Foolish Love
Autora: Bia Mello
Beta: Marii Rodrigues






Ela entrou na sala. Lá estava ele, em cima do palco de ensaios improvisado que havia sido montado apenas algumas horas antes.
Seu cabelo preto casualmente bagunçado, sua franja levemente puxada para o lado. Seus olhos castanhos fechados, acompanhados por um par de óculos. Suas bochechas razoavelmente preenchidas e rosadas, cobertas por uma leve camada de sardinhas, provavelmente adquiridas ao longo dos anos nos verões que passara no leste inglês. Sua boca rosada. Os lábios não muito carnudos e nem muito secos, que se movimentavam lentamente para proferir versos de mais uma de suas muitas músicas, a melhor de todas, na opinião de . O rosto do menino não era nada delicado, mas ainda assim era um dos mais bonitos que já vira.

Ou talvez não fosse tão bonito assim.

Talvez ela só estivesse encantada com a maneira como ele fazia todas as coisas parecerem leves e fáceis. Não sabia ao certo.

O garoto cantava todas as palavras que compunham a canção de forma que qualquer um que assistisse à cena poderia jurar que aquela era uma profecia sagrada. Toda a concentração era voltada para as palavras ditas e os acordes do baixo que ele segurava. Seus colegas de banda acompanhavam-no com outros instrumentos, enriquecendo a melodia da música e dando vida às palavras que outrora eram somente parte de um poema qualquer escrito por alguém que tentava arduamente não se afogar no mar de mágoas e decepções de um amor perdido.
Sentou-se no sofá de couro marrom que estava estrategicamente posicionado atrás da humilde filmadora, responsável por fazer a gravação de um vídeo para recordação, dando auxílio ao "camera man", Guilherme.
Ao seu lado, , sua melhor amiga, sentava encolhida com os joelhos dobrados em frente ao colo e os grandes pés em cima de uma almofada.
- Então, o que está te incomodamdo? - Nanda perguntou desconfiada à menina, que roía as unhas, ato que a delatou.
- Nada... - murmurou uma resposta vaga, ao que a amiga respondeu apenas com um aceno positivo de cabeça. Sabia que insistir não levaria a nada. não falava muito sobre seus sentimentos ou qualquer coisa que se passasse por sua cabeça.
observava a banda do namorado com muita atenção. Apesar de já ter assistido àquela apresentação uma quantidade incontável de vezes, em sua opinião, nunca perdia a graça. Provavelmente porque os meninos sempre tocavam os instrumentos e cantavam as músicas com a mesma intensidade e emoção, qualquer que fosse o público ou a ocasião.
John, baterista do grupo, encerrou a música no meio ao perceber a menina sentada no sofá. Sua chegada era mais do que inesperada.
estivera morando em Toronto nos últimos seis meses e sua visita seguinte aos amigos estava prevista para apenas 4 meses seguintes. era a única que sabia de sua decisão de última hora.
O motivo de sua volta espontânea? Simples: o amor de sua vida.
Estúpido, não é? Largar um futuro brilhante na área de advocacia por um hipster aspirante à roqueiro que tinha acabado de firmar contrato com uma gravadora de segunda mão e não dava a mínima para ela? Pode-se dizer, com certeza, que sim. Mas um coração apaixonado muitas vezes fala mais alto do que um cérebro ajuizado.
- ? - Dan, o tal guitarrista pelo qual tantas groupies estavam dispostas a vender suas almas, disse, surpreso.
- ? O que você está fazendo aqui? – começou. – Eu achei que iria te visitar no meio do ano! O que houve? Você não sabe quanta falta você faz! – um sorriso de orelha a orelha tomou conta de seu rosto, mas seus olhos continuaram da mesma maneira: abatidos, tristes.
Ele correu até a menina, que estava com olhos brilhando, cheios de lágrimas de felicidade. Uma cena típica de filme foi presenciada por Dan, John, , Guilherme e Peter: o casal correu para se abraçar, ao que não se segurou e desatou a chorar no ombro do namorado que tanto lhe fazia falta.
- Com certeza não mais do que você! – ela disse, em meio a soluços, enquanto sorrisos bobos se formavam nos rostos dos amigos que observavam a situação. Sorrisos de felicidade. Lágrimas que significavam, para , que ela não passaria a noite no skype ouvindo a amiga chorar.
- Eu sei, pequena! – respondeu, com um tom de voz que ele usava apenas com ela. E cada vez mais as lágrimas da menina caiam. Cada vez mais ela molhava o ombro da camiseta de algodão preta que usava.
Mas o que ninguém sabia é que em meio a tantas lágrimas de alegria, algumas das que acidentalmente caíram de seus olhos eram de tristeza. Tristeza causada por uma forte rejeição por parte da pessoa que a menina mais se importava no mundo.
A verdade, que só e conheciam, era que o menino não a amava. Os sentimentos que parecia ter eram parte de uma atuação impecável aos olhos de todos. Aquela relação podia ser chamada de acordo, mas o único lado que saía ganhando, apesar da menina não enxergar isso, era o dele.
Uma relação baseada em mentiras. Baseada na dor física. E, pior ainda, baseada na traição, na falta de sentimentos por parte de um dos membros do casal e no aproveitamento de um ser indefeso, cego pela paixão ardente que dominava seu corpo.
Ele somente usava a menina como objeto sexual, um brinquedinho que poderia controlar a qualquer hora, ao qual não devia nada. Nem fidelidade.
Já a menina, em sua cabeça, era a mais privilegiada porque tinha o prazer de namorá-lo e receber carícias quando se encontravam na presença de outra pessoa. Não era muito, mas para um coração partido e apaixonado era o suficiente.
Uma pequena demonstração de afeto por parte do menino e ela já estava em suas mãos, hipnotizada. Controlada pela parte de seu cérebro que emitia as emoções, a parte mais forte, que era a mais bem-sucedida no quesito de castigar os tolos que ainda tinham esperança de achar uma alma gêmea em algum lugar desse mundo frio.
Mais um de muitos beijos falsos foi dado pelos dois, e no momento em que seus lábios se selaram e a mão dele envolveu seu corpo, ela soube que valeu a pena. Bom, em sua cabeça tinha valido. Era somente isso o que importava no momento: a sua própria felicidade, nem que ela fosse apenas o resultado de uma encenação. Por parte dele, é claro.
E pouco se importava, também, no momento, que seus pais fossem totalmente contra esse relacionamento. Pouco se importava que o mundo fosse contra esse relacionamento. Dramático, não? Mas na cabeça de , era só o que importava.
Tudo o que queria era aproveitar ao máximo cada momento que tinha com ele, perto de outras pessoas, porque quando estavam sozinhos no grande apartamento que haviam alugado juntos, ela normalmente se tornava sua escrava. Seja sexual ou não. faria tudo o que ele quisesse, apenas em troca de alguns momentos de felicidade falsa.
E quando finalmente se recompôs, forçou um sorriso no rosto e engatou em uma conversa com os amigos dentro da saleta em que o vídeo era filmado. Enquanto isso, interiormente estava em conflito consigo mesma, e tentava afastar as imagens levemente perturbadoras que vivenciou com e substituí-las por aquelas felizes, em que estava em paz com sua decisão ao lado dele.




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