CAPÍTULO ÚNICO


Ele corria. Ele corria tão rápido que mal sentia seus pés tocarem o chão. Seu coração batia forte, como quem iria rasgar o seu peito para fazê-lo desacelerar. Mas ele não conseguia. E enquanto o vento bagunçava seus cabelos , pensava em como os seres humanos perdiam tempo. Em como deixavam as coisas escorrerem por entre seus dedos, em como eram orgulhosos, em como eram covardes. Ele deveria ter se redimido. Deveria ter cedido aos seus sentimentos e não seguido a porra da sua cabeça dura. O problema é que nós pensamos que temos todo tempo do mundo e, por isso, abusamos dele. O relógio da vida não é como o nosso. Ele não tem números, e sim estágios. Nós somos os ponteiros. Passamos por cada um desses estágios, querendo ou não. À meia-noite é a morte. E é essa a diferença do relógio da vida para os relógios que temos em nossos pulsos. Na vida, a gente só chega à meia-noite uma vez. Não tem recomeço. Não tem como voltar os ponteiros. Quando chegamos lá, o nosso tempo acabou. E corria por saber que a garota que ele amava, estava no 23:45.

xx


Adentrei o hospital como uma bala perdida. Havia parado de correr em respeito aos pacientes, mas ainda assim andava rápido e meio desnorteado. Pedia informações para todos os médicos e enfermeiros que via em meu caminho e ofegava nervoso. Disseram para que eu subisse as escadas, passasse por dois corredores e seguisse em frente. E eu o fiz. Meus pés tremiam um pouco mais a cada degrau e minhas mãos suaram o dobro em cada corredor. E, finalmente, eu havia chegado à sala de espera do segundo andar. Ali só havia a mãe e o irmão de e sua melhor amiga, . Ela estava sentada, com a testa nas mãos e os cotovelos nas pernas, que balançavam compulsivamente. Sua mãe abraçava seu irmão e eu pude ouvir a voz suave dela sussurrar uma série de rezas e pedidos a Deus pela vida da minha garota. Meus olhos encheram de lágrimas e eu engoli em seco, sentando ao lado de e tocando suas costas.
- Eu vim correndo quando me disse... Como ela está? Cadê o pai dela? – falei baixo e próximo ao seu ouvido, fazendo com que ela levantasse a cabeça para me responder. Seus olhos vermelhos me deixaram mais aflito, se é que isso era possível. Ela não se desesperava por qualquer coisa e ela já estava ali a mais tempo do que eu. Soprou o ar e endireitou a coluna antes de falar comigo.
- Fumando em algum lugar. Ela está em estado grave. Você sabe... Ela não se cuidava muito desde que vocês namoravam. Sempre aquilo de se punir. E depois que vocês terminaram, não foi diferente. Ela continuou... Até piorou, pelo fato de não ter você mais com ela. Você sabe mais que ninguém... Ela amava você demais. – Eu estava chorando. Eu não conseguia suportar aquela culpa. Um idiota. Era isso que eu era. Era a minha garota. E eu a amava tanto quanto ela. Eu ainda a amo. Amo com todo meu coração. E querem tirar a minha garota de mim. – Ela já veio aqui inúmeras vezes antes de hoje, . E você sabe que cada vez que ela não tomava os remédios, o organismo dela se debilitava mais. Hoje foi o limite.
- Por favor, , diga-me logo o que aconteceu, antes que eu grite no meio dessa sala. – Apoiei meu cotovelo nas minhas coxas, massageando minhas têmporas.
- Ela teve um infarto, . O coração dela não aguentou. Ela teve uma obstrução na artéria. Foram preparar a equipe médica para cirurgia dela. Eles não têm nenhum cirurgião aqui, estão esperando chegar. Você sabe como são os hospitais... Temos que torcer para ela resistir até a chegada dos médicos. – Eu dei uma tapa na minha própria cabeça e levantei, correndo em direção a um corredor, que provavelmente dava para os quartos. Eu enxugava as lágrimas e mais milhares delas surgiam para ocupar lugar. Os quartos tinham janelas nas paredes, que davam para ver o paciente que estava dentro dele. A porta tinha uma chave de segurança que, acredito eu, só os médicos e acompanhantes tinham. Meu olhar passava por todas as janelas rapidamente, até que eu a vi. Parei bruscamente e colei as palmas das minhas mãos na janela. Ela dormia tranquilamente, e eu quis quebrar aquele vidro para tocá-la. Ela continuava linda. Sua pele, branca feito à neve, contrastava perfeitamente com seus cabelos e enormes, que estavam bagunçados e, ainda assim, maravilhosos. Seu peito subia e descia, dando-lhe um pequeno sopro de vida. Sua respiração vinha com ajuda de aparelhos e ela tinha vários fios grudados em seu pequeno corpo. Ela estava mais magra do que era quando namorávamos. Provavelmente consequência da sua obsessão por magreza. sempre fora uma menina muito linda. Todos diziam a ela o quanto andava de forma bonita e o quanto seu corpo era delineado e atraente. Elogiavam seu sorriso, seus cabelos, seu jeito. Eu fazia questão de dizer todos os dias o quanto ela era maravilhosa, mas ela nunca acreditou em mim. Nem em ninguém. Preferia ouvir seus traumas e se punir.
Tudo começou com seu pai. Ele a cobrava demais. E a mãe dela. E o irmão dela. Ela tinha que tirar as melhores notas e ser a primeira da turma, caso contrário, ele já reclamava com ela. Tinha que ser a mais bonita e querida da escola, caso contrário, ela era a arrogante. Tinha que pensar como ele, agir como ele e ser como ele e, se diferente fosse, era estúpida. Seu pai deu a ela muitos adjetivos. Falsa, dissimulada, fofoqueira, coitadinha, gorda, chata, insuportável, perversa... E ela absorveu tudo para si, destruiu sua autoestima e começou a viver com um único objetivo: ser perfeita para agradar ao seu pai. E, além disso, ainda tinha que segurar as pontas com as brigas diárias de seus pais. Eles tinham uma diferença enorme de idade e não havia sequer um dia em que seu pai não insultava sua mãe. Paty havia largado o emprego ao engravidar de . Josh prometeu a ela que, quando fizesse dois anos, ele conseguiria um emprego para ela. Josh era diretor do maior hospital da cidade, seria fácil para ele. Porém, isso não aconteceu, e Paty acabou engravidando de Matt. Ela tinha dois filhos para criar e, por isso, acabou adiando a volta ao trabalho. As crianças já tinham 8 e 6 anos quando ela tentou trabalhar de novo e deixá-las com o pai, já aposentado. Josh não fazia comida para eles, gritava e quebrava as coisas aleatoriamente e os ameaçava, caso contassem para Paty. A sorte foi que num dia, ela chegou mais cedo em casa e flagrou tudo. A confusão continuou, só que dessa vez com crianças traumatizadas, uma mulher sem oportunidade de crescer profissionalmente e um homem ainda pior. ficou diabética aos 14 anos de idade. E isso estava totalmente fora dos planos dela. Como poderia ser perfeita sendo doente? E crônica? E, então, ela se recusou a agir como uma doente. Não tomava seus remédios, não comia e ignorava todos os conselhos de sua mãe, de não se irritar com seu pai. brigava para defender seu irmão mais novo, que sempre foi um bebê para ela. Defendia sua mãe e tentava de tudo para tirar seu pai de casa. Ela só esquecia-se de se defender. Quando não aguentava mais a fome, comia demais e sua glicose subia para níveis extremos e perigosos. E aí ela tomava doses altíssimas de insulina e sua glicose descia demais. Aos 16 anos, eu e nos conhecemos e, depois de seis meses, começamos a namorar. Ela era a melhor pessoa que eu já havia conhecido. Fingia uma felicidade que não tinha só para deixar todo mundo bem. Fazia de tudo para ajudar as pessoas. Era amorosa com , cuidava dela sempre que ela estava triste. Saia com ela para deixá-la animada e nunca a deixava sozinha. E, ainda assim, era a melhor namorada do mundo para mim. Nunca me faltou amor. Nunca me faltou carinho. Eu sabia que eu não iria cair nunca porque, mesmo sem forças, ela sempre me dava à mão. E comigo ela era feliz de verdade. Ela costumava me dizer que eu era a felicidade que ela perdeu na infância, e que não conseguiria me perder de novo. E eu a fiz me perder. E olhando para ela ali, tão perto e ao mesmo tempo tão distante, eu só conseguia receber uma série de lembranças.

Flashback.
- Ai, amor, eu preciso emagrecer mais. Ainda estou gorda. – Ela reclamava, virando-se na frente do espelho e se olhando de todos os ângulos possíveis. Eu estava sentado na minha cama, observando-a.
- Vem aqui, amor. Deixa-me ver se você precisa mesmo. – E ela veio, se acomodando entre minhas pernas. Meus dedos seguraram a barra de sua camisa, levantando-a devagar. Eu dava beijos em cada parte de sua barriga que eu deixava amostra. Meu olhar estava ligado ao dela e seu lábio inferior preso entre seus dentes. Seus dedos, que acariciavam meus cabelos, saíram de lá para tirar a camisa de uma vez e eu me levantei, jogando-a deitada na cama. Ela soltou uma gargalhada deliciosa e eu levei minhas mãos ao seu short, puxando-o para baixo. Observei seu corpo seminu na minha cama e pensei em como aquela garota poderia se odiar. Ela era perfeita, cada centímetro da sua pele era perfeito. Meu dedo passou pelos seus lábios, seguindo caminho por entre seus seios e parando na sua cintura. Ela puxou meu rosto para baixo e me beijou, virando por cima de mim, sentando no meu colo. Suas mãos pequenas não se decidiam entre meu peitoral e meus braços, enquanto as minhas apertavam sua bunda com posse. Ela era minha. E eu não poderia ter nada mais precioso que ela. Seu quadril começou a se mover contra o meu e ela gemeu ao sentir minha ligeira excitação. Desgrudou a boca da minha para me encarar enquanto rebolava no meu colo, me provocando.
- Acho melhor você não me provoc.. – Eu ia falando, quando fui interrompido pelo seu dedo, me calando.
- Não quero que fale nada. Caladinho. – Sorriu e tirou seu sutiã vagarosamente, mordendo o lábio. Ela tinha essa péssima mania. Amava morder o lábio. Apesar de estar amando ela se esfregando no meu colo, eu precisava tomar o comando. Virei-me por cima dela novamente e me ajoelhei, descendo minha cueca até a metade de minhas pernas, me enfiando nela em seguida.
Fim de flashback.

Bati com as mãos no espelho e a observei de novo. Dormia da mesma forma que dormia no meu peito depois que fazíamos amor. Eu queria estar ali. Acariciando seus cabelos e beijando o topo de sua cabeça. Queria lhe dizer inúmeras vezes com a boca colada no seu ouvido que ia ficar tudo bem, assim como eu fazia sempre que ela chorava em meu ombro.

Flashback.
Minha camiseta estava ensopada com suas lágrimas. Eu a havia pegado em seu quarto, com a lâmina quase cortando sua pele. Imediatamente segurei seus braços e a peguei no colo, a levando para cama aninhada em mim. Deitamos abraçados e ela não conseguia dizer o porquê estava fazendo aquilo. Ela só conseguia chorar, e eu passava os dedos por seus cabelos e sussurrava para que se acalmasse, para conversar comigo. Depois de uns 15 minutos, seu choro cessou e abriu espaço para sua voz, então ela se pronunciou.
- Me desculpe. Eu realmente ia fazer aquilo se você não tivesse chegado. – Abaixou seu olhar para nossas mãos entrelaçadas e depois subiu, me encarando. Seus lábios secos tocaram meu pescoço, num beijo delicado, e eu fechei os olhos. Eu odiava vê-la daquele jeito. Se fosse possível, eu tomaria toda a dor dela para mim. Sem discutir. Eu sofreria feliz no lugar dela. Não é fácil ver seu mundo desmoronando.
- Porque ia fazer isso, meu amor? – Meus dedos desceram pela lateral do seu rosto e ficaram fazendo um carinho suave em seu queixo.
- Eu não aguento mais, sabe... Eu sinto que mereço me punir. Não presto para nada, afinal. Não consigo tirar meu pai de casa. Se ele saísse, minha mãe seria feliz e meu irmão não ia rezar a noite pedindo uma família. – Engoliu em seco e eu entendi qual tinha sido o ponto de partida daquilo. O irmão. Ela sempre cuidou do irmão como se fosse um filho, e qualquer coisa que o machucasse, lhe machucaria em dobro. – Eu passei para dar boa noite ontem e ele estava ajoelhado, pedindo a Deus uma família. Bom, eu não posso dar uma família a ele... Mas eu tento dar a paz. Tento tirar meu pai de casa e, junto com ele, as brigas. Mas não consigo. Como sempre, eu falhando em tudo. – Deu uma tapinha em meu peito e sussurrou um desculpa.
- , não é sua responsabilidade. Não depende de você, meu amor! Não se diminua por isso. Seu pai é o único que pode resolver isso, e você sabe. – Dei um beijo em sua testa e a escutei suspirar.
- E além de não conseguir consertar minha família, continuo gorda e feia... Fui comprar roupas hoje de manhã e fiquei chorando no provador. Isso é patético. Eu não consigo me olhar no espelho sem querer sumir. – Escondeu seu rosto na curva do meu pescoço e eu passei a ponta dos meus dedos pelas suas costas.
- ? – Ela me olhou. – Pode vir comigo até o espelho?
- Amor... Melhor não. Não me comporto muito bem na presença de espelhos, você sabe. – Engoliu em seco.
- Vem comigo, me dá a mão e vem. – Separei-me do nosso abraço e estiquei a mão para que ela pegasse e se levantasse. Entrelacei nossos dedos e andamos até o espelho que tinha atrás da porta do seu quarto. Eu a coloquei em frente a ele e fui para trás dela. Com minhas duas mãos, tirei os cabelos que estavam grudados em cada lado do seu rosto e os puxei pra trás, deixando-o livre.
- Aonde você quer chegar, ? – Olhou para seus pés, sem querer olhar para o seu reflexo.
- Olhe para você. – Levantei seu queixo e ela olhou. Eu podia ver a dor em seus olhos e aquilo me deixava atordoado. – Está vendo esse rosto lindo? É nele que eu penso todas as manhãs, quando acordo. E esses olhos? Você reclama que são pequenos demais, mas eu os acho lindos. Eles são um pouco puxadinhos, amor. São lindos. – Dei um beijo na sua bochecha e ela sorriu tímida. – Seu nariz é normal, amor. Não é grande demais, como você diz. E vamos para minha parte preferida: a sua boca. Sua boca, além de ser linda e desenhada, é bem útil. – Sorri torto e ela me deu uma tapinha na perna, rindo. – Tira sua blusa e seu short, por favor. – Sussurrei em seu ouvido e ela hesitou um pouco antes de tirar as peças de roupa. – Eu já te disse mil vezes e em mil situações que seu corpo é lindo. Você é gostosa pra caralho, . – Ela mordeu o lábio quando me ouviu falar e eu quis agarrar ela. – Você sabe que eu venero o seu corpo, não sabe? – Beijei seu ombro e fui subindo pelo seu pescoço. – Não quero saber se você não tem uma barriga negativa. Se você tem uma marca aqui e outra ali. Não me importa se você tem celulite ou se seus peitos não são tão grandes quanto você queria. Eu amo cada parte de você. Eu desejo cada parte de você. E, infelizmente, não só eu. – Fiz uma careta ciumenta e ela riu, virando-se para mim e colocando os braços no meu pescoço, beijando minha bochecha. – E eu ainda nem falei da sua bunda. , sua bunda é uma delícia. – Apertei sua bunda com minhas duas mãos e ela me beijou. Nosso beijo foi rápido e intenso. Eu não entendia como ela num momento chorava e no outro me beijava como quem tinha a animação do mundo todo dentro de si. Era a minha . Ela se recuperava rápido.
- Obrigada por me fazer ser a mulher mais amada desse mundo, . Eu te amo tanto. – Sussurrou nos meus lábios.
- Pode ter certeza que eu te amo muito mais. – Dei um selinho nela. – Eu só quero que você pare de ser torturar tanto. Você é perfeita da sua maneira. Entendeu-me? – Ela assentiu com a cabeça e me beijou novamente.
Fim de flashback.

Há muito tempo eu vinha com saudades do beijo de . Eu me sentia seguro com ela. E eu me dava à função de cuidar dela. Eu deveria proteger ela de tudo no mundo. E eu conseguia a defender da maioria das coisas. Só nunca consegui defender ela da sua maior inimiga: ela mesma.

Flashback.
Eu adentrei sua casa correndo, com nos braços e sentando com ela no sofá. Paty logo apareceu correndo na sala, perguntando-me o que tinha acontecido.
- Ela desmaiou do nada na festa. Eu acho que ela tomou muitos remédios hoje. – Eu abanava seu rosto, que estava deitado em meu colo. Sua mãe correu para chamar seu pai, e mandou seu irmão ligar para os médicos. No tempo que esperávamos a equipe médica chegar, , felizmente, acordou.
- Amor? O que aconteceu? – Sussurrou, com os olhos cerrados.
- Porra, . –Enchi seu rosto de beijos, com medo de puxá-la e abraçá-la num movimento brusco. – Que susto que você me deu. O que você fez, amor?
- Eu não tomo meus remédios fazem meses... E já que hoje eu ia para festa, eu tomei, para mostrar a minha mãe que estava tudo sobre controle, porque só assim ela me liberaria. Só que eu tomei uma dosagem muito alta.
- E teve uma hipoglicemia tão séria que te fez desmaiar... , você sabe os riscos que você corre, sabe que isso pode te deixar em coma. Você prometeu-me que ia se cuidar e para de tomar o remédio por meses? Eu não quero deixar você se matar aos poucos, mas eu não posso te proteger de você, droga. – Ela começou a chorar e beijou minha perna, pedindo suas típicas desculpas.
Fim de flashback.

Eu odiava o fato de se matar de forma indireta e silenciosa. Tirava um pouco de sua vida a cada dia que passava, e aquilo me deixava maluco. Perdê-la nunca foi uma possibilidade para mim. Mas a vida sempre nos apresenta novas possibilidades. E num descuido, com palavras mal ditas e em atos desmedidos, eu a perdi.

Flashback.
- , é a terceira vez que você fica bêbado só essa semana. Faz dois meses que você bebe sem parar, quase todos os dias. Eu fui deixando, para ver se você parava por conta própria, mas estou vendo que não. Porque você não me conta o que está acontecendo, ao invés de beber igual um maluco? – acariciava minha coxa e eu tomava um café que ela havia me feito.
- , meus pais não querem me deixar ser músico. É o meu sonho, sabe? Estamos na metade do terceiro ano, vamos nos formar daqui a pouco. Eu vou fazer meus vestibulares e vou ser obrigado a fazer um curso que eu não quero. Viver uma vida que eu não quero. Só porque meu pai quer que eu tome a liderança daquela maldita empresa dele. Eu não quero ser empresário. Você sabe que eu amo guitarra. Eu vivi com ela, aprendi, sou muito bom e eu quero ser músico. – Bufei e ela se sentou na minha perna, fazendo carinho na minha nuca. – É a minha vida, porra. Eu quero mandar nela. Não quero fazer nada para agradar ninguém. Não vou me enfiar num terno só porque eles querem.
- Mas, amor, você não precisa virar um alcoólatra por isso... As coisas se resolvem na conversa. – Eu estava irritado. Eu estava sem a mínima paciência. Eu já estava cansado de brigar. De tentar. Eu não queria aceitar aquela vida que queriam me dar. – Você não precisa acabar com você mesmo, .
- Engraçado você me dizer isso. A rainha da autopunição. – Ri falso e ela levantou-se do meu colo, olhando-me atenta e com os braços cruzados sobre o peito. – Você me pede para não beber e realmente espera que eu pare? Você nunca me ouviu. Nunca tomou seus remédios quando eu pedi. Porque eu deveria parar de beber? Parar de "me acabar"? – Fiz aspas no ar. – Você não tem a mínima moral para pedir isso.
- , me admira você falar essas coisas. Eu cresci com meus problemas, com minhas frustrações. Meu jeito de me aliviar é descontando em mim mesma as coisas. Eu prefiro não machucar os outros, como você está fazendo agora, e me machuco no lugar delas. Eu não faço nada por querer tocar uma droga de uma guitarra. Eu me puno por motivos maiores, . – Sua voz estava trêmula e eu só queria continuar a falar e falar e falar.
- Você chama querer ser perfeita pro seu papaizinho de motivo maior, ? Você é doente. Você é obcecada por perfeição. Você não precisa se matar, você precisa se tratar. – Depois que despejei as palavras, eu senti o peso delas. A raiva me tomou de uma maneira que eu sequer pensei no que tinha dito. Mas ela também tinha dito que meus motivos eram uma droga. Ela tinha que saber respeitar meus motivos. Não tinha? olhou-me com os olhos cheios de lágrimas e apontou para porta. Nenhuma palavra sequer. E quando eu passei em direção à porta, ela me olhou fria. Ao abrir a porta, escutei seu sussurro.
- Só uma palavra, .
Eu sabia a palavra que ela queria ouvir. Mas meu orgulho me emudeceu e eu fui embora.
Fim de flashback.

Depois disso, eu nunca mais falei com . Eu não tinha coragem de chamá-la e era estupidamente orgulhoso para pedir desculpas. Eu não estava totalmente errado. Estava 90%, mas não totalmente. Ela devia-me desculpas também. Saí da escola uma semana depois, para não ter que olhar para ela. Eu a amava. Eu a amava muito. Mas eu fui burro. Eu deixei correr. Eu pensava que, se ela vivia sem mim, eu viveria sem ela. Fui estudar em outra escola, do outro lado da cidade. E, depois disso, nunca mais falei com ela. E hoje, depois de seis meses, eu a reencontro assim. Isso me fez pensar em como eu havia demorado. Em como eu havia falhado. Em como eu havia sido tolo. Se eu tivesse dito a palavra "desculpa" antes de sair por aquela porta, eu teria a minha garota comigo. Talvez eu tivesse evitado que ela estivesse ali, naquela situação. Meu peito já doía de tanto chorar.
- ... Eu quero tanto que você sobreviva. Fica comigo aqui, amor. Por favor, fica. – Sussurrei, como se ela pudesse me ouvir, e ela se mexeu um pouco na cama. Seus olhos começaram a tremer, tentando se abrir. Eu avancei no vidro, querendo passar por ele e gritar: "Isso, ! Você é forte! Você consegue, amor". Mas eu não poderia. Quando passei por aquela porta, eu fechei todas as portas que me levavam a . Seus olhos cerrados viraram em direção ao vidro.
- Meu amor! ! , aguenta essa, por favor! – Gritei entre soluços. Seus lábios esboçaram um sorriso que não se completou e seus olhos se fecharam novamente. Seu monitor cardíaco, que antes estava baixo, ficou zerado. Não podia ser. Não. Não. Não.
- ! ! PORRA, ! ABRE OS OLHOS, NÃO VAI EMBORA ASSIM. – Meus gritos chamaram a atenção de todos e logo vi enfermeiros correndo em minha direção. – MEU AMOR, NÃO ME DEIXA AQUI. VOLTA PRA MIM, , POR FAVOR. – Alguns enfermeiros adentraram a sala e outros me arrastaram dali. – Me desculpe, . – O meu mundo havia acabado de perder a cor.

xx


"Oi, meu amor. Hoje é o seu aniversário de 18 anos. Eu me lembro do quanto você queria chegar nessa idade logo. Queria ter seu carro, queria ter sua casa e sua independência. E, bom, acho que no céu você tem isso e tudo mais. Eu estou tentando seguir sem você. Está difícil demais. Você deve se perguntar "Mas então como você vivia enquanto estávamos separados?" Eu vivia da esperança, meu amor. Eu vivia andando numa corda bamba de esperança. Eu sabia que você estava ali comigo e eu tinha a esperança da vida trazer tudo de volta para o lugar. Eu só esqueci que quem faz a nossa vida somos nós. Era uma palavra só, não é, ? Me desculpe por ter falhado com você. Você é a garota mais guerreira que eu já conheci, e ninguém nunca vai ser mais importante que você. Eu estou cuidando do seu irmão, levo ele para jogar bola comigo toda sexta. Seu pai ainda está em casa, porém não fala mais com ninguém. Sua mãe está indo. a leva para sair quando consegue. E, falando na , ela também está tentando se reerguer. Esses dias ela sentiu falta do seu abraço, mas eu disse que você está do lado dela o tempo todo. Eu sei que você está sendo um anjo para todos nós, como sempre foi na terra. Eu te amo muito, meu amor. Saudades eternas.

Do seu, ."


Deixei a carta em cima do túmulo de , junto com as flores que havia comprado. E se eu pudesse dar um conselho para as pessoas, eu diria para que esquecessem que o orgulho existe. Para que dissessem tudo que deve ser dito no momento que deve ser dito. Um dia pode ser tarde demais. Não deixe que a vida se encarregue de te levar. Leve a sua vida. Cuide da sua vida. Não deixe a sua vida morrer.

FIM



Nota da autora: Eu queria dizer, antes de tudo, que isso foi mais um desabafo. Boa parte disso faz parte da minha história e de outras pessoas e essa foi minha forma de me aliviar. Eu queria agradecer as minhas melhores amigas, Ana e Mariana, por serem os anjos da minha vida e por terem me livrado de ter o mesmo fim dessa fanfic. Obrigada por lerem, amores! Xx




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