No dia seguinte, acordei cedo e voltei a ler Oliver Twist, ainda com a estranha sensação de estar sendo observada. Alguma coisa dentro de mim gritava em alerta, mas eu não sabia identificar exatamente o que era. Era uma sensação nova, e eu temia por ela. Não havia acabado bem da última vez.
Eu tinha um consulta com Joanne às dez da manhã, marcada em cima da hora. Não sabia o que diabos havia acontecido, e Joe não respondia minhas perguntas. Eu tinha tantas coisas na cabeça, que por alguns momentos, conseguia abafar os ruídos dos pensamentos dos outros pacientes. Estava preocupada com o silêncio de Joe, sobre Joanne. E acima de tudo, eu não conseguia tirar o sonho da minha cabeça. Era a terceira vez que eu sonhava com aquilo, e estava ficando cada dia mais curiosa a respeito da origem daquele sonho.
Quem era aquele garoto? E como ele me conhecia? E por que diabos eu estava sonhando com aquilo? Minha cabeça protestava quando eu começava a procurar prováveis teorias que sanassem minhas dúvidas, e eu logo desistia. Não havia sentido em me preocupar com aquilo. Era algo além de minha realidade conturbada, e me trazia uma incomodação desnecessária. Era melhor que eu esquecesse o episódio, e o tratasse como um sonho comum. Apesar de todos os indícios me dizerem que havia algo mais em tudo aquilo.
Desviei o olhar para o relógio, constatando que eram dez da manhã e, sem dúvidas, Joanne estaria a caminho. Um minuto depois, batidas soaram através da porta e a voz de Joanne soou do outro lado. Eu sorri.
- ? Está ai?
Joanne entrou no quarto um segundo depois, sorrindo de leve ao me ver sentada na cama. Era uma mulher de 40 anos, formada em psicologia e minha médica particular. Meus pais pagavam todos os meses, para que em cinco dias semanais, eu tivesse consultas com Joanne. Para eles eu era louca, e até dois meses atrás, eu discordaria sem pestanejar. Mas agora? Agora eu nem tinha como me defender, sabendo que meus atos e as coisas que estavam acontecendo comigo eram o completo oposto de “sanidade”.
Por 16 anos minha ficha estivera limpa. Nenhuma briga, nenhum grito durante a noite, nenhum sonho perturbador, nenhum vestígio de loucura. Nada que pudesse justificar minha estadia naquele inferno. E então, em uma bela noite, há exatos dois meses, eu sonhara com ele. O garoto misterioso do meu sonho vinha me dizer que algumas coisas estavam para mudar, e na manhã seguinte, eu acordei no Quarto do Medo. Joanne me explicara que eu tivera uma crise durante o sono, e quando o enfermeiro responsável pela ala naquela noite entrou no meu quarto para ver o que estava acontecendo, já que não era normal aquilo acontecer comigo, eu tentara estrangulá-lo. Mas eu não lembrava de ter feito tal coisa, sequer lembrava de ter acordado durante a noite… Joanne tentara acreditar em mim, mas eu podia ver em seu olhar que ela temia que eu estivesse em estado de negação por estar enlouquecendo. E dali pra frente, tudo piorou.
- Estou aqui. Aonde mais eu estaria? Na aula de dança havaiana? - eu disse, de forma sarcástica.
- Sempre com as piadinhas. - Joanne suspirou, aparentando cansaço. Ela tinha olheiras abaixo de seus olhos escuros e seus cabelos estavam levemente despenteados. Joanne não era desmazelada, e tomei seu estado como “dia ruim”, e resolvi ser mais compreensiva.
- O que aconteceu? - perguntei, sem conter a curiosidade.
- Dinnah está dando trabalho. - informou, a contragosto. Joanne era total e completamente profissional com seu trabalho, e evitava falar de seus outros pacientes para mim, mesmo sabendo que eu não contaria aquilo para ninguém. Nem mesmo se eu quisesse contar, conseguiria.
Joanne arrastou a cadeira da escrivaninha e sentou à minha frente. Passou as mãos por seus cabelos loiros, e sorriu de modo sincero.
Éramos completamente diferentes, de todas as formas. Eu era uma coisinha pálida, com olhos azuis claros, cabelos ruivos dourados e ficava patética dentro daqueles moletons enormes que era obrigada a usar. Já Joanne era linda e elegante, e seu humor era sempre alegre e otimista. Eu não abria um sorriso sincero há mais de oito anos.
- Deveriam jogá-la na solitária e nunca mais tirá-la de lá. - sugeri, com um sorriso maldoso.
Dinnah era a pessoa que mais detestava naquele hospital. Fora uma publicitária famosa, que tinha matado o marido a facadas, pois ele a havia traído com uma de suas estagiárias. A polícia chegara a tempo de impedir Dinnah de matar a garota, e todos sabiam que ela pagava horrores para viver confortavelmente no Instituto e que havia pago um horror para evitar a prisão. E, como o governo era corrupto, aceitava sem hesitar, burlar algumas leis em troca de dinheiro. Eu não gostava de Dinnah, por culpa da própria mulher, que vivia implicando comigo, e uma vez, chegara ate a me agredir por motivos que eu ainda desconhecia. Joanne dizia que Dinnah me odiava porque eu era parecida com a amante do falecido marido, mas eu não me importava. Desde que ela se mantivesse longe, por mim, ela poderia odiar até a maldita da minha sombra.
- Não podemos fazer isso e você sabe o motivo. - Joanne disse, e seu tom deixava claro o quão absurdo ela achava a ideia de criminosos serem tratados como loucos, apenas porque pagavam por um atestado que alegava seu falso problema psicológico. - Agora vamos à nossa conversa. - ela disse, mudando totalmente de assunto. - Me conte suas novidades.
- Ah, o de sempre. - dei de ombros. - Passei dois dias na solitária, mas acho que você já sabia disso.
- … - Joanne começou, de modo mito cuidadoso. Eu estreitei os olhos, alarmada.
- Sim?
- Eu tenho um assunto complicado para abordar. - suspirou, antes de passar as mãos pelos cabelos, de modo nervoso. Descruzei as pernas e foquei meu olhar em Joanne. Estava desconfiada que não eram boas notícias que ela tinha para mim.
- Pois então descomplique. - eu disse.
- Bom… Você sabe que tem dado trabalho nessas semanas. Já foram três episódios com funcionários do hospital, e quatro com pacientes, um deles tendo sido letal. - falou, e eu respirei fundo. Não queria que o assunto chegasse ao nome de Chloe. - O Dr. Morris me chamou à sua sala hoje.
Senti minha garganta trancar. Já conhecia o caminho que aquela conversa seguiria. Todo meu corpo se retesou em alerta. Como as folhas de uma árvore em uma ventania no outono, meus pensamentos corriam de um lado para o outro, sem um rumo certo. Eram borrões que eu não conseguia agarrar e, por mais que corresse atrás, eles escapavam de minhas mãos. Eu apertava os nós dos dedos com uma força desnecessária, já podendo sentir a dor tomar conta de mim, como forma de escape para toda a junção interna que estava acontecendo dentro de mim.
Eu devia estabelecer o controle sobre mim, para que não acontecesse mais nenhuma catástrofe que me pusesse direto na cadeira elétrica.
- E o que ele queria? - indaguei, respirando fundo algumas vezes.
- Ele me deu um ultimato, . - Joanne confessou, num suspiro. - Disse que, se eu não controlá-la, vai dar um fim nisso. E você sabe como as coisas funcionam aqui.
Eu engoli em seco.
- Sim, eu sei. E Maddison também sabia. - eu falei, e Joanne assentiu em concordância, adquirindo um semblante triste, ao lembrar de sua última paciente que dera problemas suficientes para que o maldito Dr. Morris desse um “fim naquilo”. Maddison morrera há quatro meses, em uma overdose do novo comprimido que estava tomando. Joanne não me dissera, mas eu tinha certeza de que a haviam matado. Eu ouvia as mentes traiçoeiras confessando.
- , você precisa tomar cuidado. - Joanne alertou. - Vou receitar um sonífero mais forte, você ficará dopada por boa parte do tempo, mas é melhor isso do que… - ela não terminou a frase, e nem precisava. A palavra “morte” dançava em meus pensamentos.
- Tudo bem. - sussurrei, mesmo sabendo que aquilo não faria efeito algum.
Joanne se agachou ao meu lado e segurou minhas mãos, em uma tentativa de conforto. E por algum motivo estranho, eu quis abraçá-la.
- Não fique preocupada, ok? Tudo vai ficar bem. - disse ela.
- Certo. - forcei um sorriso, e Joanne devolveu o gesto, saindo do quarto instantes depois de se despedir, com um abraço apertado.
Respirei profundamente, antes de me jogar de costas na cama. Minhas mãos tremiam, e meu coração ameaçava alçar voo de dentro do peito. Concentrei todas as minhas forças em me manter calma e estável. Não podia perder o controle, ou então, seria o meu fim.
Um final patético, para toda uma vida patética.
Não me obriguei a verificar quantos minutos haviam se passado desde que Joanne saíra do quarto, apenas permaneci deitada, preocupada demais para ter forças para fazer alguma coisa, que não fosse contar o ritmo de minha respiração. Só percebi que deveriam ter se passado horas, quando ao ouvir batidas na porta, eu virei o rosto em direção ao som e vislumbrei o sol a pino pela pequena janela.
Era um laranja quase vermelho que cobria o céu, e eu senti um nó incômodo na garganta. Havia lido em algum lugar, que quando o sol se punha com uma coloração avermelhada, a noite seria sangrenta. Eu me achava boba por acreditar numa coisa daquelas, mas rezava internamente para que eu não tivesse ligação com aquele presságio.
- P83?
Sorri amarga, ao ouvir o tom enérgico de Lauren. Era óbvio que mandariam aquela vaca para me sedar. Como urubus, todos os funcionários do hospital, esperavam ansiosamente pelo dia em que eu sumiria. Esperavam pelo dia em que a carne viraria carniça. E eu era a carne que eles tanto almejavam.
- Pode entrar. - disse, em tom calmo.
- Trouxe seus remédios. - a loira disse, com um sorriso que eu só podia descrever como maligno, enquanto largava a bandeja com os remédios na mesa de cabeceira. Eram dois recipientes marrons, e uma enorme tarja preta lhes rodeava no lugar dos rótulos. Sentei na beirada da cama, em estado de alerta.
Aquele não era o remédio que Joanne havia me receitado. Eu havia visto aquelas coisinhas na mesa de cabeceira de Maddison, em seus últimos dias de vida. Tinha certeza de que aquilo estava longe de ser um sonífero.
- Eu não vou tomar. - eu falei, enquanto me afastava lentamente de Lauren. Ela sorriu, como se nada o mundo a agradasse mais do que aquele momento.
- Mas você vai. - falou. - Foram ordens da sua médica.
- Joanne nunca me receitaria isso! - grunhi, elevando o tom de voz. - Vocês querem me matar, assim como fizeram com Maddison!
O tapa estalou em meu rosto antes que eu pudesse sequer ver a mão de Lauren levantar. Meu corpo pendeu para um lado e minha bochecha ardia. Fechei os olhos e senti a fúria tomar conta do meu corpo, que agora tremia. Eu queria matá-la. E não apenas pelo tapa, mas porque sabia que tinha sido ela a responsável pela morte de Maddie. Sua mente gritava “culpada” e nem toda a concentração do mundo me faria recobrar a calma.
- Sua vadia. - eu cuspi as palavras em seu rosto, antes de receber outro tabefe.
E naquele momento, a insanidade tomou conta de mim. Minha ira estava eclodindo, e eu queria gritar, chutar, bater, o que quer que fosse preciso para voltar a me acalmar. Aquilo não acabaria bem, para nenhuma de nós duas.
Em meio piscar de olhos, tirei meu corpo da paralisia em que estava, e me lancei para a porta, em uma tentativa de fuga. Acertei Lauren no rosto, já que ela tentara me impedir, com uma força que eu não sabia ter. Mas nem dei atenção, pois a adrenalina que corria em minhas veias me deixava cega aos detalhes. Antes que eu pudesse pôr os pés no corredor, Lauren agarrou-me pela cintura, e com a ajuda dos outros enfermeiros da ala, vindos para checar o motivo da agitação, conseguiu me conter dentro do quarto.
Eu gritava, me debatia e tentava chutar e arranhar os dois homens que me seguravam pelos braços e pernas na cama, enquanto Lauren preparava a seringa.
- NÃO, NÃO FAÇAM ISSO! ME SOLTEM!
- Se você não se mexer, doerá menos. - um dos enfermeiros disse, em forma de conselho, mas não lhe dei ouvidos. Gritei ainda mais alto, mas não tinha mais forças para lutar.
Lauren enfiou a seringa em meu braço, e despejou um líquido viscoso em minhas veias. Pensei ter visto um par de olhos dourados me encarando da janela, mas no segundo seguinte, aquilo já não fazia mais sentido.
Eu tinha apagado.
Eu não fazia ideia de quantas horas haviam se passado.
Minha mente estava em alerta, mas meu corpo não parecia entender e não dar atenção à urgência em meus pensamentos. Sentia-me fora do controle, afundando em alguma substância pegajosa que me arrastava para o fundo. Para a paz. E como eu queria paz. Queria me entregar aos pedidos de meu corpo e simplesmente ficar ali, sem fazer nada. Mas meu cérebro forçava comandos que meus membros não queriam obedecer e eu estava começando a me irritar.
E algo estava irremediavelmente errado, o que incomodava ainda mais meus pensamentos.
Gritos soavam do lado de fora do quarto e forcei-me a me pôr para fora da cama. Cambaleei um pouco, mas consegui arrastar os pés e chegar à porta. Estava sonolenta, e a lentidão exagerada era culpa das muitas horas de inércia. Comprimi o rosto contra a pequena vidraça da porta, e dei de cara com o completo caos.
Havia fumaça por tudo, enfermeiros e pacientes corriam de um lado para o outro, desesperados. De alguma forma, o hospital estava pegando fogo e o cheiro de morte impregnava o ar.
Eu, como uma excelente fantasiosa, comparei a cena com o inferno de início. Mas logo descartei a possibilidade, pois lembrava claramente de uma frase que dizia que o inferno era gelado. E fosse o inferno como fosse, não era um lugar agradável, eu deduzi.
O fogo estava tomando conta da ponta do corredor, vindo do centro do hospital. Mas era um fogo diferente, eu notei. Se espalhava rapidamente, em apenas uma direção. Como se algo o tivesse trazendo pelo caminho que fazia. E então eu percebi o por que dos protestos da minha mente. Eu iria morrer se continuasse ali.
Algo em minha mente estalou, como um zumbido doloroso que tomava conta do meu cérebro, mas rápido como veio, ele se foi. Fechei os olhos com força e respirei fundo. Precisava de um plano de ação.
- Abram a porta! Eu quero sair! - grito, enquanto dou batidas na parede, tentando chamar a atenção de alguém. Ninguém escutava, e isso me enlouquecia. Ninguém, nunca, me escutava. Mas eu escutava a todos.
E então eu parei. Olhei à volta e percebi que todos os sons vinham de fora do quarto. Não estavam dentro da minha cabeça, como de costume e aquela novidade me deteve por alguns minutos, antes que outro zumbido maldito ocorresse e eu voltasse para a realidade. O hospício estava em chamas e eu morreria se não saísse dali.
Conforme a fumaça ficava mais espessa, indicando que o fogo estava se alastrando, e o calor começava a me incomodar, o desespero começou a dar as caras. Eu berrava, socava, chutava a porta e nada acontecia. Parecia que todos haviam esquecido de mim, o que não era de se surpreender. Eu não era a pessoa mais popular do Instituto. Eu podia ouvir os gritos dos outros pacientes encarcerados, alguns pediam socorro, outros gritavam de dor, mas não entendia porque. O rastro de chamas seguia direto para o final do corredor, sem se alastrar para dentro dos quartos.
Minha cabeça doía e meu sistema estava entrando em colapso.
- ALGUÉM ME TIRA DAQUI! - berrei, sendo engolida pela fumaça que adentrava o quarto e tendo uma crise forte de tosse em seguida.
O zumbido em minha mente ficou mais forte e ininterrupto. Com a dor, eu caí de joelhos, colocando as mãos em volta da cabeça, gritando enquanto tudo parecia parar. As chamas adentraram meu quarto, por baixo da porta, e eu apenas fui capaz de me arrastar na direção contrária, evitando o contato imediato.
Eu não tinha como me salvar, e iria morrer.
Com os olhos grudados nas chamas, notei uma sombra entrando por debaixo das frestas da porta, e aquilo me assustou mais do que o incêndio em si. O zumbido parecia explodir partes do meu cérebro, e eu berrei em agonia. A sombra tomou uma forma definida, como um a de um homem. Seu rosto não tinha formas claras, mas seus olhos eram negros, e o sorriso diabólico em seus lábios me fez gritar novamente. Gritei o mais alto que consegui, e a criatura voou em minha direção.
Meu corpo foi jogado de um lado para o outro do quarto, como uma boneca de panos. E eu sabia que não tinha chances de sobrevivência. Eu era fraca e estava sufocando pela fumaça, perdendo todo o resto de energia que ainda tinha, devido à falta de ar. Em um último arremesso, voei em direção à janela, batendo a cabeça com força em uma das grandes barras de metal. Tentei me reerguer, tossindo descontroladamente, mas não tinha condições. Minha mente girava, e meu corpo doía, implorando por descanso. Levei a mão até a cabeça, sentindo meus dedos se ensoparem com meu próprio sangue.
E então, mãos me agarraram pelo pescoço, apertando minha faringe, erguendo-me do chão, até a altura da janela. Eu arregalei os olhos em choque e comecei a me debater. Forcei o olhar para baixo, vendo nada além dos olhos negros de meu agressor. E então ele sorriu de novo, e eu tremi.
- Foi difícil encontrá-la, pequena . - a criatura disse, como em um rosnado. O zumbido havia passado, mas eu sentia tanta dor que mal conseguia me manter acordada.
- O que você quer comigo? O que diabos é você? - consegui perguntar, sem fôlego. As palavras saíram fracas e desordenadas, mas me fiz coerente.
- Eu quero o seu sangue. Aqueles que você chama de pais, foram fieis a você, não entregaram sua localização… Mas ainda sim, todo ser humano deixa furos. Por isso são criaturas inferiores e, por isso, os subjugaremos.
- Meus pais? - eu ignorara todo o resto do discurso da criatura, e focara apenas na parte em que ele mencionava meus pais. A criatura sorriu, e colocou a mão em minha testa, me cegando por um momento. Mas no momento seguinte, eu era transportada para outro lugar.
Meus pais estavam amarrados em cadeiras, sujos e com sangue por todo o corpo. Minha mãe gritava, enquanto o corpo de meu pai estava no chão, imóvel. Morto. A escuridão me tomava por um segundo, antes de outra cena invadir minha mente. O corpo de minha mãe sem vida na cadeira, sua cabeça pendendo no pescoço, enquanto sangue pingava em suas pernas.
Senti meus olhos marejarem, e quis gritar, mas não tinha mais forças. Aquele tinha sido um ultimo golpe fatal em minhas energias.
Eu já não via nada além da fumaça, o quarto estava tomado pelas chamas, e tudo que eu queria era morrer logo. Queria perguntar de minha irmã, Kate, mas eu temia que aquela criatura, fosse o que fosse, perseguisse Kate depois que acabasse comigo. Se ela tinha se salvado, eu preferia que ela continuasse daquela forma.
- Me mate logo. - eu disse, querendo dar um fim naquilo. - Eu sei que vai fazê-lo, de toda a forma.
O monstro apertou com mais força minha garganta, e eu entendi que os jogos haviam acabado. Aquele era o fim.
- Ah, eu vou. - disse. - Mas antes, preciso que você ofereça seu sangue para mim.
- Eu ofereço meu sangue para que você vá para o inferno. - cuspi as palavras, sem fôlego. A coisa grunhiu, e perdi a consciência por alguns segundos.
Quando voltei a mim, a criatura ainda me agarrava pelo pescoço, seus olhos negros pareciam querer engolir minha alma. Sentia a vida se esvair de meu corpo, podia ver a escuridão chegando.
De súbito, a criatura me soltou, e eu caí de joelhos, tomando fôlego rapidamente, antes de ser lançada para o outro lado do quarto. Levantei a cabeça a tempo de ver quando a porta explodiu, e voou até a parede oposta. Vi a forma de um garoto parado na entrada do quarto, em meio às chamas. Elas pareciam não afetar a ele.
Minha consciência se esvaiu novamente e a escuridão me engoliu outra vez.
Alguém me segurava, eu sentia o corpo humano e o coração batendo contra minha pele. A criatura de olhos negros havia sumido, e agora eu só podia ver os olhos de meu salvador. Olhos dourados e brilhantes que engoliram minha consciência de forma acolhedora.
E então, eu apaguei mais uma vez, e não voltei a recobrar a consciência por um longo tempo.