, mas me ligue para podermos marcar um almoço. Estou aguardando.
Dou um pequeno gole e o café quente desce aliviando todas as minhas tensões. Aguardo o próximo recado.
- , querido, - É minha mãe. Suspiro. – o que está acontecendo? Seu pai está muito nervoso, e você sabe bem que ele não pode ficar assim. Venha aqui para casa, filho, por favor. – Sua voz está embargada, e sei que ela está escondida em algum cômodo da casa.
Há dois anos meu pai teve um infarto enquanto dormia. Isso o debilitou muito, mas por ser um homem extremamente ativo no mundo dos negócios, continua trabalhando em casa sob os cuidados de minha mãe.
Sempre fui muito ligado à minha família, e como sou filho único, consequentemente, eles são extremamente ligados a mim.
Tiro o jaleco e pego a maleta. Juliet está na porta me observando. Mas que coisa!
- Vou até a casa de meus pais, volto logo. – Apresso-me em dizer.
- Na verdade, Dr. , eu vim lhe dizer que se o senhor já quiser ir está tudo bem. – Semicerro os olhos. – Quer dizer, o Dr. Adam entra no plantão daqui alguns minutos e o senhor fez uma cirurgia muito longa hoje, deve estar cansado. – É, eu estava.
- A senhora precisa de alguma coisa, Enfermeira Juliet? – Ela me encara com um ar de dúvida.
- Não senhor. – Ela para e pensa por alguns segundos. - Na verdade, eu estava pensando se o senhor poderia me dar o dia de folga na quarta... – Ela coça o pescoço, constrangida. Ah, a educação está explicada! – É que a minha sobrinha vai chegar, e...
- Tudo bem, conversarei com o Dr. Ferraz sobre isso.
Ela dá um micro sorriso.
Coloco o casaco sobre os ombros e observo a mulher passar pela porta.
- Boa noite, Doutor.
- Boa noite.

O vento frio bate em meu rosto, esforço-me para não escorregar nas poças deixadas pela chuva.
Enquanto tento abrir o carro, a chave cai, devido as luvas de cashmere que estou usando. Abaixo-me para pegá-la, mas uma voz me faz parar.
- . – está parada a poucos metros de onde eu estou. Seu corpo está todo coberto pelo mesmo casaco preto de ontem, mas, no lugar das botas de cano alto, estão sapatos altos e vermelhos. – Nós precisamos conversar. – Solto um suspiro. Ela me analisa atentamente com as mãos na cintura, suas pupilas estão dilatadas, como se ela sentisse raiva. Seus olhos não são mais os mesmos de alguns dias atrás, eles não mostram o quão frágil aquele pequeno corpo é, ou pelo menos eu acho que seja.
Abro a boca duas ou três vezes, mas não consigo dizer nada, aliás, não quero dizer nada. Não tive tempo para assimilar tudo.
Não esperava encontrá-la tão cedo, e nem queria. Eu dei um “pé na bunda” na minha noiva para ficar com uma garota desconhecida, que agora eu descubro ser uma prostituta. Eu fiquei com raiva, sim, raiva de mim mesmo por ser tão burro. Eu não estava apaixonado por , não mesmo, ela só era... Interessante. Tudo bem, eu menti para Amber, mas se essa mentira fizesse aquela mulher sair do meu pé, eu estava pronto para mentir outras vezes.
- Por favor. – É um sussurro.
Fecho os olhos.
- Diga. – Minha voz quase falha, talvez por nervoso. – Mas seja rápida. – Ela murcha. A mulher imponente que estava a minha frente há alguns segundos se vai e deixa uma garotinha triste e sozinha. Quase sinto pena. Quase.
- Acho que te devo algumas explicações. – Dá de ombros.
- Não, , você não precisa me explicar nada.
- Eu me senti mal depois que você saiu correndo da casa do ontem à noite como se eu tivesse uma doença infecciosa. – Ela dá um sorriso torto.
- Desculpe, eu...
- Tudo bem, sei que deveria ter dito antes, mas não costumo sair espalhando cartões com meu telefone. – Eu não estou confortável com essa conversa. Só quero ir para casa e acabar com isso tudo, assimilar melhor as coisas, para, então, poder dar uma resposta a sua altura.
- Deveria sim distribuir cartões. Para ser uma boa profissional, querida , precisa se dedicar ao seu empreendimento.
Não é minha culpa, quando fico com raiva sou irônico. Herdei isso do meu pai. Não consigo berrar ou sair batendo em qualquer um que passe por aí. As palavras ácidas apenas dançam para fora das minhas cordas vocais.
- Não sabia que o senhor era tão preconceituoso, Doutor. – Ela ainda sustenta o sorrisinho torto. - O meu trabalho é tão digno quanto o do senhor.
Dou uma risada alta e nervosa.
- Para uma pessoa que abre as pernas para qualquer um, não é questão de preconceito, e sim de respeito, coisa que lhe falta, não é, senhorita. – Sinto o peso da sua mão em meu rosto, e logo em seguida o ardor toma conta da minha bochecha esquerda, onde o tapa foi depositado.
- Nunca mais use a sua boca suja para falar de uma coisa que você não sabe, está claro? – Passo a mão no local, que ainda lateja. – O senhor não é o melhor exemplo para falar sobre respeito, Doutor. – Seus ombros estão tensos e as mãos ainda fechadas. – Posso não ter o melhor dos trabalhos, mas é a única forma que eu tenho para viver, e não vou deixar que nenhum médico de merda julgue o meu estilo de vida.
- Já disse tudo o que tinha para dizer? - Quero saber.
Ela assente e se vira.
- Passar bem.
Finalmente consigo entrar no meu carro, mas não saio. Acompanho a silhueta da mulher que dá passos firmes até o portão do estacionamento do hospital. Ela aperta o casaco contra si, e só então percebo que o tempo está virando novamente. Ela calça um par de luvas antes de dobrar a esquina do St. Luke.

*Mentoplastia: Cirurgia para correção de deformidades no queixo.

****


- Querido! – Minha mãe se joga em meus braços assim que passo pela porta. - Seu pai está no quarto. – Um sorriso fraco desenha seus lábios rosados, ela me puxa pelo braço escada a cima e logo estamos parados em frente à porta de mogno. – Vou até a cozinha preparar um chá, entre, meu bem, seu pai está te esperando. – Ela pronuncia cada palavra com muita paciência, como se eu ainda tivesse cinco anos. Dou dois toques com as costas do indicador na porta, e logo a voz de meu pai sopra um “Entre”. Empurro a porta e logo vejo sua figura dentada na enorme cama no centro do quarto escuro.
- Olá, pai.
- , que bom que você está aqui. – Sua voz está fraca, o que significa que ele acaba de tomar o remédio.
- O senhor está bem? – Quero saber.
Ele assente e traga o ar com força.
- Como vai o trabalho? – Rolo os olhos. Ele nunca vai direto ao ponto.
- Tudo bem. – Estendi minha mão para ajudá-lo a se sentar na cama. Sua respiração está ofegante e suas mãos frias. – Tem certeza de que está bem, pai?
- Sim, . – Ele cruza os braços e fita meus olhos. – O que está havendo entre você e a Amber?
Ah, mas é claro!
- Por quê?
- Pete me ligou esta manhã dizendo que Amber está arrasada, e você sabe muito bem que meus negócios com os Townshend dependem deste casamento, não sabe?
- Pai, não estamos no século XVIII, podemos nos casar e fazer negócios com quem bem entendermos.
Ele caminha lentamente até a cadeira de balanço que está perto da janela, tento segurá-lo, mas ele não deixa. Sussurra algumas palavras desconexas até começar a proferi-las em alto em bom tom.
- , eu sugiro que você se case com essa moça, pelo bem de nossos negócios.
- Não precisamos disso, o senhor sabe muito bem.
Ele me olha como se eu tivesse lhe dado um tapa.
- Se não vai fazer pelo dinheiro, faça pelo bem de seu velho pai.
Minha mãe abre a porta segurando apenas uma xícara fumegante.
- Está na hora de seu pai descansar, querido. – Ela dá um sorriso doce. – Vamos para sala. Pete Townshend é o tipo de cara que “guarda a sua arma e ajuda uma velhinha a atravessar a rua”. Um mafioso italiano com porte de grã-fino com uns aparentes cinquenta anos nas costas, vive dizendo que um dos pilares da Máfia é o respeito aos valores da família e da organização, isto é, dos próprios mafiosos. Meu pai diz que eles se dedicam apenas ao comércio de bebidas estrangeiras, as quais a entrada não é permitida na Inglaterra, e algumas outras atividades ilegais, creio que seja o tráfico de pessoas e a prostituição.
Desço as escadas de dois em dois degraus, graças ao nervoso que quase corrói minhas veias.
- , lamento por tudo isso. Sei que as coisas não estão fáceis para você, mas acredite, não estão fáceis para ele também. As dívidas com o Townshend estão muito altas e a única solução que ele deu ao seu pai foi essa, querido.
- Eu posso ajudar, mãe.
- Não é mais uma questão de dinheiro, e sim de honra. Pete não aceitaria que a essa altura Amber fosse trocada por uma boa quantia em libras.
- Mas mesmo assim ele o fez.
- Isso foi há muito tempo, , – Ela franze o cenho. – quando os bares dele ainda dependiam das distribuidoras do seu pai. É tudo uma questão de negócios.
“É tudo uma questão de foder com a minha vida” - Tenho vontade de falar, mas só entorto os lábios.
Solto um suspiro.
- Por favor, querido, não nos deixe nessa situação. É a única coisa que eu lhe peço. Quite essa dívida com a família Townshend, por amor a nós, a seu pai.
****


Pete Townshend

- Deixe-me falar com o Pete, Kay. – Ouço a voz de Hugh ecoando na outra sala. Perfeito!
Logo Kay, minha secretária, abre a porta de meu escritório e Hugh passa por ela como um furacão.
- A que lhe devo a honra? – Digo sem humor.
- O filho da puta do Rocco está negociando heroína com o Luca e as meninas de novo, não quero a mesma bagunça de sempre, Pete. – Ele resmunga já jogado na poltrona a minha frente. – Sair da polícia é difícil, e eu não consigo outra vez.
- Vou ver o que posso fazer com o Rocco. – Kay entra com duas xícaras de café. – Chega de drogas, não estamos mais nessa. – Espero Kay sair para continuar. - Ainda bem que você está aqui - ele me lança um olhar duvidoso -, estou precisando de algumas meninas.
- Para você?
- Não, não, idiota, pretendo levá-las para Los Angeles.
- Los Angeles? Não é um pouco arriscado ir para os Estados Unidos com elas? Você sabe como as coisas funcionam por lá.
- É só uma experiência, se não der certo, nós voltamos.
Hugh fica em um silêncio incomodo.
- Preciso de meninas experientes. – Continuo. – Não teremos um lugar fixo lá, então, terão de ficar nas ruas. Elas precisam se virar.
- Algumas ficam nas ruas, claro que nas redondezas do bar, mas o faturamento das que estão fora é maior do que as que ficam. – Dá uma risadinha. – Ora, Townshend, elas são prostitutas, com certeza sabem se virar.
- Bom saber que você está evoluindo, Hugh.
Ele dá uma risada irônica.
- Tenho algumas opções. – Diz por fim. Ajeito-me na poltrona. – Morgana King, Moe Greene, Carmelia Campello, Brown, Emilia Brazini e Leona Klein. Elas são experientes, tanto dentro quanto fora do bar, só a Brown que começou a sair no domingo, mas até agora está se dando bem.
- Perfeito.
- É só uma experiência, não é?
- Sim. Está com medo?
- Não, mas, sei lá.
- Pare com isso, Hugh. Estarei esperando as meninas amanhã bem cedo, precisamos resolver isso o mais rápido possível, tenho muitos problemas e não posso me prender em um só.

****


Exatamente às dez da manhã a senhorita Brown chega ao meu escritório. Todas as outras garotas já haviam passado e fechado ‘negócio’ comigo. Kay anuncia sua entrada pelo interfone e eu trato de esperá-la de pé perto da porta, segundos depois uma mocinha de aparentes vinte anos abre a porta e pede licença, ela tem aparência angelical e grandes olhos azuis. Franzo o cenho.
- O senhor deve ser Tate Townshend, sou Brown. - Ela estende a pequena e fria mão.
- Pete, meu nome é Pete, senhorita Brown. – Ela dá um sorrisinho envergonhado. Aperto sua mão e aponto a poltrona na qual ela deve se sentar, e assim que ela o faz, começo a falar.
- Tenho uma proposta para a senhorita. – Ela me olha atentamente. – Los Angeles, uma semana, mil libras por noite. O que acha?
Pisca algumas vezes.
- É muito mais do que eu ganho aqui. – Isso é óbvio!
- Sim, muito mais. – Dou um sorriso malicioso. – Mas, minha querida, você tem que trabalhar direitinho, e fazer tudo o que eu mandar.
Ela me encara por um tempo.
- Eu preciso responder agora?
Era só o que faltava, uma indecisa.
- De preferência.
Meche incessantemente as mãos, que antes repousavam sobre sua perna.
- Eu vou.
Sorrio, já de pé.
- Perfeito, senhorita Brown, perfeito. Preciso que assine esses documentos – Estendo um envelope de papel pardo. -, e que esteja aqui amanhã às oito.
- Amanhã? – Ela se sobressalta.
- Fique tranquila, só iremos resolver algumas documentações. – Esboça um sorriso frouxo.
- Estarei aqui, Tate. – Firma o sorriso e sai a passos lentos da sala.

****


- Você tem certeza, ? – Uma mulher alta segura a bagagem de mão da garota, enquanto faço o check-in. Tento acompanhar seus sussurros.
- Não se preocupe, , eu volto logo. – Dá um sorriso pouco sincero, e tenho certeza que ela está morrendo de medo. – Desculpe por te fazer voltar tão rápido da sua viagem. - Viro-me e os sussurros se cessam.
- Vamos, Brown? – Os olhos da tal enchem de lágrimas. Rolo os olhos quando as duas se abraçam.
Sigo para a sala de embarque com as outras meninas ao meu encalço.
- Vocês sairão daqui às duas da tarde, esperarei vocês no aeroporto. – Checo o horário em meu relógio de pulso. Dez da manhã.
- Você não vai no mesmo vôo que a gente? – Moe, eu acho, pergunta.
- Não, querida. – Aliso seu queixo. – Não façam bagunça por aqui.
Sigo até o portão onde anunciam a última chamada em meu vôo.
- Vejo vocês em breve!

****


Brown

Está frio lá fora, pelo menos é o que a aeromoça me diz. Visto meu casaco e vejo uma Los Angeles agitada às uma da manhã.
Moe murmura palavras desconexas, umedece os lábios e volta a dormir. Carmelia revira os olhos.
- Você acha que vai dar certo? – O comandante anuncia a nossa proximidade do aeroporto. Suspiro pesadamente, minhas pernas estão moídas pelas cãibras e meu estômago denuncia quão grande é a minha fome.
- Espero que sim. – Ela dá de ombros.
- Espero que os americanos sejam bonitos. – Solto uma risada nasalada. Moe acorda.
- E que não sejam mão de vaca como os ingleses, por favor.
Rimos e o cara da poltrona da frente pede silêncio.
Ao passar pela Imigração meus pêlos estão eriçados e um arrepio percorre minha espinha, não sei como Tate, ou Pete, conseguiu esse visto tão rápido, e se ele for falso, posso ficar por aqui mesmo.
- Pode passar, senhorita. – Um cara negro e alto me assusta com sua voz grossa. Ele traja um terno azul marinho e em seu crachá está escrito “Miles Stivens”, dou um sorriso simpático, e ele corresponde mostrando uma fileira de dentes extremamente brancos.
Suspiro aliviada ao avistar Pete e alguns caras. Ele aponta para o nosso “grupo” e logo todos estão próximos o suficiente para pegar nossas malas.
- Esses são os capangas. – Morgana sussurra em meu ouvido. Emilia me disse, há alguns dias atrás, que ela é a mais “experiente”, que já viajou com Pete pelo mundo todo a trabalho, e todos desconfiam que eles tenham um caso, mas também sei que Pete é casado é tem filhas, só não sei quantas.
O loiro se aproxima de mim e pega minha mala de rodinhas. Dou um sorriso, mas ele não corresponde.
- Fizeram boa viagem? – Leona assente por todas. - Consegui um hotel, vocês irão para lá agora, mas amanhã, bem cedo – frisou. -, quero vocês no Roy’s.
- Mas o Roy’s fica no centro. – Morgana questiona.
- Morg, querida, faça o que eu mandei. – Tira um maço de cigarro do bolso e coloca um na boca. – Bem cedo! – Pete dá o último aviso já de costas e seguindo para a saída.

A cama do hotel parece ser feita de plumas, pela primeira vez tenho uma king-size só para mim. Fecho os olhos e meu corpo relaxa completamente, mas antes de cair no inconsciente, meu celular vibra em cima do criado mudo.
- Oi, .
- Graças a Deus! – Sua voz está esganiçada. – Como você está?
- Estou bem, fique tranquila.
- está aqui em casa, . – Meu coração dá um salto. – Ele parece bem nervoso.
Dou de ombros, mas lembro que ela não pode me ver.
- Como foi a Suíça? – Ela conta uma bela história romântica, não absorvo uma palavra sequer, ainda escuto os sussurros grossos dos dois homens que provavelmente estão sentados na sala de estar. Dou uma desculpa qualquer e desligo o telefone.

****


- Vocês ficam aqui até encontrar alguém descente. – Pete dá as ordens enquanto beberica café quente de uma xícara pequena. – Cinco por cento do que conseguirem é meu. - Ele não tem mais aquela educação e simpatia de antes, e as palavras galanteadoras foram substituídas por grosseiras. – O hotel só está liberado a partir das onze da noite.
- Mas são oito e meia da manhã, Pete. – Emilia retruca.
- Você quer ganhar dinheiro, ou não? – Ela abaixa a cabeça. – Foi o que eu pensei. Andem, andem, podem começar.
Eu e Carmelia paramos em frente a uma loja de roupas do outro lado da rua, as vendedoras ainda sonolentas arrumam a vitrine. Um rapaz passa e Carmelia o segue falando as mesmas coisas de sempre, logo os dois somem do meu campo de visão.
- Quer um pouco? – O mesmo loiro que pegou minhas malas na noite anterior aponta uma garrafa de água em minha direção.
- Obrigada. – Dou um gole. – Vamos ficar aqui todos os dias? Porque as coisas não estão muito bem.
- Não, vocês vão para uma boate hoje à noite, e amanhã para o centro. – Ele dá um sorrisinho.
- Mas Pete disse que só iríamos ficar na rua?
- Mudança de planos. – Dá de ombros e o sorriso some. Ele não é o tipo de cara razoável ao qual você pode pedir uma brecha para comprar um cigarro, na verdade, faz o tipo durão, submisso a Pete. – Volte para o restaurante ao meio-dia, e se puder, com alguns trocadinhos no bolso.
- Qual é o seu nome? – Pergunto e ele franze as sobrancelhas.
- Por que você quer saber?
Dou de ombros.
- Christopher.
- Eu sou...
- Eu sei quem você é, não precisa dizer. – Levanto os braços em um sinal de “Tudo bem” e ele atravessa a rua de volta para o Roy’s, ao mesmo tempo em que Moe sai do recinto.
- Durão, não é? – Assinto.
- Qual é a dele?
- Digamos que todos são assim, você só pegou o pior.
Devo ter feito uma cara de desentendida, porque Moe ri e começa a explicar:
- Cada garota tem um segurança de confiança do Pete, você sabe, para não expor o chefe. Ele só aparece no final do dia, então, tudo o que você precisar, tem que pedir ao Christopher.
- Não sabia disso.
- Agora está sabendo. – A voz grossa de Christopher corta nossa conversa. – Greene, volte para dentro. Não quero mais conversinhas.

****


Um cara chamado Matthew é o meu terceiro cliente, e já são seis e meia da tarde.
- Quanto eu te devo? – Ele pergunta enquanto ajeita o casaco e destranca a porta do pequeno banheiro.
- Cinquenta pratas. – Visto minha blusa e saio do cubículo ao seu encalço.
Christopher está parado na porta e me puxa pelo braço assim que eu coloco os pés para fora.
- Pete. – Sussurra.
Seguimos até o restaurante em silêncio.
- Finalmente, Brown! – Todos os outros se viram para me encarar. Meu cabelo está desgrenhado e devo ter alguns roxos no pescoço. – Podem ir, meninas. Espero vocês as oito na porta do hotel. – Viro-me, mas a voz de Pete me faz parar. – Você não, . – Pigarreia e Christopher sai. – Estou sabendo que seu faturamento foi baixíssimo. Cento e cinquenta pratas? E sem gorjetas? Desse jeito você terá que voltar para Londres antes do previsto. – Suspira e um sorrisinho malicioso curva as pontas de seus lábios. – E sem grana.
- Prometo melhorar amanhã.
Não posso voltar sem dinheiro, Hugh me mataria, não teria mais nenhuma chance com Pete e diria um “Eu bem que te avisei.
- Chris, leve-a para o hotel. – O grandalhão me puxa até o carro preto mal estacionado na porta do Roy’s.

****


Um mês depois...

A experiência em LA foi incrível, voltei para casa feliz e com as sete mil libras. Pete prometera que na próxima viagem ele me levará. Brasil, Rio de Janeiro, Copacabana. Ou algo parecido com isso. Dizem que os brasileiros são bons e bonitos, então posso dizer que mal posso esperar para outra dessa.
Meus turnos no Katrine voltaram ao normal semana passada, tirando a parte em que não trabalha mais aqui, está tudo tranquilo. Hugh contratou Moe, para a minha alegria, e Pete aparece com mais frequência, sempre acompanhado de uma senhora bem vestida e de nariz em pé. Ela nunca bebe mais que um copo d’água, enquanto Townshend enche a cara.
- Ele está bem, não é? – Morgana, que resolve aparecer justo essa noite, sussurra em meu ouvido. Em sua voz há uma pontada de decepção. Dou de ombros.
- Você sabe como ele é, não é, Morg. – Ela dá um sorriso frouxo. Está usando um tubinho azul marinho e sandálias douradas.
- Vai para a rua hoje? – Quer saber.
- Só mais tarde. Vai comigo? – Assente.
, e passam por Joseph, o segurança, e vão até uma mesa afastada. Do outro lado do salão, Moe me lança um olhar sugestivo.
- , se você quiser, eu posso ir. – Morgana sugere desviando o olhar do de Pete.
- Não, eu vou.
Desde o inicio da semana, o Dr. vem ao bar nem se for para beber um copo de suco de laranja. Alguns dias está acompanhado de médicos, outros sozinho, ontem de uma mulher chamada Amber, segundo a má língua de Moe, mas hoje está com e .
Sempre me lançando olhares sugestivos, mas nunca correspondendo nenhum, me ignorando ou apenas sendo frio. Pede uma bebida ou outra, sem dar muito assunto. E eu apenas fecho os olhos com força e mentalizo as palavras grosseiras ditas por ele no mês passado, pensando que assim a raiva por aquele rosto milimetricamente desenhado possa voltar.
- ! – balança um dos braços.
- Oi. – Digo ao parar em frente à mesa pequena onde eles estão.
Hugh sempre diz que não podemos nos envolver com clientes, nada mais que uma noite, mas naquele momento me deixo analisar seus ombros largos e olhos marcantes.
- Sente-se aqui.
- Você sabe que eu não posso, .
dá um suspiro impaciente. Em meio ao seu perfume amadeirado de hoje, posso sentir o cheiro de álcool.
- Um whisky, por favor. – Diz.
- Mais, ? – questiona. balança o braço como se dissesse “Deixa disso, cara”
- Com gelo?
- Não, puro.
Faço um “x” na folhinha e a deixo em cima da mesa.
- Não demore, você tem um turno a cumprir depois.
- ... – A voz de some em meio aos murmúrios das pessoas do outro lado do ambiente.
- Não tem problema, ele está certo. Algo mais, senhor? – Nega.
- Só isso, por enquanto. – Frisa as últimas palavras. Afasto-me da mesa e vou em direção ao bar, colocando o whisky em um copo baixo e pesado.

****


- Espero que esteja movimentado hoje. – Morgana comenta assim que colocamos os pés para fora do Katrine. Dou um sorriso para Joseph e atravesso a rua em meio aos carros, Moe vem logo atrás em silêncio, talvez cansada por mais um dia de trabalho, ou apenas desanimada por agüentar caras chatos por alguns trocados a mais. - Poderíamos ficar no Aquarium, o que vocês acham? – Assinto. – Sempre tem movimento lá.
Dobramos mais duas esquinas até chegar à boate que ainda está lotada. Olho para o relógio em meu pulso e os ponteiros marcam três e vinte e cinco da manhã. Está frio, mas não neva, aperto o nó da faixa do meu sobretudo preto e calço as luvas de cashmere.
Moe conversa com um cara mais a frente, e logo eles passam pelos seguranças grandalhões. Morgana para ao meu lado com um cigarro entre os dedos, me lança um sorriso maroto e aponta na direção de uma Mercedes preta parada do outro lado da calçada. Meu estômago dá cambalhotas e saltos mortais. Reconheço aquele carro do dia do temaki no Manzoku e do dia da discussão no estacionamento do hospital.
Como se estivéssemos em câmera lenta, desce do carro com um sorriso sensual nos lábios. Seu casaco de couro preto quase esconde a camisa de botões e a calça jeans de lavagem escura aperta suas pernas de uma maneira irresistivelmente irritante. Tremo só de vê-lo me encarando daquele jeito. Seus pés, calçados de um Vans preto, por sinal, ameaçam iniciar as passadas em minha direção, mas ele não o faz. Apenas me observa.
Morgana assovia.
- Que delícia, hein! Olha, se você não quiser, pode deixar que eu dou um jeito nesse cara rapidinho. – Não arrisco um sorriso. – Vai lá, bobinha, ele está te esperando.
Atravesso a rua sem pestanejar, até porque se fosse parar para pensar, já teria saído correndo há muito tempo.
- O que você quer? – Pergunto.
- Nada. – Para. – Só fiquei com vontade de terminar o que começamos aquele dia na casa do .
Explodo em uma risada alta.
- Você é inacreditável, sabia? – Ele está bêbado, completamente bêbado. – Acha que as coisas funcionam assim?
- Não são? – Diz com escárnio.
- Volte para a sua casa, ok? – Viro-me e ensaio uma passada.
- Mas você vem comigo.
Sabe quando o chão cimentado sob seus pés parece virar um pedaço de algodão?
As mãos de seguram com firmeza minha cintura e meu pulso. Ele destrava o carro e logo sou jogada conta a superfície fria de couro sintético. Não tenho tempo de perguntar para onde estamos indo, pois logo ele para o carro e cola seus lábios nos meus. Sem nenhum aviso, sem nenhuma delicadeza. Sinto o gosto de álcool e de sangue. Meus batimentos estão acelerados e a respiração ofegante.
Em seguida, sou puxada para o banco de trás, onde ele me prende contra o estofado. O rádio toca uma música de Andrea Bocceli. Meus dedos tiram, facilmente, seu casaco, e logo vão à procura dos botões de sua camisa.
Não posso, não posso.
Ele suga meu lóbulo, enquanto, involuntariamente, dou uma mordida em seus ombros já nus. Ele desfaz o nó do meu sobretudo e abre os botões pacientemente, e ao tirá-lo encara o pequeno vestido vermelho por alguns segundos, livrando-se dele em seguida.
Tento dizer a mim mesma para parar de corresponder e sair logo dali, mas é em vão.
Ele desabotoa meu sutiã e segura minhas mãos atrás do meu corpo, enquanto distribui alguns beijos sobre minha pele.
Seu corpo pressiona o meu sobre o banco, agora tudo é uma questão de pele quente contra pele quente. O celular de toca, mas ele não se mexe, presta atenção em meus movimentos. Aparentemente estou tentando me livrar de sua calça jeans.

****


Visto sua camisa e volto para a minha cama. Sinceramente, não sei como chegamos a minha casa. está em um sono profundo, seu peito sobe e desce calmamente. Analiso melhor seus ombros largos e as pintinhas que foram espalhadas ali.
Nunca havia trazido um cara para casa, e esse fato me assusta um pouco.
Olho para a janela e vejo os primeiros raios de luz aparecer no céu. Talvez seja um dia bom.
O celular dele dá um toque e vai direto para a mensagem de voz.
- , onde você está, amor? Estou preocupada, me ligue! – Uma voz feminina preenche o ambiente, fazendo meu peito se apertar.
Do outro lado da cama, dá um suspiro e volta a dormir.
- Está na hora de voltar para casa, Doutor. – Digo.

Continua...

Atualização enviada dia 15/01/2013

N/a: Alô, alô!
Primeiro, quero desejar feliz Ano Novo para vocês! (Antes tarde do que nunca, né?!)
A partir do próximo capítulo o nome fará jus à estória, ok? Hahahh. Estou ansiosa e espero que vocês gostem!
E, só tenho mais duas semanas de férias! (sadface) Então, as atualizações poderão demorar um pouco mais.
Já tenho uma perguntinha para vocês!!!
Aqui vai: Qual deve ser o nome da vizinha dos Brown?
A) Ruby B) Jess C) Mia
Lembrando que a contagem será feita dez dias depois da atualização!

Beijocas!
Mary.

Tumblr / Twitter Nota da beta: Encontrou algum erro nessa fic? Mande-me um e-mail ou um tweet avisando. Não use a caixinha de comentários para isso, por favor. xx

comments powered by Disqus