Happy 1912

Fiction por Ella F. | Beta-reader: Isabela H.


Vincent, verão de 1901.


Narração em 3ª pessoa.


tinha apenas treze anos. Era a filha mais nova de e . O pai, dono da única mercearia da pequena cidade de Vincent, vivia tentando impedir que ela o ajudasse quando saía da escola, mas a menina gostava de ficar ali. Fora lá, que há mais ou menos seis anos, conheceu o filho mais velho de e ; . Os três anos a mais do rapaz não impediram que eles se tornassem melhores amigos. e passavam bastante tempo juntos e dividiam seus segredos e sonhos. Apenas ela sabia do sonho que o garoto nutria em ser veterinário; Apenas ele sabia que a menina escrevia os mais lindos poemas e escondia todos debaixo do travesseiro, por pura vergonha de mostrá-los a alguém – lógico, ele era uma exceção. A proximidade dos dois era tanta, que se permitiam tomar banho de cachoeira juntos, sem maldade alguma. Mas, obviamente, seus pais não sabiam. Os dois tinham um lugar secreto – que não era tão secreto assim. O grande salgueiro, que ficava dentro da propriedade dos , um pouco afastado da casa principal. Nas últimas semanas, andava meio distante; muitas vezes irritadiço. Mas nunca com ela. Jamais com ela. Naquele dia, especificamente, disse que não podiam se ver, pois seu pai havia pedido que lhe ajudasse com alguns serviços da fazenda. Sendo assim, quando chegou da escola, aproveitou para ajudar seu pai na mercearia. , a sua irmã mais velha, sempre ficava em casa, ajudando a mãe nos afazeres domésticos – coisa que não dominava muito bem.

A garota estava no balcão, quando duas mulheres se aproximaram da porta do estabelecimento conversando entre si. Nunca fora de escutar conversa alheia, mas não pôde deixar de aguçar os ouvidos quando as ouviu falar sobre o "filho do senhor ". correu e pegou a vassoura, para fingir que varria a frente do lugar. Pôde reconhecer as senhoras Collins e Murphy.
— Acabei de saber, Anna. – a senhora Collins falou. — Suzana me contou.
que tem sorte. – comentou a senhora Murphy. — Quem dera Robert fosse tão bom pai a ponto de pagar uma Universidade para Paul na Europa.
Nesse exato momento, sentiu uma fisgada no estomago. Elas não podiam estar falando sobre ele. Podiam?
— Suzana disse que não quer ir. Está indo praticamente obrigado.
— Como sua filha sabe disso, Margareth?
— Ah, você sabe... – a mulher lançou um sorriso estranho, que não conseguiu identificar. — e Suzana estudam juntos, na mesma sala... Tornaram-se amigos.
Mentira!, pensou. sempre lhe dizia o quanto Suzana era atirada e o quanto ele não gostava disso. A garota continuou fingindo que varria a calçada para seguir ouvindo o que as duas mulheres falavam. pôde entender que Don – como ela o chamava - estava querendo obrigar a ir estudar na Europa, isso explicava o mau humor dele. Mas o golpe mais doloroso que ela podia levar veio com a resposta da senhora Collins a uma pergunta da senhora Murphy:
— Suzana disse que hoje à noite ele parte.

"Hoje à noite ele parte."
Era o que martelava na cabeça de enquanto ela corria em direção à fazenda dos .
Quando ela ouviu Margareth Collins falar isso, largou a vassoura com desespero e correu, ouvindo os gritos de seu pai, que perguntava o que estava acontecendo. Embora ela ainda não acreditasse, algo lhe gritava para correr. seria capaz de ir embora sem despedir-se dela? Sem avisá-la? mirou o céu e se deu conta de que estava entardecendo; correu mais rápido. De repente, a distância até a fazenda parecia longa demais. Sem se dar conta, as lágrimas saltavam-lhe dos olhos, embaçando um pouco sua visão. Alguns minutos mais tarde, pêde visualizar a grande casa, poucos metros à sua frente. Quando olhou para o topo da grande escadaria, viu e Don , viu as malas e, então, parou. Parou porque sentiu as pernas falharem. Parou porque sentiu que não tinha mais qualquer oxigênio em seus pulmões. Parou porque era verdade. Sim, era a mais cruel verdade.
também parou. Parou o que dizia ao seu pai. Parou de ouvi-lo. Parou quando a viu ali, olhando para ele. O rapaz reparou em seu estado – cabelos bagunçados, jogados em seu rosto; a respiração ofegante. Correu para descer as escadas o mais rápido possível e, quando parou de frente para ela, abaixou a cabeça e não conseguiu controlar um soluço. levantou seu rosto pelo queixo, fazendo-a encará-lo. Sentiu seu peito esmagar o coração quando viu os olhos de sua melhor amiga vermelhos e encharcados por lágrimas. Passou o polegar por seu rosto, fechou os olhos automaticamente.
— Por que não me disse? – ela perguntou, ainda de olhos fechado. trincou um pouco a mandíbula. Não queria que ela soubesse. Não enquanto ele ainda estava ali, em Vincent. Seria doloroso como nunca ter que se despedir dela. Era um covarde, sabia disso.
— Como você soube? – negou com a cabeça, indicando que não importava, e abriu os olhos, mirando-o.
— Seria capaz de ir embora sem se despedir de mim? – a pergunta lhe arrancou outro soluço.
— Desculpe-me, eu não queria deixá-la triste. Eu pensei que, se não me despedisse, você ficaria tão chateada, que não iria se importar.
— Co... Como? – ela afastou a mão que estava em seu rosto. — Como pôde pensar em algo assim, ? – ele certamente conseguiu visualizar a fagulha de raiva que atravessou o olhar da garota à sua frente.
— Eu não sei quando volto, . – tentou passar a mão por seu rosto novamente, para secar as teimosas lágrimas que não paravam de cair, mas ela o impediu. – Não faça isso... Por favor.
olhou fundo em seus olhos e a conexão se fez. Os olhos de eram como ímãs. Ela também se prendeu ao olhar dele; se prendeu àqueles olhos tão . A empatia fora mútua quando se conheceram. Saber que ele iria embora estava a matando. Estavam se olhando com tanta intensidade e concentração, que se assustaram quando a voz do pai de cortou o silêncio da noite.
Noite, lembrou-se .
— Está na hora, .
Ele desviou do olhar dela por alguns segundos, apenas para voltar a olhá-la, percebendo que a raiva que pintava os olhos da garota deu lugar ao desespero.
— Eu preciso ir.
— Não, por favor. – ela deu um passo para frente e parou antes de segurá-lo pela camisa.
— Espere um minuto.

Ele mal terminou a frase e correu até seu pai. era um homem de pulso forte e tudo o que fazia, sempre acreditava ser para o bem dos filhos. e eram os seus maiores tesouros.
— Pai, me dê mais cinco minutos. – pediu, mas percebeu o cenho do velho pai franzir. Sabia que ele iria negar, então, apressou-se em dizer: – Cinco minutos, meu pai. Apenas para despedir-me de .
olhou mais além do filho e viu uma tensa e de semblante triste. A garota tinha as mãos juntas e uma esmagava os dedos da outra. Embora estivesse um pouco distante, não pôde deixar de notar o rosto afogueado, devido ao grande esforço que fez ao correr da mercearia até lá. Estavam adiantados e cinco minutos não iria fazer diferença, pensou ele. meneou a cabeça, dizendo que tudo bem. Ele mal terminou de balançar a cabeça e o filho já estava junto à outra vez.
— Venha, temos apenas cinco minutos.
Ela sentiu um embrulho no estômago quando ele disse isso.
Cinco minutos. Era tão pouco tempo.
Mal percebeu que estava sendo guiada por até o lugar em que costumavam ficar conversando. O salgueiro. O lugar deles. Assim que pararam, agarrou-se a – como iria fazer quando Don o chamou.
— Não vá, por favor... Não me deixe.
— Eu não quero ir. – ele a apertou, sentindo as lágrimas da garota molharem sua camisa. – Acredite em mim, ... Se eu pudesse, ficaria aqui.
Com você, ele pensou em dizer. Engoliu as palavras quando sentiu apertar-se mais a ele, com um choro descontrolado. E se antes tinha a sensação do coração sendo esmagado, agora era certo que estava em pedaços. Com muito custo, ele controlou as suas próprias lágrimas... Afastou um pouco , apenas para olhar em seus olhos; olhos onde o vermelho sobressaía-se dos .
— Contou a Suzana e não a mim.
contou a Suzana. - ele se defendeu. — Ela quem lhe contou? - negou.
— Desculpe-me. – novamente o polegar estava em seu rosto, tentando afastar as lágrimas dali. – Eu não pensei que isso pudesse lhe causar tanta dor. Não queria que sofresse. – beijou-lhe a testa. – Eu voltarei, . Ainda não sei bem quando, mas voltarei.
— Você não estará aqui no meu aniversário de quinze anos. – ela observou com a voz embargada, afastando-se dele. entendeu.
— Talvez. E peço que me perdoe por não poder cumprir minha promessa. Mas eu lhe faço outra: Quando eu voltar, bailaremos como se estivéssemos em seus quinze anos. – ele sorriu, tentando fazê-la sorrir também, mas não adiantou.
— Não me prometa que voltará, quando nem você mesmo tem certeza disso, . Você nem sabe quando isso vai acontecer. Talvez... Talvez eu já esteja casada, com filhos.
não soube dizer o motivo, mas ao ouvi-la pronunciar aquelas palavras tão calmamente, como se já fosse algo certo, sentiu um forte frio em seu estômago. Algo que ele soube distinguir muito bem.
Era medo.
— E você... Você pretende se casar? – era uma pergunta idiota, mas ele tinha que fazê-la.
— Óbvio, . – franziu o cenho – Um dia eu terei que casar, ter filhos. – disse como se isso fosse a coisa mais lógica do mundo. Na verdade, era.
Algo passou por sua cabeça, mas julgou ser absurdo e totalmente egoísta para falar em voz alta. percebeu a confusão no rosto do rapaz.
— O que passa? – ela perguntou, passando o polegar pela ruga de preocupação que se formava no cenho do amigo, desfazendo-a.
— Nada. – ele sorriu sem vontade. — Foi só uma bobeira que passou pela minha cabeça.
— Diga-me, . – ele negou - Por favor.
Ele relutou um pouco, mas não custava nada tentar. A simples imagem de casando-se e tendo filhos com alguém que não fosse ele lhe embrulhava todo o estômago.
— Se eu pedisse, você esperaria?
— Pelo quê, ? – perguntou, confusa.
— Por mim. – ele pausou. – Se eu pedisse... Você esperaria por mim, ?
, óbvio que eu vou esperar por você. – ela sorriu. – Não seja bobo!
— Não, ... Eu não digo nesse sentindo. – ela o mirou, confusa novamente. – Eu perguntei se você me esperaria sem... Sem se casar? – ele percebeu os olhos da garota arregalarem e apressou-se em dizer: - Eu falei que era uma bobeira... Esqueça, ok?
, eu... Eu não entendo.
Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, a voz do seu pai os alcançou.
! Vamos!
— Agora eu tenho que ir. – ela o abraçou e sussurrou em seu ouvido: - Me prometa, ... Prometa que irá me esperar.
, isso é tão...
— Eu sei. – suspirou. - Isso é mesquinho. Totalmente egoísta, mas...
— Eu ia dizer confuso, .
Ela sorriu, afastando-se dele. Novamente ouviram Don chamá-lo.
— Até logo, .
Sem que esperasse, lhe deu um selinho.
Não passou disso.
Foi apenas um roce de lábios, mas naquele momento foi o suficiente.
havia ficado parada, talvez em choque. Quando caiu em si novamente, já caminhava de volta para o carro que o levaria embora. A garota reuniu as poucas forças que ainda tinha e gritou a pleno pulmões, arrancando um sorriso do rapaz:
— Eu prometo, .

No dia seguinte, após a escola, foi ajudar seu pai na mercearia, como sempre. Mas, dessa vez, o sorriso que ela sempre levava nos lábios não estava lá. Seu pai já havia dito que ela deveria ficar casa, mas preferiu continuar na mercearia.
Em casa, ela buscaria lembranças na mente e isso era tudo o que não queria.
A garota estava distraída, limpando o balcão, quando ouviu seu nome. Virou-se e deu de cara com João, um dos empregados da fazenda . Quando ela abriu a boca para perguntar-lhe o que necessitava, João foi mais rápido. O rapaz puxou um pequeno envelope pardo da cintura e o colocou sobre o balcão, sussurrando:
me pediu que lhe entregasse isso hoje.
olhou confusa para o envelope, mas rapidamente o pegou e escondeu dentro do avental. O rapaz piscou e voltou a falar com a voz normal:
— Por favor, me dê três quilos de açúcar. – a garota apenas assentiu, indo pegar a mercadoria.
João pegou os três quilos de açúcar e, após montar em seu cavalo, partiu em disparada para a fazenda.
voltou a fazer o que havia sido interrompida, apenas enquanto seu pai terminava de falar com um dos fornecedores. Assim que o viu se despedir, tirou o avental, escondendo a carta no vestido, e se aproximou.
— Papai, eu vou dar uma volta.
— Sozinha? Está entardecendo e...
— Papai, eu sempre andei por aí sozinha.
— Sozinha, não. estava com você. – ele percebeu os olhos da filha marejarem. – Perdão, meu amor. Não deveria ter falado sobre isso.
— Não importa. – ela sorriu. – Não é como se ele tivesse morrido, é? - fungou para não deixar as lágrimas caírem. – Eu não vou demorar. Não se preocupe.
E dando um beijo na bochecha de seu velho pai, saiu.
Inconscientemente, ou não, o caminho que ela fazia era até a fazenda dos .
O céu começou a ficar alaranjado, demonstrando que faltava pouco para anoitecer. apressou os passos e, quando chegou ao salgueiro, aquele que e ela costumavam ficar, já conseguia ver algumas estrelas pintarem o céu. Era exatamente ali onde ela iria ler a carta do melhor amigo, que João havia lhe dado mais cedo. sentou-se ao pé do salgueiro e retirou o envelope que estava escondido em seu vestido. Olhou aquele papel pardo e sentiu o peito doer. Não fazia nem 24 horas que ele havia partido e a saudade já era tão grande... Suspirando, a garota abriu o pedaço de papel e de imediato reconheceu aquela caligrafia.

...

Acredito que agora você está com muita raiva de mim. Perdoe-me. Juro que não queria ir, mas foi preciso. Meu pai quer me dar um futuro que aqui, talvez, eu não encontrasse. Achei melhor não me despedir de você, para não lhe causar nenhuma dor. Somos melhores amigos há muitos anos, ...
Ainda me lembro da primeira vez em que a vi. Você parecia um ratinho de tão pequena e magricela. Perdoe-me, mas é a verdade. E não adianta ficar com essa carinha enfezada, que eu sei que está agora. Eu só quero que saiba que sentirei saudades... Muitas. Das nossas conversas embaixo do salgueiro, dos banhos na cachoeira. De estarmos todas as tardes juntos. Eu voltarei. Ainda não sei quando, mas voltarei. Enquanto isso, eu não permitirei que me esqueça. Vou escrever sempre e espero que me responda. Se cuide e, por favor, sinta a minha falta. Eu garanto que sentirei a sua em demasia.
Com amor,
."


se deu conta de que estava chorando quando viu as letras borradas no papel. Levantou-se, guardando a carta novamente. Olhou para a fazenda poucos metros à sua frente e deu meia volta. Correu de volta para casa, sem se importar com as pessoas que a olhavam. Estava descabelada e completamente suada quando passou pela porta de casa parecendo um furacão, assustando sua família, que estava jantando. levantou-se e foi atrás da irmã mais nova. estava deitada na cama rompendo em soluços, denunciando o seu choro. A mais velha se aproximou, sentando ao seu lado.
— O que passou, ? – acariciou-lhe os cabelos. – Por que te pões assim?
— Estou com saudades de , . – soluçou – Muitas.
— Minha irmã, não fique assim. – continuou alisando os cabelos tão macios da irmã mais nova. – Ele não foi embora para sempre. Soube que foi estudar na Europa e assim que terminar os estudos regressará. Ademais, , não é o único de seus amigos.
— Ele não é apenas o meu amigo. é o meu melhor amigo.
— Que seja. – fez a irmã virar-se para ela. – Você ainda é tão nova, minha irmã. Terá tantos outros melhores amigos. E não estou dizendo para se esquecer de . Mas, sinceramente, você acredita que tudo continuará de onde parou? Acredita que, quando ele voltar, continuará essa linda amizade?
— Sim. – ela respondeu rapidamente. – Acredito, .
Dulce suspirou, com o choro já controlado, e pensou.
Pensou se deveria ou não contar à sua irmã sobre o encontro com antes da sua partida, no dia anterior. Sobre o singelo beijo que trocaram. Sobre a promessa que ela havia feito.
Resolveu falar.
Ela precisava desabafar e , além de ser sua irmã mais velha, também era sua confidente. Dividia esse posto com .
— Em que está pensando?
— Se eu lhe contar algo, você jura que não contará a ninguém? Principalmente aos nossos pais?
— O que você fez, meu Deus? – perguntou assustada. – Porque, para estar me pedindo tanto segredo assim, só pode ser algo muito grave.
— Acalme-se, ! – revirou os olhos.
levantou-se da cama e foi até a porta do quarto. Abriu-a devagar para ver se tinha alguém no corredor que pudesse ouvir o que ela iria dizer, mas não viu ninguém. Voltou a fechar a porta e dessa vez passou a chave.
, você está me assustando. Diga de uma vez.
— Ontem, quando escutei que iria embora, corri até a fazenda para ver se era verdade. – pausou, sentindo o coração apertar. - Então, nós conversamos e ele me fez um pedido.
— Que pedido? – arregalou os olhos e bufou.
— Deixe-me falar, . – a mais velha assentiu, desculpando-se. – Ele pediu que eu o esperasse. – franziu o cenho. – Que eu não me casasse. Que esperasse ele voltar.
— O quê?
— Eu não soube o que dizer, fiquei muda. – ignorou a cara de espanto da irmã. - Então, Don o chamou e antes de ir embora ele... O me beijou. Na boca.
Dulce viu os olhos da irmã quase saltarem do rosto e sua boca abrir ligeiramente de surpresa. E logo entendeu que ela havia imaginado outro tipo de beijo. Tratou de explicar imediatamente, antes que começasse com seus ataques.
— Foi apenas um toque de lábios, nada mais que isso. Como um beijo no rosto. Mas eu senti coisas. Coisas que eu jamais imaginei sentir. Não por . Meu coração batia tão forte, , mas tão forte, que pensei que rasgaria meu peito. Eu senti borboletas no meu estômago, senti minhas pernas falharem. O beijo não durou mais que um minuto, mas parecia que o mundo havia parado e que horas haviam se passado.
ouvia a tudo com bastante atenção.
Os olhos de sua irmã brilhavam, iguais aos de sua mãe quando estava perto de seu pai. E, pensando nisso, voltou a se assustar. estava apaixonada. Apaixonada por e ele havia ido embora, sem data para voltar, isso se o rapaz realmente fosse voltar a viver em Vincent após conhecer os países da Europa.
— O que houve, ? Parece que está em outro planeta.
— Papai disse que você foi saiu para dar uma volta... Por que voltou naquele estado? Aconteceu algo? – fugiu da pergunta.
— Não. Digo, João esteve na mercearia e me entregou isso. – tirou a carta do vestido e mostrou à irmã. – o entregou e pediu que ele me desse. É uma carta de despedida que ele havia escrito antes do nosso encontro.
— Posso ler?
— Claro!
Ela entregou o envelope à irmã e ficou atenta, observando, enquanto a outra lia cada letra que continha ali. terminou a carta com um suspiro e lhe lançou um sorriso triste. Sentiu as lágrimas voltarem aos seus olhos ao lembrar-se das palavras que escrevera naquele pedaço de papel.
, acho que vocês estão apaixonados. – comentou. - Digo, a forma como você me falou dele há pouco. As coisas que você me disse que ele lhe falou. Essa carta. Você se sente apaixonada, minha irmã?
— Sinceramente? Eu não sei como é estar apaixonada, . Aliás, acredito que nenhuma garota na minha idade saiba o que é isso. Mas o que estou sentindo agora é completamente estranho. O que eu senti quando os lábios de tocaram os meus foi completamente estranho... E bom. Eu quis mais, . Isso que está doendo no meu peito... Essa falta que estou sentindo... Isso não é só amizade.
— E o que você pretende fazer?
— Eu vou esperá-lo, . – a irmã sorriu. — Não importa quanto tempo leve... Realmente, não importa. Eu sei que ele voltará e sei que terá sentido a minha falta, assim como sentirei a dele.

Vincent, dezembro de 1911.


Narração em 1ª pessoa.


Dez anos. Dez longos anos haviam se passado e nenhuma notícia. Não vinda dele. Tudo o que soube a respeito de fora o pouco que sua irmã, , me contou. Ele havia terminado a faculdade de Medicina Veterinária que tanto sonhara e montou um pequeno consultório em Londres; isso foi o bastante para que eu me desse conta de que ele não pretendia voltar, como havia me prometido. Nesses dez anos aconteceram tantas coisas. Minha irmã, , casou-se e tem um lindo filho; Joaquim é o meu xodó. Ela morava na capital com o marido e o filho – essa era a parte ruim. Papai e mamãe estavam cada dia mais apaixonados... E eu? Bem, eu continuava esperando. Mesmo que não tivesse cumprido nenhuma de suas promessas, eu continuava esperando que ele voltasse.
Era dezembro. Pra ser mais exata, a primeira semana de dezembro. Eu estava eufórica, contando os dias para chegar o Natal, porque dessa vez , Joaquim e Oscar viriam ficar conosco. A verdade é que eu me sinto muito sozinha desde que minha irmã casou. Se não fosse por – que eu via pouco, pelo fato de passar a semana estudando na capital -, acho que não teria mais ninguém com quem dividir alguns segredos. Embora não tenhamos uma amizade muito forte – coisas que muitos estranharam pelo fato de eu ser (ou ter sido) muito amiga do seu irmão -, o carinho que sinto por ela é imenso.
Quando terminei a escola, passei a ajudar meu pai em horário integral na mercearia. Eu estava atendendo à senhora Collins, quando entrou esbaforida. Meu coração deu um salto quando percebi seus olhos brilhando... Será que...?
— Aqui está, senhora. – entreguei o que Margareth Collins havia me pedido, recebendo seu pagamento em seguida.
— Obrigada, . – ela agradeceu e virou-se para . – Querida, como está?
— Muito bem e a senhora? – educada, como sempre, respondeu.
— Perfeitamente. Suzana e eu estávamos falando sobre você estes dias... Andas sumida.
— Oh, peço perdão. Mas sei que entendem que passo a maior parte do tempo na capital. – a senhora Collins assentiu. – Agora, se me der licença, Margareth, preciso falar em particular com .
— Claro, claro. – disse com desagrado. – Digo a Suzana que você mandou lembranças.
— Por favor, faça isso. – sorriu.
Esperamos a senhora Collins sair e assim que ela cruzou a porta da rua, disparou as palavras que gelaram todo o meu corpo e fizeram minhas pernas cederem. Agradeci por ter uma cadeira bem atrás de mim.
chega hoje de Londres. Acabei de saber.
Procurei sentir meu coração batendo, mas acredito que ele parou com algum tempo. Senti segurar minha mão e levantei a mirada para ela; sorriu para mim. Sem notar, meus lábios já estavam puxando em um sorriso que julguei gigante. Senti meus olhos molhados e logo em seguida meu rosto. Lágrimas. Lágrimas de surpresa. Alegria. Lágrimas de puro amor.
— Oh, meu Deus! – foi o que consegui dizer.
— É, eu sei. – ela sorriu. – Ele chega no final da tarde... Acho que você deveria ir esperar por ele. Tenho certeza que você é a primeira pessoa que quer ver.
Aquilo me fez pensar. Será mesmo que ele gostaria de me ver? Será que ele ainda se lembrava de mim? Afinal, nesses dez anos, jamais entrou em contato comigo. percebeu a confusão ao olhar em meus olhos.
— Ele, certamente, tem uma explicação para isso. – ela tentou sorrir. – , depois das coisas que você me contou, depois da carta que eu li... É impossível que ele tenha te esquecido.
— Não tenho certeza.
— É claro que você tem. – ela retrucou. - Se não tivesse, não teria esperado por ele todos esses anos.

sorriu ao constatar que havia me convencido. Afinal, era a mais pura verdade. Por mais que não tivesse entrado em contato comigo, eu nunca deixei de acreditar que ele sentia a minha falta e esperei cada segundo por sua volta. se despediu de mim, pois não faltava muito para chegar. Meu Deus, eu mal podia acreditar que finalmente iria vê-lo novamente. Pedi autorização para meu pai e saí mais cedo. Corri para casa e tentei escolher entre os meus vestidos um que fosse bonito o suficiente para recebê-lo.
Faltava pouco menos de uma hora para o final da tarde e eu sabia que estava adiantada, mas não conseguia ficar em casa, então, fui à estação de trem. Minha mãe perguntou aonde eu ia e a única coisa que respondi era que precisava dar uma volta. Fiquei sentada em um banco, um pouco afastada de todos, esperando o trem que vinha da capital. Vi quando seus pais e chegaram e preferi não me aproximar. Iria deixar falar com a sua família e depois... Bem, depois eu iria ver como seria sua reação a mim.
Prendi a respiração quando o trem que vinha da capital chegou. Levantei, mas sentei novamente. Minhas pernas estavam fracas, como se meus ossos tivessem dissolvido. Don foi o primeiro a se aproximar quando o trem parou. Senti meus olhos tomados pelas lágrimas e soltei o ar com força quando senti uma vertigem.
As pessoas começaram a descer e eu me levantei, chegando um pouco mais perto. O reconheci imediatamente – mesmo que não tivesse corrido para abraçá-lo. havia mudado sim, mas não o suficiente para que eu não o reconhecesse. O corpo estava mais musculoso, ele estava mais alto e com os cabelos mais compridos, em cachos. E, meu Deus, estava tão lindo. Meu coração entrava numa contradição: não sabia se rasgava meu peito ou se parava de bater.
Quando desgrudou de seu pescoço, falou com a mãe. o abraçou e beijou com toda a saudade de uma mãe que não via seu filho há pouco mais de cinco anos. A última vez que Don e viram o filho foi em sua formatura. não pode ir e lembro que quase entrou em depressão por isso. Logo depois, ele fora falar com seu pai. Deram um abraço amistoso e quando se separaram me aproximei. Assim que abri a minha boca para chamá-lo, ouvi uma voz doce de dentro do trem...
, ajude-me a descer, querido.
Travei quando ele virou para ajudá-la. Estranhamente, meu coração parecia estar sendo esmagado. Aquela frase ficou martelando em minha cabeça. Quando a dona daquela voz entrou em meu campo de visão, senti-me tão inferior. Ela era absurdamente linda. Como uma princesa. Cabelos claros, assim como a pele. Os olhos castanhos eram tão expressivos, e marcados pela maquiagem faziam uma boa combinação. Quando imaginei que aquela cena não podia ser pior, vi enlaçar sua cintura e dizer:
— Deixe-me apresentá-los. – a mulher sorriu. - Essa é Morgana, minha noiva.

(Coloque Everytime, da Britney Spears, para tocar)


Noiva. A minha exclamação fora alta demais ou eu estava muito perto deles, porque se virou e com ela os demais. Os olhos de foram direto aos meus e novamente senti como se os ossos do meu corpo estivessem dissolvendo. Percebi seu semblante de surpresa... Era óbvio que ele havia me reconhecido. Assim como o reconheci. Cortei a conexão das nossas miradas e voltei minha atenção para . A lamentação nos olhos dela era tão explícita que doeu. Doeu ainda mais.
. – notei a tensão na voz de ao sussurrar meu nome.
Apenas balancei a cabeça em forma de aceno e virei de costas para eles. Comecei a caminhar para fora dali, controlando-me ao máximo para não sair correndo. Senti as primeiras lágrimas rolarem por minha face e tratei de engolir o soluço que subia por minha garganta. Ouvi me chamar, mas não me dei ao trabalho de parar ou responder. Continuei andando; dessa vez, mais rápido. Eu só queria estar o mais longe possível dali para conseguir respirar. Para poder deixar as lágrimas saírem à vontade. Para poder liberar os soluços que estavam machucando a minha garganta.
Então, quando vi que estava a uma distância segura, corri. Corri sem rumo. Corri com as lágrimas embaçando a minha visão e os soluços rompendo minha garganta. Notei algumas pessoas me olhando, talvez, perguntando-se o que teria acontecido. Cheguei a uma praça e sentei em um dos bancos que haviam por lá. Não conseguia respirar. Meu coração doía tanto. Era como se alguém o estivesse segurando em suas mãos e apertando. Apertando com toda a sua força. E esse alguém era .
Ele havia me feito prometer que não me casaria, que o esperaria voltar, para quê? Para trazer consigo, depois de tantos anos, uma noiva? Como fui boba de acreditar que ele sentia algo por mim, que não apenas amizade. Aquele beijo que ele me deu, quando partiu, não significou absolutamente nada para ele. Foi o mesmo que um beijo na testa ou no rosto. Eu estava decepcionada. Estava com raiva. Estava ferida demais. Senti a presença de alguém ao meu lado e tratei de enxugar meu rosto. Não que isso fosse adiantar alguma coisa - já que meus olhos se encarregariam de dizer que estava chorando -, mas o fiz.
— Você está bem?

Meus olhos se encontraram com os dele assim que virei a cabeça. Novamente, a surpresa estava pintada em seus belos olhos. Como havia me encontrado? O que ele fazia aqui, parado ao meu lado, quando sua noiva deveria estar o esperando? Sua noiva. Essa palavra nunca mais sairia da minha cabeça.
? – ele chamou novamente quando não obteve resposta. – Fale comigo. – insistiu e eu permaneci muda, apenas lhe acusando com o meu olhar. – Por favor, fale alguma coisa.
— Vá embora. – sussurrei e senti as lágrimas transbordarem novamente; tentou passar o polegar para secá-las, mas afastei-me. – Não me toque. Nunca.
Eu falei aquilo com tanta raiva que ele se assustou. Levantei-me logo em seguida. Já que ele não iria embora, eu iria. Sua mão agarrou meu braço, impedindo-me de sair dali. Tentei puxar, sem precisar dirigir qualquer palavra a ele. Mas sempre fora muito mais forte que eu.
— Espere!
— Você ficou surdo? – virei para ele; a dor que eu estava sentido transformou-se toda em raiva. – Eu disse para não me tocar, . – olhei para a mão que prendia meu braço, como uma garra. – Se não me soltar agora, gritarei.
... Não faça assim. – ele pediu com uma voz tão melosa, que me lembrei daquele de dez anos atrás. – Eu senti tanto a sua falta.
— Oh, meu Deus! Como você consegue? – tentei controlar uma risada histérica. – Como consegue ser tão absolutamente mentiroso? Tão completamente egoísta?
, escute...
— Não! – gritei. – Escute, você. – controlei o tom da minha voz, porque algumas pessoas estavam olhando. - Fique longe de mim, . Começando de agora... – puxei meu braço com mais força e consegui me soltar. – Finja que não nos conhecemos. Que nunca nos vimos na vida. Eu não quero mais saber de você. Eu não te conheço.
— Não me diga essas coisas! – pude notar a raiva em seus olhos. – Não fale assim comigo. Não quando eu sofri tanto tempo por você.

Agora sim.
A gargalhada histérica que eu perdi saiu com tudo. Esse cínico que estava na minha frente, não lembrava em nada o que conheci na minha infância. Não lembrava em nada o que guardei em meu coração. O que me pediu que esperasse por ele. O que eu achei que sentia algo por mim.
— Do que você está rindo?
— Da sua capacidade de mentir! Onde aprendeu? Em Londres? Ou você sempre foi um bom mentiroso e eu não havia me dado conta?
, pare com isso! Pare de me falar essas coisas! Você não sabe... Não faz ideia do quanto está me magoando.
— Oh, você está magoado? – lágrimas e mais lágrimas rolavam por meu rosto, sem que eu me importasse agora. – Pelo amor de Deus! Pare com isso, ! Pare, você. Não percebe o que está fazendo comigo? Está matando meu coração.
Eu coloquei a mão sobre o meu peito e senti a carta que sempre carregava ali. As frases escritas por há dez anos invadiram minha mente e me fizeram perceber o quanto eu havia sido boba em acreditar que ele sentiria minha falta. Ele ainda estava parado, olhando-me, quando tirei aquele papel, já envelhecido, e atirei nele.
pareceu meio confuso e abaixou para pegar o papel no chão, dando-se conta do que era. Ele me olhou e eu notei seus olhos cheios de lágrimas. Confesso que senti vontade de abraçá-lo, como fazia quando éramos crianças e ele estava chateado com alguma coisa. Mas me lembrei de todos os anos que perdi esperando que ele voltasse, enquanto ele se divertia com Morgana. A mulher com cara de boneca. Com traços de uma princesa. Tão superior a mim.
— Fique com suas mentiras e me deixe em paz.
— Você nunca respondeu nenhuma das minhas cartas, .
— Cartas? Quais cartas, ? - ele estava sendo tão absurdamente cínico. – Eu nunca recebi uma carta sua.
Ele pareceu surpreso com a minha resposta e isso me deixou confusa. Mas eu já estava cansada demais. Demais mesmo. Precisava ir embora dali e parar de pensar em coisas que estavam me machucando cada vez mais.
— Boa noite, . – disse e virei para ir embora, mas não antes de comentar algo que estava engasgado. – A propósito, a sua noiva é muito bonita.

Não esperei que ele respondesse. Para o bem do meu coração e da minha sanidade, saí dali e fui direto para a minha casa. Papai e mamãe estavam na sala, conversando sobre algo que não prestei atenção. Apenas os cumprimentei com um “boa noite” e fui para o meu quarto. Minha mãe ainda tentou saber o que tinha acontecido. Eu disse, apenas, que não estava me sentindo bem e que iria tentar dormir cedo. Ela perguntou se eu iria à missa com ela no dia seguinte e eu disse que sim. Conversar com Deus sempre me fazia bem e agora eu precisava esclarecer algumas coisas no meu coração. Contrariando os meus planos, passei a noite chorando até dormir.

Amanheci com os olhos inchados por causa do choro. Não era adepta a usar maquiagem, mas sempre me presenteava com essas coisas. Hoje eu teria que usar. Peguei o pó de arroz e passei por todo o meu rosto, tentando ao máximo esconder as profundas olheiras. Obviamente, não consegui disfarçar muita coisa. Saí do meu quarto e tomei um susto; meus pais estavam parados na porta e minha mãe segurava um bolo.
— Feliz aniversário, meu amor.
Eles disseram juntos e só então me dei conta de que hoje era seis de dezembro. Desde o dia em que fora embora, eu parei de comemorar o dia que nasci. No ano que completei quinze anos, meus pais e insistiram por uma festa, mas além de não ter muitos amigos, não iria poder dançar a valsa com quem queria. Dez anos sem comemorar essa data me fizeram esquecê-la.
— Obrigada.
Foi apenas o que eu disse. Meus pais me abraçaram e minha mãe quase me obrigou a comer um pedaço do bolo. Depois fomos, nós três, à missa. Quando chegamos à frente da Igreja, quase dei meia volta; a família estava lá, inclusive Morgana. Ouvi a exclamação de surpresa dos meus pais e o olhar da minha mãe voou para mim. Don e sorriram para nós e eu juro que tentei, mas não consegui retribuir o ato. Abaixei a cabeça para não ter que olhar o quadro da família feliz pintado em minha frente, mas não passei muito tempo com ela baixa.
— Bom dia. – Don cumprimentou meus pais e a mim. – Há quanto tempo não lhe vejo, .
— Você não tem vindo muito à cidade, . – meu pai respondeu. – Vejo que hoje tem um motivo especial para vir à missa.
— Lembra-se de , não é?
— Por suposto.
— Bom dia, senhor . – ele falou com meu pai. – Dona . – ele tomou a mão da minha mãe e a beijou. – ... – ele tentou fazer o mesmo comigo, mas não permiti.
— Quando você voltou, ?
— Cheguei ontem, senhora .
Minha mãe me olhou mais intensamente e eu já sabia que ela havia compreendido o porquê de eu ter chegado daquela forma ontem. Morgana pigarreou ao lado de ; ele mal abriu a boca e Don já começava a falar.
— Perdoe-me a indelicadeza, querida. – Morgana sorriu. - Essa é Morgana Wolf, noiva do .
— Muito prazer. – novamente a voz doce e calma.
— O prazer é nosso, senhorita. – meu pai, como sempre, tão educado.
— Acho que vi você ontem na estação do trem. – ela falou comigo; meus olhos foram direto para , que ainda estava calada. – Não era você?
— Sim. – fui o mais seca que consegui. - Com licença.
Aquilo estava sendo demais para mim. Mandei os bons costumes ao inferno e saí de perto deles. Caminhei apressada para dentro da Igreja e vi quando correu para me acompanhar. Sentei-me em um dos bancos e ela sentou-se ao meu lado. Eu estava chateada, mas não podia descontar nela.
— Desculpe-me por ontem... – ela começou, reticente, sussurrando para não atrapalhar quem já havia começado suas orações. – Eu não sabia sobre Morgana.
— Você não tem culpa, . Não precisa se desculpar.
— Como você está? chegou em casa ontem de um jeito que dava pena. Mamãe tentou falar com ele, mas o pediu para ficar sozinho.
— Se importa de não falar sobre seu irmão e sua cunhada? – ela me olhou com pesar. – fez a escolha dele e eu fiz papel de boba. Não quero pensar nisso. Nunca mais.

Assistir à missa encheu meu coração de uma paz que eu estava precisando. Conversar com o padre depois, também. Só quando e a família foram embora, que saí da igreja. Passei em casa para trocar de roupa e ir para a mercearia, ajudar meu pai. Não foi uma boa ideia. Minha mãe estava me esperando, na sala, e com a cara de poucos amigos. Cumprimentei-a rápido e tentei correr para o meu quarto, mas a sua voz – que geralmente era carinhosa e amável – soou irritada e autoritária.
, volte aqui.
Respirei fundo e voltei para a sala. Sabia, exatamente, sobre o que ela falaria e tentei formular algumas respostar coerentes na minha cabeça, mas meus pensamentos foram abruptamente cortados quando senti a água gelada em meu rosto.
— Mamãe! – gritei de susto. – O que está fazendo?
— Achou que o pó de arroz iria esconder suas olheiras? – ela passou uma tolha seca pelo meu rosto. – Por que não me contou sobre o retorno de ? Por que aguentou tudo sozinha? , você tem que deixar essa mania de se achar autossuficiente.
— Não me acho autossuficiente. – retruquei e minha mãe ergueu uma das suas perfeitas sobrancelhas. – Eu não lhe contei sobre porque queria esquecer isso, mamãe. Você viu, não viu? Ele está noivo.
— Eu nunca entendi essa história confusa de vocês. – ela suspirou, puxando-me para sentar. – Acho que está na hora de me contar o que aconteceu naquele ano, . Eu dei espaço e tempo demais para você, enquanto te ouvia chorar quase todas as noites.
— Não há uma história para ser entendida, mamãe. – eu sabia que apenas isso não iria fazê-la desistir. – Tudo bem. Vou lhe contar o que apenas e sabem.

Não seria justo com ela. Minha mãe passou esses dez anos sofrendo junto comigo. Era ela quem corria para o meu quarto quando eu acordava na madrugada gritando por causa de algum pesadelo. Contei tudo à minha mãe, enquanto voltava a chorar e ela acariciava meus cabelos.
— É muito mais intenso do que imaginava. – ela suspirou. – Pensei que vocês fossem apenas amigos, .
— E nós éramos. – eu disse, enxugando meu rosto e levantando do colo da minha mãe. – Nunca fomos mais que isso e nunca seremos. Agora, eu preciso tomar um banho e ir para a mercearia. Papai deve estar precisando de mim.
— Hoje é seu aniversário, querida. Seu pai disse que pode tirar o dia de folga. – lhe sorri e neguei com a cabeça.
— Prefiro manter a cabeça ocupada.
Com um beijo em sua testa, deixei a sala e fui para o meu quarto. Tomei o banho que tanto queria e fui para a mercearia. Como havia previsto, meu pai precisava da minha ajuda. Corri para o balcão enquanto ele e Marcus atendiam alguns fornecedores. Organizei toda a nova mercadoria e passei um pano úmido pelo balcão empoeirado.
O dia foi bastante movimentado; diria até que fora do comum. Eu passei o dinheiro arrecadado para o meu pai antes de ele ir embora. Já estava quase na hora de fechar, eu estava fazendo algumas anotações na caderneta quando Marcus perguntou se podia sair mais cedo. A mulher dele estava grávida de oito meses e não havia passado bem mais cedo. Obviamente o liberei, não seria a primeira vez que fechava a mercearia sozinha.
Havia três saídas na mercearia: a principal e duas anexas. Quando vi o céu tomar um tom mais escuro, fechei as duas portas da lateral e encostei a principal. Voltei para organizar tudo para o dia seguinte. Guardei as mercadorias em seus lugares, limpei o chão e o balcão – que eu tinha que limpar com frequência por causa da estrada de barro. Eu estava abaixada, arrumando umas coisas, quando ouvi alguém colocando algo sobre o balcão.
Eu estava cansada e nem me dei ao trabalho de levantar para dispensar a pessoa que estava ali fora do horário.
— Desculpe, mas já estamos fechados.
— Eu sei.
Aquela voz me fez tremer e eu continuei abaixada, sem coragem para olhá-lo. se debruçou sobre o balcão para me olhar.
— Pode sair daí, por favor?
— Não, não posso. Vá embora.
, eu quero falar com você! – ele continuava debruçado no balcão e eu com a cabeça baixa, apenas o olhando de soslaio. – Deixe de ser tão teimosa.
— Eu já disse que não quero falar com você, , e isso inclui não querer vê-lo ou ouvi-lo.
Ele bufou e se afastou do balcão. Ouvi a porta de madeira bater com força e deduzi que ele já havia ido embora; suspirei aliviada. Esperei minhas pernas pararem de tremer para poder levantar e quase enfartei quando o vi parado, bem na minha frente.
— Oh, meu Deus! – levei a mão ao peito, como se assim pudesse controlar os batimentos do meu coração descompassado.
— Foi fácil te enganar. – ele disse sorrindo e eu tomei essa frase com um duplo sentido.
— É, pra você deve ser fácil mesmo. – minhas palavras estavam carregadas de mágoa.
O sorriso que ele levava no rosto desapareceu e eu engoli o nó que já subia por minha garganta.
... – ele falou, aproximando-se de mim. Era uma aproximação tão involuntária que se eu não estivesse prestando tanta atenção nele, não teria notado.
E lá estava ele, perto demais. O olhar dele sobre mim me enchia de um calor completamente desconhecido. Eu deveria sair dali, sabia perfeitamente disso, mas meus pés não se moviam; desconfiava que o único músculo capaz de mover-se era o meu coração. Ele parecia querer escapar do meu peito, de tão rápido que batia.
— O que você está fazendo aqui, ? - após lutar com os músculos da minha boca, consegui pronunciar essa pergunta.
— Vim cumprir com a minha promessa. – assustei-me quando ele me puxou pela cintura. - Feliz 23 anos.

(Coloque Love Remains the Same, do Gavin Rossdale, para tocar)

Eu tentei me afastar - embora soubesse que seria em vão – e isso só fez se aproximar mais. Ele colocou a outra mão em minha cintura e colou a testa na minha. Nesse momento eu havia me esqueci do que estava fazendo. Na verdade, eu vagamente lembrava-me de onde estava ou quem eu era. Mas tinha plena consciência de quem me tomava nos braços. Todo o meu corpo tinha consciência dele.
- O que... O que você está fazendo? – minha garganta estava tão seca que fui obrigada a partir a frase.
- Já lhe disse... – começou a se movimentar naquele pequeno espaço – Estou cumprindo com minha promessa. – ele continuava com a testa colada na minha, eu sentia o seu hálito contra meu rosto, arrepiando todos os pelos do meu corpo – Você não se recorda, , prometi que bailaria com você quando voltasse... Assim como não pude fazer na sua festa de quinze anos.
Era óbvio que eu me lembrava. Aquele dia estava tão gravado em minha mente que era como se houvesse acontecido horas atrás.
conduzia-me como se realmente estivéssemos ouvindo algum tipo de música. Na verdade, acho que estávamos dançando conforme as batidas do meu coração. Ou seria do dele? Meus olhos se perderam em algum lugar de .
- Eu escrevia para você todos os dias, . – ele começou dizendo e logo senti meus olhos encherem de lágrimas. Aquele líquido salgado estava presente demais na minha vida – Eu realmente não sei o que aconteceu, mas eu escrevi. Acredite em mim. – ele fechou os olhos e eu vi o mesmo líquido salgado transbordarem pelos olhos de – Por favor, acredite em mim.
- Eu não posso. – respondi, também fechando os meus olhos. Estava doendo ouvir o que ele falava. Muito – Eu confiei em você e me machuquei. Não posso mais. Não quando não há mais nada para fazermos.
Ele abriu os olhos, afastando seu rosto do meu e voltou a olhar em meus olhos. Agora me dou conta que desde que nos conhecemos sou apaixonada pelos olhos de . Aquela cor intensa, profunda, que me consome todas as vezes que eu ouso olhar por muito tempo. Em seus olhos pude ver meu rosto, completamente banhado; nem havia me dado conta que tantas lágrimas haviam escapado assim. Ele passou o polegar por ali, secando o meu pranto, como fazia quando éramos crianças; da mesma forma que fez quando partiu. A carícia que ele começou a fazer naquela região era tão prazerosa que fechei os olhos novamente.

Continuávamos bailando, vagarosamente, próximos demais. Mas, sinceramente, aquilo não estava me incomodando tanto quanto no começo. A saudade que eu sentia dele era tanta que superou a raiva, mas não a mágoa. Essa não. Essa estava bem guardada em meu peito. Nós paramos de dançar e eu fiquei sem reação quando me abraçou. Poderia ter sido um abraço qualquer, se não fosse tão absurdamente apertado e não viesse acompanhado de um soluço dele.
- ? – chamei, mas ele continuou com a cabeça enterrada em meu pescoço; ouvi outro soluço e outro e mais outro; eu estava começando a ficar desesperada – !?
- Não se mova, por favor. – ele falou depois de um tempo – Apenas me deixe ficar aqui pelo máximo de tempo que eu puder. Apenas me deixe sentir o seu cheiro. Não me diga que não há mais nada para fazermos quando eu passei segundos da minha vida esperando para ter você.
- Posso garantir que você não foi o único. – controlei minha voz para não parecer tão acusatória – Desde o dia em que você se foi, , que eu contava os segundos para você voltar. Cada maldito segundo.

(Coloque I Want You to Know, do Lifehouse, para tocar)


Ele se afastou de mim e seu rosto, levemente inchado, atraiu minhas mãos. Fiquei contornando os seus traços, tentando resgatar neles aquele adolescente que havia deixado Vincent para estudar na Inglaterra. Ele fechou os olhos e suspirou quando passei meus dedos em volta dos seus olhos. A pele dele estava mais macia que antes, bem mais. Ele começou a fazer o mesmo no meu rosto. Traçava cada linha. Meus olhos se fecharam quando ele chegou à minha boca... Desenhando seu formato com o polegar. Ardeu. Ardeu como se seu dedo fosse mágico. Queimou. Queimou como se seu dedo fosse feito de brasa.
Minha respiração estava absurdamente irregular. E, de repente, ao me lembrar do singelo beijo que trocamos dez anos atrás, senti como se meu estomago abrigasse borboletas; borboletas que, naquele instante, faziam voos rasantes por ele. Parei de acariciar o rosto de e abri os olhos para mergulhar novamente nos dele. No lugar dos tão conhecidos tons de , encontrei as orbes negras. Não duvidava que os meus próprios olhos estivessem da mesma cor. Ele aproximou o rosto do meu e, mesmo que um alerta em minha cabeça dissesse que eu tinha que me afastar, eu não consegui me mover um único centímetro.
Meu coração parou por alguns segundos quando começou a roçar o nariz por minhas bochechas; minhas mãos foram parar em seus ombros, provavelmente um comando involuntário para que ele se afastasse. Coisa que não aconteceu.
beijou meus olhos, minha testa, minhas bochechas, arrancando suspiros que estavam presos. Eu tive plena consciência das minhas lágrimas no momento que elas começaram a cair; ele voltou a beijar meus olhos, tão carinhosamente que as minhas mãos acabaram encontrando os fios de seus cabelos.
- Sinto como se tivesse passado uma eternidade longe de você. – ele falou contra meu rosto com uma voz extremamente rouca – Você não faz ideia do quanto o seu cheiro me atormentava todas as noites, . Isso muito antes de eu ir embora de Vincent... Muito antes.
- Pra onde você mandava as cartas? – perguntei, continuando com a carícia que fazia em sua nuca – Pra onde, ?
Ele segurou meu rosto entre suas mãos e fixou nossas miradas, como antigamente; exatamente como ele fazia quando eu lhe pedia para me jurar algo. Seus olhos nunca conseguiram mentir para mim.
- Pra sua casa. – ele respondeu – Durante cinco anos eu lhe enviei cartas, mesmo sem obter qualquer resposta sua. Mas então... – ele parou.
- Então? – o encorajei a continuar.
- Recebi uma carta onde dizia que você iria se casar.
Eu senti a dor em cada palavra que ele pronunciou; a dele e a minha.
- Eu iria me casar? – perguntei como se não tivesse ouvido aquilo; ele não precisou responder – Eu?

Ele pareceu pensar, enquanto eu esperava uma resposta. Qualquer que fosse. Minhas mãos já haviam parado a carícia em seus cabelos, mas as dele continuavam em meu rosto. De uma forma ou de outra, aquilo era como um calmante.
- Não exatamente. – ele disse – Na carta dizia que a filha dos iria casar em pouco menos de duas semanas. Então, resolvi parar de escrever. Pensei que você havia cansado de esperar ou... Ou que tivesse dito aquilo por dizer.
Eu não deveria, mas ri. Aquilo não era nada engraçado, mas mesmo assim eu ri. Talvez eu estivesse nervosa demais para ter qualquer outro tipo de reação.
- , . – falei, ainda sorrindo – Era , não eu.

As mãos dele escorregaram do meu rosto e eu me perguntava por que estava segurando um sorriso, quando deveria estar furiosa com ele. Mas a cara que fazia não me deixava outra opção. Eu não conseguia distinguir qual era exatamente a expressão que ele levava no rosto agora. Havia passado da surpresa para a confusão. Da confusão para a raiva. E, de repente, nada. estava parado. Quieto demais.
- Eu sou um idiota. – ele enfim falou e suspirou depois.
- Sim, você é. – concordei – Um completo idiota. – eu segurei um riso quando sorriu para mim.
Ele tentou por as mãos em meu rosto novamente e aproximar a cabeça da minha, mas dessa vez eu recuei. O alerta em minha mente vinha com imagens de Morgana, como se para me lembrar de que ele tinha alguém, e que nunca mais poderia ser meu; como eu havia sonhado. Ele tentou mais uma vez, sem dizer uma única palavra, e eu me afastei dele por completo; indo para o outro lado. olhou-me decepcionado.
- Não faça isso. – pediu – Eu já lhe expliquei sobre as cartas, .
Meu coração deu um salto quando ele me chamou pelo apelido.
- Sim, você explicou sobre as cartas. – concordei – Mas não consegue perceber que não foi isso que nos afastou? Há uma terceira pessoa, ... Uma terceira pessoa que entrou nessa história através de você. – aguentei a dor que se formava em minha garganta.
- Eu posso conversar com Morgana. Eu posso...
- Não. – neguei também com a cabeça – Você não pode. Seria cruel demais. Você prometeu que se casaria com ela.
- Eu prometi que me casaria com você. – vi como ele trincou os dentes ao falar; era o modo de controlar sua reação de raiva.
- Mas está noivo dela. – retruquei – Não sei por que estamos tendo essa conversa, . Já lhe falei que agora não há mais nada a ser feito... Você escolheu assim. Você escolheu Morgana.
- Oh, meu Deus! Você é a pessoa mais cabeça dura que conheço! – ele bufou bastante irritado – Eu escolhi você, sua teimosa. Você. Há muito tempo o meu coração é seu.

Eu fiquei muda. Oras, tinha mais alguma coisa a dizer depois disso? Não mesmo. deu apenas dois passos e já estava com as mãos em volta da minha cintura; aproximando-me ao extremo de seu corpo. É necessário comentar sobre o delicioso frio na barriga que senti? É necessário comentar sobreo meu coração querendo explodir dentro do peito? Seria necessário falar sobre minha respiração completamente irregular? Acredito que não.
roçou nossos lábios e eu soltei um suspiro, extasiada com a sensação dos seus lábios junto aos meus novamente. Ele apertou-me mais contra si, intensificando o beijo. Um beijo que estava se tornando ousado, completamente diferente do roçar de lábios da nossa despedida. Assustei-me um pouco, mas a sensação era incrível. Incrível demais. abriu espaço em minha boca com a sua e, ao estabelecer contato com minha língua, provocou sensações totalmente desconhecidas no meu corpo.
Senti como se tivesse perdido a audição. Senti como se meu corpo estivesse em orbita. Senti como se o ar dos meus pulmões houvesse sido roubado. Minhas mãos circularam seu pescoço, na tentativa de manter-me em pé. Ele movia a boca ternamente; quando eu tinha a necessidade de mais. Bem mais. Embora sentisse como se todo o meu corpo estivesse dormente, as mãos de apertando a minha cintura eram pura brasa. Apertei os cabelos da sua nunca e meus lábios contra o seu; talvez ele notasse que isso queria dizer que eu necessitava que ele deixasse a ternura de lado.
entendeu.
Entendeu porque logo ele estava me beijando com tudo o que podia. Protestei quando ele se afastou, só porque o ar havia ficado escasso. Logo o estava beijando novamente; sentido todas aquelas sensações. Eu estava completamente louca... Mas eram tantas coisas passando pela minha cabeça. Meu coração estava tão cheio de amor, que eu já não tinha controle sobre minhas ações. parou de repente, fazendo-me protestar outra vez.
- Não pare, por favor. – eu mesma me assustei com a rouquidão da minha voz – Essas sensações são maravilhosas.
- Não posso, . – ele se afastou de mim e todo o frio daquela noite parecia se apossar do meu corpo – Se eu continuar te beijando dessa forma, não conseguirei parar.
- Mas eu não quero que você pare! – ele sorriu da minha exasperação e passou o polegar pelo meu rosto.
- Ah, você quer sim.
afastou-se mais de mim e eu passei a mão pelo meu vestido.
- Talvez você tenha razão. – sorri – Não sei nem como deixei isso acontecer.
- Assim que eu voltar para a fazenda, falarei com Morgana e...
- Oh, meu Deus! – exclamei, só então havia me lembrando de que ele tinha uma noiva e que o que eu havia feito não era nada certo – Oh, meu Deus! – repeti, cobrindo meus lábios com a mão.
- ? O que há? – ele estava preocupado com a minha reação.
- O que há? – repeti a sua pergunta – ! Meu Deus! Você é um homem comprometido e eu... Nós estávamos nos beijando.

Aquilo me pareceu tão absurdamente errado. Eu não deveria estar me sentindo culpada por ter seguido – e cedido – ao meu coração. Esse foi um dos momentos que mais esperei desde que ele havia partido... Eu ansiava por sentir seus lábios junto aos meus novamente. Mas naquele momento tudo isso parecia errado demais. Envolver-me com um homem comprometido – mesmo que esse fosse o amor da minha vida – era completamente contrário aos meus princípios. Ia contra tudo que aprendi com meus pais. Era pecado.
- Eu quero que você vá embora, . – disse com calma – Por favor, saia.

Contrariando minhas expectativas, saiu sem dizer absolutamente nada. Esperei toda aquela confusão em minha mente desaparecer... Derramei algumas lágrimas e fui para casa. Meus lábios ainda ardiam, como se os dele estivessem sobre eles. Havia umas poucas pessoas na rua; parei quando ouvi alguém chamar por meu nome. Quando virei, vi Suzana caminhando em minha direção. O que ela poderia querer comigo?
- Oi, Suzana.
- Vi sair da mercearia. – não gostei do tom debochado que ela usou – Não acha uma coisa repulsiva se envolver com alguém que vai se casar em breve, ?
Eu controlei a vontade que tinha de estapear seu belo rosto de víbora.
- Não vejo onde isso possa ser do seu interesse, Suzana. – lhe lancei um sorriso cínico – No entanto, você não tem a mínima ideia do que aconteceu.
- Ah, eu tenho sim, querida. – ela sorriu – Conheço e conheço tipos como você.
- Tipos como eu? – soltei uma gargalhada – Por favor, Suzana. Não vamos falar sobre tipos... Sua víbora.
- Seus adjetivos não me afetam. – ela caminhou para mais perto de mim – O que será que seus pais vão pensar sobre a filhinha deles quando souberem o que você e estavam fazendo? Uh?

Minha mão voou direto em sua face e Suzana ficou histérica. Ela tentou acertar um tapa em meu rosto, mas além de eu conseguir desviar, alguém segurou seu pulso. Paul Murphy, seu noivo. Suzana virou com tudo, acertando a mão livre no rosto dele.
- Solte-me, Paul! – ela gritou – Ela vai aprender a não encostar a mão em mim outra vez.
- Chega, Suzie! – Paul sussurrou – As pessoas estão olhando.
- Que esses fofoqueiros olhem! – ela tornou a gritar.
- Controle sua noiva, Paul. – eu disse com calma, embora todo o meu corpo tremesse de raiva – Logo todos estarão debochando de você. Suzana está tendo claramente um ataque de ciúmes.
- Ora sua...
- Já chega, Suzana! – ele gritou – Cale a boca! Já não basta tudo o que você fez? Não bastou sumir com aquelas malditas cartas?

Aquela declaração de Paul me deixou completamente sem chão. Havia sido Suzana, então, quem roubara as cartas que enviou-me. Havia sido Suzana a responsável por tudo... Por ele estar noivo. Por estarmos separados. A culpa era dela.
Notei o rosto pálido de Suzana quando ela encarou o meu. Notei algumas pessoas aproximando-se de nós. Notei a raiva que crescia dentro de mim descontroladamente.
- Eu vou matar você!
Sequer percebi o momento em que já estava em cima de Suzana, estapeando lhe a face.
- Saia de cima de mim, sua estúpida!
- Sua víbora! – gritei – Como você pôde ser tão cruel, Suzana? Eu nunca lhe fiz mal algum!
- Você tirou-me ! – ela berrou – Tirou-me quem eu realmente queria. E se eu não podia tê-lo, , tampouco você teria!
Acertei-lhe o rosto com toda a força que consegui reunir. Com toda a ira. Com toda a minha dor. Ela gritava, tentando se afastar dos golpes das minhas mãos. Sentia alguém me puxando pela cintura, mas estava com tanta raiva, que a pessoa não conseguia me mover mais que alguns poucos centímetros. Suzana havia destruído meus sonhos por pura maldade. Por pura inveja. Quanto mais ela gritava por ajuda, mais eu sentia necessidade de continuar estapeando seu rosto.
Em um momento eu estava em cima de Suzana, com alguém fraco demais me puxando para sair dali, no outro momento alguém – obviamente mais forte – havia conseguido me puxar pela cintura. Continuei me debatendo até ouvir a voz do meu pai.
- Chega, ! – ele me agarrou com mais força – Vamos embora!
Eu tentei me acalmar para que meu pai pudesse me soltar. A julgar pela face de Suzana, ela já tinha recebido bastante da minha raiva. Mas eu ainda não estava satisfeita, não mesmo. Joguei os cabelos que me caiam na face para trás e usei o tom mais ameaçador que consegui:
- Isso não acaba aqui! Pode apostar, Suzana... Eu serei feliz e você... – sorri com escárnio - Convença qualquer um desses homens a se casarem com você agora. – sorri – Pois duvido que o senhor Edward Murphy – olhei para o velho e conservador homem que estava parado ao lado de sua esposa – ainda vai querê-la como nora.
Paul ajudou Suzana a levantar-se e imediatamente seu pai lhe gritou para que a deixasse. Como eu havia dito, Suzana não se casaria mais com Paul e eu duvidava que ela conseguisse algum outro partido em Vincent. Sua família nunca fora de posses, mas com a morte de seu pai, só um bom casamento podia manter o padrão de vida que ela e a mãe costumavam ter. Esse pensamento podia me causar algum remorso, mas não. Arrisco a dizer que me senti feliz por saber que ela havia cavado o próprio sofrimento por ser tão maldosa e mesquinha.
Meu pai me conduzia para casa, segurando-me pelo cotovelo, enquanto resmungava o quão eu parecia um moleque de rua brigando. Aquilo realmente não me incomodou, porque eu sabia que havia agido de forma errada, mas não me arrependo. Não me arrependo nem um pouco por ter batido em Suzana. Ela destruiu meus sonhos. Quando entramos em casa, minha mãe e vieram correndo ao meu encontro.
- Minha filha!
- Sua louca! O que fazia? – perguntou, tirando alguns fios de cabelo do meu rosto.

Quando havia chegado? Não me dei ao trabalho de responder sua pergunta, apenas a abracei. Eu estava morrendo de saudades da minha irmã. retribuiu, apertando-me com bastante força. Estava linda, como sempre. Cumprimentei meu cunhado e meu sobrinho rapidamente e corri para tomar um banho. Estava com barro por todo o meu vestido e completamente suada. Ao retornar para sala, ouvi sermões dos meus pais.
me contou que havia chegado de surpresa, por conta do meu aniversário e que mal havia colocado os pés dentro de casa para alguém chegar chamando meu pai. Eles pediram que eu contasse o que tinha acontecido e eu resumi os fatos ao máximo. Papai quis saber o que fazia na mercearia e eu disse que ele foi apenas me desejar um “feliz aniversário”. Jantamos em silêncio, como era de costume, e depois ficamos conversando sobre outros assuntos na sala. me pediu que eu a ajudasse com Joaquim, que já dormia, e eu sabia que isso era um pretexto para saber mais sobre cada detalhe do que havia acontecido desde a volta de .
Enquanto ela ajeitava meu sobrinho na cama, comecei a lhe contar o tanto que havia acontecido em apenas dois dias. Da eu não escondi o que tinha acontecido na mercearia, e ela me fez jurar-lhe milhões de vezes que não fomos além dos beijos mais ousados. Contei-lhe sobre Morgana e como eu não podia mais me envolver com por causa dela.
- Morgana? Isso é nome de bruxa! – me arrancou uma gargalhada.
- É, mas ela é linda, como uma princesa. – suspirei ao lembrar-me da figura dela – É tão superior a mim, .
- Eu acho que você não se vê com muita clareza, . – puxou-me pelo braço, fazendo com que eu me levantasse e parece de frente ao espelho – Olhe, minha irmã. Olhe como você é absurdamente linda. – eu sorri – Fica ainda mais linda quando sorrir desse jeito. Olhe como seus olhos são expressivos, como sua pele dispensa qualquer tipo de maquilagem... – ela virou-me para ela – Não se menospreze, meu amor. Eu posso apostar que essa tal de Morgana não tem metade da sua beleza. Embora a beleza exterior não signifique nada. – ela sorriu e passou a mão pelo meu rosto – O que você carrega aqui, ... – sua mão tocou levemente meu peito, onde se encontrava meu coração – É o que realmente importa. Seu coração é lindo, minha irmã... Um dos mais lindos.

Abracei-a, sem poder dizer qualquer coisa. era meu porto seguro em qualquer momento. Ela e sempre dividiam o pódio de meus maiores confidentes e até casar-se com Oscar, ela jamais permitia que eu derrubasse uma lágrima sequer – não que eu não as derramasse sem que ela visse - ou que desistisse de esperar pela volta dele.
Decidimos que estávamos a tempo demais ali e retornamos para a sala; nossos pais conversavam com Oscar sobre seu novo projeto quando nos juntamos a eles. Por sorte, nem papai ou mamãe haviam ficado seriamente zangados comigo pelo acontecido com Suzana. Quando o sono me assaltou, pedi licença para recolher-me... Mas antes perguntei se meu pai poderia me liberar da mercearia pela manhã. Com todos os acontecimentos, eu necessitava de um banho de cachoeira. Ele me liberou, mas obviamente eu não lhe disse para onde iria.

Como que para me presentear pelos dois dias mais atribulados de todo esse ano, o Sol pintava o céu, deixando a temperatura em Vincent mais elevada. Rapidamente, levantei-me da cama, tomei um banho rápido e pus o vestido mais leve que tinha no corpo por cima da minha camisola. Não havia ninguém em casa, o que me fez agradecer por não ter que mentir quando me perguntassem para onde eu iria. Peguei apenas uma maçã e fui comendo pelo caminho.
Caminhei cerca de vinte minutos até chegar à trilha que dava para a cachoeira, depois mais uns cinco minutos e eu já podia ver aquele pequeno pedaço do paraíso. A água que caia diretamente no pequeno riacho, respingava em meu rosto; refrescando-me e me convidando a entrar. Não pensei mais. Removi o vestido do meu corpo e joguei as sandálias que estavam em meus pés num canto qualquer, mergulhando em seguida.
A água estava magnificamente deliciosa. A temperatura estava ideal para o calor que estava fazendo naquele dia. Mergulhei algumas vezes. Nadei até onde a água caia e sentei em uma pedra, deixando aquela água cair em minha cabeça, levando embora todas as lembranças dos últimos dias. Estava tão envolvida naquele momento, que não percebi alguém se aproximar.
- Vejo que tivemos a mesma ideia.
Meus olhos arregalaram quando o vi parado a margem do riacho, olhando-me. Imediatamente me joguei dentro da água, pois a essa altura, minha camisola branca estava completamente transparente. Tive plena certeza de que meu rosto estava ruborizado quando emergi e ele prendeu uma risada.
- O que diabos você faz por aqui, ?
- Eu vim tomar banho. – ele falou como se fosse à coisa mais comum do mundo.
- Ah, não! De jeito nenhum. – falei – Eu cheguei primeiro.
Ele sorriu.
- Não vejo problema algum. – ele já estava se despindo da camisa e eu nadei até a margem.
- Saia daqui, ! – exigi.
- , qual o problema em eu tomar banho com você? Nós fazíamos isso quando éramos crianças.
- Exatamente! – sibilei – Quando éramos crianças. Nós não somos mais. – ele sorriu e eu continuei colada a margem do pequeno riacho – Além disso, sua noiva pode não gostar.
Pensei que ele ficaria abalado com meu comentário, mas apenas riu.
- Morgana não está aqui, está?

E assim dizendo, mergulhou. Eu pensei em aproveitar que ele estava submerso para sair e colocar meu vestido, mas fora bem mais rápido que eu. Ele me agarrou pela cintura, puxando-me para baixo e logo me afastou da margem. Tossi quando emergimos e estapeei seu peito; sorria como se fosse uma criança que acabara de fazer uma travessura.
- Pretende me matar afogada, por acaso? – perguntei irritada.
- Certamente não. – ele sorriu, sem largar minha cintura – Só mataria você de amor, .
aproveitou-se do meu choque e tomou meus lábios, iniciando um beijo muito parecido com aqueles que trocamos na mercearia. Eu tentei afastá-lo, mas não insisti mais que uma vez... Afinal, na noite passada eu havia sonhado com o momento que iria beijá-lo outra vez. Eu nem sequer percebi como chegamos até uma grande rocha; senti apenas quando minhas costas foram ao encontro dela. continuava me beijando com volúpia e, de repente, a água do riacho parecera quente demais. Um calor desconhecido se formava na altura do meu ventre e eu me lembrei de algumas coisas que me contara.
Nós paramos para inalar um pouco de ar e eu aproveitei a oportunidade; espalmei as minhas duas mãos em seu peito, afastando-o um pouco. tinha os olhos totalmente turvos, como os meus estavam. Ele tentou aproximar a boca do meu pescoço e eu o empurrei com um pouco mais de força, o que fez com que ele me olhasse confuso.
- Não pense que vamos passar disso, . – falei com determinação.
- Do que você está falando? – a confusão ainda estava em seu rosto.
- me contou sobre algumas coisas... – disse morrendo de vergonha – Coisas que eu não devo fazer com você.
Eu estava completamente envergonhada por estar falando daquilo com ele, senti meu rosto queimar quando me dei conta que havia entendido sobre o que eu estava falando.
Ele me lançou um sorriso terno e colocou uma mecha do meu cabelo para trás da minha orelha; quando falou, sua voz saiu recheada de carinho.
- ... – ele desenhou meu rosto com os dedos; eu mantinha minhas mãos em seu peitoral, evitando que se aproximasse mais – Eu jamais faria isso com você aqui... Nestas circunstâncias.

(Coloque Come On, do Ben Jelen, para tocar)


Senti meus olhos umedecerem com a sua declaração, mas obviamente ele não percebera, pois meu rosto levava algumas gotas da água que caia.
- É que... – desviei meus olhos dos seus – A forma que me beija, ... Você me faz sentir coisas que... – tirei as mãos do seu peito e cobri meu rosto, sendo incapaz de terminar a frase.
Ele retirou as mãos do meu rosto, virando-o para que eu pudesse encará-lo novamente.
- Eu nunca passaria dos limites contigo. – ele aproximou o rosto do meu – A forma que eu te beijo, ... – roçou nossos narizes – É impulsionada pelo meu coração... Pela minha saudade. Foram dez anos desde a primeira vez que nossos lábios se tocaram. – ele imitou o ato passado; apenas tocando meus lábios sutilmente – Fora tão rápido... Eu fiquei todo esse tempo imaginando qual seria o gosto do seu beijo e depois de prová-lo ontem, posso lhe jurar que não suportaria viver sem senti-lo todos os dias da minha vida.
Uma das suas mãos parou na minha nuca, enroscando-se aos meus cabelos; a outra colou meu corpo ao dele, causando-me um forte arrepio. E o calor na altura do meu ventre voltou com tudo quando sua boca assaltou a minha novamente. Quando nossas línguas se tocaram, eu podia jurar que havia escutado um tilintar de sinos. Levei minhas mãos até seus cabelos molhados e, inconscientemente, comecei a acariciá-los. Enrolava os cachos em meus dedos e, quando sentia a pressão em meu peito forte demais, os puxava de leve.
finalizou nosso beijo mordendo meu lábio inferior. Eu sentia-me flutuando e não era por estar dentro da água. Definitivamente não era por isso. Abri os olhos e encontrei um sorriso pintado em seus lábios; eu sorri de volta. A mão dele que estava em minha nuca iniciou uma carícia bastante prazerosa naquela região; arrancando um suspiro dos meus lábios. Nós ficamos nos olhando por alguns minutos em pleno silêncio, ouvindo apenas o barulho da água.
Fora a minha vez de desenhar os traços do seu rosto. fechou os olhos e esse ato transbordou meu coração de amor. Então, me lembrei de algo...
- Foi a Suzana, ... – ele abriu os olhos e sua cara demonstrava que ele não sabia sobre o que eu falava – Quem escondeu as cartas. – conclui.
- Mas... Como? Por quê?
- Certamente Paul Murphy foi seu cúmplice. – deduzi – Ele tem um primo distante que trabalha como entregador de cartas. Não consigo nem imaginar o que Suzana lhe ofereceu em troca.
- Por que Suzana faria isso? – ele ainda perguntava incrédulo.
- Oras, como “por que”, ? – revirei os olhos e passei o polegar por sua sobrancelha – Suzana gritou aos quatro ventos ontem que eu havia lhe tirado o que ela queria...
- , explique-me isso...

Contei tudo o que havia acontecido na noite anterior para ele. No inicio, ficou bastante furioso com as coisas que Suzana havia me dito, mas quando lhe contei sobre a pequena surra que havia lhe dado, ele se pôs a sorrir. Mas algo que Suzana falou era completamente verdade... Quando ela jogou na minha cara que era repulsivo o que eu havia feito. O que eu estava fazendo. percebeu meu olhar triste e, depois que me roubou um beijo, perguntou o que se passava.
- Suzana disse algo que, embora tenha sido cruel o modo como falou, não deixa de ser verdade. – ele esperou que eu concluísse a explicação – Foi repulsivo o que fiz, . Permitir... Retribuir seus beijos, suas carícias, sendo você uma pessoa comprometida, não é certo. É completamente ao contrário de certo. Além de ser pecado.
- Eu já lhe disse que falarei com Morgana... - deixei que ele me agarrasse pela cintura – , é você quem eu amo. Quem eu sempre amei.
Ele havia dito aquilo que esperei por tanto tempo... Enfim havia escutado de que ele me amava. Não era ou que me diziam que era amor o que ele sentia por mim... Dessa vez ouvi dele. A mesma dor de dias atrás tomou conta do meu coração, porque não bastava que ele me amasse e que eu o amasse com toda a minha vida.
- Eu não quero que fale com ela, . – dizer essas palavras deveria ter o mesmo efeito de um punhal sendo cravado em meu peito, porque a dor fora insuportável; deixei algumas lágrimas rolarem por meu rosto e antes que ele protestasse, continuei – Eu não quero ser uma Suzana na vida de Morgana... Entenda. Não quero destruir os planos, os sonhos de outra pessoa.
- E os nossos planos? Os nossos sonhos, ? – fora ele quem se afastou de mim.
Ele começou a nadar na direção da margem e eu fui atrás.
- Pense, ... Por favor, pense! – pedi – Não é justo.
- Não é justo comigo! – ele quase gritou e eu parei de nadar – O que você está fazendo não é justo conosco... Não é justo, sequer, com Morgana!
Em um impulso, saiu da água; catando sua camisa e bota em algum lugar pelo chão. Ele estava visivelmente furioso... Mas será que ele não era capaz de pensar, em nenhum momento, que aquilo estava me matando também? Eu jamais desistiria dele se tivesse outra opção. jogou a camisa sobre o ombro e ficou com as botas nas mãos. Pensei em sair da água para impedir que ele fosse embora sem antes entender todas as minhas razões para fazer isso, mas lembrei-me da roupa transparente que vestia naquele momento. Nadei até a margem e antes que pudesse dizer qualquer coisa, me lançou um olhar magoado e disparou:
- Você seria mais honesta se me dissesse que não corresponde ao que sinto.
O choque de suas palavras deixou-me completamente muda... E enfurecida! jamais poderia pensar uma coisa dessas. Jamais poderia duvidar do que sinto por ele. Eu o esperei todos esses anos... Se isso não era corresponder ao que ele sente, não sei mais dizer o que é. Vi lágrimas brotar em seus olhos e sabia que os meus estavam iguais.
- Se é assim que você quer, ... Assim será.
Assim dizendo, montou em seu cavalo e sumiu da minha vista; segurei-me no pedaço de terra para não afundar de tanta dor; estava sem forças para sair dali. Os primeiros soluços romperam minha garganta e nem imagino quanto tempo fiquei ali, chorando.

Os dias foram se passando rápido demais. Desde o último encontro com , ele passara a me evitar. E embora eu estivesse sofrendo com isso, tinha que aceitar que era o melhor. Talvez não para mim. As poucas vezes que nos vimos fora na Igreja e sempre sentávamos distantes. Nossos pais, sempre amigos, sentavam-se juntos ou ficavam de prosa depois da missa.
Vincent já estava completamente decorada para as festas de final de ano. Era véspera de Natal e papai havia fechado a mercearia no início da tarde. Naquele dia ajudei mamãe com os afazeres da cozinha, juntamente com . Após organizar toda a decoração da casa, fui para meu quarto me aprontar. Pus o vestido de cetim azul que havia me trazido da capital, coloquei um corselet preto por cima para marcar a cintura e o busto, como ela havia me ensinado, e resolvi fazer uma trança em meus cabelos, colocando-a sobre o ombro. me ajudou a fazer uma leve maquiagem, já que ela insistia que eu passasse pelo menos pó de arroz.
Normalmente, eu não usaria tantas coisas para celebrar essa data, mas papai havia dito que iríamos à fazenda dos ; seria uma passada rápida, apenas para cumprimentá-los e cearíamos em nossa casa depois da missa. Eu estava nervosa porque sabia que hoje não iria me ignorar. Ao menos era o que eu esperava – ou não.

Estávamos todos a caminho da fazendo e meu nervosismo era tão evidente que pegou em minhas mãos, que tremiam, fazendo com que a olhasse; apenas com esse gesto, minha irmã havia conseguido me passar uma tranquilidade incomum. Ela sorriu e eu retribuí, apertando suas mãos levemente.
Quando paramos de frente àquela escadaria, busquei o ar com força. Mamãe e papai subiram na frente, de braços dados. Assim como e Oscar. Subi por último, de mãos dadas com Joaquim. Don e , como perfeitos anfitriões, estavam logo na entrada; todo ano eles faziam uma grande ceia e convidavam grande parte da cidade. Meus pais os cumprimentaram primeiro, seguidos por minha irmã e meu cunhado. Chegou minha vez de cumprimentá-los
- Feliz Natal! – sorri, recebendo primeiro um abraço de .
- Feliz Natal, querida! – Don me abraçou. – Estás linda, .
- Obrigada. – agradeci, sentindo um leve rubor em minha face.

Nós entramos para cumprimentar alguns outros conhecidos e fora inevitável não procurá-lo. Meus olhos varreram cada canto daquela sala, não o encontrando em lugar algum. conversava com duas garotas, que julguei serem suas amigas da capital porque se fossem de Vincent, eu as conheceria. Ela sorriu ao me ver, falou algo com as garotas e veio em minha direção.
- ! – ela me abraçou fortemente; há algum tempo não via . – Feliz Natal!
- Feliz Natal, . – retribuí seu abraço.
- Você está linda! – ela comentou, analisando-me ao me afastar. – Esse tom de azul combinou muito com a sua pele.
- Obrigada! Você também está linda. – elogiei.
Meus olhos que, involuntariamente, ainda buscavam por atraíram a atenção da loira ao meu lado. A vi sorrir e sussurrar para que apenas eu ouvisse.
- Acredito que não tardará a aparecer.
- Hum? – fingi não ter ouvido o que ela falara.
- Não tente disfarçar, eu... – ela sorriu, mas logo recolheu o sorriso do seu rosto e seus olhos miravam um ponto fixo.
Curiosa, virei o rosto na direção que estava olhando e pude assistir a cena de e Morgana adentrando a sala de braços dados, como um casal. Como o casal que eram. Ele me olhou por poucos segundos e logo desviou o olhar; engoli o choro. Ele me ignoraria em pleno Natal também. Graças a Deus que não ficaríamos ali por muito tempo. E, atendendo ao meu pedido silencioso, mamãe me chamou.
- Vamos, .
- Não vão ficar para a ceia? – perguntou surpresa.
- Não. – felizmente, pensei em dizer. – Vou indo, ... Feliz Natal outra vez. - Vá falar com . – ela pediu e, imediatamente, eu neguei com a cabeça. – ! É Natal!
- Não vou, .
aproximou-se de nós para me apressar e acabou notando o que estava acontecendo. Obviamente, como duas cúmplices, ficou do lado de .
- , vá apenas desejar um Feliz Natal. – ela argumentou. – Não estamos dizendo para que converse com ele ou qualquer outra coisa... Mas, se não lembra, , faz parte da boa educação cumprimentar as pessoas.
- , até onde me consta, você deveria vir me buscar para irmos embora.
- Anda, ! – tentou parecer irritada, se não fosse pelo sorriso. – E ele está olhando para você.
- Ele está com a noiva! – sibilei.
- Disso eu posso me ocupar...

mal terminou de falar e já estava caminhando para onde e Morgana estavam. Ela abraçou primeiro a outra e depois o irmão. Minha mãe juntou-se à e a mim, a fim de saber por que ainda não havíamos ido. Ela logo entendeu quando ele se aproximou de nós. Olhei para os lados e não havia mais ninguém perto de mim, apenas .
Por um momento fiquei hipnotizada com seu olhar sobre mim. Ele tentou ser discreto, mas eu notei como ele me analisava. Por dentro, eu rogava para que ele estivesse gostando do que via. E, como se tivesse lido meus pensamentos, sorriu. O primeiro sorriso sincero que ele me dispensava em dias. Sorri de volta, controlando-me para o sorriso não ser exagerado demais.
- Feliz Natal. – sua voz adentrou meus ouvidos, provocando um sutil arrepio.
- Pra você também. – temi que minha voz saísse falha.
sorriu novamente e, sem que eu esperasse, me deu um abraço. Por um momento pensei que iria desfalecer em seus braços, quando ele sussurrou em meu ouvido:
- Encontre-me no salgueiro.
apartou nosso abraço, deu-me as costas e saiu. O vi cumprimentar algumas pessoas enquanto caminhava para fora da casa. Fiquei parada, atônita, até perceber o olhar de sobre mim. Aquele olhar era mais expressivo que qualquer outra coisa. estava gritando para que eu fosse atrás do seu irmão.
Consegui fazer minhas pernas se moverem e segui o mesmo caminho que ele havia feito, também falando com alguns conhecidos. Busquei minha família rapidamente e não os vi... Sem querer demorar mais, pois nós precisávamos voltar para casa antes da ceia, fui em direção ao salgueiro. O nosso lugar.

(Coloque Wait For You, do Atreyu, para tocar)


estava encostado na árvore, com um pé apoiado no troco, e olhava para o céu. Ele desviou a atenção das estrelas para me olhar. Isso me fez lembrar de algo que ele havia me dito quando éramos crianças... ”Nem as estrelas conseguem me roubar de você.”. Na ocasião, aquela frase não fez o efeito que poderia fazer se fosse dita agora. Ele estendeu a mão para que eu pegasse e me aproximasse.
- Pensei que você fosse me ignorar hoje também. – disse assim que peguei sua mão e me aproximei dele.
- Você não faz ideia do esforço que eu tive que fazer para te ignorar nas poucas vezes que nos vimos, . – ele depositou um beijo na mão que segurava a sua. – Eu jamais a ignoraria hoje... Eu pensei em falar com você depois da ceia, mas tive que adiantar meus planos quando me disse que você e sua família não iriam cear conosco.
- Eu sinto a sua falta. – suspirei. – Isso é tão insuportável. – ele riu. - Todos esses dias, eu estava me sentindo como se estivessem roubando o meu ar. Mas não iria me aproximar de você... Não depois do que você me falou na cachoeira.
- Perdoe-me, . Eu não queria ter dito aquelas coisas... Estava zangado com o modo como você lida com isso.
Eu não resisti ao impulso de passar a mão por seu rosto. Ele fechou os olhos ao sentir meu toque. Minha mão esquentou automaticamente quando se chocou contra sua pele macia.
- Eu correspondo a todos os seus sentimentos, . Cada um deles. Não pense que é fácil eu ter que abrir mão do seu amor para não magoar outra pessoa... Mas eu estou fazendo o que acho correto. O que aprendi com a criação dos meus pais.
- Continuo não achando justo. – ele sorriu, mas eu sabia que dizia aquilo com certa mágoa. – Não vou me casar com Morgana, . Não apenas por você... Embora seja por você. – ele sorriu da confusão de sua própria frase e eu nem notei que já estava abraçada a ele. – Não vou me casar com Morgana porque não a amo e isso sim iria magoá-la. Isso sim iria destruir todos os planos e sonhos que ela tem. – ele passou a mão por meu rosto para secar uma solitária lágrima. – E, por último, não vou me casar com Morgana porque me casarei com você. Eu te esperei por mais de dez anos, . Posso te esperar um pouco mais.
Assim dizendo, ele grudou seus lábios nos meus, iniciando um beijo sem nenhuma malícia. Um beijo repleto de carinho. Repleto de amor. Repleto de esperança.
Ouvimos um sutil pigarro e eu o empurrei delicadamente, mas com uma sensação de medo subindo por meu estômago. Só consegui voltar a respirar quando vi que era . Se fosse outra pessoa, nós estaríamos em sérios problemas. Ela sorriu, visivelmente constrangida.
- Perdoem-me por interromper, mas seus pais estão te procurando, . – ela voltou-se para o irmão. – E eu não tenho mais assunto para entreter Morgana, .
Vi quando lançou um sorriso terno para a irmã e sorri também. Se não fosse por , nós não teríamos conversado; agradeceria por isso toda a minha vida.
despediu-se de mim depositando um beijo preguiçoso em meus lábios. Ele esperou que e eu saíssemos para voltar à casa. Ele entrou no exato momento em que estávamos nos despedindo de seus pais. cumprimentou minha família, desejando muita paz e amor – ele olhou diretamente para mim – em nossas vidas. Morgana chegou, apossando-se do seu braço e isso me irritou. Bastante. Fui obrigada a lembrar que ela possuía total direito em fazer aquilo.
Saímos da fazenda e fomos direto para a Igreja. Minha mãe não perdia nenhuma Missa do Galo. A Missa foi emocionante e a Igreja estava cheia – embora tivesse a impressão que toda a cidade estava na fazenda dos . Fomos para casa e ceamos. Aquele domingo natalino havia sido um dos mais felizes que passara nos últimos anos. Um pouco depois das três da manhã, recolhi-me. Papai não abriria a mercearia no dia seguinte, então, eu teria tempo para descansar.

Acordei um pouco antes da hora do almoço. Ouvi um burburinho na sala, constatando que eu era a única que ainda dormia. Tratei de tomar um banho e me arrumar para me juntar a eles. Coloquei um vestido leve e deixei meus cabelos soltos. Quando estava saindo do quarto, tomei um susto ao esbarrar com . Certamente, ela viria me acordar.
- Você não faz ideia de quem está na nossa sala! – ela disparou.
- Bem, a julgar pela sua afobação, creio que a rainha da Inglaterra. Acertei? – sorri e ela fez uma cara de deboche.
- Ela não é rainha, mas sim, é inglesa.
não precisou dizer mais nenhuma palavra para que eu entendesse que era Morgana que estava ali.
- O que ela quer aqui? – perguntei num sussurro.
- Falar com você.

Fui com até a sala e me deparei com Morgana sentada em nosso sofá, servida de uma xícara de chá; minha mãe sempre tão receptiva e educada. A outra se levantou quando adentrei em seu campo de visão, deixando a xícara sobre a mesa de canto. A beleza de Morgana me incomodava. Ainda mais quando eu estava tão desprovida de maquiagem, ao contrário dela. Morgana parecia uma pintura de um artista famoso e extremamente talentoso.
Ela levava os cabelos presos em um coque totalmente perfeito que não deixava nenhum fio do seu cabelo fora do lugar. O vestido era simples, mas notava-se o tecido de excelente qualidade. Morgana interrompeu minha análise quando falou.
- Bom dia! – a voz melosa e doce; fiquei enjoada. – Posso falar com você?
- Você já está falando.
- ! – minha mãe me repreendeu.
- Não tem problema. – Morgana sorriu para minha mãe. – Podemos conversar em particular?
- Tudo bem. – tentei ser educada. – Venha comigo.
Fui com Morgana para o meu quarto sob os olhares curiosos da minha família. Abri a porta e dei passagem para que ela entrasse. Indiquei a cama e Morgana se sentou. Fechei a porta e a segui. Ficamos em silêncio por alguns poucos segundos, até que ela desse inicio a nossa conversa tão inesperada por mim.
- falou comigo... – percebi a hesitação na voz dela e entendi que não era um assunto fácil para ela. – Sobre vocês.
- E? – a incentivei a continuar.
- E eu consegui entender o porquê de você ser tão hostil comigo. – eu não retruquei, embora quisesse. – , eu queria saber se posso contar a você um pouco da minha história com o ?
Respirei fundo, sem ter certeza se queria saber o que ela tinha para dizer. Apenas assenti e ela continuou.
- Conheci quando entrei na Universidade. Acredita em amor à primeira vista, ? – assenti novamente. – Pois bem... Quando eu o vi, senti como se o meu mundo pertencesse somente a ele. Eu havia acabado de sair de uma forte depressão pela morte dos meus pais e ele me ajudou. Você conhece a sensação de ter como amigo... Mas ele nunca via em mim mais que uma amiga e cada dia que passava eu me apaixonava mais por . Sempre tão atencioso e carinhoso. Sempre ali por mim.
Eu estava claramente com ciúmes. Morgana notou, mas não se interrompeu.
- Um belo dia, depois de alguns anos, eu reuni coragem suficiente para contar-lhe tudo o que sentia por ele e, para a minha decepção, disse que não podia me corresponder porque amava outra pessoa. Eu o amei ainda mais por ele ter sido honesto comigo. Sabe, ? As coisas na Inglaterra são um pouco diferentes daqui... Lá temos, como posso dizer? Mais liberdade, digamos assim. As mulheres de lá têm mais liberdade, não são como as daqui... Enfim. nunca me falou abertamente sobre a garota por quem estava apaixonado, até um certo dia. Nós estávamos na festa da sua formatura e ele havia passado um pouco além da conta com a bebida e eu confesso – ela sorriu –, acabei me aproveitando da situação.
Aquilo soou atrevido demais para uma mulher dizer. Eu me remexi na cama, ainda sem dizer uma palavra, esperando que ela continuasse.
- Eu o seduzi. – minha cara de choque a fez soltar uma gargalhada. – Eu disse que as coisas na Inglaterra eram um pouco diferentes. E, como meus pais sempre costumavam dizer, eu sou um pouco mais avançada que a época que vivemos. Sempre achei isso de uma mulher só poder se entregar a um homem quando forem casados muito fora dos meus padrões de felicidade. Depois que fizemos amor – eu corei fortemente – ele sentiu-se completamente culpado, mas eu o convenci que não passaria nada. e eu continuamos bons amigos, mesmo depois de tudo... O que era bom. Eu tinha certeza que com o tempo conseguiria conquistá-lo e ocupar o lugar daquela garota que eu sempre julgara não merecê-lo. – trinquei os dentes, impedindo que uma resposta malcriada saísse. – Ele me contara que sempre a escrevia e que ela... Você nunca respondera...
- Eu nunca recebi as cartas, Morgana! – a interrompi, irritada, e ela sorriu.
- Eu sei, . Agora eu sei. – ela procurou ficar numa posição mais confortável e continuou – Um dia, me procurou para dizer que a tal por quem era perdidamente apaixonado iria se casar... Posso confessar, sem qualquer remorso, que senti vontade de matá-la por estar fazendo uma pessoa como ele sofrer. Eu não sabia como consolá-lo e fiz o que podia fazer naquele momento: Ofereci-lhe meu amor. estava tão ferido por dentro que aceitou o que lhe oferecia. Sempre buscando ser honesto comigo, ele deixou claro que não me amava e não sabia se poderia me amar algum dia. achou que poderia me compensar por ter feito amor comigo me dando um anel de noivado... – ela sorriu. – Como se ele fosse o único culpado pelo que aconteceu. Na verdade, a culpa era exclusivamente minha.
- Tenho que concordar com você. – ela sorriu novamente. – Pode resumir a história, Morgana? Não me leve a mal, mas não estou interessada em todos os detalhes.
- Quando recebeu a carta dos pais pedindo que ele viesse para cá nas festas de final de ano, ele não quis... Sabia que certamente encontraria com ela e não estava preparado para isso. Eu o incentivei a vir... Foi difícil. Você sabe, é muito cabeça dura. – ela esperava por uma resposta que não dei. – Ele disse que viria, se eu o acompanhasse. Eu ponderei aquele convite, afinal, não sabia o que esperar. Mas por eu faria e seria qualquer coisa... E se, naquele momento, ele precisava de mim como um alicerce, eu seria. – ela se virou, encarando-me. - Quando eu a vi naquela estação, , eu tive certeza que a mulher por quem o coração dele batia era você. me pediu desculpas assim que você saiu de lá e foi atrás de ti. Eu poderia ter me sentido humilhada naquele momento, poderia ter pegado o primeiro trem de volta para a Capital e, de lá, voltar para Londres. Mas algo me dizia que ele ainda precisaria do seu alicerce. Fui embora com sua família, enquanto mil e uma coisas se passavam por minha cabeça. chegou e eu já havia ido dormir, no dia seguinte não conversamos sobre o que acontecera. Ele não falou, eu não perguntei. Quando nos encontramos na Igreja e eu vi como os olhos dele brilhavam por você, senti tanto ciúme! – percebi as pequenas lágrimas em seus olhos. – Mas eu havia aceitado aquela situação. Quando falei com você e recebi toda a sua hostilidade, soube que também lhe causava ciúmes. Desculpe, mas confesso que fiquei feliz com isso.

Soltei um risada irônica.
- Ontem eu percebi quando ele saiu e depois você. pensou que estava me entretendo, mas não. Eu tentei ficar zangada com o ... Juro que tentei. Mas eu não podia. Não me lembro de uma única vez que ficara zangada com ele. Quando voltou, percebi nos seus olhos que as coisas mudariam. Para ser sincera, desde que eu colocara os pés em Vincent soube que o perderia. Perderia, não. Eu nunca vou perdê-lo... será sempre uma parte de mim. Mas o seu coração não me pertencia. Nunca pertenceria.
- Você sentiu ciúmes de mim? – perguntei incrédula. – Já se viu no espelho, Morgana? Pelo amor de Deus!
- Não seja tola! – ela sorriu. – Você é uma mulher linda, . Admito não ser nada fácil para eu dizer isso em voz alta. E não vim falar sobre beleza com você.
- Então, pra quê veio? Eu ainda não consegui entender toda essa conversa, Morgana.
- Vim tentar fazer você entender que eu não tive culpa alguma do que aconteceu com a história de vocês. E que não serei eu a impedir que ela tenha continuidade.
- Não entendo o que você quer dizer. – eu entendia sim, mas não conseguia acreditar.
- me disse o que você queria fazer. – ela me sorriu; julguei ser um sorriso terno. – Só uma pessoa com um coração puro seria capaz de sacrificar sua própria felicidade por um próximo. Confesso que fiquei emocionada com isso. Há uma grande diferença entre nós duas, : Eu nunca desisto daquilo que quero. Se a situação fosse inversa, se fosse eu no seu lugar, não tenho certeza se poderia fazer o mesmo.
- O que acontecerá agora? – não havia necessidade que eu fizesse uma pergunta clara, Morgana era inteligente o suficiente para saber sobre o que se tratava.
- Falaremos com seus pais sobre o rompimento e a vida continua.
- Você fala como se não lhe importasse o rompimento.
- Acredite... Eu me importo. Muito. Mas prefiro estar sofrendo tudo de uma vez agora, do que ter um casamento falido, sem amor. Bem, agora eu preciso ir... Perdoe-me se, mesmo que indiretamente, provoquei algum tipo de dor em você.
- Perdoe-me por minha hostilidade. – ela sorriu e a vi limpar rapidamente uma lágrima que teimou em borrar a pintura perfeita que era seu rosto.

Acompanhei Morgana até a porta e ela se foi, acompanhada de uma das empregadas da fazenda. Eu ainda tentava absorver toda aquela conversa. Tentava absorver que, agora, não tinha mais compromisso com ninguém. Sorri. Gargalhei. Gritei. Todas essas reações sob os olhares curiosos da minha família. Especialmente, mamãe e .
Agradeci a Deus por eles não me interrogarem sobre o acontecido. Apenas perguntaram o que Morgana queria e eu disse que ela queria falar sobre . O que não era, de todo, uma mentira. Almoçamos juntos, em silêncio, e depois fomos todos para a sala. Conversamos sobre qualquer coisa – porque eu não estava prestando atenção no assunto; minha cabeça vagava por outro mundo agora -, enquanto saboreávamos um delicioso chá feito por minha irmã. O dia acabou sem mais emoções e todos se recolheram; fiquei na cama, olhando o teto do meu quarto, pensando em como as coisas seriam agora para e para mim.

Já estávamos no último dia do ano e desde a véspera de Natal que eu não via . Nem ninguém da família dele. Aquilo me preocupou. Pensei em ir à fazenda algumas vezes, mas não sabia se seria a coisa certa a fazer. Era domingo e a mercearia ficara aberta só até um pouco antes da hora do almoço. Meu pai e Marcus ficaram lá enquanto eu ajudava minha mãe e . Isso matinha a minha cabeça ocupada.
Alguém bateu à nossa porta e minha mãe pediu que eu fosse abri-la. Reconheci Gwinevere, uma das empregadas da fazenda dos ; reprimi o impulso de perguntar por . Ela me sorriu e eu retribuí curiosa por saber o que ela faria em minha casa. Gwin retirou um pequeno envelope do bolso da frente do avental que ela usava e me entregou. Era claramente um convite.
- De que se trata, Gwin? – eu a conhecia há bastante tempo para chamá-la pelo apelido.
- Acredito que seja sobre o jantar de noivado do senhor .
Eu quase deixei o envelope cair das minhas mãos. Como assim jantar de noivado? Gwin se despediu de mim e partiu. Fiquei parada na porta, segurando aquele maldito envelope, sem coragem de abri-lo. Certamente, ele havia decidido se casar com Morgana. Por algum motivo, ele havia reconsiderado. Naquele momento, Joaquim passou correndo por minhas pernas e como um estalo, as palavras de Morgana invadiram a minha mente.

”Eu nunca vou perdê-lo... será sempre uma parte de mim.”

Só havia um motivo que eu recebesse um convite para o jantar de noivado de ... Morgana estava grávida. Ele havia voltado atrás porque ela lhe daria um filho. Eles haviam feito coisinhas antes de se casarem... havia me dito que isso poderia passar. Não abri o envelope. Não queria sentir mais dor do que já estava sentindo. Minha irmã veio até mim, percebendo que me demorara demais... encontrou meus olhos perdidos e nublados por lágrimas. Aquele líquido salgado que, há algum tempo, havia se esvaído do meu rosto. Ela me olhou assustada, sem entender o que estava acontecendo.
Estava deitada em meu quarto, com a cabeça apoiada no colo da minha irmã, depois de lhe contar sobre o tal jantar. tentava me fazer parar de chorar. Ela abriu o envelope, lendo cada palavra escrita ali em silêncio. Eu não precisava ouvir. suspirou e colocou o pedaço de papel em cima de uma mesa de canto. Acariciou meus cabelos para dizer:
- Não tem mais detalhes no convite. O convite apenas informa que o senhor e a senhora oferecerão um jantar em homenagem ao noivado do seu primogênito, . Não cita o nome de Morgana, .
- Não precisa citar, ! – retruquei. – arranjaria outra noiva em um curto espaço de tempo, por acaso? Óbvio que é Morgana! – levantei, olhando para ela. – Eu não vou nesse jantar!
- Eu acho que você deveria ir. – ela falou serena.
- Está louca, ? – perguntei abismada. – Você, melhor que qualquer outro, saberia que isso é a morte para mim.
- Talvez, não. – ela acariciou meu rosto. – , vá e se mostre superior. - A tudo isso, oras! Superior a Morgana! – ela se levantou da cama – Escolha um dos meus vestidos, vem.

saiu me puxando pelo braço, sem me dar a chance de falar qualquer coisa... Fomos até seu quarto e em poucos minutos a cama estava repleta de vestidos. tinha muito bom gosto e Oscar era um ótimo marido para ela; ele atendia todos os desejos da minha irmã. ficara em dúvida entre dois vestidos de cetim. Um vinho e um verde musgo.
Ela me fez provar os dois, constatando que o vinho entrara em melhor combinação com meu tom de pele. Havia ficado um pouco largo, mas nada que um corselet por cima não disfarçasse. separou tudo o que ela julgou que eu precisaria. Eu estava tão entorpecida com tudo que nem estava sendo capaz de raciocinar; estava me induzido a ir nesse jantar.
A noite caíra rápido demais. Todos já estavam prontos para o tal jantar, exceto eu. Mais consciente de tudo, mantive a minha decisão de não ir. Nada que dissesse iria fazer-me mudar de opinião. Não suportaria presenciar isso e sabia... Ainda buscava entender o porquê de ele ter sido tão cruel a ponto de me mandar esse convite. rompeu em meu quarto como um furacão e, pela primeira vez, visualizei raiva nos olhos dela.
- Levante-se dessa cama agora, ! – ela gritou – Pare de se fazer de coitada, sofrida... Levante-se! Não seja tão covarde.
O que eu havia dito sobre “nada que dissesse poderia me convencer”? Depois do seu ataque de quase fúria, estávamos a caminho da fazenda dos . Meu coração apertado contraiu ainda mais quando chegamos. Os anfitriões nos receberam com toda a cortesia que possuíam. me abraçou, dizendo o quanto eu estava bonita. fizera um excelente trabalho na escolha do vestido, na maquiagem, em meu cabelo... Em tudo. Sorri em agradecimento ao elogio e entrei, seguida por meus pais.
A casa estava perfeitamente decorada com alguns arranjos de flores, deixando o ambiente com um cheiro completamente agradável. já começara a conversar com e Oscar, enquanto fazia um cafuné em Joaquim. Ela sorriu para mim e, com um gesto de sua mão, me chamou para juntar-me a eles. Busquei por Morgana e , mas era óbvio que, como na última noite que estive naquela casa, eles apareceriam juntos. Assim como a mãe, era uma excelente anfitriã e também me elogiara.
Contrariando o que eu havia imaginado, adentrou a sala sozinho e magnificamente lindo. Eu tive que conter um suspiro e desviar meus olhos; mirei um ponto qualquer. O jantar logo seria servido, então, imaginei que Morgana não demoraria mais a aparecer. Alguns dos empregados passavam servindo champagne e eu resolvi pegar uma taça para mim. Talvez isso me ajudasse a engolir aquele nó insuportável. Eu realmente esperava que estivesse certa sobre isso tudo ser bom para mim, porque até então só estava me fazendo mal.
- Boa noite! – falou com um sorriso que me arrancou o ar.
- Bem, agora que todos já estão presentes, podemos ir para a sala de jantar. – disse.
Olhei em volta, buscando por Morgana. Obviamente, ela havia se equivocado. Faltava a noiva.
- Não todos. – interrompi, fazendo-os parar de andar – Falta a noiva.
sorriu.
- Não, . Não falta. – disse de simples.
- Claro que falta, .
- Por Deus, ! – ele sorriu. – Por que você sempre faz com que eu tenha que adiantar meus planos?

Sinceramente, eu não entendia do que ele falava. Desviei minha atenção dele para as pessoas que me olhavam com sorrisos nos rostos; e principalmente. Aquilo estava confuso. Confuso demais. Voltei a olhar para , que mantinha um sorriso travesso nos lábios.
- Explique-se. – pedi – Eu não estou entendendo nada, .
- Já que você não me deixou fazer isso como eu havia planejado... – ele se colocou de joelhos e estendeu uma pequena caixa em minha direção. – , aceita se casar comigo e aceita o meu amor por toda a vida?
Naquele momento, pensei que iria desmaiar. estava me pedindo em casamento? Aquilo era real? Eu busquei pela voz, mas ela parecia perdida em algum lugar dentro do meu corpo. Eu devo ter demorado tempo demais para responder, pois ouvi um pigarro e pisquei atônita. Algumas lágrimas escorreram por meu rosto e eu sorri, percebendo o rosto de suavizar. Respirei fundo para conseguir falar alguma coisa; todos estavam olhando para mim, esperando.
- Fale alguma coisa. – ele sussurrou.
- Seu plano quase deu errado. – fora a primeira coisa que saiu dos meus lábios. – Tenho vontade de te matar pelo susto que me pregou!
Ouvi algumas risadas.
- , eu acabei de te pedir em casamento. – comentou. – Se você ainda não percebeu, eu estou completamente nervoso esperando por uma resposta. Resposta essa que eu espero que seja positiva, porque eu não consigo viver sem você. Então, por favor, responda.
Eu não consegui evitar sorrir. Ele realmente estava nervoso. Pude notar pelo modo que seus lábios tremiam sutilmente.
- Eu aceito, .

(Coloque Everything, do Lifehouse, para tocar)


Eu não conseguia parar de olhar para o anel que estava em meu dedo. Estava noiva. Noiva de . Era felicidade demais para uma única pessoa. Descobri que Morgana havia voltado para Londres no dia seguinte ao que foi me procurar. Também descobri que todos já sabiam sobre o plano de ; me pediu desculpa por ter gritado, mas fez apenas porque não sabia mais o que fazer para me convencer. Faltavam alguns minutos para meia noite... 1911 acabaria. Enquanto os homens conversavam sobre negócios, as mulheres já falavam sobre o casamento. Quando seria a melhor época e tudo isso. Eu estava entretida, rodando meu anel de noivado em meu dedo, quando ouvi a voz de em meu ouvido.
- O que acha de aproveitarmos que todos estão distraídos demais e fugirmos lá para fora? Eu estou louco por um beijo seu, .

Ele levava um sorriso travesso nos lábios quando o olhei. Por uma fração de segundos, enxerguei o de anos atrás. O menino pelo qual senti empatia imediatamente, embora ele fosse alguns anos mais velho do que eu. O que se tornou o meu melhor amigo. O que se tornou o meu melhor e único amor. se levantou e ficou me olhando. Sorri e estendi a mão para que ele me ajudasse e me guiasse para fora dali. A verdade é que eu também estava louca por um beijo dele.
Descemos as escadarias da fazenda correndo e de mãos dadas, como fazíamos antes. Senti-me com treze anos novamente. Quando chegamos à grama vimos o céu começando a se iluminar com os fogos de artifício. agarrou-me pela cintura e girou-me no ar... Eu sorria como uma boba apaixonada que era. Ele me pôs no chão e, sem mais delongas, tomou meus lábios. Não fora um beijo atrevido, pois nós tínhamos consciência das pessoas que estavam no topo da escadaria observando os fogos e nós dois. Doce ilusão pensar que poderíamos sair escondidos. Os fogos tornaram-se mais intensos, indicando que um ano encerrava seu ciclo e um novo se iniciava. Naquele momento em que sentia meu corpo rodeado pelos braços do homem que eu amava com todo o meu coração, eu só conseguia agradecer.
apartou nossos lábios lentamente para olhar em meus olhos, completamente emocionado. Ele sorriu e impediu que uma lágrima caísse.
- Eu te amo. – disparei. – Eu te amo muito.
- Eu te amei primeiro, futura senhora . – ele apertou levemente a ponta do meu nariz – E vou amá-la por toda a vida.
- Feliz ano novo! – desejei, brincando com seus cabelos.
- Happy 1912!



FIM


Nota da Autora: A todos que leram a Happy 1012, recebam, com todo o meu amor, o meu MUITO OBRIGADA! Especialmente àquelas que comentaram no final de cada atualização. Essa fanfic é especial para mim e espero que tenha se tornado especial para vocês também. Se houver algo que vocês não gostaram nesse final, me desculpem, sim?
Bom, é isso. Eu não sou muito boa com N/A nem nada disso, sorry. E, para quem ainda não sabe, tenho outra fanfic sendo postada aqui no ffobs. Se quiserem ler, o link está logo aqui em baixo. Enfim, obrigada, novamente, pela atenção dispensada a Happy.
Xx, @thafernandes__

Leia:Damn You (ffobs: ffobs/d/damnyou.html)

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