Autora: Maressa | Beta: xGabs Andriani




lembrava-se de tudo naquele instante. A memória mais antiga era de quando tinha cinco anos. Nela, sua mãe dizia para ela parar de correr pela casa e, ela desobediente, corria do quarto para a sala e de volta para o quarto. Na terceira volta, ela acabou escorregando em uma ponta solta do carpete que cobria seu quarto e rasgou toda a boca ao ir direto para o chão. Sua mãe ficou furiosa quando ouviu o barulho e ela se lembrava do quão assustada tinha ficado. Levantara-se do chão e sentara na cama, chorando, tentando fazer a boca parar de doer. Quando a mãe entrou no quarto, correndo e preocupada, ela pediu tantas desculpas que todo o queixo ficara tão cheio de sangue que pingava na camiseta que ela usava.
Enquanto elas iam para o hospital de taxi minutos mais tarde, sua mãe segurava uma toalha em sua boca, aninhando-a e cantando sua música favorita da Pequena Sereia, seu filme favorito. Sua mãe sempre fora assim, intensa. puxara isso dela. Mas, ao contrário da mãe, que era forte como uma leoa, era apenas uma garotinha assustada. Ela sempre fora a pessoa mais covarde que conhecera. Outra lembrança que a invadia naquele momento era de quando tinha sete anos e conhecera uma de suas melhores amigas, . Era uma terça-feira, e lembrava-se bem disso porque tinha faltado na escola por estar doente. Mesmo assim, quando a mãe foi preparar o jantar, ela escapou para o jardim, para ver a neve cair sobre o boneco que ficara a tarde inteira de domingo fazendo com o pai. Por algum motivo, estava ali, brincando com o boneco.
lembrava-se de ficar encarando , vendo-a brincar com o seu boneco até não aguentar mais.
- O que está fazendo com esse boneco? Ele é meu! - ela havia dito.
- Ele estava aqui sozinho e não tinha o nome de ninguém, então eu o peguei para mim. Seu nome é Thomas agora - dissera , os pequenos olhos pretos desafiando-a.
Naquele momento, sentiu medo, ela lembrava-se muito bem. Parecia ter sido paralisada no lugar de tanto medo que tinha daquela menina da sua idade e que era ainda menor que ela, que já era considerada baixinha. Queria correr para os braços da mãe e nunca mais sair de casa, mas então, de uma hora para outra, sorrira. Não fora um sorriso grande, apenas um canto de sua boca se mexeu levemente para cima, por um segundo, mas interpretou isso como um sorriso. E então ela não sentiu mais medo; na verdade, se sentiu bastante entusiasmada para fazer amizades.
- Eu me chamo - ela falara, andando até a menina e lhe estendendo a mão, como via seus pais fazerem.
- E eu sou - respondeu a menina, ignorando a mão de e apontando para a casa ao lado. - Eu moro bem ali.
se lembrava de ter começado a falar algo, mas então sua mãe a chamou e ela apenas acenou para e correu para dentro de casa. Depois disso, tornou-se amiga de , e um ano depois, e se juntaram a elas. E desde o dia em as quatro se juntaram, nunca mais separaram-se.
também lembrava-se muito bem de quando ela tinha nove anos e os gêmeos nasceram. Ela estava na escola quando seu pai fora busca-la, e ele parecia tão alegre e não parava de sorrir. Quando eles chegaram ao hospital, ela se lembrava de ter apertado a mão do pai tão forte que não conseguiria soltar nem se quisesse.
Mas ela conseguiu soltar, quando viu aquela sala cheia de bebezinhos. E ai tinham aqueles dois que estavam em berços iguais que eram tão bonitos e fofos e tinham as peles mais macias que ela já havia tocado.
- Esses são meus novos irmãozinhos, papai? - perguntou ela ao seu pai, que estava ao seu lado.
- Sim, eles são - ela lembrava-se dele ter falado, sorrindo tão orgulhoso que não sentiu medo, naquele momento.
E então vinha a lembrança do seu primeiro dia no ensino médio e de como ela estava com medo, mas guardava isso apenas para si fingindo que estava tudo bem. Ela lembrava-se de ter ficado o dia anterior inteiro procurando pela roupa perfeita e de não ter conseguido dormir de tanto medo por não saber o que esperar. Mas assim que pisara no colégio, ela mandara no lugar. A verdade é que ela estava tão nervosa que não sabia como agir, então apenas fazia o que sabia que todos gostariam que ela fizesse.
E, por último, ela lembrava-se muito bem do dia em que conhecera . Ele era tão perfeito e lindo e fazia borboletas voarem em seu estômago apenas com um olhar. Eles estavam em uma festa e ela sorria para todos os amigos que conquistara. Quando foram apresentados, lhe falaram que ele tinha dezesseis anos, como ela, porém mais tarde ela descobrira que ele estava prestes a completar dezoito e que repetira o primeiro ano. Tudo era perfeito quando eles estavam juntos. Ela fizera-se de difícil por três encontros, claro, e só o deixara beijá-la de verdade no quarto, quando ele a levou a um parque de diversões. Aquele fora um dos dias mais divertidos de sua vida. fora com ela em todos os brinquedos e até deixou que ela ganhasse dele em alguns jogos. Eles foram a uma cabine e tiraram inúmeras fotos, se prendendo lá dentro de propósito e fazendo um segurança os expulsarem de lá. Ela rira tanto que sua barriga doera e, quando voltou para casa tinha tantas lembranças que mal podia dormir. Seu sorriso também não a deixava.
Agora, ela tinha ainda mais lembranças de seus momentos com , embora eles só tivessem passado três meses juntos. Uma vez eles foram a um restaurante fora da cidade e não parava de olhá-la e dizer o quão bonita ela ficava com o vento bagunçando seu cabelo cacheado e tornando-o tão alto quanto a juba de um leão. Outra vez, eles dançaram em uma ponte da cidade, enquanto chovia e fazia tanta névoa que ela não conseguia ver os próprios pés.
Ela lembrava-se da risada de e de como isso a fazia rir junto e teve uma vez que ele apanhara em uma boate por protegê-la de um cara idiota e quando eles foram expulsos, ela riu de toda a situação, o que fez ele rir junto a ela, e então reclamar que seu lábio doía, o que a fez rir até que ele a beijasse, alegando que a saliva dela curava até os demônios mais obscuros dele. Quando eles fizeram três meses de namoro, ele lhe dera um pequeno pingente que era um pássaro. Agora, ela encarava aquele mesmo pássaro em seu pescoço e não conseguia parar as lágrimas que lhe invadiam os olhos.
Ela estava desesperada. Não queria se lembrar de nada daquilo; não queria nenhuma daquelas lembranças estúpidas atormentando-a. Não queria lembrar-se de tudo que passara até aquele instante, só queria esquecer-se de tudo e acabar com aquele enorme e impreenchível vazio.
Mas ao mesmo tempo em que pensava nisso, ela sabia que aquele vazio não era tão impreenchível assim. Ela não o sentia quando estava com . Não, ela nunca o sentira enquanto estava entre os braços dele.
Onde estavam os braços de agora?
Onde estava ele com seus beijos que espantavam os demônios dela? Porque ela precisava disso. Oh, ela precisava muito de agora. Porque os demônios não estavam dando folga. Não, eles queriam mais. Ela os sentia dentro de si, alimentando-se de sua vivacidade, roubando tudo que ela tinha de bom e transformando tudo em horríveis cenários que ela não podia parar de ver ao fechar os olhos.
Ela desejava que nada daquilo nunca houvesse acontecido. Desejava que tivesse ficado longe dela. Mas ao mesmo tempo, queria-o ali. Ela estava tão, mas tão atormentada!
Não podia mais ficar daquele jeito, e nisso seus demônios pessoais concordavam. Ela estava cansada das lágrimas que tanto escondia, ultimamente. Sim, ela podia senti-los vibrando dentro de si, implorando-a para realizar o sonho deles. Ela não queria fazê-lo. Aquela era a última coisa que queria fazer.
Mas que escolha ela tinha?
O que tinha lhe sobrado?
Onde estava sua mãe agora? Suas amigas? Seu pai e os gêmeos? ?
Ela estava sozinha. Não, ela tinha seus demônios. E eles prometiam que tudo ficaria bem depois que ela realizasse seus sonhos. O que ela poderia fazer senão ceder?
Então ela apenas respirou fundo e tomou seu rumo. Se arrumou de um jeito que não se arrumava a tempos, colocando o vestido que mais gostava, se maquiando até mais forte que o normal. E, sorrindo para seu reflexo no espelho, tentando ter a confiança que não tinha, se despediu de si mesma.
Com as mesmas lágrimas que só ela via, toda noite, se sentou no chão. Escreveu pela última vez um último aviso que nunca seria visto. E, fechando os olhos, pôs um fim a própria vida.


FIM





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