Hold On To Your Heart
Autora: Kesey | Beta: Nelloba Jones


A manhã estava completa! A mesa estava posta para o jantar que nunca chegamos a desfrutar, a comida fria sobre o fogão, as velas que nunca chegaram a queimar, marcas de nossas lágrimas que secaram sobre o tampo de madeira, as rosas despedaçadas e jogadas na lixeira. Nós nunca chegaríamos a comemorar nosso aniversário de cinco anos juntos. Ela era tudo que eu queria desde que nos conhecemos no primeiro ano colegial e eu não podia deixar de olhá-la agora, exausta, física e emocionalmente – assim como eu -, sentada em uma das cadeiras dispostas para a noite anterior, com o olhar perdido em um porta retrato que exibia uma foto de nós dois em uma de nossas viagens, agora completamente estilhaçado e com a moldura solta jogada ao chão. Eu não saberia dizer se haviam se passado sete horas ou sete semanas, mas me atreveria a dizer que foram todas igualmente tristes e nada me faria esquecer.

- Nós podemos conversar a respeito?
- Conversar a respeito? Por onde você quer começar? Talvez me dizendo como vocês se conheceram no bar e foi mágico. Que vocês não conseguiram tirar as mãos um do outro e como você simplesmente teve que trazê-la aqui... no seu flat, na noite do nosso aniversário. No desfecho de cinema, vocês tiveram que transar aqui mesmo porque não aguentaram chegar até o quarto. – ela despejava as palavras fria e ironicamente. – Por onde você quer começar, ?

Balanço a cabeça levemente, tentando afastar os momentos da noite anterior, que ainda não chegou ao fim, e deslizo minha mão sobre o tampo da mesa para tocar a dela, que se esquiva imediatamente. Parece o começo do fim, agora me arrebatando e deixando uma sensação ruim na boca do meu estômago, tudo desmoronando com as lembranças de cinco anos juntos.

Cinco anos... não é exatamente uma eternidade, mas, definitivamente, o começo de uma vida, onde permanecemos inseparáveis desde que a aluna nova chegou à escola. Mesmo quando tivemos medo de que tudo fosse terminar junto com o último ano colegial, foi quando ficamos ainda mais próximos.

- Me diz como ela era, . Como ela era na cama? Ou cozinha. Ela era boa?
- ...
- Não, me diz, eu quero saber. Ela era irresistível? Sexy demais? Beijava bem?
- Me faça um favor e quebre meu nariz. Eu prefiro...
Ela me interrompe.
- Me faça você um favor e me mande ir embora. Me manda sair da sua vida – a medida que ela falava, seu tom de voz aumentava, lágrimas interromperam a sua visão, seu rosto passou a ficar vermelho. – vai ser mais fácil assim deixar você.
O choro corria livremente por seu rosto, o que me deixava em desespero.
- Me faça um favor e pare de fazer perguntas! – eu gritei.

- No que você está pensando? – arrasto minha cadeira para perto dela.
Ela suspira alto e longamente antes de responder:
- Estou pensando em como chegamos a esse ponto. - sua voz continua fria e distante ela permanece imóvel.
- Nós ainda somos os mesmos. Ainda somos eu e você. Lembra? e . – falo baixo enquanto aproximo meu rosto do dela, quase tocando sua bochecha com a ponta de meu nariz, num carinho que sei que ela gosta. – Nós podemos resolver isso, eu sei que sim.
- Não, não sabe. - se levanta e se afasta novamente de mim. Posso ver que as lágrimas estão de volta em nossos olhos. – Não importa o que aconteça, daqui pra frente nada será mais como antes.
Observo enquanto ela esconde o rosto entre as mãos e passo a mão direita rapidamente pela minha bochecha, impedindo o choro de continuar.

Com todas as reações, o flat com objetos aos pedaços, os gritos, o choro, e o fato de não ter o direito de tentar explicar alguma coisa, eu acabei perdendo a cabeça.
- A culpa disso é toda sua e você sabe! – eu vociferei e ela ficou em silêncio por alguns segundos.
O silêncio não dura muito e, se possível, sua raiva cresce ainda mais.
- Minha culpa? Como você pode...
- Desde que você conseguiu essa promoção mal tem tempo pra mim, mal sai comigo. Quando não trabalha até tarde, está cansada demais até para atender meus telefonemas. Eu estou cansado de saber sobre a sua vida através de recados de alguém do seu emprego ou da sua mãe. Como você queria que eu ficasse quando você não tem tempo pra mim nem mesmo no nosso aniversário?
- Eu vou te dizer como você NÃO deveria ficar. – ela começou irônica. – você não deveria ir ao primeiro bar barato. Não deveria dar atenção a primeira mulher que aparece de minissaia. E, definitivamente, não deveria trazê-la ao seu flat para algum tipo de sexo casual.
- Cometi um erro... por que agora você não pode ficar do meu lado como eu fiquei do seu assim que as coisas ficaram difíceis quando acabou o colegial e você não tinha ideia do que fazer da sua vida? Eu deixei todos os meus sonhos de lado, coloquei meus amigos na espera, tudo ficou pra depois porque você precisava de mim. Agora finalmente eu estou correndo atrás de algo que vale a pena pra mim, por que você não entende? – as palavras saiam rápido e eu precisava tomar fôlego. – Foi um grande erro, mas isso não pode anular todo esse tempo.
- Sabe, , eu não sei qual é exatamente a pior parte: eu ficar devastada após nossa discussão ao telefone, quando disse que não chegaria para o nosso jantar; ou fazer tudo para chegar aqui o mais rápido possível às 1:45hrs da manhã depois de um dos meus piores dias de trabalho e ver você colocando uma garota seminua porta afora enquanto seguro estupidamente flores pra você.
Não consegui formular nenhuma resposta e pela primeira vez evitei seu olhar, talvez por derrota... talvez por vergonha. Isso fez voltar a ficar enfurecida e arremessar outro de nossos porta retratos contra a parede da sala. Eu a alcancei e a prendi entre meus braços antes que ela pudesse arremessar o próximo objeto, apertei-a com medo que escape... e antes que pudesse conter, as lágrimas escorriam pelos cantos de meus olhos pela primeira vez naquela noite.

Já passam das dez da manhã e meu estômago começa da dar sinais de vida, mas não ouso quebrar o silencio agora que ela parou de chorar novamente. De qualquer maneira, não tenho muito tempo para dar atenção ao meu estômago quando a vejo pegar seu casaco e sair à procura de sua bolsa pela bagunça que agora é meu flat. Eu me levanto e a seguro pelos ombros.
- O que você está fazendo? Você não pode ir... eu não posso... não consigo imaginar como seria sem você, o que seria daqui pra frente... – começo a beijar sua testa, pálpebras, bochecha com certo desespero. – Fica...
Deixo a frase morrer com a pressa de colar nossos lábios. Sinto-a rígida, seus lábios gelados, o gosto salgado das lágrimas recentes. Foi um beijo frio e sem vida, onde quase não me correspondia.
Ao fim ela começa a verdadeira despedida:
- Nunca achei que teria que imaginar meus dias e meu futuro sem você. Nunca fizemos nada separados desde que nos conhecemos e agora, de repente, tudo desmorona em nossas cabeças. – posso ver o brilho em seus olhos molhados, mas desta vez ela não permite que o choro recomece. – Eu sei que parte da culpa é, sim, minha, deixei você sozinho por tempo demais, não me empenhei em consertar as coisas e nós mal fazíamos sexo. No fundo eu esperava que isso viesse a acontecer, mas agora que estamos aqui, tudo que consigo pensar é nas mãos dela no seu corpo, sua boca no dela, ela nesse lugar, impregnando de perfume barato suas roupas e infectando não só todo o flat com lembranças ruins, mas também toda nossa história. Eu não consigo evitar a curiosidade torturante de saber como você se sentiu, se ela era melhor. - ela ergue a mão, detendo-me quando faço menção de falar. – O peso já está caindo sobre meus ombros e sobre meu peito, e eu sei que não vou conseguir esquecer, isso me força a ser fria. Mesmo prolongando as coisas e tentando de novo, eventualmente nós vamos nos tornar dois estranhos com essa assombração no meio de tudo.
- Eu amo voc...
- Amor não é a questão, .
- Eu sei. – deixo meus braços caírem junto ao meu corpo, soltando-a.
Não obtenho resposta pelos próximos segundos, mas não é preciso após cinco anos, consigo ver rapidamente em seus olhos antes dela se virar para pegar sua bolsa.
Do elevador ela chama um táxi, fria e distante ao meu lado, esforçando-se para me ignorar e arrependida de não ter tentado me deter de acompanha-la até a portaria. Assim ficamos enquanto aguardamos na portaria, o táxi parece não demorar muito e quer sair correndo.
- Me ligue se precisar de qualquer coisa. – em um último contato, deslizo a palma da mão pelo casaco sobre suas costas.
. - Você não deveria se superestimar tanto.
Ela esconde o rosto e se afasta para alcançar o táxi, suas sandálias soltas, o casaco amassado, cabelos levemente despenteados, olhos vermelhos e inchados, todos poderiam ver que estivemos chorando. Já acomodada no interior do automóvel, eu apenas a observei enquanto ela forçava um sorriso e acenava o que parecia ser o último adeus.
Suspiro vendo o carro se afastar e virar a esquina para só então retornar para o calor do pequeno prédio. Enquanto espero pelo elevador, alguns momentos com começam a vagar pelos meus pensamentos e eu volto para o flat sem saber como poderei desatar todos os laços que nos amarraram por tanto tempo.


FIM



Nota de Beta: Se virem algum erro de português/script/HTML, não usem a caixinha de comentários, me avisem por aqui: nellotcher@gmail.com



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