esfregou os olhos e se espreguiçou silenciosamente. Os braços abertos apalpando a cama, sentindo que havia algo de errado, parecia tão... Tão... Grande.
Sentou-se na cama assustado e machucou os olhos com toda a claridade que entrava pela janela.
Ah, sim. Lá estava ela, sentada, nua, no chão de madeira empoeirada encarando o que quer que estivesse na rua àquela hora. Sim, pois apesar da claridade, já eram onze da noite e só estava claro porque eles estavam na cidade que nunca dorme, cercados por luzes artificiais potentes que entravam no quarto quando a cortina estava aberta. E ela abrira para poder sentar no chão e encarar o que quer que estivesse na rua àquela hora.
parou de encarar o corpo nu antes que ela se virasse e o pegasse fazendo aquilo. Ao invés disso, alcançou um maço de Malboro na escrivaninha e achou aquilo muito apropriado para o momento, considerando o que eles tinham acabado de fazer, na verdade, relaxante.
Mas isso não era algo para se pensar sobre, quero dizer, o que eles tinham acabado de fazer. No fundo era vergonhoso por demais para se pensar sobre, afinal ela era e ele . Havia muitas diferenças aí para que fosse possível conciliar e, acreditem, eles já haviam tentado conciliar de todas as maneiras — sem resultados. Ou melhor, com muitos resultados como cortes, sangue, olhos roxos e para-lamas de carros estragados. Mas ela ainda pagaria por aquele último, com certeza. Todavia, admitia que havia um lugar onde eles se entendiam perfeitamente. Na cama. Ele estava se sentindo mais do que satisfeito e ela, bem, ela também se demonstrara bastante satisfeita há poucas horas. Tanto que até um sorrisinho se formava na cara de ao lembrar daquilo.
- Mais quarenta e cinco minutos. Algo a dizer?
perguntou repentinamente, sem tirar os olhos da janela. ficou totalmente deslocado com a pergunta, talvez ela estivesse falando sobre algo antes e ele nem tivesse prestado atenção.
- O que você disse?
- Mais quarenta e cinco minutos. Algo a dizer?
Ela se virou e observou-o, que só conseguiu encarar os peitos dela e suspirar. tinha repetido a mesma frase de antes, o que não o ajudava muito. A expressão perdida dele fez suspirar cansada e levantar-se para ir para a cama.
- Você sabe que dia é hoje, não sabe?
- Não.
Ele falou levantando o cobertor para que a garota pudesse se sentar ao lado dele. Ela apenas se sentou, ainda nua, por cima dos cobertores e perto das pernas dele.
- Vinte e um de dezembro? Dia do fim do mundo.
- Ah, claro. Maias e tudo mais. Só gente idiota acredita nisso, eu nem lembrava mais.
falou com a típica voz de convencimento que fez rolar os olhos.
- Eu acredito que irá acabar. Até porque, se não acreditasse, não estaria aqui hoje.
- O que você quer dizer?
- Que eu só dormiria com você, , com a certeza de que isso seria a última coisa pra fazer.
Ela falou toda cheia de si, como se tivesse feito alguma espécie de favor a ele. Mas não parecia com um favor quando ela gemia e balbuciava frases desconexas há pouco.
- Então era isso que você estava fazendo naquele bar? Sabia que eu frequentava e foi me seduzir no fim do mundo?
O sorriso cafajeste se formando no rosto dele. não entendeu, porque aquele era o sorriso que ele usava com as cheerleaders e com as garotas da faculdade, não com ela, para ela era sempre um grasnar de dentes raivoso. Ele também não entendeu aquele sorriso idiota, mas arrumou uma explicação mais simples para aquilo como “é o fim do mundo, minha última chance de dar esse sorriso, logo, que seja mesmo para , ainda que ela não mereça!”
- Como é convencido! Eu só estava lá pra me livrar da minha avó. Acredite ou não, os planos dela eram rezar mil Ave-Marias de joelho na Igreja até a meia noite. Eu decidi aproveitar meu fim do mundo de outra forma.
- Comigo!
- Não exatamente. Mas já que foi tudo o que apareceu...
- Isso não é verdade, você bem sabe que eu não era o único que estava dando em cima de você mais cedo naquele bar, então eu fui seu escolhido.
não sabia por que, mas ficava feliz da vida tirando aquelas conclusões sobre . Talvez porque aquilo a deixava irritada e nervosa.
- Bem, aquele bar era uma nojeira, você era o único que parecia escovar os dentes por lá. Não foi por escolha, , foi só um caso de eliminação.
- Ainda me considero o escolhido.
Ela rolou os olhos novamente e voltou o olhar para janela. Os dois se calaram por um tempo. Faltavam apenas trinta minutos e nada havia acontecido ainda, o que era um tanto frustrante, mas estavam aliviados também.
Porém, subitamente, enquanto os dois encaravam as luzes da cidade que nunca dorme, tudo ficou escuro. soltou um pequeno gritinho e pôs a mão nos lábios. Eles ficaram imóveis pelos minutos que se seguiram, mas nada aconteceu, parecia que fora só um blackout. Em Nova York.
alcançou o celular que estava na mesinha e a luz foi suficiente para que eles ao menos se enxergassem.
- Um blackout em Nova York é meio como o fim do mundo, não? Só acho estranho que os Maias tenham previsto eletricidade.
recebeu um tapa estalado no braço depois dessa e cie) lhe tirou o celular da mão, indo até a janela.
Ele vestiu a boxer azul marinho, porque não tinha coragem de sair nu pelo quarto como ela, ainda mais naquele frio, e parou atrás de na janela.
- O que você está fazendo?
- Esperando que alguma coisa aconteça.
- Tipo, Deus ou algo assim?
- Não sei, ! Algo devia acontecer, não?
- Bem, não faço ideia. Quem sabe tudo de fim de mundo é você.
Ela estava começando a se arrepender de não estar com a avó, rezando. Afinal, era só o babaca da turma de História do terceiro ano, ela não conseguia achar nenhum motivo decente para estar ali com ele àquela hora, ao menos que fosse o fim do mundo. Então precisava ser.
- Vai ficar encarando essa janela por muito mais tempo? – ele começava a ficar impaciente com aquela história do fim do mundo. Nem mesmo acreditava nisso. – Poderíamos fazer algo mais interessante nesses nossos últimos minutos.
Sentiu os braços de entrelaçarem-na por trás, o queixo dele pousado em seu ombro. Ela só se desvencilhou.
- Não quero que Deus desça a Terra e me pegue transando com você!
- Você acredita mesmo que Deus vai descer a Terra?
suspirou nervosa. Por um tempo, ela pensou que aquele jeito de tapado fosse só de brincadeira, para ser o engraçadão da turma, mas naquele momento acreditou mesmo que aquele garoto só podia ter algum retardo mental.
- , eu já levei isso na brincadeira a noite toda, vamos falar sério agora. Você não acredita mesmo que algo vai acontecer, né?
- Óbvio que algo vai acontecer, . Bíblia, Maias, Nostradamus! Não estão todos errados.
tapou o próprio rosto com as mãos, desistindo. Aquela garota era louca, sério. Completamente doidinha varrida.
- Tenho direito a só uma pergunta? Só uma última?
- Sim. E espero mesmo que seja a última.
- Se nada acontecer hoje...
- Vai acontecer!
- Tá, claro. Mas supondo que nada aconteça e Deus não surja e nem nada... você também vai esperar pelo Papai Noel no natal?
Ele gargalhou. Ouviu-a dar um urro de raiva e esperou por um tapa, mas foi pior. O que recebeu foi o telefone celular na testa, que bateu, doeu e ainda por cima desmontou todo, deixando os dois num breu completo.
- Você é louca, ! Olha o que você fez!
- Você é retardado, . E, por favor, me deixe em paz.
No momento em que eles pararam de gritar e espernear como malucos, um silêncio incrível, como nunca antes houve, instalou-se.
- Vou deixar. Mas fica quietinha esperando seu Deus, que eu vou dormir. E quando ele chegar, me avisa. Eu tenho umas coisinhas pra conversar com ele.
- Pode deixar que eu aviso.
não esperou de verdade que fosse dormir, mas brigar com o deixava tão cansado que assim que deitou a cabeça no travesseiro, ele adormeceu.
ainda queria que algo acontecesse. Seria melhor do que acordar no outro dia sabendo que dormiu com . Aliás, quão bêbada ela estava quando ele a seduziu até aquele hotel xexelento?
22/12/12
Nada aconteceu, para decepção de , mas ela não estava acordada para perceber aquilo.
começou a sentir frio de manhã e foi o primeiro a acordar desta vez. Percebeu que a espertinha pegara o cobertor com o qual ele se cobria e estava enrolado nele, sentada dormindo perto da janela. se perguntou por que ela não tinha colocado a roupa e sentado ao invés de roubar seu cobertor.
E, claro, nada havia acontecido. Já eram oito da manhã e tudo estava na perfeita calma habitual, os letreiros das lojas já estavam funcionando então a energia também havia voltado.
Ele ficou com pena de arrancar o cobertor da garota, embora ela tivesse feito aquilo com ele sem titubear, então pegou suas roupas e foi tomar um banho quente. Mesmo demorando muito, ainda estava dormindo quando ele terminou.
- Hey, ?
Ele a chacoalhou pelo ombro e ela abriu os olhos lentamente, fechando-os em seguida, decepcionada. Teria que conviver eternamente com a lembrança de ter dormido com . Malditos Maias e suas informações erradas.
- Vamos pra casa?
Ela levantou-se sem dizer palavras e vestiu as roupas. Ajuntaram os pedaços de celular do e ele a alertou a pagar por aquilo no mesmo dia em que ela fosse pagar pelo para-lamas do carro. logo percebeu que precisaria de muitas horas extras se realmente fosse fazer aquilo.
Eles embarcaram no carro, desconfortáveis. também sentia que aquilo não estava certo, por mais que tivesse dado certo na última noite. Enfim, ele estava bêbado e agora não estava, isso mudava as coisas.
- Nunca aconteceu, tá bem?
Ela falou quando chegaram à porta de um edifício não muito expressivo no centro de NY. Na verdade era um prédio meio velho, sem porteiro.
- Nunca aconteceu.
repetiu, percebendo que finalmente eles concordaram em algo.
- Porque caso você algum dia pense que aconteceu, saiba que eu te medi ontem à noite. E posso contar pra todo mundo.
Ela o encarou ameaçadora até perceber a cara assustada de dele, que rendeu um sorriso a ela. Desceu do carro em direção ao prédio enquanto ia para casa. Droga de Maias e Nostradamus!
Fim
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