Corrompida


Escrita por: Grazie Santos
Betada por: Lila Zardetto


CAPÍTULOS: [Prólogo] [1]



“Um nefilim, parte luz e parte sombras,
Chegará a seu 20° aniversário com a mais atormentada das almas.
Encontrara em seu Guardião as forças necessárias,
Para acabar com a guerra entre suas raças.
No equinócio de verão um inimigo se revelara,
E em extermínio da humanidade seu sangue derramara.”

Prólogo


Corria por entre a floresta, com os cabelos ruivos esvoaçando às suas costas, tinha alguns arranhões nos braços, causados pelos galhos mais baixos das árvores, e seus joelhos estavam machucados, devido aos poucos tombos que levara.
Ela estava sendo perseguida.
Não sabia como e nem por que tinha ido parar naquela floresta. E não tinha a mínima vaga noção do por que estava sendo perseguida. Só tinha certeza de que tinha relação com as vozes que andava ouvindo. E com os sonhos, os pressentimentos, e toda aquela coisa paranormal que tinha dentro de si.
A sombra rugia às suas costas, faminta, desejando seu sangue como desejava estar segura. Seu peito subia e descia de forma desenfreada e descompassada, pois em sua mente o instinto de sobreviver era mais prioritário que o simples ato de respirar. Ela só queria voltar para seu quarto, presa naquelas quatro paredes cinza-sem-graça, com seu livro de Charles Dickens embaixo do travesseiro.
A saia do vestido longo, que por algum motivo errôneo, ela usava, enganchou em algum ramo alto e pontudo, fazendo a garota tropeçar e cair, rolando alguns metros à frente. Respirou fundo, e se pôs sentada, percebendo estar em um salão, ao abrir os olhos.
Como aquilo havia acontecido? Ela não fazia ideia, e chegou à conclusão que estava presa em algum daqueles malditos sonhos realistas que tinha desde que podia lembrar-se.
O lugar era amplo, grande como um salão de festas e alto como uma torre. Lustres pendiam no teto, direcionando a luz para o centro do salão. As grandes janelas que adornavam as paredes estavam cobertas por rudes pedaços de madeira, deixando as sombras tomarem conta dos cantos da sala. Seria bonita, observou, se não fosse pela escuridão e falta de cuidado. Estava vazia, exceto por um garoto, atado com uma corrente no braço esquerdo, que se estendia pela escuridão em sua direção. Usava vestes pretas, e botas de combate marrons. Seus cabelos dourados estavam jogados na testa de forma despreocupada, e sua cabeça pendia para baixo, impedindo a garota de ver seu rosto.
Sentiu um incômodo no pulso direito, e ao levantar o braço, notou a corrente que se erguia ate o centro do salão. Arregalou os olhos, e o garoto levantou a cabeça e focou os olhos extremamente dourados em seu rosto.
- Nos vemos em breve, . - falou, e lançou um sorriso misterioso, antes de desaparecer em um piscar de olhos.

Capítulo 1


Eu não conseguia enxergar nada naquela escuridão.
Estava no Quarto do Medo, novamente. Não lembrava se era a quinta ou a sexta vez no mês, e também não fazia diferença. Gostava de ficar ali, na área isolada do hospital, onde um ou dois guardas vigiavam o corredor e onde raramente os doutores colocavam os pés. Muitas vezes, eu provocava brigas apenas para ser mandada para lá. Gostava da paz que minha mente tinha quando estava ali, no escuro. O lugar não era aconchegante, tinha que confessar. Era um buraco malcheiroso, com paredes encardidas, que um dia haviam de ter sido brancas. Tinha apenas uma cama velha e alguns cobertores, nada mais.
Mas ali, eu me sentia acolhida.
A escuridão era uma boa amiga. Quieta, calma e solitária. E escuridão era o que não faltava naquele lugar. Não que o resto do hospital fosse um exemplo de luz e paz, mas, a escuridão que tomava conta dos corredores dos dormitórios era bem diferente daquela que eu apreciava.
Suspirei, uma ou duas vezes, e voltei a brincar com meus dedos, de forma distraída. Eu não pudera levar meus livros, e mesmo que pudesse, naquele escuro, não conseguiria ler uma palavra. Mas sentia falta de minha leitura matinal. Sentia falta daquelas palavras cheias de vida e significados desconhecidos. Sentia falta de descobrir um mundo novo por entre aquelas páginas surradas. Eram livros antigos, os que a biblioteca do hospital fornecia. Alguns tinham décadas e mais décadas de uso, mas eu não me importava. Os livros eram meu refúgio, o único escape daquela coisa mesquinha que eu julgava ser a minha vida. Enquanto lia, me esquecia que estava presa, e podia saborear alguns instantes de felicidade. Ou até mesmo de tristeza, pois não me importava muito com o sentimento que teria durante a leitura, desde que sentisse alguma coisa, que não fosse a neutralidade da vida, que era um completo borrão de cinza.
Lendo meus romances favoritos, eu conseguia esquecer das vozes em minha cabeça. Conseguia me colocar dentro da história, como a personagem principal. Eu era a princesa indefesa, a espera de um príncipe para salvar-me.
O mundo lá fora, mesmo que visto pelos olhos de outras pessoas através de palavras, me parecia completamente anormal. Mas eu tinha certeza de que a anormal era eu mesma, afinal, passar quinze anos trancada dentro de um hospício havia afetado minha visão da realidade.
Instituto Harrison Montgomery era o único hospital psiquiátrico que havia restado na destruída Nova Iorque de 2036. O único que sobrevivera à Ultima Guerra, e também um dos únicos prédios que havia permanecido em pé, depois de anos e anos de guerra. A maioria dos prédios atuais, pelo que eu sabia, não tinham mais de cinco anos.
Há muito a humanidade havia se perdido no caminho da escuridão. A paz mundial agora era menos que um sonho impossível, era um fiapo de esperança no coração de quem ainda acreditava que as coisas poderiam melhorar. Eu não me lembrava de Nova Iorque em seu estado glorioso de vida, pois quando pensava na minha cidade natal, só conseguia lembrar de ruas vazias, casas trancadas, explosões e um mundo acabado. E ainda sim, eram poucas as lembranças que eu tinha de minha infância, já que havia sido mandada para o Instituto Harrison aos cinco anos.
Era um problema em geral para as pessoas lembrarem com exatidão de sua infância, e era um problema ainda maior para mim. As vozes que gritavam em minha mente, atrapalhavam as lembranças, bagunçavam minha cabeça e me deixavam louca. Ficava tonta, desnorteada, e por vezes, perdia o controle sobre eu mesma. Levara anos para perceber que as vozes que eu ouvia, na verdade, eram os pensamentos daqueles que me cercavam. E com o tempo, eu aprendera a ignorar parte do problema. Até surgirem as outras coisas, das quais eu tremia por apenas pensar. Eu não gostava de pensar naquilo, não queria ter feito aquilo. Eu ainda podia ver o corpo de Chloe jogado no chão, sem vida, toda vez que fechava os olhos. E era tudo minha culpa.
Voltei a deitar na cama, e respirei fundo. O enfermeiro chefe de minha ala, Joe, não demoraria a aparecer, para devolver-me a meu quarto. Já tinha passado mais de um dia desde que havia sido jogada ali, e já era hora de irem me buscar. Não que eu quisesse voltar para o centro infernal que era o quarto, mas sabia que nada poderia fazer Joanne me deixar ali por mais um dia. Por mais que eu não merecesse, Joanne cuidava e se importava comigo, e não apenas porque era minha médica particular, mas sim, porque nutria carinho por mim.
Prendi meus longos cabelos ruivos em um coque, e só tive tempo para amaciar a camiseta branca encardida que eu usava, antes de ouvir batidas na porta, indicando que teria companhia.
- Está acordada, P83? - eu revirei os olhos, irritada com a forma ridícula como eu era chamada por funcionários do hospital que não eram Joanne e Joe.
- A Paciente 83 está acordada e mandou você para o inferno. - respondi, e ouvi o barulho do trinque elétrico da porta ser destravado.
Por longos instantes a luz que entrava pela porta agora aberta, cegou meus olhos, me fazendo cobrir o rosto com a mão e soltar um grunhido irritado.
- Está para gracinhas hoje, querida? - Lauren, a enfermeira mais odiável da Ala 10 entrou no quarto, com um sorriso diabólico nos lábios pintados de vermelho.
Eu levantei, e com um sorriso debochado, estendi os braços, para que Lauren pudesse colocar as algemas em meus pulsos.
- Apenas faça seu trabalho, e me tire daqui, sim? Ou então, na próxima vez em que me trancarem, o motivo vai ser ter acabado com você. - ameaçou, e logo senti as algemas serem postas em meus pulsos.
Eu podia sonhar que era uma princesa condenada a uma vida de sofrimento, mas agia como se fosse a Rainha Má. Era uma forma de proteção, tanto para mim, como para aqueles com quem eu era obrigada a me relacionar. Ninguém gostava da Rainha Má, ninguém queria sequer falar com a Rainha Má. E ser tratada como tal, era uma benção pela qual eu não deveria ter sido agraciada, mas agradecia imensuravelmente por ela.
Lauren me puxava com violência pelos corredores, levando-me da Ala 50 até a Ala 10. Passamos pelo pátio central, e eu senti minha cabeça latejar, com a intensidade e quantidade dos pensamentos que me cercavam. Fechei os olhos e concentrei-me no ritmo dos meus passos, nas batidas de meu coração, e no movimento de minha respiração. Eu ainda era bombardeada pelos burburinhos de vozes, mas agora, minha cabeça não doía mais. Os pacientes, espalhados pelo pátio, me lançavam olhares estranhos, e por vezes assustados. Suspirei baixo, percebendo o motivo pelo qual estava sendo tratada daquela forma. Meredith era a funcionária mais querida daquele lugar, e eu havia simplesmente… Fechei os olhos e sacudi a cabeça para os lados, tentando evitar as lembranças. Não tinha sido minha culpa. Não daquela vez. Eu perdera o controle e havia…
Merda, eu tinha quebrado o nariz da mulher por causa de uma maldita sopa fria.
Mas eu não tivera culpa. Não daquela vez. Em um momento eu estava na fila, e no momento seguinte, uma dor lancinante invadia minha cabeça de forma agonizante. E então eu estava gritando com Meredith e a socara num impulso. Eu presenciara a cena como se estivesse fora do meu corpo. Aquela não era eu. Eu podia ser sarcástica e cruel algumas vezes, mas não era um monstro, por mais que fizesse o estilo. Essas mudanças de personalidade estavam acabando comigo, e eu não as entendia. Não entendia nenhuma das habilidades malditas que eu tinha, e só queria que tudo aquilo acabasse.
Estava cansada de não saber quem eu era. Ou o que eu realmente era.
Fui jogada de qualquer jeito em meu quarto/cela, ainda com as algemas. Lauren saiu do quarto e trancou a porta, e eu só tive tempo de chamá-la de “vagabunda”, antes que ela sumisse pelo corredor, aos risos. Eu iria passar o resto da tarde com aquelas malditas algemas nos pulsos.
Corri o olhar pelo quarto, tentando encontrar alguma coisa que eu pudesse usar para libertar meus braços. Não tinha nada a disposição, e a única coisa que eu podia fazer era sentar e esperar Joe trazer meus remédios. Não que aquelas pílulas fizessem efeito, porque não faziam, mas eu era obrigada a tomar todos aqueles calmantes e soníferos. E não adiantava repetir que eu ainda sonhava com ruas cobertas de sangue e tinha ataques de raiva por coisas mínimas, ninguém acreditava, nem mesmo Joanne. Todos pensavam que de alguma forma, eu era imune aos remédios por ser completamente insana. E eu não podia negar que, de alguma forma, eu era.
Me sentei na cama e cruzei as pernas na famosa posição indiozinho. Respirei fundo e deixei minha mente vagar, em paz, exercitando meu controle emocional. Enquanto ninguém me perturbasse, eu estaria bem.
A noite veio rapidamente, e com ela, uma estranha sensação de estar sendo observada. Joe me libertou ainda no final da tarde, e com uma promessa de que daria um jeito em Lauren, me levou até o refeitório. Sim, eu me sentia mal por estar sendo vigiada de perto, mas não podia negar que gostava de ter companhia uma vez que outra.
- A doutora Joanne acha que é melhor você voltar a frequentar o refeitório. - Joe me explicou, enquanto seguíamos pelos corredores.
- Joanne está louca. Provavelmente, vou acabar arrumando mais alguma briga.
- Você é durona, . Vai ficar bem. - me tranquilizou.
- Não temo por mim, Joe. Temo por eles. - eu disse, e ele não falou mais nada, durante todo o trajeto.

No dia seguinte, acordei cedo e voltei a ler Oliver Twist, ainda com a estranha sensação de estar sendo observada. Alguma coisa dentro de mim gritava em alerta, mas eu não sabia identificar exatamente o que era. Era uma sensação nova, e eu temia por ela. Não havia acabado bem da última vez.
Eu tinha um consulta com Joanne às dez da manhã, marcada em cima da hora. Não sabia o que diabos havia acontecido, e Joe não respondia minhas perguntas. Eu tinha tantas coisas na cabeça, que por alguns momentos, conseguia abafar os ruídos dos pensamentos dos outros pacientes. Estava preocupada com o silêncio de Joe, sobre Joanne. E acima de tudo, eu não conseguia tirar o sonho da minha cabeça. Era a terceira vez que eu sonhava com aquilo, e estava ficando cada dia mais curiosa a respeito da origem daquele sonho.
Quem era aquele garoto? E como ele me conhecia? E por que diabos eu estava sonhando com aquilo? Minha cabeça protestava quando eu começava a procurar prováveis teorias que sanassem minhas dúvidas, e eu logo desistia. Não havia sentido em me preocupar com aquilo. Era algo além de minha realidade conturbada, e me trazia uma incomodação desnecessária. Era melhor que eu esquecesse o episódio, e o tratasse como um sonho comum. Apesar de todos os indícios me dizerem que havia algo mais em tudo aquilo.
Desviei o olhar para o relógio, constatando que eram dez da manhã e, sem dúvidas, Joanne estaria a caminho. Um minuto depois, batidas soaram através da porta e a voz de Joanne soou do outro lado. Eu sorri.
- ? Está ai?
Joanne entrou no quarto um segundo depois, sorrindo de leve ao me ver sentada na cama. Era uma mulher de 40 anos, formada em psicologia e minha médica particular. Meus pais pagavam todos os meses, para que em cinco dias semanais, eu tivesse consultas com Joanne. Para eles eu era louca, e até dois meses atrás, eu discordaria sem pestanejar. Mas agora? Agora eu nem tinha como me defender, sabendo que meus atos e as coisas que estavam acontecendo comigo eram o completo oposto de “sanidade”.
Por 16 anos minha ficha estivera limpa. Nenhuma briga, nenhum grito durante a noite, nenhum sonho perturbador, nenhum vestígio de loucura. Nada que pudesse justificar minha estadia naquele inferno. E então, em uma bela noite, há exatos dois meses, eu sonhara com ele. O garoto misterioso do meu sonho vinha me dizer que algumas coisas estavam para mudar, e na manhã seguinte, eu acordei no Quarto do Medo. Joanne me explicara que eu tivera uma crise durante o sono, e quando o enfermeiro responsável pela ala naquela noite entrou no meu quarto para ver o que estava acontecendo, já que não era normal aquilo acontecer comigo, eu tentara estrangulá-lo. Mas eu não lembrava de ter feito tal coisa, sequer lembrava de ter acordado durante a noite… Joanne tentara acreditar em mim, mas eu podia ver em seu olhar que ela temia que eu estivesse em estado de negação por estar enlouquecendo. E dali pra frente, tudo piorou.
- Estou aqui. Aonde mais eu estaria? Na aula de dança havaiana? - eu disse, de forma sarcástica.
- Sempre com as piadinhas. - Joanne suspirou, aparentando cansaço. Ela tinha olheiras abaixo de seus olhos escuros e seus cabelos estavam levemente despenteados. Joanne não era desmazelada, e tomei seu estado como “dia ruim”, e resolvi ser mais compreensiva.
- O que aconteceu? - perguntei, sem conter a curiosidade.
- Dinnah está dando trabalho. - informou, a contragosto. Joanne era total e completamente profissional com seu trabalho, e evitava falar de seus outros pacientes para mim, mesmo sabendo que eu não contaria aquilo para ninguém. Nem mesmo se eu quisesse contar, conseguiria.
Joanne arrastou a cadeira da escrivaninha e sentou à minha frente. Passou as mãos por seus cabelos loiros, e sorriu de modo sincero.
Éramos completamente diferentes, de todas as formas. Eu era uma coisinha pálida, com olhos azuis claros, cabelos ruivos dourados e ficava patética dentro daqueles moletons enormes que era obrigada a usar. Já Joanne era linda e elegante, e seu humor era sempre alegre e otimista. Eu não abria um sorriso sincero há mais de oito anos.
- Deveriam jogá-la na solitária e nunca mais tirá-la de lá. - sugeri, com um sorriso maldoso.
Dinnah era a pessoa que mais detestava naquele hospital. Fora uma publicitária famosa, que tinha matado o marido a facadas, pois ele a havia traído com uma de suas estagiárias. A polícia chegara a tempo de impedir Dinnah de matar a garota, e todos sabiam que ela pagava horrores para viver confortavelmente no Instituto e que havia pago um horror para evitar a prisão. E, como o governo era corrupto, aceitava sem hesitar, burlar algumas leis em troca de dinheiro. Eu não gostava de Dinnah, por culpa da própria mulher, que vivia implicando comigo, e uma vez, chegara ate a me agredir por motivos que eu ainda desconhecia. Joanne dizia que Dinnah me odiava porque eu era parecida com a amante do falecido marido, mas eu não me importava. Desde que ela se mantivesse longe, por mim, ela poderia odiar até a maldita da minha sombra.
- Não podemos fazer isso e você sabe o motivo. - Joanne disse, e seu tom deixava claro o quão absurdo ela achava a ideia de criminosos serem tratados como loucos, apenas porque pagavam por um atestado que alegava seu falso problema psicológico. - Agora vamos à nossa conversa. - ela disse, mudando totalmente de assunto. - Me conte suas novidades.
- Ah, o de sempre. - dei de ombros. - Passei dois dias na solitária, mas acho que você já sabia disso.
- … - Joanne começou, de modo mito cuidadoso. Eu estreitei os olhos, alarmada.
- Sim?
- Eu tenho um assunto complicado para abordar. - suspirou, antes de passar as mãos pelos cabelos, de modo nervoso. Descruzei as pernas e foquei meu olhar em Joanne. Estava desconfiada que não eram boas notícias que ela tinha para mim.
- Pois então descomplique. - eu disse.
- Bom… Você sabe que tem dado trabalho nessas semanas. Já foram três episódios com funcionários do hospital, e quatro com pacientes, um deles tendo sido letal. - falou, e eu respirei fundo. Não queria que o assunto chegasse ao nome de Chloe. - O Dr. Morris me chamou à sua sala hoje.
Senti minha garganta trancar. Já conhecia o caminho que aquela conversa seguiria. Todo meu corpo se retesou em alerta. Como as folhas de uma árvore em uma ventania no outono, meus pensamentos corriam de um lado para o outro, sem um rumo certo. Eram borrões que eu não conseguia agarrar e, por mais que corresse atrás, eles escapavam de minhas mãos. Eu apertava os nós dos dedos com uma força desnecessária, já podendo sentir a dor tomar conta de mim, como forma de escape para toda a junção interna que estava acontecendo dentro de mim.
Eu devia estabelecer o controle sobre mim, para que não acontecesse mais nenhuma catástrofe que me pusesse direto na cadeira elétrica.
- E o que ele queria? - indaguei, respirando fundo algumas vezes.
- Ele me deu um ultimato, . - Joanne confessou, num suspiro. - Disse que, se eu não controlá-la, vai dar um fim nisso. E você sabe como as coisas funcionam aqui.
Eu engoli em seco.
- Sim, eu sei. E Maddison também sabia. - eu falei, e Joanne assentiu em concordância, adquirindo um semblante triste, ao lembrar de sua última paciente que dera problemas suficientes para que o maldito Dr. Morris desse um “fim naquilo”. Maddison morrera há quatro meses, em uma overdose do novo comprimido que estava tomando. Joanne não me dissera, mas eu tinha certeza de que a haviam matado. Eu ouvia as mentes traiçoeiras confessando.
- , você precisa tomar cuidado. - Joanne alertou. - Vou receitar um sonífero mais forte, você ficará dopada por boa parte do tempo, mas é melhor isso do que… - ela não terminou a frase, e nem precisava. A palavra “morte” dançava em meus pensamentos.
- Tudo bem. - sussurrei, mesmo sabendo que aquilo não faria efeito algum.
Joanne se agachou ao meu lado e segurou minhas mãos, em uma tentativa de conforto. E por algum motivo estranho, eu quis abraçá-la.
- Não fique preocupada, ok? Tudo vai ficar bem. - disse ela.
- Certo. - forcei um sorriso, e Joanne devolveu o gesto, saindo do quarto instantes depois de se despedir, com um abraço apertado.
Respirei profundamente, antes de me jogar de costas na cama. Minhas mãos tremiam, e meu coração ameaçava alçar voo de dentro do peito. Concentrei todas as minhas forças em me manter calma e estável. Não podia perder o controle, ou então, seria o meu fim.
Um final patético, para toda uma vida patética.
Não me obriguei a verificar quantos minutos haviam se passado desde que Joanne saíra do quarto, apenas permaneci deitada, preocupada demais para ter forças para fazer alguma coisa, que não fosse contar o ritmo de minha respiração. Só percebi que deveriam ter se passado horas, quando ao ouvir batidas na porta, eu virei o rosto em direção ao som e vislumbrei o sol a pino pela pequena janela.
Era um laranja quase vermelho que cobria o céu, e eu senti um nó incômodo na garganta. Havia lido em algum lugar, que quando o sol se punha com uma coloração avermelhada, a noite seria sangrenta. Eu me achava boba por acreditar numa coisa daquelas, mas rezava internamente para que eu não tivesse ligação com aquele presságio.
- P83?
Sorri amarga, ao ouvir o tom enérgico de Lauren. Era óbvio que mandariam aquela vaca para me sedar. Como urubus, todos os funcionários do hospital, esperavam ansiosamente pelo dia em que eu sumiria. Esperavam pelo dia em que a carne viraria carniça. E eu era a carne que eles tanto almejavam.
- Pode entrar. - disse, em tom calmo.
- Trouxe seus remédios. - a loira disse, com um sorriso que eu só podia descrever como maligno, enquanto largava a bandeja com os remédios na mesa de cabeceira. Eram dois recipientes marrons, e uma enorme tarja preta lhes rodeava no lugar dos rótulos. Sentei na beirada da cama, em estado de alerta.
Aquele não era o remédio que Joanne havia me receitado. Eu havia visto aquelas coisinhas na mesa de cabeceira de Maddison, em seus últimos dias de vida. Tinha certeza de que aquilo estava longe de ser um sonífero.
- Eu não vou tomar. - eu falei, enquanto me afastava lentamente de Lauren. Ela sorriu, como se nada o mundo a agradasse mais do que aquele momento.
- Mas você vai. - falou. - Foram ordens da sua médica.
- Joanne nunca me receitaria isso! - grunhi, elevando o tom de voz. - Vocês querem me matar, assim como fizeram com Maddison!
O tapa estalou em meu rosto antes que eu pudesse sequer ver a mão de Lauren levantar. Meu corpo pendeu para um lado e minha bochecha ardia. Fechei os olhos e senti a fúria tomar conta do meu corpo, que agora tremia. Eu queria matá-la. E não apenas pelo tapa, mas porque sabia que tinha sido ela a responsável pela morte de Maddie. Sua mente gritava “culpada” e nem toda a concentração do mundo me faria recobrar a calma.
- Sua vadia. - eu cuspi as palavras em seu rosto, antes de receber outro tabefe.
E naquele momento, a insanidade tomou conta de mim. Minha ira estava eclodindo, e eu queria gritar, chutar, bater, o que quer que fosse preciso para voltar a me acalmar. Aquilo não acabaria bem, para nenhuma de nós duas.
Em meio piscar de olhos, tirei meu corpo da paralisia em que estava, e me lancei para a porta, em uma tentativa de fuga. Acertei Lauren no rosto, já que ela tentara me impedir, com uma força que eu não sabia ter. Mas nem dei atenção, pois a adrenalina que corria em minhas veias me deixava cega aos detalhes. Antes que eu pudesse pôr os pés no corredor, Lauren agarrou-me pela cintura, e com a ajuda dos outros enfermeiros da ala, vindos para checar o motivo da agitação, conseguiu me conter dentro do quarto.
Eu gritava, me debatia e tentava chutar e arranhar os dois homens que me seguravam pelos braços e pernas na cama, enquanto Lauren preparava a seringa.
- NÃO, NÃO FAÇAM ISSO! ME SOLTEM!
- Se você não se mexer, doerá menos. - um dos enfermeiros disse, em forma de conselho, mas não lhe dei ouvidos. Gritei ainda mais alto, mas não tinha mais forças para lutar.
Lauren enfiou a seringa em meu braço, e despejou um líquido viscoso em minhas veias. Pensei ter visto um par de olhos dourados me encarando da janela, mas no segundo seguinte, aquilo já não fazia mais sentido.
Eu tinha apagado.

Eu não fazia ideia de quantas horas haviam se passado.
Minha mente estava em alerta, mas meu corpo não parecia entender e não dar atenção à urgência em meus pensamentos. Sentia-me fora do controle, afundando em alguma substância pegajosa que me arrastava para o fundo. Para a paz. E como eu queria paz. Queria me entregar aos pedidos de meu corpo e simplesmente ficar ali, sem fazer nada. Mas meu cérebro forçava comandos que meus membros não queriam obedecer e eu estava começando a me irritar.
E algo estava irremediavelmente errado, o que incomodava ainda mais meus pensamentos.
Gritos soavam do lado de fora do quarto e forcei-me a me pôr para fora da cama. Cambaleei um pouco, mas consegui arrastar os pés e chegar à porta. Estava sonolenta, e a lentidão exagerada era culpa das muitas horas de inércia. Comprimi o rosto contra a pequena vidraça da porta, e dei de cara com o completo caos.
Havia fumaça por tudo, enfermeiros e pacientes corriam de um lado para o outro, desesperados. De alguma forma, o hospital estava pegando fogo e o cheiro de morte impregnava o ar.
Eu, como uma excelente fantasiosa, comparei a cena com o inferno de início. Mas logo descartei a possibilidade, pois lembrava claramente de uma frase que dizia que o inferno era gelado. E fosse o inferno como fosse, não era um lugar agradável, eu deduzi.
O fogo estava tomando conta da ponta do corredor, vindo do centro do hospital. Mas era um fogo diferente, eu notei. Se espalhava rapidamente, em apenas uma direção. Como se algo o tivesse trazendo pelo caminho que fazia. E então eu percebi o por que dos protestos da minha mente. Eu iria morrer se continuasse ali.
Algo em minha mente estalou, como um zumbido doloroso que tomava conta do meu cérebro, mas rápido como veio, ele se foi. Fechei os olhos com força e respirei fundo. Precisava de um plano de ação.
- Abram a porta! Eu quero sair! - grito, enquanto dou batidas na parede, tentando chamar a atenção de alguém. Ninguém escutava, e isso me enlouquecia. Ninguém, nunca, me escutava. Mas eu escutava a todos.
E então eu parei. Olhei à volta e percebi que todos os sons vinham de fora do quarto. Não estavam dentro da minha cabeça, como de costume e aquela novidade me deteve por alguns minutos, antes que outro zumbido maldito ocorresse e eu voltasse para a realidade. O hospício estava em chamas e eu morreria se não saísse dali.
Conforme a fumaça ficava mais espessa, indicando que o fogo estava se alastrando, e o calor começava a me incomodar, o desespero começou a dar as caras. Eu berrava, socava, chutava a porta e nada acontecia. Parecia que todos haviam esquecido de mim, o que não era de se surpreender. Eu não era a pessoa mais popular do Instituto. Eu podia ouvir os gritos dos outros pacientes encarcerados, alguns pediam socorro, outros gritavam de dor, mas não entendia porque. O rastro de chamas seguia direto para o final do corredor, sem se alastrar para dentro dos quartos.
Minha cabeça doía e meu sistema estava entrando em colapso.
- ALGUÉM ME TIRA DAQUI! - berrei, sendo engolida pela fumaça que adentrava o quarto e tendo uma crise forte de tosse em seguida.
O zumbido em minha mente ficou mais forte e ininterrupto. Com a dor, eu caí de joelhos, colocando as mãos em volta da cabeça, gritando enquanto tudo parecia parar. As chamas adentraram meu quarto, por baixo da porta, e eu apenas fui capaz de me arrastar na direção contrária, evitando o contato imediato.
Eu não tinha como me salvar, e iria morrer.
Com os olhos grudados nas chamas, notei uma sombra entrando por debaixo das frestas da porta, e aquilo me assustou mais do que o incêndio em si. O zumbido parecia explodir partes do meu cérebro, e eu berrei em agonia. A sombra tomou uma forma definida, como um a de um homem. Seu rosto não tinha formas claras, mas seus olhos eram negros, e o sorriso diabólico em seus lábios me fez gritar novamente. Gritei o mais alto que consegui, e a criatura voou em minha direção.
Meu corpo foi jogado de um lado para o outro do quarto, como uma boneca de panos. E eu sabia que não tinha chances de sobrevivência. Eu era fraca e estava sufocando pela fumaça, perdendo todo o resto de energia que ainda tinha, devido à falta de ar. Em um último arremesso, voei em direção à janela, batendo a cabeça com força em uma das grandes barras de metal. Tentei me reerguer, tossindo descontroladamente, mas não tinha condições. Minha mente girava, e meu corpo doía, implorando por descanso. Levei a mão até a cabeça, sentindo meus dedos se ensoparem com meu próprio sangue.
E então, mãos me agarraram pelo pescoço, apertando minha faringe, erguendo-me do chão, até a altura da janela. Eu arregalei os olhos em choque e comecei a me debater. Forcei o olhar para baixo, vendo nada além dos olhos negros de meu agressor. E então ele sorriu de novo, e eu tremi.
- Foi difícil encontrá-la, pequena . - a criatura disse, como em um rosnado. O zumbido havia passado, mas eu sentia tanta dor que mal conseguia me manter acordada.
- O que você quer comigo? O que diabos é você? - consegui perguntar, sem fôlego. As palavras saíram fracas e desordenadas, mas me fiz coerente.
- Eu quero o seu sangue. Aqueles que você chama de pais, foram fieis a você, não entregaram sua localização… Mas ainda sim, todo ser humano deixa furos. Por isso são criaturas inferiores e, por isso, os subjugaremos.
- Meus pais? - eu ignorara todo o resto do discurso da criatura, e focara apenas na parte em que ele mencionava meus pais. A criatura sorriu, e colocou a mão em minha testa, me cegando por um momento. Mas no momento seguinte, eu era transportada para outro lugar.
Meus pais estavam amarrados em cadeiras, sujos e com sangue por todo o corpo. Minha mãe gritava, enquanto o corpo de meu pai estava no chão, imóvel. Morto. A escuridão me tomava por um segundo, antes de outra cena invadir minha mente. O corpo de minha mãe sem vida na cadeira, sua cabeça pendendo no pescoço, enquanto sangue pingava em suas pernas.
Senti meus olhos marejarem, e quis gritar, mas não tinha mais forças. Aquele tinha sido um ultimo golpe fatal em minhas energias.
Eu já não via nada além da fumaça, o quarto estava tomado pelas chamas, e tudo que eu queria era morrer logo. Queria perguntar de minha irmã, Kate, mas eu temia que aquela criatura, fosse o que fosse, perseguisse Kate depois que acabasse comigo. Se ela tinha se salvado, eu preferia que ela continuasse daquela forma.
- Me mate logo. - eu disse, querendo dar um fim naquilo. - Eu sei que vai fazê-lo, de toda a forma.
O monstro apertou com mais força minha garganta, e eu entendi que os jogos haviam acabado. Aquele era o fim.
- Ah, eu vou. - disse. - Mas antes, preciso que você ofereça seu sangue para mim.
- Eu ofereço meu sangue para que você vá para o inferno. - cuspi as palavras, sem fôlego. A coisa grunhiu, e perdi a consciência por alguns segundos.
Quando voltei a mim, a criatura ainda me agarrava pelo pescoço, seus olhos negros pareciam querer engolir minha alma. Sentia a vida se esvair de meu corpo, podia ver a escuridão chegando.
De súbito, a criatura me soltou, e eu caí de joelhos, tomando fôlego rapidamente, antes de ser lançada para o outro lado do quarto. Levantei a cabeça a tempo de ver quando a porta explodiu, e voou até a parede oposta. Vi a forma de um garoto parado na entrada do quarto, em meio às chamas. Elas pareciam não afetar a ele.
Minha consciência se esvaiu novamente e a escuridão me engoliu outra vez.
Alguém me segurava, eu sentia o corpo humano e o coração batendo contra minha pele. A criatura de olhos negros havia sumido, e agora eu só podia ver os olhos de meu salvador. Olhos dourados e brilhantes que engoliram minha consciência de forma acolhedora.
E então, eu apaguei mais uma vez, e não voltei a recobrar a consciência por um longo tempo.



Continua...



Nota da autora: Lista de Poderes / Lista de Termos
Heeey! Bom, primeiramente quero agradecer a você, pessoa querida que começou a ler Corrompida por livre e espontânea vontade (mas agradeço também aos que foram obrigados por mim). Essa história tem um histórico complexo de mudanças e partes reescritas e quase abandonos, mas dessa vez, é pra valer. Não vou deixar que nada (nem a minha preguiça) me impeça de continuar, e posteriormente, acabar ela. Em segundo lugar, quero explicar os links contidos ali em cima. Bom, essa é uma história original, mas eu tenho alguma base de pesquisa para ter conseguido montar todo o roteiro e ali em cima tem algumas explicações de coisas das quais serão rotineiras no decorrer da história, mas a leitura não é obrigatória, apenas serve como apoio. Terceiro, e essa parte é bem importante. Apesar de minha história ser sobre anjos e demônios, ela não tem nenhum teor religioso. Sim, nas minhas pesquisas eu sempre encontrava relatos religiosos, mas eu levei um bom tempo montando a história, e acabei não me aprofundando em nenhuma teoria em especial. Não é uma forma de doutrinação, e para ler você não precisa acreditar nisso. Assim como existem histórias de vampiros, fadas, etc e tal, existem histórias de anjos. Não estou aqui para desmoralizar ou desacreditar a fé de ninguém. E em quarto e ultimo lugar (ufa, até eu cansei dessa maldita nota), só quero realmente agradecer pela leitura, espero que vocês não me abandonem e continuem acompanhando a história. PS: Divulguem para os amigos, eu vou adorar isso :)
PS²: Quero mandar um obrigada especial pra minha beta, esta linda critura que aceitou a tarefa difícil que é me aturar no procesão de criação de capítulos. Obrigada Mari <3
Qualquer coisa, me dêem um grito pelo twitter, checo essa coisinha maldita quase todos os dias. Beijos, docinhos!


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