Observo suas mãos trêmulas que seguram a borda do livro. Seus dedos não aparentam a mesma textura de quando nos conhecemos, suas mãos possuem agora pequenos sinais e manchinhas delicadas que se espalham também por seus braços enrugados. Apesar do leve tremor, ainda há firmeza e segurança no seu gesto de segurar o livro. Sempre admirei isso em você, sabia? O modo como sempre estava certa sobre o que fazer e como agir.
Você molha a ponta do dedo indicador e, com todo o cuidado do mundo, passa para a próxima página. Sorri ao decifrar as palavras escritas com tanto esmero anos atrás. Sorri, mas de modo confuso e perdido. Não se lembra, não sabe por que está sorrindo, certo? Apenas sente vontade de fazê-lo.
Passo a mão por seus cabelos grisalhos e macios. Eles deslizam entre meus dedos e correm até a altura de seus seios. Também sorrio, pois, se um dia vi graça na vida, só tenho a lhe agradecer por isso. Você me olha de modo torto, mas aceita meus carinhos sem questionar.
Ah, querida! Como é insano e triste esse fim inevitável, contudo, o que podemos fazer? Ao menos, há o consolo de sua total cegueira diante dos últimos acontecimentos. Pois, desse modo, você terá o melhor fim de todos.
- Estou com frio! – balbucia sem dirigir a palavra a mim, como se estivesse lendo isso nas páginas do livro.
Puxo a grande colcha florida sobre nossos corpos, me aconchegando. Você parece mais feliz, entretanto, mal sabe que, dentro de alguns minutos, nem todos os cobertores do mundo poderão nos salvar da tragédia. Apesar de tudo, eu estou feliz. Sim, feliz! Pois ali estávamos nós, com nossa bagagem de plena vivência, enquanto que só tinha a lamentar pelos jovens que de pouco haviam usufruído nessa vida.
Vivemos tanto, não? Ainda me lembrava de seus cabelos vermelhos se destacando em meio às milhares de pessoas quando te conheci. Ainda me lembrava da cor dos seus olhos quando, finalmente, tomei coragem para lhe beijar. Ainda me lembrava do dia em que havíamos nos casados às escondidas e, também, do dia em que, na brancura sufocante daquele consultório, descobrimos que você jamais poderia ter um filho. E, depois disso, suas lágrimas incessantes sobre a camisa xadrez que você havia me dado de presente no nosso primeiro aniversário de casamento. Por vezes, tenho certeza que você jamais superou essa notícia.
Torno a te observar virando mais uma página. Parece tão concentrada, ou melhor, tão distante, como vem sido durante os últimos anos. Não sei mais o que fazer. Será que é assim que as pessoas se sentem no fim? Completamente afogadas em nostalgias? Porque é assim que me sinto. Será que há a necessidade da certeza da morte para darmos valor a vida? Bom, eu jamais saberei as respostas dessas perguntas, contudo, por sorte, sempre me restará uma certeza incontestável.
- O que faria se hoje fosse seu último dia de vida? – perguntei distraidamente, focando minha questão diretamente nos seus olhos.
Você direcionou seu olhar para mim pela primeira vez, sem largar o livro.
- Hm, acho que gostaria de cantar minha música favorita o mais alto que conseguisse, mas com uma felicidade tão grande que não caberia em mim... E eu morreria assim, feliz, cantando uma última canção – respondeu, com um olhar tão meio e infantil que me deixava em desespero.
Esbocei o maior sorriso, mesmo quando minha maior vontade era gritar. Faltava pouco agora, e eu segurei suas mãos quentes entre meus dedos gélidos.
- Por que gosto tanto desse livro? – perguntou, fechando-o com a outra mão, enquanto o depositava sobre a colcha, acima de sua barriga.
Eu dei de ombros.
- Não sei... Ele conta uma linda história, não? – indaguei, pairando meu olhar no teto, em um ponto qualquer.
Você pareceu esfuziante como o meu comentário.
- Sim! - exclamou com pressa. – Na verdade, há uma vida inteira nesse livro. Ele está todo escrito com uma letra tão pequeninha que, ao olhar de longe, qualquer um pode confundi-las com formigas – esclareceu, de forma prazerosamente infantil.
Olho para o grande livro de capa bege sobre sua barriga, ele ainda conservava todos os adornos que havíamos acrescentado em sua construção durante os anos. A seguir, miro seus profundos olhos castanhos. Você já é uma mulher de 63 anos. E eu ainda sou um pouco mais velho, então, como ainda podia sentir meu coração bater tão rapidamente ao notar sua vulnerabilidade, sua inocência no auto de seu esquecimento? E ainda dizem que “velhos” não amam. Inclinei-me para poder beijar sua testa com delicadeza.
- Essa é a nossa história – informei.
Você pareceu mais confusa do que o habitual, mas apenas ignorou meu comentário e se aconchegou ainda mais na colcha disponível na cama. O fim estava próximo. Não haveria um amanhã. Tudo o que não havia sido feito hoje, não seria feito nunca mais. Seus olhos se fecharam, ainda acreditando em um futuro. Os meus também se fecharam, mas acreditavam no presente. Esse era meu destino, essa era minha certeza incontestável: Morrer ao seu lado.
N/A: Olá pessoas!
Primeiramente gostaria de agradecer caso alguma alma caridosa tenha lido essa fanfic.Segundamente (?) haha, gostaria de dizer que não gostei do modo como a escrevi, sabe? Mas não podia deixar de escrever para esse especial, porque fiquei apaixonada pelo tema.
E por fim, obrigada mais uma vez por aceitar betar essa coisinha, Lara (:
Beijos, folks xXx
Nota da Beta: Qualquer erro nessa fanfic é meu, então me avise por email ou mesmo no twitter. Obrigada. Xx.