MAMA


"A night sky full of cries
Hearts filled with lies
The contract...
Is it worth the price?
A soul pledged to the darkness
Now I've lost it
I know I can kill
The truth exists beyond the gates"

N/A.: pra quem não conhece EXO aqui vai uma ajudinha: montagem os meninos, MAMA K, MAMA M. Recomendo que assistam os dois vídeos pra fic ficar mais legal/ Fanfic baseada em "Darker Than Black". :)

1 – O desaparecimento

- Você viu o jornal hoje de manhã? Eu queria saber a previsão do tempo... - perguntei inutilmente para . Ela sequer notava minha presença, apenas continuou observando as torradas na mesa - O que você está fazendo?
- Aí! Não me bate... - ela reagiu ao tapa que dei de leve em sua cabeça, batendo em minha outra mão, que segurava a xícara de café - Eu estava pensando sobre umas coisas que li ontem na internet.
- Você e essa sua mania... Qual é a grande descoberta do dia?
- Não fale assim! Eu gosto de saber sobre as coisas e... - eu a interrompi, pedindo que fosse direto ao assunto – Bem, existem uns boatos, mas que parecem muito verdadeiros, dizem que não existem mais árvores de verdade no mundo.
- E o que são essas coisas com troncos e folhas que a gente vê todo dia, então? - perguntei rindo dela, o que a deixou levemente emburrada.
- Você é muito chata, sabia? Não acredita em nada. Aposto que você nem sonha. - ela deu as costas para mim, cruzando os braços e fazendo um bico enorme.

Como de costume, tomamos café da manhã juntas. Gostávamos de fazer isso sempre que possível, sempre que eu passava a noite em casa. Ambas éramos órfãs e crescemos juntas no mesmo abrigo. era uma garota sonhadora e extremamente enérgica, enquanto eu, bem, eu era racional e realista. De fato, eu não acreditava em quase nada, a não ser aquilo que pudesse ser provado pela ciência. O problema é que só o fato de sermos amigas já era um desafio à lógica, já que éramos opostos totais. Eu trabalhava como investigadora da polícia, enquanto ela era uma cientista do governo. O que também me fazia pensar que não fazia sentido algum, já que uma pessoa envolvida no mundo da ciência não deveria pensar como ela. Mas, de certa forma, era isso que mantinha nossos laços fortes, pois assim como ela precisava de alguém para mantê-la com os pés no chão e focada em sua carreira, eu precisava de alguém que me tirasse da rotina e do marasmo, que me ajudasse a viver.

- Dizem que as árvores são criadas pelo Governo, que eles as criaram mais de cem anos atrás, quando as antigas árvores foram extintas. - ela continuou a explicação - Por isso que as flores não têm perfume nenhum.
- Flores com perfume? Mas os perfumes são feitos, eles não podem sair de uma flor. - pra variar eu não conseguia entender de onde tirava aquelas teorias absurdas.
- Para! Me escuta. Existem alguns livros antigos na biblioteca reservada, na sede do Governo, e eu consegui ler um pedaço de um deles, e lá dizia que as flores eram perfumadas, que as frutas eram doces, algumas até azedas, mas elas tinham gosto e eram comestíveis. E também dizia que havia milhares de espécies em todo o planeta, que espécies diferentes existiam em diferentes continentes do planeta, conforme o clima e tudo o mais. Na época eu achei que fosse besteira, afinal de contas, onde já se viu, continentes? - ela fez uma pausa e deu uma risada – Todo mundo sabe que continentes fazem parte histórias de ficção, mas enfim, ontem eu encontrei esse artigo na internet, em um blog, e ele dizia que as árvores atuais são sintéticas, apenas cópias das antigas, como clones.
- Ok, chega, você não vai me convencer sobre a existência de continentes ou flores com perfume. Nada disso é possível, nosso mundo é um só, e sempre foi assim. Não existe nada além dos mares, todo mundo sabe disso. E frutas comestíveis é quase como dizer que no passado as pessoas comiam pedras.
- Eu sei que isso parece impossível, mas eu estou pesquisando e... - eu interrompi a fala dela, pondo meu dedo em frente a sua boca.
- Por favor, , nós já falamos sobre isso, você tem um cargo importante, não o arrisque por besteiras como essa.
- Eu sei, mas...
- Vamos, ou então você vai chegar atrasada. – levantei-me da mesa em que estávamos tomando café, deixando o dinheiro lá – Hoje é por minha conta. Agora vamos logo.

Ao levantar, não pude deixar de notar o homem que acabara de entrar e se dirigia à mesa ao nosso lado. Ele passou me encarando com aqueles olhos finos, quase fechados. A íris negra era ressaltada pelas enormes bolsas que se formavam abaixo dos seus olhos. Os cabelos extremamente negros, com uma franja cobrindo a testa, davam ao seu rosto um ar sério e misterioso. O corpo magro e esguio parecia extremamente frágil, mas pude notar os músculos levemente marcados pelo tecido da roupa. Devia ter algo em torno de trinta anos, talvez até menos. Após cruzar comigo, ele abaixou levemente a cabeça e se dirigiu até uma cadeira, sentou e logo pegou um cardápio.
Após um curto período de tempo, notei que um garoto adentrava a cafeteria, indo na mesma direção. Tinha olhos cerrados, assim como o primeiro, porém um pouco maiores. Era mais baixo e seus lábios eram bem desenhados, um pouco finos e ligeiramente arqueados, fazendo com que ele exibisse um sorriso leve e natural.

- Ei, vamos? - puxou-me pela mão, fazendo com que eu desviasse minha atenção daquelas duas pessoas, que agora começavam a conversar.

Nós deixamos a cafeteria com pressa e seguimos nosso caminho. Não trabalhávamos no mesmo local; ia para a Sede, enquanto eu seguia em frente, rumo ao Departamento de Polícia.
Para chegar até lá, nós precisávamos pegar o trem, e como eu odiava aquilo. Deixava-me ansiosa. A sensação de ficar ali parada, sem poder controlar a direção ou a velocidade. Tudo era irritante.

~x~

O dia anterior havia sido um pouco movimentado, eu havia encerrado um caso importante com êxito, por isso pude voltar para casa e descansar por um bom tempo. Mas isso não significava que os problemas haviam acabado. A cada dia que se passava os crimes aumentavam. A maioria eram crimes menores, como furtos ou brigas em locais públicos, mas vez ou outra apareciam casos de pessoas desaparecidas. Até então, nenhuma dessas pessoas havia sido encontrada, até ontem, na verdade, quando eu encontrara uma delas.
Descrever o ocorrido era realmente difícil e meu problema era que eu precisava fazer um relatório para entregar aos meus superiores.
Eu ainda estava confusa com o ocorrido, minhas lembranças pareciam nubladas. Era como se as memórias em minha cabeça estivessem embaçadas.
A pessoa desaparecida era uma garota. Eu tinha conseguido algumas pistas que indicavam sua localização. Quando a encontrei, em um prédio velho e abandonado, na periferia da Colônia, ela estava parada com uma mão encostada na parede. Eu me atentei a esse detalhe, pois ela estava completamente imóvel, olhando para o chão com um olhar vago.
Quando eu me dirigi até ela, não obtive nenhuma reação. Tudo que ela fez foi direcionar aquele olhar vazio para mim. Ela sequer falava. Mas continuava com a mão na parede.
Meus pensamentos não conseguiam se desviar daquele olhar vazio, sem sentimento algum. Como uma pessoa podia ser capaz daquilo? Era simplesmente impossível. Não havia nada, nem um único sinal de qualquer coisa que fosse naqueles olhos. Era como se ela estivesse morta, mas ainda estava de pé, movia-se e respirava.
Depois de um tempo ela disse uma única frase: “Eles estão aqui, fui encontrada.”, e se calou novamente.

~x~

Chegando à delegacia, dirigi-me à minha sala, mas não pude deixar de notar a movimentação atípica nos corredores. Algo estava acontecendo. Segui meu caminho pelo prédio, sem dar muita atenção, afinal de contas, eu tinha que fazer aquele relatório, e não seria nada fácil.

Minha surpresa foi enorme ao me deparar com um grupo de homens com ternos pretos parados em frente à porta da minha sala. Eu nunca os havia visto antes. - Bom dia, senhorita . Creio que nossa visita seja um pouco inesperada, porém, temos assuntos de extrema importância para tratar. Poderia nos acompanhar, por gentileza? - o homem que aparentava ser mais velho dirigiu-se a mim.
- Eu tenho um relatório para entregar até o final do dia, infelizmente não será possível minha colaboração no momento. - tudo que eu queria era entrar e preencher toda aquela papelada.
- Desculpe, senhorita, mas terei de ser insistente, nós realmente precisamos.

Eu não consegui me lembrar de mais nada depois daquilo. Minha próxima lembrança era de acordar em uma sala branca, deitada em uma maca. Não havia móveis, exceto um gaveteiro, branco, como tudo naquele cômodo.
Minha visão estava levemente embaçada e eu me sentia extremamente zonza. Tentei me levantar, mas minhas pernas não estavam firmes o suficiente, por isso acabei caindo, batendo meus joelhos e minhas mãos contra o chão. Observei o chão branco e liso por alguns segundos, até que um pequeno círculo vermelho que se formou chamou minha atenção. Outras pequenas circunferências vermelhas começaram a aparecer e só então eu notei que era o sangue que escorria de meu nariz. Eu tentei fazer alguma força para me levantar novamente, mas eu não conseguia, meu corpo estava fraco e eu me sentia completamente exausta.
Acabei me deixando vencer, joguei-me contra o chão, caindo em cima das gotas de sangue e adormecendo.

Acordei novamente, na mesma maca, na mesma sala branca, mas dessa vez havia pessoas na sala, todas vestidas de branco. Eu não conseguia identificar os rostos, pois havia uma luz forte direcionada a mim. Mas pude escutar parte da conversa.

- Nós já fizemos todos os testes, ela é forte, mas certamente não agüentará mais do que isso. - disse o homem mais baixo.
- Vamos apagar a memória dela e mandá-la de volta para a polícia. - o outro homem disse.
- Não, ela pode ser útil, mesmo não tendo certeza de que ela é capaz de entrar no Portão do Inferno sem sofrer danos, ainda acho que ela seria extremamente útil em nosso programa. - disse um terceiro homem, o mais alto de todos.
- Ela tem família ou alguém que possa notar sua ausência? - um deles falou, mas dessa vez não tive certeza de qual dos três era.
- Não, os pais morreram em um acidente e ela não possui nenhum parente próximo, pelo que consta nas fichas. Há relatos de que ela é vista com frequência com uma cientista do Governo, mas isso não seria problema, as memórias que ambas tem uma da outra poderiam ser apagadas por Luhan com facilidade.
- Ah, parece que ela acordou mais uma vez, realmente é muito resistente, talvez ela possa aguentar passar pelo Portão...

Mais uma vez eu não pude escutar o restante da conversa. Um dos homens aplicou uma injeção em meu pescoço, fazendo com que eu apagasse novamente.


Não sei dizer quanto tempo se passou, muito menos o que aconteceu. Tudo que eu sei é que eu acordei em quarto totalmente diferente da sala branca. Havia uma janela, a julgar pela luz alaranjada vinda das frestas da veneziana deveria estar entardecendo, pois aquele brilho era obviamente o pôr do sol. Ao lado da janela havia um móvel com um vazo de flores em cima. Quando direcionei meu olhar para o outro lado da sala, vi um garoto sentado em uma poltrona. Ele estava me encarando, sem demonstrar nenhuma expressão. Ao notar que eu estava acordada, ele se levantou e saiu da sala, sem falar uma palavra sequer.
Minha primeira reação ao vê-lo passar pela porta foi tentar levantar para sair daquele lugar. Eu não entendia o que estava acontecendo, mas eu precisava sair dali.
Minhas pernas ainda estavam cansadas, mas agora eu já conseguia me manter de pé e andar. Eu estava vestindo apenas uma camisola verde clara. Meus pés descalços encostados no chão gelado me faziam tremer de frio. Peguei a coberta que estava na cama, cobri minhas costas e saí do quarto.
Aparentemente eu estava em um hospital estranhamente vazio. O corredor largo e comprido em que eu seguia tinha várias portas, todas elas dando para quartos quase que idênticos ao que eu estava. Andei por meia hora pelo corredor, sem nenhum êxito. Não havia um fim, nem uma saída, nem mesmo uma sala ou um quarto que se diferenciasse. O garoto que eu vi também não estava em lugar nenhum.
Um desespero incontrolável começou a tomar conta de mim, eu não fazia ideia de onde eu estava; eu nem sabia se aquilo tudo era real. Poderia ser um sonho, um pesadelo, um devaneio. Mas parecia tão real. O cansaço em meu corpo fazia com que eu não duvidasse da veracidade daquilo. Foi inevitável, comecei a chorar. Chorei desesperadamente, chorei como uma criança que acaba de notar que se perdeu dos pais em uma multidão. Chorei até que meus joelhos cedessem e eu caísse no chão. Fiquei encostada na parede, totalmente inconsolável, até que senti uma mão em meu ombro. Era outro garoto. Ele tinha um sorriso leve e amigável. As linhas do seu rosto eram delicadas e levemente afeminadas. Ele tinha olhos grandes, levemente puxados nas pontas e seu cabelo era castanho claro, quase loiro.
- Olá, meu nome é Luhan. - ele se apresentou enquanto usava uma de suas mãos para secar minhas lágrimas. - Me desculpe por Kai, ele deveria ter se apresentado, mas ele não se sente muito confortável quando entra na mente das pessoas.
- Mente? Quer dizer que tudo isso está acontecendo dentro da minha cabeça? - eu perguntei, confusa.
- Sim, mas não se preocupe, nós somos reais, e você ainda está viva. Nossos poderes apenas foram combinados para que pudéssemos entrar em sua mente para fazermos alguns testes.
- Espera, você é o tal Luhan, aquele que iria apagar minhas lembranças de , eu me lembro da conversa. - eu me desvencilhei das mãos dele, tentando me levantar para me afastar.
- Não adianta, você pode até correr, mas nunca vai sair daqui. E se por acaso sair, será trazida de volta por Kai. - ele disse, pegando em minha mão mais uma vez. - Por favor, colabore conosco. Eu não irei apagar nada da sua memória. Só preciso ter certeza de que você está pronta. - o sorriso, antes estampado em seu rosto, sumiu por um instante.
Então vi o primeiro garoto se aproximar, aparentemente seu nome era Kai e ele não era um indivíduo de muitas palavras. Assim como Luhan, era muito bonito, com uma aparência bem jovem, cabelos escuros, quase negros. Sua pele era ligeiramente mais escura, mas não parecia ser bronzeada, deveria ser sua cor natural. Seu rosto era um pouco mais alongado e não tão delicado quanto o do outro.
- Vamos embora, é hora de voltar. A simulação já acabou. - Kai disse para o outro.
- Tudo bem. Hora de voltar para a realidade, . - Luhan se dirigiu a mim com aquele sorriso acolhedor de volta ao seu rosto.


Eu acordei em uma sala, dessa vez totalmente reconhecível. Com certeza aquele era um laboratório do Governo. Eu sabia, pois era muito semelhante ao local onde trabalhava. Todo o maquinário em volta, a luz pálida azul que tomava conta do local e os pontos de luz branca focada em cima de cada maca. Todas aquelas telas mostrando imagens, gráficos e números que eu não era capaz de compreender. Havia câmeras por todos os lados.
Finalmente eu sentia que tinha controle total do meu corpo e não estava mais tão exausta como antes.
Olhei a minha volta, havia mais duas macas, pude ver ambos os garotos que estavam em meu sonho deitados nelas, pareciam estar adormecidos. Seus rostos calmos não demonstravam que iriam acordar tão cedo.
Arranquei todos os tubos e agulhas que estavam conectados a mim e senti um leve ardor ao fazê-lo. Eu estava usando exatamente a mesma camisola do meu sonho. Peguei um chinelo que achei próximo ao local em que eu estava deitada e saí correndo.
Havia pessoas por todo o lugar e eu sabia que nenhuma delas iria ignorar minha presença. Por isso tentei me esgueirar, até chegar a uma escada de incêndio. Eu precisava sair daquele lugar o mais rápido possível, antes que me prendessem novamente e me fizessem ficar inconsciente mais uma vez.
Mas eu sabia que usando aquelas roupas e na situação em que estava eu não tinha como sair dali, então tudo que me restava era achar . Eu tinha certeza que aquele era o prédio onde ela trabalhava, eu só precisava lembrar qual era o andar. Eu tinha uma vaga lembrança de ser o quarto, então desci as escadas correndo, enquanto, ao longe, alguns homens me perseguiam. Depois de descer por alguns lances, ao adentrar pelo corredor, muitas pessoas começaram a me encarar. Mas a sorte finalmente estava ao meu lado, vi saindo de uma das salas e seguindo em frente. Juntei todo o fôlego que me restava e corri atrás dela.
- ! - eu gritei, sem me importar com todas as pessoas que me observavam, provavelmente já desconfiadas de que eu não deveria estar ali – Me ajude!
virou-se e logo que me viu veio em minha direção, abraçando-me.
Ah, como era bom sentir aquele abraço, finalmente eu tive certeza de que tudo era real e que eu estaria segura, eu sabia que ela iria me ajudar. Deixei que meu corpo descansasse nos braços dela, mesmo sabendo que ela provavelmente não aguentaria me segurar.


Acabei por perder a consciência mais uma vez. Mas quando acordei, dessa vez, eu sabia que estava segura. O quarto onde eu me encontrava era de . Eu estava na casa dela. Já não vestia mais a camisola verde, mas sim um de meus pijamas. Levantei-me com calma dessa vez, aproveitando a sensação de segurança e tranqüilidade. Abri a janela e observei a paisagem. Tudo que se podia ver de lá eram prédios e mais prédios, mas eu não me importava no momento. Eu estava salva.
Saí do quarto em busca de , eu precisava conversar com ela. Eu precisava contar tudo que havia acontecido para ela.
Quando cheguei à cozinha, entrei em choque. estava lá, sentada à mesa, conversando com Luhan, o garoto que havia entrado em minha cabeça.

- Ah, , que bom que você acordou! O Luhan já estava de saída. Ele queria ter certeza de que você estava realmente bem. - ela disse, calmamente.
- Você? O que você faz aqui? – por um segundo descontrolei-me e gritei.
- ?! Como assim, o que é isso? Ele ajudou você! Ele me ajudou a carregá-la até em casa quando você desmaiou nos meus braços, você deveria agradecê-lo!
- Ele não é quem você pensa, ! Ele... - enquanto eu falava, Luhan se levantou.
- Não se preocupe, é normal que ela fique um pouco transtornada, como você disse, ela estava desaparecida há algum tempo. Eu preciso ir. Acho que vocês duas têm muito que conversar. Boa noite. - ele se despediu, fazendo uma reverência antes de se dirigir até a porta para sair.

- , você é impossível! Às vezes eu não sei o que fazer com você. - se virou para mim, após trancar a porta – Como pode ser tão grossa e escandalosa? Você nem ao menos o conhece!
- Claro que eu conheço! Ele estava dentro da minha cabeça. Ele e o outro garoto, o tal Kai. - eu tentei me explicar, sem me atentar muito ao que estava falando.
- , calma, você estava desaparecida por três meses. Eu não sei o que aconteceu com você, mas é normal que esteja meio confusa; você está anêmica e com vários ferimentos. Sei que você deve ter passados por momentos difíceis, mas vamos tentar nos focar na realidade.
- Três meses? Como assim? Ontem mesmo nós estávamos na cafeteria, você ficou no seu trabalho e eu fui para a delegacia e... - me interrompeu, abraçando-me.
Eu estava confusa, não entendia nada. Como poderia ter passado três meses desde aquele dia?
me conduziu até o sofá, onde nos sentamos. Eu encostei minha cabeça em seu ombro, enquanto as lágrimas rolavam pelo meu rosto.
- Calma, , vamos esquecer isso por enquanto certo? Você precisa descansar mais. Agora não é hora para discutirmos. O que acha de assistirmos um filme? - eu balancei minha cabeça em um sinal positivo.


2 - A Armadilha

Passei os dias seguintes na casa de . Eu ainda estava um pouco fraca e instável. Ela tirou um tempo de folga e ficou cuidando de mim. Durante todos aqueles dias nós não tocamos no assunto do meu desaparecimento uma vez sequer; ela não perguntava nada e eu ignorava os acontecimentos. Não sei se era o certo a fazer, mas eu ainda não estava preparada e sabia que ela não me daria ouvidos, não ainda.

- Eu preciso contar uma coisa pra você. - disse, enquanto cortava alguma coisa que usaria para fazer o jantar.
- Fale... - ela era cheia de rodeios quando queria contar alguma coisa importante, sempre fazia um suspense enorme, de certa forma isso me irritava um pouco, mas naquela ocasião era muito mais perturbador.
- Eu estou saindo com um cara. - ela disse, com o olhar baixo, observando a faca em sua que repousava sobre a mesa.
- Quem? Desde quando? – meu tom de voz subiu um pouco mais além do necessário. Eu jamais imaginara isso. com uma companhia masculina era algo que nunca havia passado pela minha cabeça. Por um instante eu senti um misto de ciúmes com raiva.
- Desde que você desapareceu. Bem, esses dias que você está aqui nós não saímos, mas ele me ligou ontem e eu o convidei para vir hoje. Achei que seria legal se vocês dois se conhecessem.
- Você ainda não me disse quem é... – eu tentei fingir que não me importava com o que ela havia acabado de dizer.
- Você não conhece. O nome dele é Baekhyun.
- Então enquanto eu estava desaparecida você se divertiu com o seu novo namoradinho ao invés de me procurar? - eu disse, deixando óbvios meus sentimentos em meu tom de voz.
- , não começa, por favor! Você não tem ideia do quanto eu procurei por você... - a explicação de foi cortada pelo som da campainha tocando – Ah, devem ser eles, por favor, tente se comportar.

largou a faca em cima da mesa e foi atender a porta. Quando ela abriu, entraram dois rapazes. Um deles a cumprimentou com um leve beijo nos lábios, enquanto o outro apenas fez uma reverência. Pela forma como ela agiu, o mais baixo só poderia ser seu namorado, o tal Baekhyun. Não era o tipo de garoto que eu gostaria de ver ao lado dela, se é que eu gostaria de ver alguém com ela. O cabelo liso e castanho parecia mais um capacete na cabeça dele, além de magro e baixo, possuía dedos finos e delicados como os de uma moça, simplesmente detestável.
Já o outro garoto era extremamente alto, cabelos loiros, com um rosto alongado e sobrancelhas grossas. Seu maxilar era bem desenhado. Ele tinha uma beleza distinta. Era algo difícil de explicar.
De certa forma, os dois garotos mais pareciam um casal, mas aparentemente só eu havia notado isso, pois parecia muito animada ao lado dos dois.

- , esse aqui é o Baekhyun, que eu falei, e esse o amigo dele, Kris. - ela os apresentou, chamando-me para perto, porém, eu não me movi nem um único centímetro como demonstração da minha reprovação.
- Olá... - o mais baixo disse em um tom um pouco encabulado – costumava falar bastante de você. Eu e Kris a ajudamos a procurá-la esse tempo. - ele concluiu sua fala pondo uma de suas mãos atrás de sua cabeça e cerrando os olhos, com um leve sorriso nos lábios.

Ele podia ser um poço infinito de fofura, extremamente educado, bonito e de uma índole real. Eu não estava nem aí. Eu queria que ele simplesmente desaparecesse do planeta.
Era complicado ficar naquele cômodo naquela situação. O garoto insuportável simplesmente fazia questão absoluta de ser completamente prestativo e ficava perseguindo para todos os cantos da cozinha, querendo ajudar em tudo. Eu acabei por ficar sentada na mesa, cultivando em meu rosto uma expressão que era um misto de tédio com ódio.
Durante o jantar, todo o tempo que se passou, e Baekhyun conversaram, extremamente animados, enquanto eu e Kris ficamos completamente mudos. O clima não estava nada agradável, mas o casal insistia em ignorar as energias negativas que eu e o outro garoto exalávamos por nossos poros. Ao menos nenhum dos dois tentou nos incluir na conversa, isso seria extremamente constrangedor.
Acabei por pausar meus olhos sobre Kris, sem perceber. Que ele era bonito eu já havia notado, mas havia alguma outra coisa que me chamava atenção nele. Na verdade, eu sentia essa mesma coisa com relação ao tal Baekhyun. Era uma sensação estranha, parecida com o que eu senti quando estive na presença de Luhan quando acordei. Até o momento, a única coisa em comum que eu era capaz de identificar entre os três é que eram muito bonitos, mas com certeza esse não era o motivo do meu receio.
Talvez eu estivesse apenas ficando implicante demais. Estava começando a achar defeito em tudo, ligações malucas entre coisas que simplesmente não tinham nada em comum. Eu estava mais paranóica do que nunca.

Depois de longas e dolorosas duas horas, o jantar finalmente havia acabado e os dois convidados de finalmente se despediam para irem embora. Eu senti um alívio inexplicável ao ver os dois cruzando a porta. Mas eu não havia parado para pensar que o fato deles saírem implicava em ficar sozinha com a minha amiga novamente, o que provavelmente traria uma nova discussão à tona.
Minha solução foi apenas dar as costas, assim que ela virou a última volta da chave, e corri para me trancar no quarto, dizendo que ainda me sentia fraca e indisposta.

No dia seguinte, resolvi voltar para o meu apartamento. Passei dois dias inteiros dormindo e tentando ignorar , para evitar aquela conversa que nós precisávamos ter, mas que eu não queria, até receber uma ligação pedindo para que eu comparecesse na delegacia.
Todo esse tempo desaparecida e eu continuava com meu emprego na polícia. Fiquei surpresa com isso. Tanto tempo afastada, sem justificativa alguma, era estranho me aceitarem de volta sem nenhuma explicação. Mas isso me fez começar a desconfiar que talvez houvesse algum envolvimento deles.

Ao chegar lá, fui encaminhada para a sala do sargento. Talvez as coisas não estivessem tão bem quanto eu imaginava, ou talvez ele simplesmente quisesse saber como eu estava.

- Olá, . Sente-se, nós teremos uma conversa longa. - o sargento disse, apontando para a cadeira vazia em frente a sua mesa. - Imagino que você não tenha entendido o que aconteceu, então eu irei explicar ao menos uma parte.
- Como assim? O senhor está falando do que aconteceu comigo durante esses três meses? - eu respondi, aflita.
- Vamos com calma, me escute primeiro. , você tem apresentado um rendimento muito bom aqui. Além de ser inteligente e resolver casos difíceis, você tem uma boa preparação física, é relativamente forte perto de nossos outros homens, e quando digo isso, me refiro aos do sexo masculino. - ele fez uma pausa antes de continuar – Nós notamos isso há algum tempo e pensamos que talvez você fosse a pessoa ideal para fazer parte de um projeto do Governo. - eu fiz menção de que queria falar, mas ele continuou, fazendo sinal para que eu ficasse quieta – Existem algumas coisas a respeito do local em que vivemos que são do conhecimento de poucas pessoas, como o Portão do Inferno. Se não me engano, você já ouviu esse nome ser mencionado esses dias. Eu sei que você tem muitas dúvidas a respeito disso tudo, infelizmente, eu não sou capaz de dar todas as respostas que você deseja. Minha missão aqui é uma só, obter o seu “sim”. Você precisa aceitar fazer parte desse projeto. Tudo que eu posso lhe dizer é que se você aceitar, você poderá ser uma grande heroína e salvar toda a Colônia de um mal maior. Então me diga, você está disposta a ajudar o seu povo?
- Você achou que com essa conversinha iria me convencer a ceder para esse projeto de malucos? Vocês quase me mataram! Eu nunca vou aceitar nada disso. - eu respondi a proposta, levantando com pressa e saindo da sala – Entenda isso não apenas como um não a sua proposta, mas também como um pedido de demissão.

Talvez minha atitude não fosse certa, mas eu não iria me sujeitar àquele tratamento. Eu não queria passar por tudo aquilo por vontade própria. Não era questão de salvar a humanidade, mas sim de preservar minha vida. E sinceramente, eu já estava grande demais para acreditar nessa besteira de ser uma heroína. Todos aqueles anos trabalhando na polícia me ensinaram que não importava o que eu fizesse, sempre haveria pessoas más e eu jamais conseguiria parar todas elas, eu nunca seria uma heroína aos olhos das vítimas de amanhã.
Saí da delegacia sem olhar para trás. Eu não queria ter que pensar naquilo mais de uma vez, não queria correr o risco de me arrepender.

A semana seguinte se passou e sequer saí de casa. Não tive contato com ninguém, nem mesmo . Ignorei todas as ligações. Todas as vezes que minha campainha tocou, eu simplesmente me escondi entre as cobertas, fingindo que eu não estava lá.
Eu não queria perguntas. E sabia que também não teria as explicações que necessitava. Então, durante todos esses dias eu fiquei fechada em meu mundinho.
Num desses dias que passei em casa, ao assistir o noticiário tive uma enorme surpresa. A garota que eu havia encontrado em minha última missão, pouco antes de desaparecer, estava lá na tela, ao lado de ninguém mais ninguém menos que Kai, um dos garotos que eu conheci dentro da minha mente. A notícia dizia que eram parentes, não consegui assisti-la desde o começo, mas estranhei quando ouvi o repórter chamar o garoto pelo nome de Jongin. Eu tinha certeza de que ele era o tal Kai que eu havia visto, não me restava dúvida. Bem, o problema dos nomes na verdade não era tão grande, afinal de contas, Kai poderia ser apenas um apelido. A questão era, por que aqueles dois estavam juntos? A notícia estava no final, por isso não consegui entender do que se tratava. Bem, isso não era um problema, já que eu poderia facilmente achar isso na internet. Corri para o meu computador, procurando no site daquela emissora, porém nada achei.
Agora eu tinha mais um problema para manter minha cabeça cheia e latejando, por dias.

Depois de um tempo comendo porcarias que eu pedia pelo telefone, decidi que era hora de terminar minha reclusão. Eu havia tentado fazer pesquisas em casa, usando meu computador, mas de nada adiantava, a solução era sair de casa e fazer as coisas que eu precisava.
Fui para o meu quarto e comecei a me arrumar. Peguei uma camisa qualquer no armário e enquanto eu a abotoava o telefone tocou. Olhei para o identificador e vi o nome indicado: “”. Já deveria ser a centésima vez que ela me ligava, e eu sabia que de todas as vezes que minha campainha tinha sido tocada, pelo menos três tentativas haviam sido dela. Eu já estava com a consciência pesada demais por ignorá-la todo esse tempo, afinal de contas, era minha amiga, praticamente minha família, já que eu não tinha mais ninguém. Ainda assim, não me sentia à vontade para conversar com ela, mas também não estava com disposição para fugir daquele assunto. Deixei que a ligação caísse na secretária eletrônica e escutei a mensagem.

? Estou preocupada com você, já liguei várias vezes e eu tenho certeza que você ouviu todos os meus recados pedindo para retornar. Sei que não está falando comigo por causa de certas atitudes que tomei e outras coisas que falei. Eu gostaria de conversar com você. Estou disposta a ouvir tudo que você tem a dizer, sem questionar. Tantas vezes eu disse coisas sem sentido para você e agora, bem, acho que é a minha vez de escutar e compreender. Se você puder, passe em casa hoje à noite, eu farei um jantar, mas sem convidados especiais, apenas nós duas, eu prometo...”

Ela desligou, o telefone apitou, a luz vermelha ficou piscando e eu estava lá, encarando o chão, tentando pensar em alguma coisa, mas naquele momento, todos os pensamentos haviam escapado da minha cabeça.
Esses eram os piores momentos para mim. Quando eu tentava pensar, mas nada acontecia, não chegava a conclusão nenhuma, nenhuma ideia aparecia. Tudo parecia um enorme branco sem fim.
Fechei o último botão da camisa, coloquei minhas botas e saí em direção a casa de .

~x~

- Então foi isso o que aconteceu. Por isso você estava tão mal quando apareceu. Me desculpe. Eu deveria ter escutado você desde o começo... - dizia enquanto olhava para o garfo sobre a mesa. Nós estávamos sentadas lá olhando para a comida há mais de duas horas e sequer havíamos tocado em alguma coisa, apenas conversamos por todo esse tempo.
- Não... Eu é que tenho que me desculpar. Eu não deveria ter fugido assim. Eu sei que tudo isso é loucura, mas são as lembranças que eu tenho. Eu deveria ter achado uma forma de explicar tudo isso antes. - o alívio que eu sentia depois dessa conversa era enorme, um peso gigantesco havia sumido, eu precisava contar isso para alguém.
- Amanhã, quando eu for trabalhar, eu vou investigar isso. Darei uma olhada nos outros andares. Tenho autorização para entrar em quase todas as salas do prédio. - Não acha isso arriscado demais? - eu perguntei, com certo receio, eu não queria envolvê-la mais ainda.
- Sim, mas agora já não há mais volta não é? De qualquer forma, eu estaria envolvida. Não temos como escapar. Ao menos precisamos saber do que estamos fugindo. - ela concluiu, começando a se servir da comida, que já deveria estar gelada.

Depois de encerrada a conversa, arrumamos a cozinha e todas as comidas. havia preparado um banquete para servir um exército, mas nós quase não comemos.
Já era tarde, por isso acabei dormindo lá. Eu não costumava ter medo de andar sozinha à noite, mas a situação agora era outra. Não dava mais para arriscar. Eu podia me achar esperta, mas não deixava de ser um alvo fácil. Nós sabíamos que o Governo não iria aceitar minha recusa ao programa. Era só uma questão de tempo até que viessem a mim novamente. Eu sabia como as coisas funcionavam, afinal de contas, eu ajudava para que a enorme máquina da justiça continuasse ativa, mesmo que nem sempre aquilo que era chamado de justiça por nós fosse realmente certo.
Até mesmo ficar na casa de era arriscado, para mim e para ela, mas não havia nada que pudéssemos fazer. Mesmo que eu me escondesse, eu seria achada, de alguma forma, o Governo tinha seus meios para controlar tudo e todos, eu sabia bem disso depois desses anos todos na polícia.

O tempo passou e nada aconteceu. tentou achar a sala que eu havia descrito, porém sem êxito. Luhan e Kai nunca mais apareceram, não havia rastro nenhum de ambos, era como se nunca tivessem existido. A notícia em que Kai havia aparecido havia sumido, assim como ele. Nenhum registro na internet e quando tentei entrar em contato com a emissora, eles não tinham mais as gravações do dia em questão, disseram ter havido um problema com o arquivo e que alguns programas haviam sido apagados.
Em compensação, Baekhyun havia se tornado uma constante, uma constante indesejada, pelo menos da minha parte. Eu o respeitava, afinal de contas, ele era o namorado de , mas isso não significava que eu gostava dele. Eu continuava com um mal pressentimento sempre que ele estava por perto. Mas achei melhor não falar nada, afinal de contas, isso poderia ser apenas uma impressão causada pelo meu ciúme bobo.
O meu maior problema estava sendo o fato de que eu não tinha mais um emprego. Dinheiro não me faltava, apesar de ser órfã, eu tinha uma herança que minha família havia deixado e eu não era o tipo de pessoa que gastava muito. O problema é que ficar em casa, além de ser tedioso, não era nada produtivo.

~x~

Meses se passaram, eu e havíamos baixado a guarda. A sensação de segurança havia voltado, aparentemente minha recusa e pedido de demissão não tinham sido uma afronta tão grande no final das contas.
Estávamos na sala do meu apartamento, se ajeitava no sofá enquanto eu estava parada na janela observando os prédios em volta. Tudo parecia calmo e normal como sempre.
- Eu estava pensando, talvez o Baekhyun seja um namorado perfeito demais, você não acha? - fui surpreendida pela pergunta de minha amiga.
- Por quê? - bem, minha opinião sempre fora de que aquele garoto tinha algo de estranho, mas eu não podia concordar com ela logo de início.
- Ele faz absolutamente tudo que eu peço; sempre me leva aos lugares que eu quero, me dá vários presentes e, bem, nós nunca brigamos, discutimos, ou qualquer coisa do tipo. Já faz meses que estamos juntos e nada nunca deu errado em nosso relacionamento. Eu estava pensando, isso não é normal. É perfeito demais.
- Você sabe que eu sou a pior pessoa do mundo para opinar sobre esse assunto, mas se você realmente quer escutar isso de mim: eu nunca gostei dele. - eu declarei, ainda debruçada na janela, mantendo meu olhar fixo nas edificações, para evitar o olhar fuzilante que provavelmente me daria naquele momento.
- Isso eu já sabia... - não havia nenhum traço de desapontamento na voz dela, o que me deixou um pouco surpresa e aliviada.
De repente algo me chamou a atenção na paisagem. Tive a impressão de ver um leve reflexo, vindo de um dos prédios mais distantes. O sol estava se pondo naquele momento, então havia grandes chances de que aquilo não fosse absolutamente nada, mas não pude deixar de me preocupar. Continuei olhando atenta para aquela direção, meu corpo todo estava tenso e preparado para o pior, que veio a acontecer logo em seguida.
Realmente, a velocidade da luz era imensamente maior que a do som, e eu agradeci nesse momento por todo o conhecimento que eu havia adquirido em todos esses anos que passei na polícia, pois só depois de pular na direção de e jogar nossos corpos contra o chão que escutamos o som rápido e agudo do tiro, que eu pude prever pelo pequeno reflexo de luz formado pelo sol poente.
- O que é isso? - o tom de surpresa que eu esperava na voz dela ao dizer que não gostava de seu namorado agora estava evidente.
- Eu não sei, mas precisamos sair daqui agora.
Nós nos arrastamos até o meu quarto, onde eu costumava guardar minha arma. Por sorte eu a mantinha em local de fácil acesso, apesar de escondida. Arrastei-me por baixo da cama, levantei um pedaço solto de piso e tirei a pequena caixa de dentro.
- Preste atenção, você vai pegar essa arma. Você sabe atirar, certo? Se lembra do seu treinamento de defesa? - eu disse, enquanto me levantava, depois de sair de baixo da cama.
- Eu não sei, faz muito tempo... Eu não posso... Isso seria muito mais útil com você e...
- , escute, o alvo era você, não eu. Sei me defender, você precisará muito mais disso que eu. Você consegue, tenho certeza. - coloquei a arma na mão de enquanto olhava em seus olhos, tentando fazer com que ela conseguisse um pouco de confiança. - Agora vamos, temos que sair pela janela do quarto e descer as escadas de incêndio. Provavelmente haverá alguém esperando nas proximidades, mas sair pela frente do prédio nos tornaria um alvo fácil do atirador.
Abri a janela do quarto e a coloquei para fora primeiro, saindo logo em seguida. Descemos as escadas correndo e logo que alcançamos o chão, corremos pelos becos que circulavam a parte traseira do prédio. Tudo parecia bem, até que avistei duas silhuetas masculinas.
- , não esperava encontrá-la por aqui...
A voz já conhecida de Baekhyun que falava. Junto dele estava um rosto familiar: Kris, o amigo que havia participado do jantar meses atrás, mas que havia se mostrado ausente desde então. Ambos usavam roupas um pouco diferentes. Casacos longos e negros, que se estendiam até os pés, com golas altas que quase cobriam seus queixos.
- Posso saber o porquê dessa reunião? - uma voz que vinha de trás agora falava. Minha primeira reação foi me virar para ver quem era. Minha surpresa fora enorme ao ver que era Kai que estava parado ali atrás de nós.
- Jongin, você não deveria se meter nisso. - a voz grave de Kris se mostrava ameaçadora.
- O que a dupla dinâmica acha que pode fazer? Seus poderes são patéticos, nenhum dos dois tem chance alguma contra mim. - Kai retrucou.
Os três pareciam estar tão furiosos e preocupados, que achei que talvez aquele fosse o momento ideal para nossa fuga. Peguei o punho de com força e a puxei, tentando correr na direção perpendicular. Porém nossa fuga logo foi interrompida por Kai, que se materializou na nossa frente, fazendo com que se assustasse e soltasse um grito agudo.
No mesmo instante pude notar Kris deslizando ao longe, seus pés estavam a alguns centímetros do chão, porém não o tocavam.
Em uma questão de segundos os dois começaram a lugar. Ambos eram extremamente rápidos, eu mal podia ver seus movimentos, mas tinha a impressão de que Kai desaparecia e aparecia novamente em lados opostos, o que me deixou extremamente confusa, era como se ele se teletransportasse, mas eu sabia que isso era impossível.
A luta acabou me deixando desatenta, e quando me dei conta, Baekhyun estava nos alcançando. Ao se aproximar de nós duas, uma luz forte surgiu, e eu nada pude enxergar. Depois alguns segundos, quando recuperei minha visão, estava desmaiada nos braços do garoto, que agora começava a se afastar de mim.
Sem pensar muito nas conseqüências, acabei gritando, o que chamou a atenção dos outros dois que estavam lutando. Kris logo se esquivou e deslizou na direção do amigo, que carregava .
Eu corri na direção deles, porém não tive muito tempo, o mais alto pegou o corpo desacordado da minha amiga e desapareceu rumo ao céu em uma velocidade incrível. Enquanto isso, eu alcancei o menor, que agora se preparava em uma posição defensiva.
Tirei a faca que eu guardava em minha cintura e avancei com o punho fechado, mirando seu peito, porém uma de suas mãos me bloqueou, fazendo com que eu soltasse a arma que levava, enquanto a outra dirigiu-se ao meu rosto, soltando um clarão que me deixou confusa e me fez cair no chão, com a visão mais uma vez ofuscada.
Cerrei meus olhos, fazendo o máximo de esforço que podia, e vi que ele agora caminhava lentamente de costas. Enquanto isso, Kai se materializava a minha frente.
- Não se preocupe, eu vou ajudar você. - ele disse, enquanto se abaixava para pegar a faca que estava caída logo ao lado do meu corpo.
Mais uma vez o garoto desapareceu na minha frente. Apesar da visão embaçada, pude ver alguns metros a minha frente, ele se materializar novamente às costas de Baekhyun e abraçá-lo por trás. Ambos pararam e eu pude notar o corpo do namorado de escorregar lentamente em direção ao chão. Não havia dúvida, mesmo com minha visão comprometida, eu sabia: Kai o havia matado.
Tentei me mover, em vão. Meus sentidos ainda estavam confusos e meu corpo não respondia aos meus comandos.
- Ah, Kai, mais uma vez você se precipitou. Agora temos que limpar a sua bagunça. - escutei a voz de Luhan se aproximando, poucos segundos antes de perder a consciência.

3 – A descoberta

“Vai me escutar agora, ?”, foram as primeiras palavras que eu escutei, vindas da conhecida voz do meu ex-sargento, quando acordei no hospital depois do ocorrido.
Eu deveria estar prestes a ganhar um prêmio pelo recorde de desmaios. Gostaria de saber como eu era tão resistente, como eles diziam, já que eu tinha passado mais tempo desacordada, afinal de contas, eu quase não tinha lembranças.
Minha primeira reação à pergunta repentina obviamente foi ficar furiosa e na defensiva. Eu me sentia ridiculamente vulnerável nas mãos dessas pessoas, e como eu odiava isso. A sensação de não saber qual seria o próximo passo e não ter controle algum me enlouquecia.

- O que você quer? Eu já não disse não da outra vez? - eu respondi, passando a mão pelo meu rosto.
- Sua amiga foi levada, acho que deveria considerar a oferta, é a única forma de ter uma chance de vingança...
- ! Onde ela está? - eu gritei, começando a me levantar, arrancando alguns dos tubos conectados ao meu corpo.

Eu havia me esquecido completamente disso. tinha sido levada por aquele tal Kris. O que eu não conseguia aceitar era a forma como isso havia acontecido, já que, segundo minha memória, ele tinha saído voando, o que era totalmente impossível, a não ser que ele fosse um pássaro, mas eu tinha provas suficientes de que esse definitivamente não era o caso.
Talvez o problema fossem aquelas luzes que Baekhyun parecia soltar, eu não consegui ver o que ele carregava na mão, mas seja lá o que for, conseguiu me deixar extremamente atordoada, o que me fazia pensar duas vezes antes de acreditar em pessoas que podem voar.

- Calma, vamos com calma. - o sargento me empurrou de volta para a cama – Você terá todas as respostas que quiser em breve, mas primeiro, preciso do seu sim.

Claro que eu continuei resistindo por mais algum tempo, mas acabei por dar o “sim” tão esperado pelo Governo, depois de tantas investidas do sargento. Eu não tinha outra escolha, agora eu estava sem e a única forma de ter alguma chance de chegar até ela, era com a ajuda que eles poderiam me dar.
Fui chamada para a Sede, o local onde eu deveria encontrar com aquele que seria meu chefe. Segundo o sargento, eu conseguiria todas as respostas que queria.
Eu estava ansiosa, na minha cabeça perguntas iam e vinham. Eu tinha tantas dúvidas. E também tinha muito que pedir. Eu queria ajuda para encontrar , mas acima de tudo, eu queria me vingar. Baekhyun podia estar morto, mas Kris estava vivo.

Fui conduzida para uma sala onde nunca havia estado antes. Aquele lado do prédio da Sede costumava ser inacessível para pessoas comums como eu.
Deixaram-me em uma enorme sala redonda que possuía apenas um sofá ao meio, com uma pequena mesa à frente. Esperei por cerca de vinte minutos, até que escutei uma voz.

- Olá, . É um prazer conhecer a mais nova e notável agente humana do Governo. Eu sou a pessoa que comanda as operações secretas, poucos me conhecem e minha identidade, no geral, é mantida em segredo, mas você poderá se referir a mim como Governador, sempre que necessário. Claro que eu não sou um, isso é apenas um apelido que inventaram para facilitar a minha identificação, sem a necessidade de revelar minha identidade.

Olhei em volta, e não havia ninguém. A única porta que dava acesso àquela sala estava fechada desde que eu havia entrado. Isso me fez concluir que a voz deveria vir de algum alto-falante ou coisa do tipo. Mantive-me calada, esperando que a misteriosa voz continuasse. Eu tinha muitas dúvidas, mas aquele ainda não era o momento para elas. Eu precisava ser paciente para ter tudo o que queria.

- Bem, vamos começar com as suas explicações. Imagino que você esteja ansiosa para entender tudo que aconteceu com você. Mas preciso que tenha paciência e escute toda a minha explicação com muita atenção, e o mais importante, preciso que tenha sua mente aberta para coisas que talvez não pareçam verdade, mas que de fato, são.

“Muitos anos atrás, tantos que mal se sabe quantos exatamente seriam. Mais do que qualquer memória de qualquer ancião possa se lembrar, o mundo mudou. Não sabemos explicar com precisão como o mundo era antes ou quais foram os acontecimentos que desencadearam as mudanças, o que eu posso dizer a você é que aparentemente, antes dos nossos tempos, havia oceanos que separavam terras e pessoas vivendo em lugares diferentes, separadas por quilômetros e quilômetros de água. A civilização antiga era razoavelmente avançada, até onde se sabe, porém não o suficiente para impedir as mudanças e se salvar. Alguns manuscritos alegam que a população mundial chegou a ter algo em torno de sete bilhões de pessoas, o que parece um enorme absurdo, comparado aos nossos setecentos milhões atuais, mas imagino que seja verdade. Voltando ao que nos interessa: a mudança. Um fenômeno que chamamos de A Praga tomou conta de todo o planeta. Tudo que havia por terra morreu, sobrando apenas a região em que estamos. Este se tornou o único local habitável e os humanos que sobraram fizeram o impossível para continuar. Infelizmente, algo que era essencial para nossa sobrevivência, que eram as árvores, principalmente as frutíferas, haviam praticamente sumido. Havia vegetação, sim, mas era em grande parte selvagem e rasteira. Por anos e anos as pessoas que restaram vagaram por todos os lados em busca de alguma árvore. Logo eles conseguiram se estabelecer novamente, mesmo que sem as árvores e com muitas das espécies de animais extintas. Mas nunca deixaram de procurar pelas árvores. Claro que, na falta delas, alguns dos homens mais inteligentes que estavam vivos fizeram suas tentativas de recriar as antigas árvores, usando o que tinham em mãos, que era aquela vegetação selvagem e quase sem vida. O resultado é esse que você conhece: árvores sintéticas, com frutos que não podemos comer e flores que não possuem cheiro algum. Infelizmente, A Praga levou o bem mais precioso que a humanidade possuía, mas jamais havia tido consciência. Os homens de antigamente eram relatados como tendo interesse especial por ouro e outros metais, que eram ditos preciosos na época. Porém, esses nada sofreram com as mudanças do planeta, fazendo com que perdessem grande parte, ou mesmo todo o valor.
Foi então que uma nova mudança veio. No local que hoje é a periferia da Colônia, surgiu uma árvore. A única, a última. No começo todos se alegraram, muitos acharam que aquilo era um milagre, por isso ela recebeu o nome de Mama. Religiões foram criadas, multidões cultuavam aquela pequena planta que, com muito esforço, crescia e dava seus primeiros brotos. Depois de algum tempo, quando a árvore já era considerada adulta e começou a dar seus primeiros frutos, uma nova mudança veio. Algumas pessoas que viviam nas proximidades começaram a apresentar comportamentos atípicos, apresentando mudanças ligeiras em seu modo de viver e pensar, assim como o surgimento de características especiais. Demorou um tempo até que o surgimento da árvore e seus frutos fossem ligados a essas pessoas, mas depois de muitas pesquisas, finalmente foi achado um elo. Os frutos representam as pessoas mudadas, suas vidas. Assim, quando um fruto ficava maduro, os poderes da pessoa correspondente a ele desabrochavam e, quando o fruto passava do seu tempo, caía, significando assim a morte do indivíduo.
Mas não pense você que isso é tão simples quanto as minhas palavras, muitos anos levaram para que se chegasse a essas conclusões. Muitas pesquisas foram feitas. Você já deve conhecer algumas dessas pessoas das quais estou falando: Luhan, Jongin, Wu Fan e Baekhyun. Mas isso não importa. O importante é que você saiba, eles são conhecidos como contratantes. Possuem poderes, porém, para usá-los eles necessitam pagar. Não com dinheiro. Luhan, por exemplo, um dos nossos melhores agentes, possui o poder da telecinese e seu pagamento é escrever uma poesia. Pode parecer estranho, mas tenho certeza que fará sentido em breve.
Porém, o surgimento dos contratantes não foi um acontecimento simples, muitos conflitos surgiram e o Governo se viu obrigado a intervir de forma abrupta. Muitos deles foram mortos inicialmente, afinal de contas, tudo que precisávamos era enviar grupos para que arrancassem a maior parte de frutos que pudessem da Mama, o problema era que todas as pessoas que entravam em contato com a árvore tinham sempre o mesmo destino: ou morriam quase que instantaneamente, ou se tornavam contratantes após algum tempo. Logo vimos que nossos esforços eram em vão. A maioria dos homens não tinha condições de enfrentar contratantes e vencer; e não podíamos continuar com as investidas na Mama, já que isso só ajudava a proliferar a espécie deles. Então uma medida desesperada foi tomada pelo governo: todos os conflitos foram abafados, todos os registros apagados, a existência dos contratantes foi escondida da população em alguns anos e a área onde a Mama estava foi completamente isolada da população. Você conhece essa área, as ruínas proibidas da periferia.
Inicialmente achamos que com o isolamento não surgiriam novos contratantes, já que não haveria mais contato com a árvore, mas estávamos totalmente enganados. De alguma forma, as pessoas continuam obtendo esses poderes e despertando. Colocamos todos os nossos esforços nas pesquisas para descobrir como esse despertar acontece ou como identificar algum contratante que ainda não despertou e tentar impedir o processo, porém, não obtivemos sucesso até o momento.
Mais de um século já se passou e novamente enfrentamos uma ameaça, um grupo intitulado de Organização vem promovendo ataques, sequestrando pessoas...”


- – eu gritei sem pensar. Estava escutando toda aquela história tediosa há tanto tempo sem falar nem uma única palavra, ao primeiro sinal de uma pista sobre minha amiga foi impossível me conter.
- Por favor, permita que eu termine e, depois, lhe darei as respostas de que precisa, acredito que várias delas já tenham sido dadas até o momento. – a voz falou, mantendo seu tom paciente e formal de sempre.
- Me desculpe... – a minha vontade era gritar, porém eu sabia que havia cometido um erro com a interrupção. Eu sabia desde o começo que o melhor seria esperar, mas não conseguia conter meu desespero.
- Continuando, essa Organização possui objetivos desconhecidos, porém, temos um palpite de que o desejo deles é tornar a existência dos contratantes pública novamente e entrar no comando da Colônia, utilizando seus poderes.
Nós temos dois ótimos agentes que são contratantes, porém, assim como todos os outros, eles são desprovidos de emoções humanas como amor ou ódio, apenas agem de acordo com a necessidade e seus interesses, o que dificulta a utilização deles contra a Organização. É aí que você entra. Precisamos da sua colaboração.
- Mas eu não sou capaz de enfrentar esse tipo de gente. - aparentemente, isso só parecia óbvio para mim. Será que eles não haviam notado que todas as minhas experiências com contratantes tinham sido desastrosas?
- , você é muito mais do que imagina. Os testes que nós fizemos em você comprovam...
- Os testes, essa é uma das explicações que você ainda me deve. – eu o interrompi sem pensar duas vezes. Eu já sabia o porquê deles, mas eu fazia questão de ouvir uma justificava, um pedido de desculpas, qualquer coisa que mostrasse que eles sabiam o mal que haviam causado.
- Me desculpe, sei que os testes a deixaram fraca. Nós não pretendíamos fazer dessa forma, porém foi inevitável, você não os faria por vontade própria. Preciso que entenda, isso é um assunto de extrema importância, infelizmente, chegamos a um ponto onde são necessárias medidas extremas. Mas entenda, os testes foram feitos para termos certeza de que você seria capaz de enfrentar contratantes e se aproximar da Mama sem sofrer danos irreversíveis. Apesar das suas condições finais, você foi capaz de passar em todos os testes, mesmo sem ter nenhum treinamento ou conhecimento. Se você aceitar entrar em nosso programa, tenho certeza de que será capaz de muito mais. – a voz parecia assumir um tom mais acolhedor agora.
- Aparentemente, eu não tenho muita escolha, então vamos fazer um acordo: eu quero de volta, você e seus agentes me ajudarão, em troca eu entrarei para o seu programa, farei os treinamentos e lutarei contra eles. Ah, e mais uma coisa, eu quero matar Kris pessoalmente. – era inútil continuar argumentando, então resolvi que simplesmente apresentar minhas condições seria mais fácil e me pouparia muita energia.
- Nós temos um acordo. Mas você deve me garantir que Luhan e Jongin, ou qualquer outro contratante, jamais saberá sobre nossa conversa de hoje, ou quaisquer outros assuntos futuros que possam surgir e que sejam relacionados. E não se esqueça: ter sua amiga de volta depende disso também, qualquer sinal de traição por sua parte e tudo estará perdido. – de repente o tom da voz misteriosa ficou muito mais sério. Ele realmente não estava brincando. Talvez houvesse mesmo um enorme perigo.
- Tudo bem, quando eu começo?


Depois de mais algumas instruções, fui conduzida até o local onde seria minha nova casa. Para seguir em frente no programa, eu precisaria abandonar minha antiga vida, por isso, a partir daquele momento, eu não poderia mais visitar o meu apartamento, o de e outros lugares que eu costumava frequentar.
Fui levada até um corredor, um pouco estreito e não muito extenso, ao longo dele havia várias portas e nelas pude notar que havia placas com nomes, aparentemente todas as pessoas envolvidas nesses assuntos moravam por ali. Perguntei-me naquele momento se os dois contratantes do Governo também moravam por ali. Não seria uma surpresa tão grande se morassem, aparentemente, eles eram tratados como humanos, apesar de não serem. Basicamente, eles eram mais peças de um enorme quebra cabeça, assim como eu. A diferença é que eu tinha mais informações que eles.
Observei que havia uma pessoa parada em frente à porta de um dos quartos. Ela usava um jaleco branco que cobria toda a sua roupa, não era muito alta e se mostrava muito séria.
- Ah, oi?! – eu tentei atrair a atenção dela, que parecia extremamente concentrada nos papéis que segurava.
- Olá! Você deve ser a ? – eu balancei a cabeça em um sinal positivo. – Por aqui, por favor, este é o seu quarto. Ele foi planejado e equipado de acordo com as suas necessidades, conforme os resultados que obtivemos nos exames feitos. Aqui você pode encontrar uma lista de suplementos, os quais devem ser administrados segundo as instruções neste quadro. Ah me desculpe, já estava me esquecendo, meu nome é , eu sou a médica que foi designada a você.
- Exames? Interessante a forma como você vê aquilo. Pra mim pareceu mais tortura. – eu disse, sem dar muita importância às palavras que saíam da minha boca.
Por algum tempo eu apenas olhei em volta. O quarto não era muito grande, a decoração era toda em tons amarelados, um pouco escuro, mas de certa forma aconchegante. Havia uma cama ao meio e uma mesinha no canto esquerdo. Não tinha janela, apenas uma saída de ar no teto. A pequena porta logo na entrada provavelmente era o banheiro. O armário cheio de remédios e com um quadro pendurado na parte interna da porta ficava escondido próximo a entrada.
Não sei dizer o que exatamente havia sido projetado segundo os meus gostos e necessidades, já que tudo aquilo parecia extremamente básico para mim.
- Bem, agora é melhor você descansar, amanhã teremos um dia cheio e eu precisarei fazer mais alguns exames. – ela disse e logo se dirigiu até a porta, fazendo um gesto de cumprimento e se retirando.

Claro que eu estava curiosa com aquele lugar e não iria ficar deitada dormindo enquanto eu podia sair e investigar. Aceitar trabalhar para eles não significava que eu confiava totalmente naquelas pessoas. Eu queria achar minha amiga e poder me vingar, só isso.
Esperei quinze minutos, apenas para ter certeza de que a doutora estaria longe, e saí do quarto. De certa forma, aquele corredor lembrava muito o sonho esquisito que eu havia tido com Luhan e Kai. A diferença é que ele tinha um começo e um fim. Segui andando e observando as plaquinhas nas portas, passei por vários nomes desconhecidos até chegar naquele que eu estava procurando: Xi LuHan. Eu realmente estava certa ao pensar que ele deveria morar ali. Bati algumas vezes na porta, mas não obtive resposta alguma. Provavelmente o quarto estava trancado, já que ele não estava lá, mas eu tentei abrir de qualquer forma e minha surpresa foi enorme ao descobrir que estava aberto. Talvez ele tivesse se esquecido de trancar ao sair; talvez tivesse deixado aberto, pois voltaria logo; talvez ele fosse apenas descuidado.
Eu sabia que não era certo entrar sem permissão, eu odiaria se alguém fizesse isso comigo, mas não consegui conter minha curiosidade. Empurrei a porta e entrei.
O quarto dele era completamente diferente do meu. Paredes brancas com alguns rabiscos e desenhos, cheias de papéis grudados por todos os lados; uma pequena cama ao meio, com sua cabeceira encostada na parede direita. Ao fundo havia uma cortina com algo que imitava uma janela.
Meus pés se moveram instantaneamente ao notar uma pequena bola amarela flutuando sobre a mesa ao lado da janela. Parei logo à frente e a observei um pouco curiosa. O objeto estava parado no ar, não havia nada que o suspendesse daquela forma. Talvez fosse algo relacionado aos tais poderes de contratantes, eu não fazia ideia...
- AI! – eu soltei um grito agudo de dor quando sem aviso a pequena bola atingiu minha testa em cheio.
- Espero que tenha doído o suficiente para que você aprenda a não invadir o quarto dos outros. – olhei para trás e vi Luhan parado, apoiado em dos lados do batente da porta.
- Está sangrando! – eu disse, em tom de protesto, como se a minha invasão não fosse nada comparado ao meu pequeno ferimento. - Por sua culpa eu vou ter que escrever alguma coisa, vai, me dê uma ideia.
Luhan passou por mim, ignorando completamente minhas reclamações e meu ferimento, sentou-se na cadeira, puxou a gaveta, pegou um papel, um lápis e logo se pôs em posição para escrever.
- Escrever o quê? – eu esbravejei, indo na direção da porta que, com apenas um aceno de mão de Luhan, fechou-se a minha frente.
- Agora que você entrou, não vou deixar que vá com tanta pressa. – ele se ajeitou, sentando de frente para as costas da cadeira e apoiando seus braços em cima.
- Me desculpe, eu não deveria ter entrado sem permissão, mas achei a porta aberta e não consegui conter minha curiosidade. Posso ir agora?
- O que falaram para você? Quem você deve matar? – ele perguntou, sem cerimônia alguma. – Não, volte aqui.
Eu tentei sair do quarto mais uma vez, porém, a cadeira que se encontrava do outro lado do quarto foi arremessada em minha direção, batendo na parte de trás dos meus joelhos, obrigando-me assim a sentar.
- Se eu disser que meu alvo é você, o que irá fazer? Me matar antes? – eu sabia que provocar não era a melhor opção naquele momento, mas eu queria tentar tirar algo dele sem precisar dar nenhuma informação.
- Não, Kai não deixaria. Aparentemente, você é o novo Kyungsoo dele. De qualquer forma, já percebi que não vou conseguir informações com você. Por um lado isso é bom, você é exatamente o que estavam procurando: forte e confiável. – ele parecia um pouco entediado ao me descrever.
- Tenho certeza que eu não sei nada além do que você sabe. - continuei com o olhar fixo em Luhan enquanto me debruçava sobre meus joelhos. – Quem é Kyungsoo? Outro contratante?
- Pergunte ao Kai, ele vai adorar contar aquela história chata e tediosa pela milésima vez. Sabe, você poderia ser mais interessante. Pode ir. – ele fez um gesto com as mãos, indicando que eu saísse pela porta que se abrira sozinha.

4 – A primeira missão

Quatro anos haviam se passado desde que havia sido levada. Durante todo esse tempo, eu havia procurado por ela, sem nunca ter uma única pista. O contratante que a havia levado, Wu Fan, conhecido como Kris, também não havia dado sinal algum de vida; era como se tivesse evaporado. Não havia nenhum vestígio de onde ela pudesse estar ou o que poderia ter acontecido, era quase como se ela nunca tivesse existido.

Durante os dois primeiros anos eu treinei para me tornar uma agente do Governo.
O ódio que eu nutria por todo e qualquer contratante era o que me fazia seguir em frente. A parte irônica é que eu fui treinada exatamente por aquilo que eu mais odiava: Kai, um contratante.
E ah, como eu odiava ele. Aquela presença sempre era insuportável. Um cara de poucas palavras, mas com um ego enorme. Ele era o melhor soldado do governo, o melhor contratante, o melhor em tudo. Mas é claro, uma pessoa que pode se teletransportar dificilmente não se destacaria em basicamente: tudo.
Na verdade, o que mais fazia odiá-lo era outra coisa. O maior empecilho era aquele corpo que, por vezes, caía sobre mim enquanto lutávamos. No começo eu era bem desajeitada e mal conseguia acompanhar o ritmo dele, então era normal que acabássemos sempre jogados no chão. E aquilo me enlouquecia de uma forma que eu não conseguia entender. Os braços com músculos bem desenhados apoiados em volta de meus ombros; os olhos negros e enigmáticos que me encaravam como se quisessem gritar comigo; as gotas de suor gelado que escorriam vagarosamente por seu queixo e atingiam minha pele quente; aqueles lábios levemente abertos que pareciam me chamar sem fazer som algum. Sim, ele.
Por meses eu pensei estar apaixonada por aquele monstro.
Claro que Luhan notou isso, ele não era bobo. Ao contrário, era muito observador e suas teorias geralmente estavam certas.
No geral nós nos odiávamos reciprocamente, porém, ao menos nos divertíamos com isso. Depois de certo tempo ele deixou de me achar uma pessoa tediosa, não porque eu tivesse mudado, ou porque ele tivesse achado algo interessante em mim. Não, ele começou a observar meus momentos com Kai. Segundo ele, eu era o pedaço que faltava para completar o quebra-cabeça do colega.

Pra ser bem sincera, em todos esses anos eu não consegui entender. Não descobri quem era Kyungsoo, muito menos o porquê de Kai ter desenvolvido essa espécie de fixação por mim. Não era um sentimento, era apenas uma necessidade.
Nós não tínhamos um caso, claro. Obviamente eu jamais iria querer ter um caso com ele. Mas ele não me deixava. Todo dia acordava e passava em meu quarto para me chamar. Ele acompanhava quase tudo que eu fazia durante todo o dia.
O fato dele querer cuidar de mim daquela forma me irritava, o que, somado ao ódio (ou desejo) que eu sentia por ele e ao fato dele ser um contratante, fazia com que eu fervilhasse cada vez que começávamos nossos treinamentos.
Kai não costumava usar seus poderes quando nós lutávamos, apenas o fazia em ocasiões especiais. Ninguém sabia qual era o seu pagamento, outra coisa completamente irritante. Todos tinham palpites, porém, era impossível tirar alguma conclusão. Era um maldito inteligente. Por isso eu nunca conseguia tirar vantagem dele quando usava os poderes, eu não sabia quando ele iria abaixar a guarda. Na verdade, acho que ele nunca baixava. Ele era extremamente atento e ágil; era forte e conhecia muitas técnicas de luta.
E esse era o meu maior problema com ele: eu precisava dele. Não havia ninguém melhor para me treinar.


- Você não gosta dele de verdade. – Luhan parou abruptamente a minha frente. Nós estávamos caminhando em um parque próximo a sede, fazendo reconhecimento do território, mas aparentemente ele havia decidido que queria cuidar da minha vida.
- Do que você está falando? – eu fingi que não sabia do que se tratava.
- Essa sua coisa com o Kai. Bem, você sabe, ele não tem sentimentos, é só um contratante. – ele levantou os dois braços, apoiando as mãos atrás da cabeça enquanto falava – É normal que você fique excitada com um cara, afinal de contas, você nunca teve uma vida além do seu emprego e aquela sua amiga. Um dia você acabaria sentindo essas coisas. Você passa tempo demais com ele e o contato físico entre vocês é sempre intenso.
- Você não passa de um porco nojento que fica pelos cantos nos observando. Não existe nada entre eu e Kai. Eu não sinto nada por ele além de ódio. Ao contrário de você, que eu sinto ódio e nojo.
As reações de Luhan às minhas ofensas eram sempre as mais inesperadas. Ele começou a rir alto e descontroladamente, chamando a atenção de algumas pessoas que passavam. - Fico feliz por sermos obrigados a conviver todos os dias. No final das contas, você não é tão desinteressante como eu pensava no começo. É interessante ver o seu sofrimento, suas dúvidas com relação a Kai e o seu pseudo luto por .
Uma coisa que me irritava era falar sobre , e Luhan sabia disso, por isso fazia questão de citá-la sempre que possível.
Não consegui me controlar, fui em sua direção e o levantei pela gola da camisa. Aquele sorriso de satisfação estampado no rosto dele simplesmente me tirava do sério.
- Você quer tanto assim chamar a atenção das pessoas?
Eu não havia notado até Luhan falar, mas várias pessoas haviam parado e me observavam. Perto de mim, Luhan parecia apenas um garoto indefeso e frágil, por isso todos pareciam estar preocupados com o que eu poderia fazer.
De qualquer forma, eu não poderia fazer nada contra ele, isso ia contra as regras do meu contrato com o governo, então o soltei e caminhei em direção a falsa árvore, próxima a nós, peguei um de seus frutos enquanto encarava Luhan, “Eu poderia matar você” e esmaguei-o em minha mão ao terminar a frase.
- Claro. Assim como você deveria estar morta desde o nosso primeiro encontro. Porém isso não seria nada útil. – ele respondeu sem mostrar preocupação alguma com a minha ameaça.
- Eu nunca vou perdoar nenhum de vocês. – joguei o fruto esmagado no chão e dei as costas para o garoto.
- Ah, quantas ameaças, assim você me deixa entediado de novo...
Ele tinha razão, eram só ameaças.

~x~

Com o tempo eu acabei me acostumando a todas as provocações de Luhan e com a presença de Kai.
No fundo, Luhan tinha razão. Eu não sentia nada por Kai. Eu só nunca tinha tido uma vida de verdade. Minhas experiências com o sexo oposto eram poucas, e todas haviam sido frustradas. Mas o tempo me fez aprender a controlar meus instintos e desejos; aos poucos eu me tornava cada vez mais parecida com meus dois parceiros. Meus sentimentos se escondiam dentro de mim, cada vez mais, chegando a um ponto em que eu mais parecia um contratante que uma humana.
Luhan dizia que eu era o maior monstro já criado pelo governo. E como sempre, ele parecia ter razão.


Minha primeira missão veio apenas depois desses quatro anos de treino: eu deveria matar um contratante membro da Organização.

- Preste atenção, passarei todas as informações que temos até o momento. O poder dele é controle de moléculas, não temos muitos detalhes, já que nunca o vimos em ação, mas pelas descrições de Kai e Luhan, ele parece poder mover alguns tipos específicos de componentes.
- Então ele tem o mesmo poder que o Luhan, certo? – eu interrompi .
- Não. Luhan tem uma variação diferente e extremamente rara dentre contratantes. Ele pode mover qualquer objeto sólido, não importa do que é feito. – ela explicou.
- Então ele não pode mover uma pessoa? – meu interesse em entender o poder de Luhan era muito maior que a vontade de conhecer minha vítima.
- Até onde eu sei, não. Luhan ainda é muito novo. Geralmente os contratantes conseguem aperfeiçoar seus poderes com os anos, mas Luhan despertou pouco tempo antes de você ser recrutada. – ela continuou explicando, sem notar que o foco havia mudado completamente.
- Bem, então, o tal contratante que eu devo caçar... – eu tentei voltar a nosso assunto inicial.
- Ah, sim. Ele não costuma se mostrar muito e não é do tipo que luta. Parece que é o líder da Organização. – ela pausou por um instante, encarando o chão – Nós não sabemos qual é o pagamento dele. Me desculpe, mas isso é tudo que eu tenho para você. O Governador apenas disse que você deveria executá-lo. Eu tentei argumentar, mas...
- E como eu o acho? – achei melhor cortar o discurso de pena de , aquilo não fazia diferença.
- Nós usaremos uma doll para localizá-lo. Venha comigo.

Subimos para os andares superiores, onde ficavam os laboratórios, para ir até a tal doll que me daria as direções. Eu não costumava andar por aqueles lados, por isso cada vez que passava por lá era sempre uma nova surpresa. Havia muitas pessoas que trabalhavam nas pesquisas do Governo, aquele prédio estava sempre lotado de pessoas indo e vindo, era surpreendente tudo aquilo ser completamente desconhecido pelo público geral.

- Aqui está Amber, essa é a nossa doll. – ela me disse, apontando para a garota sentada – Me surpreende que em todos esses anos aqui você nunca tenha visto nenhuma.

Parei por alguns segundos, analisando a face da garota, que estava levemente curvada na cadeira, encarando o chão. Aquele rosto parecia familiar.

- Ela é um robô? – eu perguntei, curiosa.
- Não. É difícil explicar, todo doll um dia já foi um humano. Eles são programados; não têm vontade própria, nem sentimentos. São usados para localizar coisas usando seu espírito guia. – fez uma pausa rápida enquanto pegava a garota pelas mãos para que ela levantasse - Eles são muito úteis para tarefas que exigem concentração e alta atividade cerebral, porém, não servem para lutar.
- Todo esse tempo que eu passei aqui e ainda continuo me surpreendendo com essas coisas.

Ao ver a garota se levantar, eu não pude conter minha surpresa. Aquela era a garota que eu havia achado em minha última investigação na polícia. A garota que aparecera com Kai no noticiário.
Pensei em gritar, fazer um escândalo, qualquer coisa do tipo. Mas isso não tinha sentido e de nada adiantaria.
Durante as investigações, nunca havia aparecido um familiar sequer para acompanhar todo o processo e prestar depoimentos. Tudo o que recebíamos eram sempre relatórios do Governo.
Aquela garota já devia pertencer a eles. Provavelmente a perderam para a Organização ou outro grupo qualquer de contratantes e colocaram a polícia no caso apenas para poupar esforços desnecessários.
Eu sabia que não era certo ficar quieta, mas meu objetivo lá não era salvar ninguém mais além de .

- Amber, vamos, preciso que você localize EX012.

Eu sempre achava engraçado quando usava os códigos para se referir aos contratantes. Cada um tinha o seu: composto por duas letras e três números. Eram determinados através dos frutos da Mama. Cada vez que as câmeras instaladas no Portão do Inferno registravam o nascimento de um novo fruto, um novo código era criado.
Nem todos os indivíduos eram conhecidos por seus códigos, era difícil identificar, principalmente quando havia muitos contratantes com o mesmo poder.
Mas aparentemente a minha vítima era importante, já que haviam posto esforços em identificá-lo precisamente por seu código, mesmo sem ter grandes informações.


Depois de receber as coordenadas da possível localização do tal contratante e ouvir todas as milhares de recomendações de , incluindo seus repetitivos sermões sobre nunca acreditar nas palavras do inimigo, recebi meu uniforme e uma arma.

O local não era perto, então eu precisaria de uma escolta até lá. Como sempre, fui levada por Luhan, Kai nunca saía de dentro da Sede.
- Bem, aqui é o meu limite, o resto você terá de ir a pé. – ele disse enquanto eu descia da moto – E não se esqueça, o limite antes de ter que realizar o pagamento é sempre incerto, por isso, não conte com essa brecha. – ele sempre insistia nesse detalhe.
- Entendido! – eu respondi, batendo continência para Luhan, que não conseguiu conter seu riso.
- Tente não ser idiota, você pode vencer, o poder dele é ridículo. – ele concluiu, ligando a moto e dando meia volta rumo ao prédio do Governo.


Eu estava em um subúrbio da Colônia. Aquele local era conhecido por ser extremamente mal frequentado e pelos constantes crimes. Era controlado por uma máfia e por isso a polícia nunca interferia naquela região.
Apesar de o dia estar claro, com sol a pino, as ruelas eram todas sombrias. As casas velhas e sujas davam um ar tenebroso ao local; todas as janelas e portas estavam fechadas, como se ninguém vivesse por ali.
Por um momento eu senti um enorme frio na barriga, mas tentei ignorar isso a todo custo; aquele não era o momento para sentir medo.

Andei até o local que a doll havia apontado no mapa.
Era um prédio baixo de apenas dois andares. Era velho e possuía muitos buracos nas paredes cobertos com pedaços de madeira. As cores da faixa eram predominantemente azuis escuros e cinzas. Havia uma porta com um aviso de “Não entre” pintado em vermelho com uma letra tremida.

- Então você veio mesmo? Entre, eu estava esperando por isso. – eu olhei para cima com pressa, procurando pela voz que falava comigo, porém não consegui localizá- lo.

Corri até o prédio, entrando com pressa pela porta e ignorando completamente o aviso.
Ele sabia que eu estava lá, como isso era possível? Seria esse algum plano maluco do Governador? Ou estava caindo em uma armadilha...
Entrei sem pensar duas vezes. Não fazia sentido fugir e, se eu o fizesse, o tal contratante com certeza me seguiria. Na pior das hipóteses, eu pelo menos poderia tirar a história a limpo.
Subi as escadas velhas que rangiam a cada novo degrau que eu pisava, anunciando minha chegada. O prédio estava vazio e seus andares não possuíam divisões, com exceção do último, que era possível localizar uma sala do lado oposto da escada. Com certeza ele estava lá.

- Muito prazer, . Eu sou aquele que o governo apelidou de EX012, mas pode me chamar de Suho. – ele se apresentou logo que eu cheguei à porta da sala.
- Então pelo jeito eu estou na desvantagem, já que você já sabia que eu vinha e conhece meu nome... – eu disse, com um leve sorriso na face, começando a pensar que aquilo só podia ser uma enorme piada.
- Ah, eu ouvi falar de você. Alguns de meus antigos companheiros tiveram o prazer conhecê-la. Assim que nossa doll a identificou nas proximidades eu tive certeza do que era. Você foi mandada para me exterminar, não é? O Governo quer uma prova da sua força e lealdade. Então vamos lá. Mas não pense que eu vou facilitar. - eu observei Suho se dirigir lentamente até a janela. Ele me deu as costas sem preocupação alguma.

Enfim, aquilo não era uma armação.

Mas seria possível ser tão fácil?
Ele sabia que eu estava ali; sabia o porquê também. Mas continuava de costas, sem se importar muito com a minha presença.
Tirei minha arma e mirei com precisão, seria assim tão fácil?
O primeiro disparo foi rápido e o que aconteceu em seguida foi algo que eu realmente não esperava. Da parede a minha direita saiu uma rajada de água de um cano que acabara de estourar e a pressão e rapidez com o qual o líquido se projetava fizeram com que o projétil lançado fosse desviado.

- Eu odeio lutar, mas pelo visto você não vai me deixar escolha, não é? – ele se virou, encarando-me com o cenho franzido, demonstrando desapontamento.

Então finalmente começou: minha primeira luta com um contratante que não era Kai.
Suho parecia muito experiente, apesar de dizer que não gostava de batalhas. Eu corri em sua direção, tentando acertá-lo, porém ele desviou com uma enorme facilidade. Desferi golpes seguidamente, enquanto ele apenas se esquivava; era extremamente rápido, mas não parecia concentrado de verdade na luta.
Continuei atacando, porém em um ritmo mais lento, tentando observá-lo com mais atenção. Seus lábios pareciam se mover. Ele estava falando alguma coisa, mas eu não conseguia escutar.
Depois de cinco minutos sem nenhum intervalo, eu finalmente recuei. Suho não havia feito nada além de fugir de meus golpes e eu já começava a perder o fôlego.

- Cem! Ah, finalmente. – ele disse, levantando uma das mãos.

Um barulho estranho começou a vir da parede, era como se algo estivesse se movimentando. Então mais uma parede se quebrou e mais água saía de um cano estourado, porém dessa vez vinha em minha direção. Tentei desviar, mas a velocidade com a qual o líquido se movia era enorme e acabei não conseguindo escapar; fui atingida em cheio por uma rajada. A pressão era tão grande que acabei caindo no chão. Meu corpo estava todo dolorido e eu sentia uma enorme dificuldade para me movimentar.

- Achei que você era mais forte, pelas descrições que nos deu. - foi só então que me veio a cabeça: ele sabia sobre . Como isso não havia passado antes pela minha cabeça?
- Você sabe onde ela está? – eu continuei de joelhos, encarando o chão.
- Não mais. Kris a levou para junto da Resistência. Desde que ela mudou, passou a obedecer apenas as ordens dele. – Suho começou a andar lentamente em minha direção.

Eu precisava pensar rápido, eu precisava fazer alguma coisa. Era minha primeira missão e eu estava nas mãos do inimigo. Mas minha mente estava agora totalmente focada nas novas informações: está com a Resistência. Mas o que seria isso?
De qualquer forma, não era hora para pensar nisso. Suho estava cada vez mais próximo e essa era uma oportunidade perfeita. Continuei forçando minha respiração para que ele achasse que ainda não seria capaz de um novo ataque e, assim que ele ficou a poucos passos de mim, eu pulei em cima dele, cravando uma faca pouco acima de seu coração. Não era um ferimento letal, mas com certeza isso o deteria.
Tentei me jogar para trás após o golpe, porém Suho me agarrou, fazendo com que eu caísse em cima dele.
Tentei virar a faca presa no corpo dele, enquanto ele forçava suas mãos contra o meu pescoço, em uma falha tentativa de me estrangular.
A água que cobria o chão começava a adquirir uma coloração avermelhada devido ao sangue que escorria.
Eu arranquei a faca e o acertei novamente, fazendo com que ele se descontrolasse e gritasse pela primeira vez. Foi então que ele resolveu agir de verdade; fui jogada para o lado. Ele subiu em cima de mim e começou a desferir golpes em minha face. Depois do que eu imaginava ser o décimo soco, eu já não sentia mais meu rosto, não sentia mais dor.
Juntei todas as forças que tinha e joguei para lado, tentando ir até ele novamente, dessa vez com a minha arma em mãos.
Consegui acertar apenas um tiro em uma de suas pernas, até que fui arremessada por um chute para o outro lado do cômodo, deixando que minha arma caísse.
“Suho! Você está bem?” eu conhecia aquela voz que gritava, mas não era possível que fosse quem eu estava pensando.
Tentei me acomodar contra a parede, forçando meus olhos na direção contrária, porém pouco conseguia enxergar.

- Eu vou acabar com você. Sabia que deveria tê-lo feito há muito tempo. – o garoto da voz conhecida pegou minha arma caída e veio em minha direção, fazendo com que eu começasse a enxergá-lo.
- Não! Você não pode matá-la. Se Tao havia previsto tudo isso, nós temos que mudar. – Suho disse, com muita dificuldade – Lay não está mais entre nós, eu não tenho mais salvação.
- Mas então o quer que eu faça? – o garoto parecia desesperado enquanto segurava minha arma com as mãos trêmulas.
- Me mate e deixe-a viva. Deixe algum rastro para que Luhan consiga encontrá-la. Não podemos deixar que o ódio desvie nosso caminho. Eu quase me perdi por um momento, mas eu sei que isso é o certo.

Pouco antes que ele se virasse, eu pude reconhecê-lo. Era Baekhyun, o contratante que eu acreditava ter visto Kai matar.


Depois do barulho agudo do tiro, eu não conseguia me lembrar de mais nada. Provavelmente Baekhyun havia usado seu poder das luzes para me fazer desmaiar.
A próxima coisa que eu conseguia me lembrar era do rosto de Luhan me encarando.

- Você está tão feia que tenho dúvidas se realmente quero levá-la de volta para a Sede. De qualquer forma, Suho está morto, então você completou sua missão. Parabéns.
- Você viu o corpo? – eu sabia que não o havia matado, mas isso não importava no momento.
- Não. Mas vimos o fruto dele cair e apagar pelas câmeras. – ele concluiu, pegando-me em seus braços. – Agora descanse.

~x~

Acordei depois de um dia em uma sala que parecia ser na enfermaria. estava parada ao meu lado, lendo alguns papéis, até que me notou e veio falar:

- Eu não deveria dizer isso, mas depois de todos esses anos, acho que você merece saber a verdade. Não há escapatória, segundo os planos do Governador, você vai morrer de um jeito ou de outro. – ela disse séria, encarando o chão.
- Mas vocês fizeram os testes para saber se eu sobreviveria, certo? – eu tentei manter as esperanças.
- Quando os testes foram feitos, havia dois possíveis resultados: você sobreviveria a eles, mostrando que era capaz de adentrar o Portão; ou você morreria durante os procedimentos...
- Quer dizer então... – minha voz ficara fraca e falha com a revelação.
- Você pode se tornar uma contratante se for até lá, ou existe uma pequena chance de que você morra ao entrar em contato com a Mama, já que você sofreu muito durante os testes. – falou exatamente o que eu me recusava a pensar naquele momento. – Eu já não sei mais até que ponto a Organização está certa ou errada, mas com certeza o Governo não é menos culpado. Você é forte e pode fazer a diferença nessa batalha, não lutando, você não precisa disso. Use sua influência. Guie Kai e Luhan, conquiste os outros. Mas tome muito cuidado, talvez o grande trunfo não seja escolher um dos dois lados, mas sim criar o seu.

Nós encerramos o assunto naquele ponto e começamos então o relatório da minha primeira missão. Contei a todos os detalhes que pude observar sobre Suho, seu poder, que era controlar água e seu pagamento, que parecia ser contar até cem. Demorou pra que eu concluísse esse último detalhe, mas tudo fez sentido: a falta de atenção na luta, seus lábios se movendo constantemente sem falar nada e por último o “cem” que ele havia falado com tanto alívio, para só então usar novamente o poder.
Achei melhor ignorar a participação de Baekhyun. Com certeza o Governo o estava rastreando através de seu fruto. Se eu contasse qualquer coisa a , implicaria em dar explicações que talvez me comprometessem, por isso apenas fiquei calada, deixando que ela fosse embora com seus papéis.

As palavras de ficaram gravadas na minha cabeça. Era como se eu as escutasse constantemente. Mas era difícil, eu não sabia o que fazer.
Minha única certeza era que ela tinha razão, eu não iria vencer essa guerra lutando sozinha. Isso era ridículo. Minha primeira missão havia deixado bem claro quais eram meus limites.
Só então eu parei para pensar o quão ingênua eu era. Eu jamais iria salvar o mundo. Era ridículo. Eu não estava lá para isso. Eu era apenas o bode expiatório. Eu estava domesticando Kai e atraindo a atenção de Luhan. Agora as palavras da começavam a fazer sentido.

De repente eu comecei a sentir minha pele queimar de ódio.
Levantei da cama e arranquei todos os tubos conectados ao meu corpo de uma só vez. Eu iria tirar aquilo a limpo.
Quatro anos haviam se passado, não havia sinal algum de e eu estava brincando de casinha com dois contratantes que eram considerados os mais perigosos. Aquele homem desgraçado estava brincando comigo, estava me usando.
Peguei minhas roupas jogadas em uma cadeira no canto do quarto, pela forma como estavam dispostas, com certeza haviam sido trazidas por Kai. Mas isso não importava. Ao chegar à porta, descobri que esta estava trancada, o que não ajudou nem um pouco a melhorar meu humor. Empurrei com o ombro algumas vezes, sem sucesso, até que tomei uma atitude mais drástica, dando um chute que fez com a fechadura e parte do batente partissem.
O lado de fora não era exatamente como eu esperava. Ao invés de um dos corredores da ala hospitalar da Sede, eu me deparei com uma sala escura.
Tateei por todos os lados, tentando achar algum interruptor, ou algo que pudesse iluminar, até que o monitor de um dos computadores acendeu repentinamente.
Com aquela luz fraca e azulada pude enxergar um pouco do que estava a minha volta. A sala parecia ser apenas mais um laboratório do Governo; mesas e computadores para todos os lados. O que me intrigava era eu estar lá. Meus ferimentos não eram tão graves, eu poderia ter ficado até mesmo em meu quarto, uma vez que poderia facilmente me medicar e trocar meus curativos lá.
Dei alguns passos lentos por toda a extensão iluminada pelo monitor; havia uma porta à direita do quarto onde eu estava.
Luhan havia me ensinado a não entrar sem ser convidada, mas eu estava furiosa e já havia quebrado uma porta; não faria diferença encontrar alguém naquele cômodo. Dirigi-me até o outro quarto, entrando sem cerimônia alguma. Havia muitas mesas e muitos computadores, assim como na sala anterior. A única fonte de luz era dois enormes cilindros de vidro, que emanavam um fraco brilho amarelo-azulado. Parecia haver alguma coisa dentro deles. Aproximei-me com cautela da redoma mais próxima e levei um susto ao notar o que havia lá dentro: uma pessoa.
Embaixo pude notar uma placa, era difícil ler o que estava escrito com aquela luz tão fraca. Tentei me aproximar um pouco mais, cerrando meus olhos e só então entendi o que as letras maiores diziam:

“Projeto D.O”


5 – O Problema

Nos dias seguintes eu só pensava em uma coisa: o que era aquele projeto? O que eram aqueles tubos?
No primeiro havia uma pessoa, porém não tive tempo de ver o segundo. Um alarme tocou e eu não pude continuar na sala; saí correndo e voltei para a sala que me deixara, antes que os seguranças me alcançassem.
Pensei em perguntar sobre o que eu havia visto, mas ela era correta demais e poderia acabar me denunciando. A conversa que nós tivemos naquele dia com certeza havia sido o passo mais longo que as pernas dela poderiam aguentar. Não era de seu feitio esse tipo de coisa, com certeza ela estava desesperada.


Tentei acalmar meus ânimos de todas as formas. Eram tantas informações novas de uma só vez. Pensar em tudo que acontecera me deixava cansada e desanimada. Eu me sentia perdida e sem esperanças.
Faltei aos treinos com Kai por uma semana, devido aos meus ferimentos. Como Luhan havia dito, meu rosto estava horrível. Era como se o desespero de Suho estivesse estampado em minha face através das manchas roxo-esverdeadas.
Minha visão também não estava boa, mas como eu estava ignorando a participação de Baekhyun, achei melhor não comentar. Afinal de contas, não era algo que realmente pudesse me atrapalhar.

Eu havia sido dispensada dos treinamentos, mas não das rondas. Assim que os hematomas mais aparentes começaram a desaparecer, tive de voltar a sair com Luhan pela Colônia.
No fundo, nós não fazíamos nada além de andar e trocar insultos. A ronda era completamente inútil, mas de certa forma, eu gostava. Andar me fazia ficar mais calma e enquanto eu discutia com Luhan acabava esquecendo os meus problemas.
Mas naquele dia em especial eu não estava interessada em trocadilhos maldosos ou piadas infames.

- O que é o projeto D.O? – eu não resisti, tive que perguntar a Luhan.
- Como você sabe sobre isso? Quem contou? – ele me encarou, a preocupação era óbvia em seus olhos - Você não falou sobre isso com Kai, certo?
- Não. Eu não falei com ninguém, você é o primeiro...
- Esqueça isso, esqueça para sempre! Nunca mais mencione nada a respeito. – era estranho vê-lo tão preocupado como estava agora.
- Havia dois tubos enormes na sala e tinham pessoas dentro deles... – eu tentei explicar o que havia visto, ignorando as palavras dele, mas logo fui interrompida.
- Pessoas? Não é você que nos chama de monstros? Não é você que diz que nós não merecemos ser chamados de humanos? – se eu não estivesse olhando para os olhos dele nesse momento, com certeza acharia que estava irritado, mas ao contrário do que possa parecer, ele estava tão calmo como nunca, o desespero que ele demonstrava quando a conversa fora iniciada, agora havia sumido completamente.
- Então são dois contratantes? Mas por que estão lá? Você não deveria ajudá-los, afinal são da sua espécie, certo?! – tentei usar um tom provocante ao final, talvez eu conseguisse tirar algo dele dessa forma.
- Nossa espécie não tem consciência, logo, não nos importamos uns com os outros. – touché, Luhan sempre tinha uma resposta na ponta da língua.
- Não foi o que pareceu quando você perguntou se Kai sabia sobre isso...
- Ok! Você venceu. Eu vou explicar, mas você não pode contar ao Kai. Não vou ameaçá-la com morte ou qualquer coisa do tipo, primeiro porque eu sei que não vai funcionar, segundo porque contar não é vantagem para nenhum de nós dois e já está na hora de você começar a pensar logicamente.

Luhan se deitou no gramado após terminar sua fala. Já estava começando a escurecer e era noite de lua cheia, o que fazia com que o clima fosse extremamente agradável.
Sentei-me ao lado dele, dando sinal para que ele começasse logo a contar sua história, pois já estava acomodada.

- Uns anos atrás, nós éramos um grupo grande de contratantes. Inclusive alguns membros da Organização nos acompanhavam: Kris, Baekhyun e Sehun...
- Eu não conheço ainda esse tal Sehun... – eu o interrompi, o que fez Luhan me encarar com um enorme bico e sobrancelhas tensionadas.
- Você realmente não tem educação. Continuando: eu, Kai e Kyungsoo éramos membros desse grupo. Eu sei que você está curiosa sobre isso, antes que me interrompa novamente, Kyungsoo era amigo de Kai, antes mesmo de terem despertado. Os dois costumavam ser quase como você e sua amiga desaparecida. Não sei se você sabe, mas nós contratantes também não temos esse senso de feminino e masculino, além do certo e errado ou bem e mal. Na verdade, nós não nos importamos com nada disso. Dizem que contratantes não amam, mas a verdade é que alguns sentimentos continuam presentes em alguns de nós, como uma espécie de vício. O que aconteceu foi que Kai e Kyungsoo desenvolveram uma relação um pouco diferente após despertarem. Por isso eu disse aquilo a você. Kai não a ama, nem nunca amou Kyungsoo. Mas ele precisa de vocês para continuar. Ele precisa de um motivo. Depois de perder Kyungsoo, ele ganhou você. – Luhan fez uma pequena pausa, ficando apenas a observar as estrelas.
- Mas o que aconteceu com esse tal Kyungsoo? – eu finalmente me rendi e deitei, aquela conversa seria longa.
- O Projeto D.O; Kyungsoo está dentro do tubo que você viu. Mas Kai não sabe disso e nem pode saber. O projeto é parte de uma iniciativa do Governo. Você sabe, o objetivo deles é acabar com todos os contratantes ou, ao menos, conseguir controlar o despertar. E lá é que são feitos os experimentos. – Luhan falava sobre isso sem demonstrar nenhum tipo de preocupação além do fato de que Kai não poderia saber. Aparentemente, o extermínio dos contratantes não o preocupava ou ele não achava isso possível.
- Você sabe quem está no outro tubo?
- Não. Eu não sou autorizado a entrar naquela sala, muito menos a acompanhar o que acontece lá. Eu só sabia que o primeiro estava lá, o outro tudo deve ser mais recente. Quando eu os ajudei a levarem Kyungsoo até lá, só havia um. – ele continuava sem demonstrar qualquer resquício de preocupação.
- Você ajudou? Eu realmente não entendo qual é a sua. Você está do lado de quem, afinal de contas? – eu perguntei, sem pensar que na resposta óbvia que receberia em seguida.
- Estou do meu lado. Não me importo com o Governo, nem com Kai ou Kyungsoo, muito menos com você ou sua amiga.
- Então por que eu não posso contar isso pro Kai? – se ele não se importava com nada, não deveria se importar com isso também, era o que eu pensava.
- Porque é cômodo que ele não saiba. Ele com certeza teria um daqueles ataques de humanidade dele e me acusaria. Apenas quero me poupar de uma confusão desnecessária. – foi só então que eu entendi como realmente funcionava a lógica na cabeça de um contratante. – O Governo nunca achará uma solução eficaz. A reposta para acabar com contratantes é como a resposta para a raiz de um número negativo, ela não existe, apenas se encontra uma forma de lidar com o impecilho que continuará sempre ali. A Mama não pode ser destruída e os contratantes nunca mais deixarão de existir.
- Mas você não respondeu, por que ajudou a pegar Kyungsoo? – eu insisti mais um pouco naquele ponto. Apesar de tudo, eu ainda não conseguia acreditar que Luhan havia traído um de seus amigos dessa forma.
- Essa é uma história longa e complicada. Vamos deixar para uma próxima oportunidade, ok?! – eu não tinha pressa, aquela era apenas uma curiosidade boba minha, eu podia esperar mais pela resposta.

Passei um tempo conversando com Luhan sobre teorias e sua opinião sobre o assunto. De fato, ele não se importava com nada, contanto que ele não tivesse que gastar suas energias desnecessariamente. Tudo que ele queria era seguir em frente com o mínimo esforço possível e eu não podia culpá-lo por isso. Até certo ponto, ele estava certo.
Ele não havia pedido para ser o que era. Ninguém pedia por isso. Não havia escolha. O funcionamento da Mama era como uma loteria e, por mais que uma pessoa desejasse ser um contratante, ir até a Mama não era garantia de despertar.
Eu poderia me tornar uma contratante. Era duro aceitar isso, mas era verdade. O fato de não estar morta até aquele ponto significava que eu me diferenciava em algum ponto das outras pessoas.

~x~

Três meses haviam passado desde a morte de Suho. Eu estava recuperada de meus ferimentos e já havia voltado às minhas atividades regulares.
Desde então, não havia tido mais nenhuma ordem.
Continuei tentando investigar o que eram os tais tubos, porém sem êxito. Por dias eu tive vontade de voltar até lá, porém depois de ter aquela conversa com Luhan ele passou a me viajar com muito mais atenção que o normal. Ele fez questão de garantir que eu ficaria longe daquela sala.

A Organização não dava sinal de vida novamente e isso deixava totalmente fora de si. Ela sempre falava que era imprescindível saber os passos dos inimigos. Porém, os membros da Organização em sua grade parte eram desconhecidos pelo Governo e sempre agiam em total sigilo, fazendo com o que nosso trabalho fosse muito mais complicado.

O primeiro contato da Organização foi depois de um de meus treinos, quando eu encontrei a carta em meu quarto. O envelope era pequeno e amarelado. Do lado de fora estava escrito meu nome em letras cursivas muito bem desenhadas e os respingos de tinta mostravam que havia sido usada uma pena.
Rasguei uma das laterais para abrir, tirando o pequeno papel amassado de dentro, que dizia o seguinte:

“Nós precisamos conversar para resolver esse mal entendido. Encontre-me no mesmo lugar onde encontrou Suho, amanhã ao por do sol.

Baekhyun”


“Estranho” foi meu primeiro pensamento ao ler aquilo. Provavelmente era uma armadilha. Com certeza ele estava furioso pela morte do amigo e estava me chamando até lá para se vingar.
Pensei em muitas teorias, sempre tentando justificar minha ida, independente do que fosse, com o rapto de . Eu queria ir até lá, eu queria gritar com Baekhyun, eu queria bater nele e descontar toda a minha raiva. De certa forma, eu devia muito mais a ele, já que Suho estava morto; ao menos era isso o que eu pensava, já que eu não conseguia aceitar a ideia de que minha amiga poderia estar morta a essa altura.
Demorou até que eu pensasse na coisa mais óbvia: como aquela carta estava dentro de meu quarto?
Luhan estava me vigiando durante todo o dia e Kai jamais faria aquilo, o que automaticamente excluía os dois dessa culpa.
Na verdade, poderia ter sido qualquer um dentro da Sede, o que me preocupava, já que isso levantava a possibilidade de termos um traidor.
Eu não deveria me importar com isso, exceto pelo fato que, se descobrissem que eu tinha conhecimento disso e estava mantendo em segredo, eu poderia ser considerada como uma traidora também, o que me deixaria em maus lençóis.

Por um instante eu simplesmente parei, não queria pensar em mais nada.
Eu estava envolvida em coisas que não tinham nada a ver comigo e isso estava me deixando louca. Tudo que eu queria desde o começo era apenas reencontrar minha amiga e agora eu estava completamente tomada por tudo aquilo.
Respirei fundo e tomei a decisão mais idiota, porém a mais simples e que mais me satisfazia naquele momento: eu ia encontrar Baekhyun.

~x~

Para não chamar atenção de ninguém da Sede, saí a pé, dando como desculpa que iria apenas dar uma caminhada para espairecer.
A minha sorte foi que Luhan não se importou muito com a minha saída. Aparentemente, para ele, estava tudo bem se eu não me aproximasse dos tubos novamente.
Chegar até o local do encontro, no entanto não seria tão fácil. Da outra vez eu havia sido levada por Luhan, de moto, enquanto que, dessa vez, eu dependeria basicamente de meus pés.
Após duas horas de caminhada, sem parar, comecei a desejar ter os poderes de Kris e simplesmente poder voar até lá. Eu o odiava, mas devo confessar, o poder daquele contratante era incrível. Ao menos era isso que meus pés doloridos e meu rosto que queimava com o sol forte me faziam pensar.
Ao chegar no local e ver que ainda estava em tempo e que o sol ainda começava a se por, agradeci mentalmente por ter tido a ideia de sair um pouco mais cedo. Eu não tinha noção do quão longe era. Pelo jeito, Luhan havia exagerado um pouco na velocidade da moto no outro dia.

Avistei o prédio onde eu vira Suho na janela pela primeira vez. Continuava o mesmo, exceto que o último andar estava um pouco mais destruído após nossa luta.
Baekhyun já deveria estar lá dentro me esperando. Preparei-me mentalmente para qualquer coisa que pudesse acontecer, incluindo uma possível armadilha que eu tentava ignorar.
Subi as escadas sem muita pressa, tentando dessa vez observar com mais calma tudo que estava a minha volta. Aquele lugar não era muito diferente das lembranças que eu tinha. Não havia muitos móveis no primeiro piso, apenas algumas cadeiras de madeira e um sofá sujo.

Ao chegar à sala em que eu havia encontrado Suho, vi que ao fundo, na parede contrária à porta, estava Baekhyun, sentado em uma poltrona. A sala estava diferente do que eu me lembrava; parecia que alguém havia limpado e tentado consertar os buracos que haviam sido feitos na parede aquele dia.

- Então, o que você quer? – eu fui direto ao ponto.
- Kris levou . Ela não está comigo, não temos motivo para continuarmos em lados opostos. – Baekhyun me observava atentamente enquanto falava – Eu gostaria de me redimir pelo que fiz, gostaria de ter o perdão de por tê-la enganado, por ter fingido que a amava.
- Suas palavras não me comovem. Fale logo o que quer... – eu fechei minha expressão.
- Eu posso ajudá-la a chegar até , mas preciso de algo em troca. – eu concordei com um aceno, pedindo que ele continuasse sua proposta – O Governo prendeu um de meus parceiros, Minseok. Ache-o e liberte-o, eu a levarei até a Resistência e você poderá ter sua amiga de volta.

~x~

E lá estava eu de volta à Sede, após ter selado meu trato com Baekhyun. Não seria fácil chegar até Minseok sem ter nenhuma informação adicional que não fosse seu nome, poder e pagamento: ele podia congelar e precisava comer logo em seguida.


- ? – eu tentei chamar a atenção dela, que parecia profundamente concentrada em seus papéis espalhados pela mesa – Você pode tirar uma dúvida minha?
- Ah, me desculpe, não notei que você estava aí. – ela desviou seu olhar das folhas, olhando em minha direção enquanto arrumava os óculos que usava – Pode falar...
- Onde ficam presos os contratantes que nós capturamos? Quer dizer, eu nunca capturei nenhum, mas imagino que algum já deve ter sido capturado em todos esses anos. Não é fácil prendê-los, certo? Por exemplo, se fosse Kai, seria impossível...
- Nós nunca capturamos nenhum deles, só temos nossos dois aliados. – ela interrompeu, séria, porém era possível sentir a apreensão em sua voz.

Sem dúvida aquilo que eu acabara de fazer havia sido extremamente idiota e Luhan me confirmara isso ao rir de mim quando saí da sala.

- Você já pode parar de me seguir. – eu ralhei.
- O lugar que você procura é exatamente aquele que já achou. Uma pena que você nunca chegará até lá enquanto eu estiver por aqui. – ele fechou o corredor com seu braço, impedindo a minha passagem – Eu achei o seu bilhete, o que Baekhyun quer? Ele pediu para que você libertasse Kyungsoo?
- Sai da minha frente! – eu tentei empurrá-lo, mas fui agarrada pelas costas e colocada contra a parede – Você não sabe de nada, me solta!

Luhan me segurou contra a parede, apertando seu corpo contra o meu, o que me fez respirar com muita dificuldade.
Tentei me debater para que ele me soltasse, mas além de ser mais forte, seu peso contra o meu corpo fazia com que eu não conseguisse me mover.

- Eu não vou contar ao Kai, ok?! – eu gritei, mas logo me arrependi ao notar que Kai acabara de parar ao nosso lado.
- O que você não vai me contar? – Kai me encarou com aqueles olhos que pareciam querer rasgar minha pele e tirar toda a verdade de dentro de mim à força.
- Que nós estamos saindo... – Luhan respondeu, completando sua justificativa com um beijo logo em seguida.

Kai balançou a cabeça em um sinal de desapontamento, não que ele parecesse ter ciúmes, era mais como se ele tivesse a prova definitiva de que eu e Luhan éramos dois retardados.

- Mas que droga foi essa? – comecei a discutir com Luhan assim que Kai se afastou.
- Eu precisava calar a sua boca de alguma forma... – ele respondeu com a cara fechada, indo embora na mesma direção de Kai.

Eu jamais imaginara que algo como aquilo pudesse acontecer. Fiquei alguns instantes parada, encostada na parede, tocando meus lábios. Luhan sempre tinha ótimas desculpas para absolutamente tudo, ele não precisava ter feito aquilo.
Pensei em correr atrás de Kai e dizer que tudo aquilo era apenas mais uma das provocações idiotas de Luhan, mas eu não tinha tempo para isso agora que eu estava sem meu vigia. Além do mais, ele não deveria se importar de verdade comigo. Não a ponto de ficar triste por um simples beijo como aquele. Na verdade, eu nem ao menos achava que ele era capaz de ficar triste.

Para a minha sorte, Luhan havia dado a dica eu precisava para achar Minseok: “O lugar que você procura é exatamente aquele que já achou.”
Era óbvio, Minseok estava no segundo tudo, ele era o contratante que havia sido capturado depois de Kyungsoo.
Corri na direção do laboratório; não era fácil chegar até lá, haviam guardas por todos os lados e eu precisava de autorizações para passar por algumas portas. A minha sorte foi chegar exatamente na troca de turno: os que estavam saindo estavam preocupados em irem logo descansar, enquanto que os que entravam estavam com preguiça demais para prestar atenção em mim.


Ao entrar na sala, eu corri direto para o segundo tubo. A placa nele dizia: “Projeto Xiumin”. Não era exatamente o nome que eu conhecia, mas não havia outra opção. Eu conhecia a historia de quem estava no primeiro tubo e sabia que não poderia ser quem eu procurava.
Olhei em volta, procurando algo que me indicasse como abrir aquela cápsula, até que achei uma opção na tela do computador que dizia “drenagem”. Eu não sabia o que exatamente seria drenado, mas torci para que fosse a água ao ativar o equipamento.
Um barulho alto começou e eu notei que o nível do líquido começava a descer. Após alguns minutos eu notei que o garoto lá dentro começava a mover seus dedos, talvez ele estivesse recuperando a consciência, porém, o nível da água lá dentro ainda era alto ele continuava completamente submerso.

- Então era isso que eu não podia ver?

A voz de Kai me assustou. Não era possível que ele estivesse lá. Virei para trás, pensando que aquilo só podia ter sido alguma brincadeira do meu inconsciente que se sentia culpado. Mas não foi isso que meus olhos viram: atrás de mim estava ele, parado, com os olhos arregalados e a expressão completamente surpresa ao notar quem estava no primeiro tubo.


6 – A Revelação

Achei que Kai fosse ficar furioso, mas a reação dele foi surpreendente. Nós tiramos os dois contratantes presos de seus tubos e os levamos para uma casa em uma região um pouco afastada a oeste da Colônia.
Eu expliquei tudo o que havia acontecido a ele, recebendo apenas um aceno positivo como resposta. Fiquei um pouco apreensiva, pois eu não fazia ideia do que se passava na cabeça dele. Mas a verdade é que havia sido um alívio, ao menos até certo ponto, pois Kai os tirou da sala usando seu poder com muita facilidade.
O problema agora era que logo iriam notar que os tubos se encontravam vazios e, uma vez que Luhan notasse isso, eu estaria perdida.

- Não entendo quais foram os motivos que levaram Luhan a fazer isso. De qualquer forma, isso não faz mais diferença. – Kai se mostrava completamente alheio a qualquer problema. Não havia raiva ou ódio em suas palavras, o que me deixou preocupada.
- Luhan vai ficar furioso comigo... – eu reclamei baixinho, enquanto limpava o rosto de Minseok com um lenço.
- Ele não vai saber que você esteve envolvida. – Kai respondeu, mantendo sua atenção no colega ainda desacordado. Ele olhava de uma forma diferente para Kyungsoo.
- Mas ele me seguiu durante todo esse tempo, ele sabe que eu estava tentando entrar lá novamente.
- Vamos fingir que nada aconteceu. Manteremos os dois escondidos aqui; eu posso voltar constantemente para verificar quando acordarão. – ele se levantou e caminhou em minha direção – Vamos voltar e fingir que você passou a noite me consolando depois daquele beijo idiota. Luhan vai acreditar, ele é um imbecil, acha que tudo gira em torno dele e de suas atitudes egoístas. Além do mais, ele desconfia que nós estamos juntos há muito tempo...

Era difícil entender o que se passava na cabeça daqueles dois. Era como se vivessem em uma constante competição onde nunca havia um vencedor e, eu, no final das contas, havia me tornado o objeto que eles usavam para se enfrentar.
Não vou fingir que isso não me irritava. Eu me sentia péssima e a raiva que eu tinha pelos dois aumentava cada vez que eu era tratada dessa forma. Mas eu sempre estava contra a parede. Desde que fora capturada, eu sempre estive em desvantagem e aceitar sempre fora uma das minhas poucas opções.

Voltei com Kai para a Sede, direto para seu quarto. Eu nunca havia entrado lá; apesar de todo o tempo que passávamos juntos e das constantes visitas dele ao meu quarto, eu nunca me interessara em conhecer o dele.
Não era um lugar muito interessante. Paredes brancas e lisas, uma cama, um armário, uma mesa, uma cadeira e uma poltrona. Se não conhecesse o dono, com certeza acharia que aquele era o quarto de um senhor idoso.
Fiquei em pé, parada, observando-o: ele foi até o armário, pegou uma toalha e tirou a camisa, indo em direção à porta do banheiro.

- Eu vou ter que ficar aqui mesmo? – eu perguntei, inocentemente.
- Hum... – Kai me encarou e eu me senti extremamente desconfortável ao vê-lo daquela forma – Você quer mentir mais ainda para o Luhan?
- Por que vocês gostam tanto assim de brincar comigo? Eu não sou uma boneca para vocês ficarem disputando!

Precipitei-me em direção a porta, com passos duros, mas logo fui parada por Kai, que segurou meu pulso. Virei-me para encará-lo, mas tudo que vi foi um garoto desapontado, tentando desviar seu olhar, observando o chão como se houvesse algo no nada que pedisse sua atenção.

- Não gostei de ver Luhan beijá-la. – ele continuou encarando o chão – Eu sei que você não vai acreditar, mas eu realmente quero que você fique aqui esta noite. Eu... Gosto de você.

Eu congelei ao ouvir aquilo.
Sempre acreditei que ele não pudesse ter sentimento algum, que ele era totalmente incapaz de qualquer coisa. Mas não era isso que a pressão que ele colocava ao segurar meu punho ou lágrima fina e brilhante que escorria pelo seu rosto me dizia. Era impossível não acreditar na sinceridade dele ao dizer tais palavras. Os atos dele naquele dia apenas comprovavam o quanto ele estava preocupado comigo. Ele pensou em todos os detalhes para despistar Luhan ou qualquer pessoa que trabalhasse na Sede, tendo inclusive tomado o cuidado de limpar minhas impressões digitais no laboratório. Em momento algum ele perguntou por que eu estava tentando libertar Xiumin.

- Me desculpe se agi indiferente todos esses anos, me desculpe por ter me envolvido com você dessa maneira, me desculpe por tudo. Eu gostaria que você soubesse que eu realmente me importo. Eu sempre estive ao seu lado... – as lágrimas começaram a cair por seu rosto e eu não consegui me conter, abracei-o, apertei-o contra o meu corpo com toda força que tinha. Eu não sabia se era capaz de correspondê-lo, mas ao menos naquele momento eu sentia que eu precisava estar ali – Me desculpe por tê-la seguido e nunca falado nada. Eu poderia tê-la ajudado contra Suho, mas eu apenas fiquei observando... Eu realmente acreditei que você pudesse derrotá-lo.
- Você estava vendo? – eu fiquei confusa com aquela revelação. Desde quando Kai me seguia e me observava dessa forma?
- Me desculpe, eu só estava preocupado e gostaria que tudo corresse bem. – ele levantou rosto e me encarou com aqueles olhos profundos de sempre.

Pensei em metralhá-lo com mil perguntas, mas ele parecia tão exausto. Apenas me sentei na ponta da cama e aguardei que ele fosse tomar um banho para se recompor.

- Suas palavras me deixaram com muitas dúvidas, mas acho que esse não é o momento para elas. – eu sorri, convidando-o a sentar-se ao meu lado. – Eu não entendo o que você sente por mim e não vou mentir para você, eu não sei se meus sentimentos por você são bons. Eu fui inserida em uma realidade totalmente desconhecida para mim e acabei me obrigando a aceitar tudo isso de uma forma que eu jamais faria e minha primeira reação foi odiar todo e qualquer contratante...
- Você é primeira pessoa que aceitou a nossa existência com tanta facilidade. – Kai olhava para sua mão enquanto entrelaçava seus próprios dedos.
- Na verdade, eu acho que nunca aceitei. Até hoje eu não sei se acredito que existam pessoas com poderes. É como se eu estivesse vivendo uma das histórias que eu lia quando era criança. - , você vai ficar comigo? Quer dizer, só essa noite. Eu posso dormir no chão. Mas não vá embora, por favor. Isso não tem nada a ver com Luhan, eu quero que você fique.

O silêncio tomou conta do quarto após Kai pronunciar a última fase.
Nada daquilo fazia sentido para mim, mas eu estava curiosa. Lembrei-me de meus primeiros treinos com ele, da forma como eu me sentia provocada, de como era sentir a pele dele em contato com a minha, mesmo que por engano.
Virei meu corpo na direção ao dele e levei uma de minhas mãos até seu rosto, trazendo-o para perto de mim. Antes de tocar seus lábios eu respirei fundo, sentindo seu cheiro e aproveitando cada segundo daquela novidade. Era fato que eu conhecia bem aquele corpo, mas depois do que eu ouvira, era como se eu estivesse conhecendo uma nova pessoa.
Ele era real, afinal de contas. Não havia motivo para duvidar.
Naquela noite, eu entreguei meu corpo para Jongin.

Passaram-se dois dias e nada foi dito a respeito do sumiço dos contratantes presos. Tudo corria normalmente, como se nada tivesse acontecido.
A única coisa que havia mudado era o humor de Luhan quando eu e Kai estávamos juntos. Ele não era bobo e havia notado que havia um clima diferente.
No entanto, meu contato íntimo com Kai não havia se estendido além daquela noite. Nos dias seguintes, nós apenas mantivemos contato, sempre tendo como foco Minseok e Kyungsoo.

- Um deles acordou; você deveria ir lá... – Kai disse baixinho, olhando para as prateleiras da sala de pesquisa, fingindo que procurava alguma coisa.
- Você pode me levar até lá? - levantei meus olhos em sua direção, esperando pela resposta positiva que veio logo em seguida.

Kai era um ótimo meio de transporte. Rápido e simples. Ao contrário do metrô que eu tanto odiava. Em uma questão de milésimos eu estava na casa abandonada em que havíamos deixado os dois garotos.

A cama onde deveria estar Minseok estava vazia. Andei pelos outros dois cômodos e logo o avistei.

- Oi, você é o Minseok? – eu observei o garoto acuado, encolhido em um canto, tremendo de frio.

Ele não disse nada, apenas balançou a cabeça levemente, dando a entender que aquele realmente era o seu nome.
Tentei me aproximar com cuidado para não assustá-lo. Seu rosto exibia uma expressão de dúvida e medo. Por um instante eu comecei a imaginar como seria quando Kyungsoo acordasse, afinal de contas, ele havia passado muito mais tempo imerso.

- Tudo bem, eu só quero ajudar você. Aqui está frio, venha comigo, vamos pegar uma coberta. – eu sorri da forma mais acolhedora que eu consegui, mas não sei se foi suficiente, pois ele continuou ali imóvel, com o olhar desconfiado. – Baekhyun me pediu para tirá-lo de lá...
- Você o conhece? Onde ele está? – as primeiras palavras que saíram da boca dele foram meio travadas.
- Eu não sei onde ele está, mas ele pediu que eu tirasse você da Sede. Acredito que ele aparecerá em breve para revê-lo.
- Não! Eu não quero... Por favor, não diga que eu estou aqui, eu não quero voltar! – a reação dele me surpreendeu, achei que eles fossem parte do mesmo grupo. Mas era fácil de ver o desespero estampado em seus olhos.
- Calma! Vamos, primeiro você precisa se aquecer. De qualquer forma, eu não irei deixar que você volte a ser preso novamente...

~x~

Nós estávamos no inverno, mas eu não me lembrava de ter passado tanto frio assim antes. Eu corri por toda a Sede implorando para quem fosse por um aquecedor em meu quarto, mas todos sempre falavam que não era necessário e que isso me faria mal.
Mal eu iria ficar se dormisse mais uma noite naquele quarto gelado. Eu tentava me cobrir e usar várias camadas de roupas, mas nada adiantava, eu estava sempre com frio.

- Por que você não dorme abraçada com o Kai? Ele pode esquentar você... – foi o comentário que Luhan fez quando me viu pedindo por um aquecedor pela milésima vez a um dos zeladores do prédio.
- Boa sugestão. – eu dei as costas a ele e fui em direção ao quarto de Kai.

Eu não havia voltado lá nenhuma vez depois daquele dia. Eu não queria manter uma relação com ninguém, muito menos com ele. Mas, no momento, ele era a única pessoa para quem eu ainda não havia pedido o bendito aquecedor. Não custava nada perguntar.


- Você tem um aquecedor? – eu entrei sem bater e perguntei sem fazer cerimônias, mas logo me arrependi, pois a cena que eu vi me fez ficar vermelha como um tomate. Kai estava colocando suas roupas, sem camisa e com a calça ainda aberta.
- Você está envergonhada? Hum, não é como se você ainda não tivesse visto nada disso... – ele comentou em meio a sua risada, caminhando em minha direção e fechando a porta atrás de mim. - Ahn, eu acho que nós não deveríamos... – eu desviei meu rosto quando ele tentou me beijar.
- Você realmente veio até aqui e entrou desse jeito por um aquecedor? – ele ficou completamente incrédulo.
- Sim...

Kai bateu sua testa na porta atrás de mim e soltou um suspiro. Ele havia colocado expectativas demais naquela noite. Eu ainda tinha minhas dúvidas quanto a ele e não tinha certeza se podia levar aquilo adiante.

- Minseok não quer voltar com o Baekhyun... – eu tentei mudar de assunto.
- Eu não o culparia. Mas você tem o seu trato, certo? Você precisa entregá-lo para que consiga as informações sobre a sua amiga. – ele deu alguns passos para trás, afastando-se de mim e colocando a mão em seu pescoço.
- Qual é o problema com Baekhyun? – eu não conseguia entender o que havia de errado com aquele garoto que, aparentemente, até seus companheiros não gostavam.
- Nada. Ele só não está dançando de acordo com a música. – Kai não era tão explicativo quanto Luhan, era difícil tirar algo importante que tivesse proveito de nossas conversas. – Eu vou conseguir o seu aquecedor, pode ir, eu o deixarei no seu quarto.
- Obrigada. – eu fui em sua direção e encostei meus lábios em seu rosto num leve beijo de agradecimento. Na verdade, mesmo tendo dúvidas, eu não queria perder por completo a oportunidade que eu tinha com ele por um motivo simples: ele me deixava curiosa.

~x~

O contato de Baekhyun veio mais cedo do que eu esperava. Um novo bilhete fora deixado em meu quarto (e novamente não fui capaz de identificar quem o havia deixado lá), no mesmo lugar.
A letra dessa vez parecia diferente, não havia todo o cuidado e delicadeza na escrita. Talvez fosse pressa em escrever, mas eu duvidava. Era mais provável que o bilhete tivesse sido escrito por outra pessoa, apesar da assinatura final ser de Baekhyun.
As instruções eram simples: amanhã, mesmo lugar e mesmo horário.

Minha primeira reação foi correr e contar para Kai. Mostrei os dois bilhetes e ele confirmou: a letra do segundo papel não era da mesma pessoa. Mas ele não acreditava que fosse uma armadilha, ao contrário de mim, que sempre tomava essa possibilidade como a primeira escolha.

A parte difícil agora era tirar Xiumin da casa em que estava escondido. Ele estava fraco e por isso não havia sequer tentado fugir.
Enquanto isso Kyungsoo continuava desacordado, o que me deixava preocupada, porém não parecia atingir Kai, que sempre dizia que quanto mais ele descansasse, melhor seria quando acordasse. Talvez ele tivesse razão, pois Minseok ainda estava com uma aparência terrível, magro e pálido; as olheiras profundas o faziam parecer extremamente doente. Ele conseguia andar com muita dificuldade e isso me trazia uma culpa imensa. Eu não queria entregá-lo a Baekhyun, queria poder cuidar dele, pois no fundo, eu gostaria que alguém fizesse isso por também. Mas eu precisava garantir que quem cuidaria dela era eu, e depois de todos esses anos eu não podia arriscar perder minha única pista.

- Quer que eu vá junto dessa vez? – Kai perguntou enquanto me observava arrumar minhas coisas. Nos últimos dias, Luhan havia desaparecido por completo, enquanto ele havia se tornado uma companhia constante, mesmo que um pouco bravo por não ter tudo aquilo que desejava.
- Você não foi da última vez? – eu tentei não soar mal educada, porém, o teor da minha pergunta não ajudava muito depois do que ele havia revelado.
- Não. Saber disso incomoda tanto assim? Eu não fui atrás de você à toa, apenas quis garantir que Suho não estava armando uma emboscada. – ele continuou parado, encostado à parede, com os braços cruzados.
- Só me diga uma coisa, desde quando você faz isso? Desde quando você se importa tanto assim? – eu precisava saber, mesmo não tendo certeza se a resposta me agradaria.
- Desde que a vi pela primeira vez, talvez... - ele abaixou a cabeça e suspirou, sumindo logo em seguida.


No dia seguinte, Kai me levou até a casa em que Xiumin estava, por sorte ele havia adormecido, então não precisaríamos justificar para onde ele estava indo.
Acabei por concordar com a companhia de Kai, já que tendo ele por perto era muito mais fácil chegar lá. Mas tentei manter o assunto que havia encerrado nossa última conversa afastado de meus pensamentos. No momento eu só queria me concentrar naquele encontro, que poderia ser decisivo para mim.

Kai levantou Minseok e nós o carregamos apoiado em nossos ombros. Ele era realmente leve, eu era capaz de carregá-lo sozinha, o que me fazia sentir mais culpa ainda, pois ele se encontrava tão frágil e desprotegido, mesmo sendo um contratante. Ele sequer havia tentado usar seu poder. Cada vez mais eu me sentia um monstro por estar fazendo aquilo.
Subimos as escadas e fomos à já conhecida sala. A porta estava fechada, o que me fez desconfiar que algo estivesse errado.

- Da última vez que você veio aqui também foi assim? – Kai continuava girando a maçaneta, pois poderia estar emperrada por ser velha.
- Não, a porta estava escancarada.
- Espere, você sente? – ele começou a olhar em volta, como se estivesse procurando alguém.

Em uma questão de segundos, as janelas e portas começaram a bater. Era como se uma tempestade estivesse vindo. O vento dentro do prédio era forte e eu não conseguia entender de onde vinha.
Kai não parava de olhar à sua volta e agora começa a praguejar como se houvesse alguém ali. Tentei olhar ao meu redor também, porém o vento levantava toda a poeira acumulada naquela antiga edificação, fazendo com que eu não conseguisse enxergar muito além.
Uma risada ecoou pelo cômodo e só então eu notei que Minseok estava acordado, agora sustentando seu próprio peso, ele mantinha apenas as palmas de suas mãos encostadas em mim e Kai, enquanto seu rosto exibia um sorriso de satisfação.
Kai tentou me empurrar para longe dele, porém tarde demais, uma parte de meu ombro, onde Xiumin havia tocado, estava quase congelada; a pele esbranquiçada com as veias aparentes queimava.
Eu podia ouvir a movimentação pelo cômodo, mas não conseguia ver nada e a dor que eu sentia era enorme. Kai havia saído de meu campo de visão e naquele momento eu só pude ouvi-lo chamar meu nome.
Cambaleei para o lado, tentando encontrar algum lugar me apoiar, e então vi uma luz fraca deslizando, era Baekhyun. Tentei correr na direção dele, mas acabei dando de cara com o dono das risadas, o contratante que estava controlando aquele vento.
A última coisa que escutei antes de perder a consciência foi a voz de Kai, que me chamava em tom de desespero.


7 – A Transição

A primeira conclusão que eu pude tirar era de que Sehun era o contratante mais desprezível que existia. Senti-me ingênua por julgar tão mal Kai e Luhan, pois perto daquele demônio, eles eram como anjos.

Eu estava amarrada com as mãos para trás, meus joelhos estavam dobrados e o peso do meu corpo sobre minhas pernas fez com que elas ficassem dormentes. Minhas costas estavam apoiadas em uma tubulação antiga de metal, toda enferrujada e gelada, por conta da água que passava por lá. Os ferimentos em meu corpo haviam parado de sangrar àquela altura, mas eu me sentia péssima. Cada centímetro do meu corpo doía.
Logo a minha frente estava Kai, não estava amarrado como eu, afinal, cordas não o segurariam. Estava jogado ao chão de qualquer jeito, com uma agulha que injetava um soro em sua veia, fazendo com que ele ficasse desacordado, a única forma de segurar o contratante que podia se teleportar.

- Perdão, senhorita ... – Sehun se desculpou logo após o chute que acertou em cheio meu abdômen, fazendo com que eu cuspisse uma enorme quantidade de sangue – Agora, vamos aos negócios, onde está Kyungsoo? Ahn, não, não, não, se você não for boazinha eu serei obrigado a repetir aquilo... – ele continuou ao ver-me fazendo força para estourar as cordas. Eu estava nervosa e se pudesse o mataria naquele segundo, mas, infelizmente, eu estava fraca demais para conseguir me soltar.
- Por que eu contaria a você? – eu precisava ganhar tempo. A ampola com o soro que estava sendo injetado em Kai parecia estar chegando ao final, talvez ele acordasse se eu conseguisse aguentar tempo suficiente.
- Bem, ao invés de matarmos você, Kai e , podemos matar apenas você e Kai. Posso poupar sua amiga. O que acha? É uma boa oferta. – seu olhar firme e a postura impecável faziam com que suas palavras soassem muito piores do que realmente eram.
- Sehun? – Xiumin entrou no cômodo sujo, com paredes esverdeadas, chamando pelo colega.
- O que você quer? Não vê que eu estou ocupado? – Sehun ralhou com o mais velho; apesar de ser o mais novo de todos, era o que mais mandava e amedrontava.
- Eles estão vindo...
- Merda! – a expressão de Sehun mudou e ele deu um soco no cano em que eu estava amarrada – Quanto tempo até chegarem?
- Alguns minutos. Baekhyun disse para largarmos a garota aqui e levarmos o Kai, ele tem um plano. – ao terminar de falar, Xiumin se virou e revelou que carregava mais uma bolsa com a substância que mantinha Kai desacordado.
- Ok, vamos terminar isso...

Sehun só deixou o cômodo após ter certeza de que cada milímetro de meu rosto estava roxo o suficiente para que eu não fosse reconhecida. Em poucos minutos ele desferiu uma série de socos e chutes que acabaram comigo.
Era difícil respirar e meus olhos estavam tão inchados que eu não conseguia ver quase nada. Acabei desistindo de tentar me soltar, eu estava cansada e sentia dor por todo meu corpo. Simplesmente me entreguei, acreditando que aquele era fim. Não importava quem estivesse por chegar, eu não tinha mais salvação. Mesmo que Luhan estivesse a caminho para me resgatar, não havia milagre capaz de curar todos aqueles ferimentos.
No momento em que eu desisti, várias coisas passaram pela minha cabeça, mas havia um nome que eu não desaparecia: . Eu não havia chegado nem perto de achá-la. Todos aqueles anos e eu não tinha nem uma confirmação de que ela estava viva. Segundo as poucas informações que eu tinha, ela deveria estar com a Organização, mas eu nem ao menos havia conseguido confirmar isso. Com o tempo meus pensamentos foram se esvaindo, comecei a perder os sentidos; eu já não via mas nada, não sentia nenhuma parte do meu corpo, tudo que restou foi o barulho da água que corria pela tubulação a qual estava amarrada.

Não sei quanto tempo passou. Não sei se dormi, desmaiei ou se estive acordada o tempo todo.
A voz masculina imponente ecoou pelo galpão sujo e vazio. Tentei abrir meus olhos ao sentir uma mão tocar meu rosto, mas nada pude enxergar. O toque leve e cuidadoso do estranho, que tentava mover meu corpo, era quente e parecia tão acolhedor. Talvez fosse minha situação tão frágil que me fizesse sentir assim, mas me senti segura naquelas braços.

- Vamos lev... eu ac..o ... Talvez Lay... – reconheci algumas partes da fala de alguém que aparentemente estava próximo, mas não o suficiente para saber o que estava acontecendo.
- Descanse, você vai ficar bem... – dessa vez pude escutar com clareza, o hálito quente daquela voz imponente ao pé do meu ouvido.


Acordei com dois olhos grandes e curiosos me encarando. As orelhas avantajadas e o sorriso infantil faziam daquele rosto especialmente engraçado.

- Oi! - ele me cumprimentou – Eu sei que deve estar doendo, mas o Chen disse que estamos indo o mais rápido possível encontrar o Lay e o Kris não poderia levar você voando porque poderia machucar mais ainda e você sentiria mais dor e isso não seria nada bom. É verdade que o pagamento do Sehun é fumar, você viu? – logo reconheci aquela voz masculina que havia me reconfortado. Apesar de grossa, olhando o conjunto, acabava parecendo demasiada infantil.
- Chanyeol... – movi meus olhos um pouco para o lado e notei um rosto conhecido: Kris. Eu deveria ficar furiosa, gritar e exigir notícias de , afinal, era ele que a havia levado, mas eu não tinha forças para isso e, no momento, ele era uma das pessoas que estava me ajudando.

Nós estávamos em uma van: eu estava deitada com a cabeça no colo de Chanyeol, que não parava de sorrir enquanto entrelaçava seus dedos em meus cabelos ensangüentados; Kris estava sentado em um banco logo a nossa frente, os braços cruzados e a expressão séria, exatamente como eu me lembrava dele. Eu não podia enxergar o motorista de onde eu estava, mas já sabia que ele se chama Chen.

As reviravoltas que minha vida dava eram simplesmente absurdas. Eu estava à beira da morte nas mãos de contratantes completamente desconhecidos (exceto Kris). Será que também havia passado por situações parecidas?
Eu realmente esperava que não...

- Você encontrou sua amiga? – Kris levantou a cabeça, olhando em minha direção com os olhos cerrados.
- Não, você a levou. – eu respondi com a voz fraca e falha, sem tentar discutir ou dar muitas explicações.
- Desde que nosso grupo se separou eu nunca mais a vi... – eu queria responder, queria entender o que estava acontecendo, mas eu quase não tinha forças para falar e, aparentemente, Chanyeol havia notado.
- Kris, vamos deixar isso para depois, tem muitas coisas que ela não sabe e ainda tem o Tao... Primeiro precisamos levá-la até o Lay. – ele cerrou um dos olhos com um meio sorriso acanhado, tentando mostrar ao colega que aquele era um péssimo momento.

Seguimos adiante por pelo menos mais uma hora. O galpão onde Sehun havia me levado deveria ser realmente longe.
Os movimentos leves e circulares que Chanyeol fazia enquanto brincava com meu cabelo acabaram fazendo com que eu adormecesse, acordando apenas com o tranco que a van dera ao parar.
“Chegamos!” a voz do garoto sentado à frente anunciou abrindo a porta do veículo. Eu não estava enxergando bem, então simplesmente ignorei o fato de que aquele rosto era familiar.
Os três tentaram me escoltar da forma mais delicada possível, tendo o máximo de cuidado e atenção a cada movimento que faziam. Era como se a qualquer momento eu pudesse partir ao meio.
Ao entrar na casa, olhei em volta: o lugar era sujo e escuro. Havia apenas um abajur com uma lâmpada amarelada clareando o ambiente, mas isso não me impedia de ver as teias de aranha e paredes encardidas por todos os lados. Tive a impressão de que alguns deles sequer dormiam em camas, a julgar pelos panos jogados no chão e a falta de móveis. Talvez morar em locais assim fosse uma característica de contratantes.

Ser levada para esse local nas condições em que eu estava com certeza não me faria melhorar. Mas eu não tinha o que fazer, estava por um fio.
Kris e Chen continuaram me carregando, enquanto Chanyeol me soltou para abrir a porta de um dos quartos.
Adentramos um novo cômodo, minúsculo e tão sujo quando a sala anterior. Nele havia uma janela e, logo abaixo dela, uma cama em que eu podia ver uma pessoa deitada.

- Este é Lay. Ele pode curá-la. - Chanyeol me encarou, com o típico brilho nos olhos. Ele parecia ter o poder de nunca desanimar e tentar fazer com as pessoas se sentissem bem.

Fui colocada em uma cadeira ao lado de Lay. Meu corpo todo doía como nunca. Eu mal conseguia suportar meu peso. Pensei em me jogar no chão, mas Chen ficou ao meu lado, segurando-me.
Virei meus olhos na direção do garoto deitado. Eu nunca o havia visto. Confesso que fiquei chocada com a imagem dele. Era magro, eu jamais havia visto alguém em tais condições; sua pele parecia frágil, como se o simples toque a rasgasse. Seus olhos fundos e cansados transpareciam dor e conforto ao mesmo tempo. Era como se sua vida o estivesse deixando aos poucos, tão lentamente que ele poderia viver por mais cem anos sofrendo. Era simplesmente desumano.

- Eu não posso... – eu tentei falar, mas minha voz saiu tão fraca que Chanyeol não se deu o trabalho de responder, apenas tocou meu rosto com uma de suas mãos e sorriu. Se Lay usasse seu poder para me curar, seu sofrimento só iria aumentar. Eu não queria aquilo. Eu estava fazendo pessoas demais sofrerem.
- Segure a mão dele, assim. – Chanyeol pegou minha mão e juntou à de Lay delicadamente.

Achei que ao tocar Lay eu sentiria alguma coisa, apareceria uma luz e seríamos rodeados por estrelinhas piscando, como em um conto de fadas. Mas nada aconteceu.

- Não está funcionando? - Chen perguntou, enquanto encarava os colegas, apreensivo.
- Está sim. É que desde que aquela garota mudou, os poderes do Lay ficaram mais fracos. - Chanyeol respondeu fazendo uma careta. A garota de quem ele falava com certeza era , eu só não conseguia entender o que eles queriam dizer quando falavam que ela havia mudado.

Aos poucos eu comecei a sentir uma sensação de alívio por todo o meu corpo. Era como se eu estivesse dentro de uma banheira de água quente em um dia frio. Fiquei ali por alguns minutos, até que minha mão foi separada de Lay.

- Pronto. Agora você só precisa descansar. Vou levá-la para um quarto melhor que esse. - Chanyeol levou uma das mãos a cabeça e deu deu um sorriso meio acanhado.

Levantei-me e logo ele veio tomar meu braço para me escoltar. Foi só então que eu notei o quão alto ele era, assim como Kris.
Saímos do quarto onde estava Lay e voltamos para o cômodo anterior. Meus olhos já estavam melhores e eu podia ver com maior clareza. O local não era tão sujo quanto eu achava; havia sim muitas teias de aranha e as paredes eram realmente encardidas, mas era habitável. Seguimos pela direita em direção a um corredor. Era curto e tinha várias portas, provavelmente outros quartos.
Chanyeol me guiou até a segunda porta à esquerda. O quarto era limpo, diferente do que Lay se encontrava, com paredes em um tom azulado. Havia um pequeno guarda roupa, uma escrivaninha com alguns papéis jogados em cima, uma cadeira de escritório e uma cama. Num dos cantos do quarto havia roupas jogadas, algumas manchadas de sangue.

- Ah, me desculpe pela bagunça, eu não sabia que teria uma visita. - ele se justificou, dando mais uma vez aquele sorriso acanhado - Descanse bem essa noite, amanhã o Tao irá chegar e ele tem muitas coisas para falar com você.

Deitei-me na cama enquanto ele puxava a cadeira para perto, dizendo que ficaria ao meu lado lendo um livro. Segundo ele, Lay costumava curar a todos em uma questão de segundos e nunca ficara mal daquela forma. Mas agora que as coisas haviam saído de controle ele não iria arriscar me deixar sozinha, por isso, ele ficaria ali para me socorrer caso fosse necessário.
Virei para o lado, encarando a janela; não entendia qual era a minha importância, mas me sentia bem. Ser importante para tantas pessoas inflava meu ego e eu não achava isso nada ruim.

- Por que vocês estão me ajudando? – era mais fácil perguntar, ao invés de perder o resto da noite pensando no assunto.
- Não sei. – ele sorriu assim que eu me virei em sua direção novamente - Existem alguns planos, mas eu não sei ao certo. Desde que nossa líder morreu as coisas andam meio bagunçadas. A Organização se separou e agora não existe mais nada... Espalharam alguns boatos de que nós formamos um novo grupo, mas a verdade é que o nosso grupo acabou.
- Me disseram que havia um grupo chamado Resistência, que aparentemente é o seu. – lembrei-me da conversa com Suho, em que ele disse que tal grupo tinha minha amiga como refém.
- Sabia que isso tinha algo a ver com ele. Acho que de todos, ele foi quem mais sentiu a partida da Ilayda. Mas nunca existiu um grupo chamado Resistência. Nós só tivemos alguns conflitos internos e nosso grupo se separou há alguns anos. Nós ainda continuamos levando o nome adiante, apenas para manter o Governo na defensiva. Só que nos últimos meses as coisas pioraram. – ele baixou a cabeça, apagando o sorriso de seu rosto pela primeira vez.
- Kris e Baekhyun costumavam andar juntos antes, eu me lembro. – eu observei.
- Essa é uma história longa e tediosa. Acredite, não vale a pena.
- Suho também me disse que vocês estavam com , mas Kris... – eu continuei, talvez eu finalmente fosse descobrir a verdade.
- Ahh, vou tentar explicar. O Governo queria capturar sua amiga, não sei dizer o motivo, mas antes das brigas, Baekhyun e Kris foram designados para vigiarem vocês duas. Kai e Luhan foram mandados para levá-la embora, mas Kris conseguiu levá-la antes. Nosso objetivo nunca foi separar vocês duas ou mantê-la como refém. Só queríamos garantir que o Governo não chegasse até ela. – era engraçado como ele falava tantas coisas sem parar um segundo sequer para respirar.
- Mas por que isso? Por que a deixaram? Não entendo.
- Eu não sei. – ele baixou a cabeça, com uma expressão um pouco confusa – Eu só faço o que mandam. Ahn... Acho que você deveria dormir agora. E-eu não tenho mais o que explicar pra você.

Passei alguns minutos refletindo o quanto eu havia acreditado naqueles estranhos. Eles eram contratantes, assim como Kai e Luhan, mas ao contrário desses dois, eu havia confiado neles cegamente sem pensar duas vezes, mesmo sabendo que eles não eram humanos e poderiam estar mentindo. Acabei adormecendo com as palavras de Chanyeol latejando em minha mente: “Kai e Luhan foram mandados para levá-la embora”.

~x~

Acordei com o sol em meu rosto. A janela do quarto estava aberta e Chanyeol não estava mais lá. Levantei-me e logo notei a diferença: as roupas sujas já não estavam mais jogadas e em cima da escrivaninha já não havia mais papel, mas sim uma pilha de roupas com um bilhete em cima:

“Espero que as roupas sirvam. Deixei algo para você comer na cozinha. Quando você acordar, nós não estaremos mais aqui, mas Tao chegará em breve, espere por ele.

Chanyeol”


A casa parecia vazia. Rumei até o quarto onde Lay estivera no dia anterior, mas nada achei ao abrir a porta. Fui em busca da cozinha e tive uma enorme surpresa ao encontrá-la: o cômodo era grande, com paredes e móveis brancos, extremamente limpo e bem arrumado, ao fundo havia uma enorme janela por onde entrava a luz do sol, fazendo com que o ambiente parecesse muito mais aconchegante que todo o restante da casa. Havia um garoto sentado em uma poltrona em um dos cantos, ele segurava uma xícara de café e fez um gesto para que eu me sentasse assim que notou minha presença.

- Não se lembra de mim? – respondi balançando a cabeça negativamente – Não a culpo, eu deveria parecer bem mais velho quando você me viu. Mas me surpreende não ter se lembrado de Chen...
- Nós já nos encontramos antes? – eu perguntei, pegando a outra xícara que estava sobre a pequena mesa entre as duas poltronas.
- Coincidentemente, naquela ocasião, você também estava tomando uma xícara de café. – ele sorriu enquanto me observava dar o primeiro gole.
- Você deve ser o Tao. - Eu não entendi, mas aquilo não parecia importante, então decidi apenas prosseguir com a conversa. O garoto sorriu respondendo que sim, era ele. – Então o que você tem de tão importante para me falar?
- Eles não sabem, mas o meu plano já deu errado faz tempo. Eu preciso de você. – ele levantou a xícara calmamente, tomando mais um gole.
- Me desculpe, mas eu não estou entendo mais nada. Estou cansada de todas as mensagens subliminares e códigos. Cansada de toda essa história de contratantes e MAMA. Cansada de apanhar, cansada de perder a consciência e aparecer em lugares sujos com gente estranha. Só quero minha amiga de volta... – eu caí em lágrimas, apoiando-me sobre meus joelhos.
- Esqueça tudo o que lhe disseram até agora. – ele dizia como se fosse algo extremamente simples – Devo lhe pedir desculpas, parte dessa confusão é culpa minha.
- Como assim?
- Como você já sabe, meu nome é Tao. Eu sou o contratante que controla o tempo. O único. Estou nesse mundo há alguns anos já, mas receio que meu fim esteja próximo, por isso eu preciso da sua ajuda. – eu continuei observando-o com a mesma expressão de dúvida - Em primeiro lugar, preciso que você entenda como funciona: a realidade é única, não existem outras dimensões ou tempos. Você é um ser único. Cada ação tomada influência diretamente nos acontecimentos futuros, porém, existem alguns pontos únicos e imutáveis. Viajando no tempo eu pude presenciar alguns desses momentos e a partir dele um plano foi traçado. O problema é eu não me desloco sozinho no tempo, pois a realidade é única, então, cada uma das vezes que eu fiz isso, acabei afetando o andamento de algumas coisas. Eu pretendia consertar as coisas, mas meu pagamento é rejuvenescer, e como você pode ver, eu estou chegando próximo de meus dezesseis anos novamente, o que me dá pouco tempo para lhe contar o que aconteceu, o que deveria acontecer e o que acontecerá.
- Mas se você contar o que acontece, muda, não é? – eu ainda estava tentando entender como isso funcionava.
- Essa conversa já estava prevista. Na verdade, eu mudei para que chegássemos a esse ponto. Você jamais deveria ter me visto na cafeteria, aquilo não fazia parte dos planos. Por isso Chen correu até a mim; eu não deveria estar lá. – Tao fez uma pequena pausa. Eu me mantive calada, esperando que ele continuasse. – Se eu não tivesse feito aquilo, você jamais teria se envolvido, teria sido sequestrada e você jamais a acharia viva. Seu futuro deveria ser apenas luto por sua amiga. De certa forma, eu me sinto culpado, pois envolvi você e agora as duas correm o mesmo risco.
- Você sabe o que acontece daqui pra frente? – eu não sabia se poderia perguntar, saber disso tudo me fazia ter medo de mudar o fluxo do tempo mais uma vez, mas mesmo assim, não pude resistir.
- Não. A partir da nossa conversa eu não sei mais o que acontece, sei o que deveria acontecer, mas isso já não deve ser a realidade. É melhor que seja assim. Quando não sabemos, não corremos o risco de mudar, apenas seguimos as linhas que o destino traçou. – ele olhou para o lado, observando os raios de sol que atingiam as paredes brancas, dando um brilho único ao local.
- Eu não acredito em destino... – as palavras saíram sem muita força de minha boca, mas eu realmente não acreditava.
- Se o destino não existisse, eu jamais teria chegado a você.


8 – A Mudança

Eu ainda estava em dúvida se deveria acreditar em tudo.

Minha conversa com Tao havia sido longa, ele me explicara muitas coisas sobre o passado, presente e futuro. O único problema é que o futuro que ele conhecia poderia não ser mais aquele, ou pelo menos, nós deveríamos lutar para que não fosse.

Segundo ele, não havia como ter certeza sobre o futuro, mesmo que soubesse tudo o que aconteceria. Era como uma loteria onde algumas coisas jamais mudavam e ele demorara em notar isso. Um desses acontecimentos era o fato de que seria levada naquele dia, não importando o que eu fizesse ou quem a levaria. De qualquer forma, ela seria sequestrada. Isso ajudou para que um pouco do peso que eu carregava pelo seu desaparecimento diminuísse, mas não mudava o fato de que eu ainda precisava achá-la. Tao disse que eu não deveria ter pressa, que esse momento chegaria e eu precisaria me preparar. Também me disse que era difícil entender como o tempo funcionava, explicando que havia acontecimentos aleatórios que eram sempre os mesmos, ações modificadoras que eram contrapostas às ações imutáveis. Ambos os casos só eram reconhecidos por ele após um erro, por isso Tao chamava de "loteria". Era impossível saber se algo mudaria, mesmo quando tudo parecia manter-se igual. Sempre havia a chance de um passo transformar tudo, como aconteceu quando ele entrou naquela cafeteria. Mas podia ser que tudo continuasse igual, mesmo que fizéssemos o impossível para modificar.
Mas o que realmente me fez duvidar da veracidade do que ele me contara era a parte sobre ser o problema. Segundo ele, ela era o que eles chamavam de “moratória”, um meio termo entre um contratante e um doll, porém, ela parecia ter algumas peculiaridades. O primeiro estágio havia sido despertado por Baekhyun, sem que ele soubesse. Foi quando ela começou a influenciar diretamente ações de vários contratantes diferentes, sem que soubesse, apenas por sua presença. Nesse ponto ela ainda agia normalmente como qualquer humano e não sabia o que estava acontecendo. O próximo estágio foi pouco antes da briga entre Kris e Baekhyun. Ela começou a apresentar as primeiras características de um doll. Foi nesse ponto que Tao entendeu o interesse que o Governo mostrava por ela.

A briga que fez com que a Organização se dissolvesse de uma vez por todas aconteceu quando demonstrou apenas seguir as ordens de Kris. Tao não quis mencionar o motivo exato, mas dava para imaginar que Baekhyun não gostara disso, afinal, ele era o namorado dela, mesmo que tudo aquilo tivesse sido planejado, como ele mesmo fez questão de frisar, aparentemente ele gostava da submissão dela e não gostou quando isso mudou.

Quando eu perguntei o porquê de haverem libertado-a, ele disse que não havia sido uma escolha deles. Ele não conseguia entender muito bem o que ela era, mas aparentemente ela exercia algum tipo de controle sobre todos eles.
Saber aquelas coisas sobre minha melhor amiga doía um pouco, mas o que realmente me deixou arrasada foi o que veio a seguir. Quando começamos a falar sobre o Governo e seus contratantes: Kai e Luhan. Eu não sabia, mas ambos estavam me seguindo há tempos, eles sabiam de tudo, sabiam que eu estava sendo enganada e usada. Eles estavam lá apenas para tirar minha atenção, para que eu jamais conseguisse encontrar , deixando assim o caminho livre para o Governo.
Eu já imaginava tudo isso, mas saber que era realmente verdade e que tudo que Kai havia feito era apenas para cumprir seu dever me deixava arrasada. Eu havia acreditado nele. Claro, em parte era culpa minha, eu sabia o que ele era, que não deveria confiar nele, que jamais deveria acreditar que ele tinha sentimentos, muito menos que me amava.


Quando Tao terminou de falar, uma lágrima escorreu em meu rosto. Mas logo fomos interrompidos por Chen, que chegara falando alto e animado. Tentei secar meu rosto discretamente, para que nenhum dos dois notasse como eu estava fragilizada.

- Achamos Kyungsoo. Estava na casa onde os pais de Kai moravam quando ainda eram vivos, lembra? – ele disse, olhando para Tao. Aquela informação não ajudou a acalmar o turbilhão de emoções dentro de mim, não esperava ouvir aquele nome novamente tão cedo.
- E os outros? – Tao perguntou, se referindo a Baekhyun, Sehun e Xiumin.
- Nós tivemos que usar um pouco de força, mas estão sob controle agora. Vamos? – ele olhou para trás e acenou para que eu os acompanhasse. Respirei fundo e tentei engolir as lágrimas restantes antes de segui-lo.
- Podem ir na frente. Eu tenho algo a fazer ainda. – Tao acenou para que eu fosse com Chen.

Seguimos viagem por pouco mais de uma hora. Era engraçado como eles costumavam andar apenas pela periferia da Colônia. Talvez fosse a forma que os contratantes haviam achado para viver no anonimato. Não havia nenhum deles que morasse no centro da Colônia e suas casas no geral tinham uma aparência péssima, segundo eles, para não chamar a atenção.
Chen era uma companhia agradável e passamos uma boa parte do tempo conversando. Aproveitei a simpatia dele para fazer mais algumas perguntas e tirar dúvidas que ainda restavam.

- A maioria das coisas que falam sobre contratantes são apenas lendas. Quando a Organização ainda era viva, foram inventadas várias histórias com o intuito de nos proteger dos humanos. Apesar dos poderes, nós somos frágeis perto dos homens. Se nossa existência fosse revelada, nós jamais conseguiríamos sobreviver, pois somos em número muito menor. – Chen falava, olhando fixamente para a estrada enquanto dirigia.
- Mas, se humanos chegarem perto da MAMA, eles podem morrer ou virar contratantes, certo? Então vocês estão protegidos... – eu perguntei, sentindo-me um pouco ignorante.
- Isso é mentira. Aconteceu que em um dos conflitos nós matamos alguns agentes que chegaram próximos a MAMA e por uma infeliz coincidência um deles se tornou um contratante mais tarde. O Governo, em seu típico desespero, logo concluiu que a MAMA tinha esse efeito. Claro que nós nunca desmentimos, já que isso só nos ajudava, mantendo os homens longe de lá. Por isso alguns contratantes vivem dentro do Portão do Inferno, e vez ou outra matam algum agente que tente se aproximar da árvore, assim podemos manter a lenda viva. É um pouco cruel, mas é uma questão de sobrevivência.
- Engraçado como surgem as lendas. Eu jamais imaginaria que era isso, ainda mais se tratando da MAMA... - eu observei.
- Você parece ter se acostumado muito bem com toda essa situação. Lembro de quando meu pai despertou, foi meu primeiro contato com um contratante. Do dia para noite ele se tornou frio, levou dois dias para que ele abandonasse eu e minha mãe. - ele disse sorrindo, como se estivesse contando uma história qualquer - Hoje em dia eu já não me importo mais, afinal de contas, eu também me tornei um, mas na época eu fiquei arrasado.
- Realmente, deve ter sido muito difícil. Eu ainda tenho minhas dúvidas quanto a toda essa história. Tenho a impressão de que um dia eu acordarei e me darei conta de que foi apenas um sonho. Acho que é por isso que estou me deixando levar tão facilmente sem desconfiar de nada.
- Você acredita porque é uma de nós. Confie em mim, é só uma questão de tempo... - Chen esticou um de seus braços, dando um tapa leve em meu braço ao notar minha reação de espanto - Eu estou brincando. Mas você tem uma certa empatia com contratantes...
- Eu nunca vi uma contratante, eu quero dizer, mulher. - eu argumentei.
- Não existem muitas mesmo... A maioria delas costuma assumir posições de liderança em seus grupos. A Organização era comandada por uma mulher. Dizem que antes de despertar, ela e Suho eram casados. - ele fez uma pequena pausa, parecia estar pensando em quais seriam suas próximas palavras - Confesso que não sei muito sobre isso. Eu e Chanyeol tínhamos cargos baixos dentro da Organização, costumávamos apenas cumprir as ordens recebidas.
- Ok então, última pergunta e prometo que depois dessa eu paro. - eu brinquei.
- Manda ver. Depois é a minha vez de fazer o interrogatório.
- Qual o seu poder e pagamento? – Chen fez uma careta logo após eu terminar de falar.
- Achei que você fosse perguntar algo mais difícil... Hum, meu poder é eletricidade e meu pagamento é dormir. – ele riu, um pouco envergonhado.
- Dormir? Então...
- Chega uma hora que eu acabo caindo no sono. Meu pagamento é como o de Tao, eu não posso pagar quando quiser, é meio que automático. Por isso eu preciso pensar bem quando e como usar meu poder. – ele esticou o pescoço, olhando adiante – Ah, chegamos, acho que minhas perguntas ficarão para depois.


Surpreendi-me ao chegarmos ao nosso destino final. Como sempre, eu esperava uma casa velha e caindo aos pedaços, porém dessa vez me deparei com uma bela casa, com um gramado verde à frente, paredes rosadas e janelas brancas.

- Gostou? - Chen perguntou, ao notar que eu parecia surpresa, e eu respondi que sim - É a casa onde Kris morava antes de despertar. A família dele, os Wu, fazia parte da elite da Colônia.

Estava longe de ser um palacete, mas era um local muito aconchegante. O primeiro cômodo era uma espécie de sala de recepção; possuía duas poltronas e uma mesinha com algumas bebidas e um pote com doces. Seguimos pela porta à direita e adentramos a verdadeira sala. Kris estava parado próximo à janela, os braços cruzados e o olhar perdido no horizonte.
Chen me cutucou e cochichou em meu ouvido: “Aquele é o Kyungsoo.”, apontando na direção do garoto.
Ele tinha a mesma aparência magra e frágil de Xiumin. Estava na sala sentando em um dos cantos do sofá grande e branco, encolhido e tremendo. Os olhos grandes e arregalados nos encaravam com medo.

- Ele perdeu os poderes... - Kris anunciou - E aparentemente a memória também se foi, já que não foi capaz de reconhecer nenhum de nós.
- Vocês o acharam acordado? - eu quis saber, já que até meu último contato ele continuava dormente.
- Não, usamos os poderes do Lay para ele acordar. - Chanyeol respondeu entrando na sala com uma caneca em suas mãos.
- Ele não se lembra do Kai? - minha voz saiu trêmula ao pronunciar esse nome, mesmo tendo me esforçado para falar normalmente.
- Não, ele não parece não se lembrar de absolutamente nada. - o garoto continuou, enquanto girava delicadamente sua caneca para misturar o líquido que havia dentro - Tentei conversar com o Minseok, mas ele insiste em ser um cretino...
- Talvez ele simplesmente não saiba nada... - eu arrisquei o palpite.
- Acho bem provável. - Kris concordou comigo.


Baekhyun, Sehun e Minseok estavam em um galpão no quintal atrás da casa. Os três estavam muito bem acorrentados em cadeiras e eu não pude conter minha felicidade ao presenciar aquilo.

- Vá em frente, humanos que guardam mágoas são o pior tipo. – Kris esticou o braço na direção de Sehun e eu logo entendi o que ele queria dizer com aquilo.
- Não, não, não... Eu tenho uma informação importante para você... – o garoto que antes havia se mostrado tão valente agora gritava de desespero com a simples ameaça de um tapa.
- Pode bater nele à vontade, ele já me disse que o Governo conseguiu capturar . – Chanyeol fazia a mesma cara que uma criança sapeca faria ao contar um segredo.

Minha vontade de acabar com a raça daquele merda era enorme, mas eu não queria me igualar a ele.


Depois que Tao chegou, nós conversamos e concluímos que seria melhor que eu voltasse a Sede e confirmasse a informação que Sehun havia conseguido.

~x~

Voltar à Sede do Governo era estranho. Eu havia passado pouco mais de uma semana afastada, mas tantas coisas haviam acontecido; eu já não me sentia à vontade estando lá.
Meus pensamentos haviam mudado, eu havia mudado.
A conversa que eu tivera com Tao havia sido decisiva. Eu finalmente sabia a verdade e estava decidida a fazer algo para mudar aquilo.
Andando pelos corredores eu avistei as mesmas pessoas de sempre; a diferença é que agora eu me perguntava: quais deles sabiam que eu estava sendo enganada? Quem esteve mentindo para mim todo esse tempo?
Esforcei-me para ignorar esses pensamentos e seguir adiante normalmente, como se nada tivesse acontecido.
Fui em direção ao meu quarto e logo estranhei, eu sempre deixava a porta trancada, mas ela estava escancarada. Aproximei-me com cautela, afinal de contas, se fosse Kai ele logo desaparecia se soubesse que eu estava chegando. Fiquei surpresa ao ver parada lá dentro e logo corri em sua direção.

- O que você está fazendo aqui? – sem querer, as palavras acabaram saindo num tom um pouco alterado.
- Me desculpe... E-eu não sabia que você já estava de volta. – ela gaguejou um pouco.

Notei que uma de suas mãos estava atrás de seu corpo, como se estivesse escondendo algo.
Eu já havia gritado e ela não parecia se importar muito com o fato de que eu sumi por tanto tempo e poderia estar morta, então apenas puxei seu braço para frente, sem me importar com a força que eu fazia para isso.
Em sua mão havia um bilhete, exatamente igual aos outros dois que haviam sido deixados em meu quarto.

- Então era você que deixava os bilhetes aqui? – eu puxei seu braço com mais força e arranquei o bilhete de sua mão, fazendo com que ela soltasse um gemido de dor.
- Eu fui obrigada a fazer isso. – ela disse em meio as lágrimas que começavam a escorrer – Eu não queria me envolver, mas..
Eu abri o bilhete descuidadamente e logo reconheci a letra cuidadosa de Baekhyun. Amassei-o antes mesmo de ler, não fazia diferença agora que ele estava preso.
- Infelizmente sua entrega foi tardia, Baekhyun está preso e nenhuma ameaça dele a partir de agora poderá me afetar. – a reação assustada dela me fez acreditar que ela realmente estava sendo usada e que nada tinha a ganhar com a isso – Apenas responda sim ou não para minha pergunta: o Governo capturou ?
- Sim! – ela gritou quando eu apertei seu pulso mais forte ainda, torcendo seu braço.

Assim que a soltei, ela correu para fora do quarto sem falar mais uma palavra se quer. Eu sabia que ela era inocente e que apenas seguia as ordens que lhes eram dadas. Ela não passava de um simples peão naquele jogo. Mas eu estava com raiva e infelizmente ela aparecera no momento errado. De todos que haviam mentido para mim, era a que provavelmente tinha a menor parcela de culpa, já que havia tentado me avisar.
Depois do ocorrido, saí andando furiosa sem pensar muito nas consequências e o momento que eu mais tentava adiar finalmente chegara. Em um dos corredores, acabei cruzando com Kai, que imediatamente me colocou contra a parede, me abraçando e beijando, sem receio algum de que alguém nos visse.

- , você está bem? Sumiu por todo esse tempo, eu fiquei muito preocupado. Procurei você por todos os cantos... – ele disse, ainda me abraçando.
- Não me chame assim, me solta... Nós não temos toda essa intimidade. – eu tentei me desvencilhar dele em vão. Em uma questão de segundos nós passamos do corredor da Sede para o quarto dele.

Parei por alguns segundos, sentindo a pele dele em contato com a minha. Eu gostava daquilo, eu o desejava.
Olhei em seus olhos, tentando entender o que acontecia. Ele havia me enganado, mentido, me usado. Mas eu podia ver em seus olhos, que agora começavam a ficar marejados, que ele me amava. Eu sabia que havia mudado os contratantes com seu despertar, mas ainda assim, não fazia sentido. Ele não deveria sentir nada.
Aquelas criaturas eram simplesmente impossíveis de se entender, não havia regras para eles, não havia leis; não existia matemática, física ou química que se aplicasse a eles.
- Me desculpe, eu quero você. – ele disse, vindo em minha direção para mais um beijo.

Eu deveria recusar. Pensei em empurrá-lo, gritar e sair correndo. Simulei em minha mente mil situações em que eu fugia dele, numa questão de segundos. Mas acabei me perdendo em seus braços.

~x~

Eu acordei com um sentimento que provavelmente era o que chamavam de ressaca moral.
Observei Kai ao meu lado: ele parecia estar dormindo profundamente. Essa era minha chance de sair sem que ele percebesse e pudesse me seguir.
Eu havia combinado que encontraria Kris e Chanyeol antes do meio dia, para que pudéssemos prosseguir com os planos, mas eu já estava com o tempo contado e precisava me apressar.
Peguei minhas roupas espalhadas pelo chão, me vesti o mais rápido que pude e saí do quarto cambaleando enquanto tentava ajeitar meu calçado.

O local marcado para nos encontramos era próximo a uma base de treinamento de soldados. O local era todo aberto, porém possuía várias construções e montes de sucata que eram usados para simular um campo de batalha. Eu havia frequentado aquele local algumas vezes quando ainda treinava com Kai.

Dirigi-me até lá e logo vi os dois escondidos atrás de uma barricada.
Chanyeol fez sinal para que eu me aproximasse quieta, se algum guarda nos descobrisse ali as coisas ficariam realmente ruins. Kris estava ao lado dele, olhando atentamente para algo. Caminhei lentamente para não fazer barulho e me abaixei, escondendo-me, assim como os dois. Olhei na mesma direção que Kris continuava encarando e logo entendi o porquê do olhar curioso dele. Eu finalmente vi depois de tento tempo. Minha surpresa foi tamanha que eu cheguei a ficar sem ar.
Ela estava parada, com pés dentro de uma espécie de bacia com água, havia correntes por todo o seu corpo. Seu olhar era vago, assim como o da garota que eu havia resgatado: Amber. Era como se o corpo estivesse vazio. Não havia ali.

- Vamos, ainda não é o momento... – Kris me puxou pelo braço, conduzindo-me para longe dali.
- Vocês sabiam? – minha voz estava trêmula e as lágrimas queriam começar a escorrer.
- Não, acabamos de descobrir quando viemos esperar por você. Ela não estava lá antes, deve fazer uma meia hora que a tiraram de um tubo e a acorrentaram naquele local. – Chanyeol explicou, tentando me acalmar.
- Tao está nos esperando no parque, vamos, ele disse que tinha algo importante para falar com você. – Kris encerrou o assunto, fazendo com que nós acelerássemos.

Depois de andarmos um pouco, alcançamos Tao no parque. Ele estava de costas, com as mãos no rosto, aparentando estar muito preocupado. Ao me aproximar, ele se virou em minha direção e disse o que eu mais temia ouvir:

- , você precisa matar ! Só você pode fazê-lo...

9 – O erro

Aquela frase ecoava em minha mente: “, você precisa matar !”. As palavras pareciam me rasgar por dentro. Eu jamais seria capaz de fazer isso, mesmo sabendo que era necessário.
Fiquei parada, observando o chão como se houvesse algo realmente importante e merecedor de minha atenção, mas tudo que eu queria era fugir, desaparecer.
“Por que eu precisava fazer isso?”, foi o que eu perguntei a Tao em meio às lágrimas. As palavras acabaram saindo muito em um tom meio exagerado, eu não queria gritar com ele. Mas eu estava nervosa.
Tentei me acalmar e respirei fundo para dar minha resposta final:
- Não. – eu falei para Tao, ainda encarando o chão.
- Não o que? – ele se aproximou, obrigando-me a encará-lo.
- Eu não vou matar minha melhor amiga. Ela é tudo que eu tenho. – expliquei-me.
- ... – ele acariciou meu rosto com uma de suas mãos, limpando minhas lágrimas – Eu sei que o que eu estou pedindo é loucura, mas eu preciso que você entenda que isso é necessário. Eu descobri algo... Infelizmente eu não posso contar, na verdade, eu nem deveria falar isso, as coisas não podem mudar, entende?
- Eu mal conheço você. Como espera me fazer esse tipo de pedido e achar que eu vou aceitar?
- Nenhum de nós pode fazer isso. Se eu pudesse fazê-lo... – suas mãos desceram em direção ao meu ombro, massageando-o levemente.
- Acho que o clima não está muito bom agora, por que a gente não descansa um pouco, toma um café, sei lá?! – Chanyeol se intrometeu, pegando em minha mão e puxando-me para longe de Tao.
- Tao, vamos... Agora não é o momento. – Kris o chamou e só então eu o encarei atenta, notando o quão mais jovem ele parecia.

Dei algumas voltas com Chanyeol. Permanecemos ambos calados por muito tempo, até que ele finalmente falou:

- Eu não consigo entender como você se sente, já que faz algum tempo que eu já não tenho esse tipo de sentimento. Desculpe por não poder fazer mais do que acompanhá-la.
- Você está sempre sorrindo, eu estava quase me convencendo. – confessei a ele.
- Eu ainda carrego alguns vícios de quando era humano; esse é provavelmente um deles. Você estava acostumada com o Luhan, eu entendo. Ele é o pior de todos nós. – ele concluiu, soltando um riso ao final.
- Faz tempo que eu não o vejo. Quando voltei à Sede encontrei apenas Kai... – falar isso me trazia lembranças que apertavam meu coração.
- Luhan está morto.
- Como assim? - eu havia sido pega de surpresa com aquela informação e acabei reagindo de forma exagerada.
- Nós não sabemos o que aconteceu. Apenas recebemos a informação que o fruto dele caiu. Bem, acho que o seu dia está meio complicado. Eu vou encontrar os outros. Acho que você deveria descansar um pouco. Nos encontramos amanhã na casa do Kris, o que acha?
- Tudo bem. – segui caminhando sem me despedir ou falar qualquer outra coisa.

Processar todas aquelas informações não estava sendo fácil, então apenas continuei andando sem rumo.
Desde que eu aceitara fazer parte do Governo, eu jamais voltara para meu antigo apartamento e ao lembrar-me disso acabei sentindo saudade.
Dirigi-me até o local onde eu morava antes; estava exatamente como eu havia deixado, tudo no mesmo lugar (inclusive a sujeira e a bagunça), mesmo depois de tanto tempo.
Era engraçado como tudo aquilo parecia comum. Não tinha nada especial, mas os últimos anos haviam me transformado de uma forma incompreensível e agora eu já nem me reconhecia direito. Fiquei parada em frente ao espelho do meu antigo quarto; eu tentava entender quem era aquela pessoa, pois a parecia já não estar mais lá.

- Você está linda como sempre… - eu levei um susto ao sentir aquelas mãos me tocando. Kai aparecera repentinamente.
- O que você faz aqui? - eu já havia desistido de brigar, não valia a pena. Apenas fechei meus olhos e acompanhei o movimento de suas mãos que contornavam meu rosto.
- Eu a vi passando pela rua. Eu sabia que você não iria gostar de ser seguida, mas queria ficar com você mais uma vez… - aquela frase havia soado de forma estranha, era como se ele estivesse se despedindo de mim.

Aquela com certeza era a relação mais estranha que poderia existir: eu e um contratante. Em especial o que eu mais odiava, o que mais havia mentido para mim; aquele que eu finalmente conseguira admitir que eu amava.
Todas as vezes que eu o via minha primeira reação sempre fora fazer perguntas, prestar contas, ficar brava. Dessa vez, por alguns segundos, cheguei a pensar em e Luhan, em pedir explicações, mas… Minha vida era uma bagunça, eu merecia ao menos uma noite que fosse apenas minha, e essa seria a noite.

~x~

Pela primeira vez eu acordara e estava sozinha em minha cama. Não fui eu que abandonara Kai dessa vez.
Tive que admitir: a sensação era péssima. Mas eu não podia culpá-lo.
Mas a verdade é que parte do meu mal estar se devia ao fato de que eu tivera um sonho péssimo durante a noite. Sentei em minha cama e fechei os olhos, apoiando minhas costas na cabeceira, tentando me recordar.


Eu corria pelas escadas de um edifício, rumo ao terraço.
Eu sabia o que encontraria lá, o problema era como. Eu não sabia o que fazer, era culpa minha, eu sabia que era. Por minha culpa ele havia perdido seus poderes. Por minha culpa ele estava lá. Por minha culpa ele tinha recuperado sua consciência humana. Por minha culpa ele não sentia mais vontade de viver.
Ao tocar o último degrau, enquanto levava minha mão rumo à maçaneta da porta, eu hesitei por alguns segundos. Talvez minha presença só piorasse tudo. Talvez ele estivesse bem. E se fosse o caso, ao ver-me, com certeza perderia o controle, afinal de contas, eu era a pessoa que havia arruinado sua vida.
Logo que fiquei sabendo sobre a existência dos contratantes, eu comecei a odiá-los. Kris em especial. Eu queria matá-lo por ter levado minha amiga. Eu queria poder acabar com todos eles, destrui-los para sempre.
Mas eu nunca havia parado para pensar que o que acontecera com eles não era uma escolha. Nenhum deles havia se tornado o que eram por escolha. Ser um contratante não era uma inclinação humana. Era a Mama que definia, ela os amaldiçoava. Se eu queria culpar algo, só poderia culpá-la. Mas eu havia demorado tempo demais para chegar a essa conclusão.
Abri a porta do terraço com calma, empurrei lentamente e me pus para fora sem muita urgência.
Ele estava lá, parado próximo a beirada. Vestia roupas brancas: calça, camisa e uma espécie de sobretudo que esvoaçava levemente com o vento.
Aproximei-me devagar. Seus olhos estavam fechados e seu rosto levemente inclinado na direção do céu. O vento batia contra a sua face, enquanto eu me punha a pensar: em que ele estaria pensando naquele momento? Maldizendo-me, talvez?
Foi então que ele abriu os olhos, sério, e esticou uma de suas mãos em minha direção. Eu sabia que aquilo não era um convite, muito menos um chamado.
O vento continuava soprando contra seu rosto, enquanto seu outro braço se levantava. Era como se ele estivesse abraçando o nada e o tudo ao mesmo tempo. Como se ele estivesse abraçando tudo aquilo que lhe pertencera, e que agora ele já não tinha mais controle.
E o que eu mais temia aconteceu: ele pulou.



Era o que eu podia me recordar. Não era algo bom, mas eu não conseguia entender por que eu havia sonhado aquilo.
Kyungsoo havia perdido seus poderes de alguma forma desconhecida, seria possível que eu fosse responsável pela perda dos de Kris?
Não havia o que fazer, de qualquer forma, então, sem muita pressa, levantei e fui tomar um banho antes de me arrumar para sair.


A casa dos Wu não era muito longe dali, então segui andando até lá. Bastaram-me apenas alguns minutos de caminhada.
O ar estava denso e o céu acinzentado me tirava o animo. Dei alguns passos rápidos em direção à porta, abrindo-a assim que a alcancei. A ante-sala estava vazia, assim como todos os cômodos que seguiam. Nós havíamos combinado nos encontrar na casa de Kris, mas aparentemente eu era a única que havia ido até lá.
Dei repetidas voltas pela casa, insatisfeita (e um pouco brava) por não encontrar ninguém. Na quinta vez em que passei pela cozinha tive a impressão de escutar um barulho baixinho. Parei em frente à janela e tentei me concentrar para identificar o som, mas foi em vão. Foi então que eu me lembrei do galpão dos fundos. Talvez eles estivessem lá…
Saí com pressa pela porta dos fundos, em direção a construção rústica que ficava na parte de trás do quintal. A enorme porta de metal estava escancarada e havia rastros de sangue no chão, o que me assustou. Diminui meu ritmo, dando passos leves sem fazer barulho. Estiquei-me na direção da porta, observando cautelosamente, haviam dois corpos caídos em meio a uma poça de sangue; afora estes, não havia mais ninguém no local.
Antes mesmo de me aproximar eu já sabia quem eram as duas pessoas ao chão: Baekhyun e Xiumin. Fui até eles e conferi a pulsação apenas para confirmar o que eu já desconfiava: estavam mortos. E no caso de Baekhyun, dessa vez, era definitivo; não havia engano.
Novamente escutei o barulho, dessa vez tendo certeza de que era um gemido de dor. A julgar pelos corpos a minha frente, o gemido só podia ser de Sehun, que tentava se esconder em algum canto na esperança de se salvar.
Segui um rastro de sangue que seguia por trás do galpão; seja o que for que havia acontecido ali, fora ruim o suficiente para deixar Sehun com medo e fazê-lo se arrastar por tal distância, mesmo sangrando muito.
Aos poucos o gemido, agora trêmulo, começava a diminuir: ele sabia que alguém estava ali. O medo que ele sentia era tão óbvio que eu me senti satisfeita de certa forma; aquele desgraçado merecia sofrer.
Encontrei-o próximo a uma mureta, caído no chão de forma desajeitada, com a mão pressionando seu abdômen, que não parava de sangrar. Ao notar que eu o havia encontrado, seus olhos se cerraram e sua expressão passou de medo para pânico.

- Eu não sou como você. - eu disse, abaixando-me em sua direção para ajudá-lo - Por mais que vê-lo assim me deixe razoavelmente satisfeita, eu não terminaria o serviço começado.

Sehun cerrou os olhos com força e cuspiu um pouco de sangue quando eu tentei levantá-lo. Perguntei se ele sabia onde estava Lay e ele fez um gesto que eu tomei como um não.
Não foi muito fácil levar Sehun para dentro da casa, tive de arrastá-lo por alguns bons metros e ele não era tão leve quanto parecia. A casa de Kris, antes limpa e impecável, agora apresentava um enorme rastro vermelho pelo chão. O sofá branco em que outrora acomodava o pequeno e frágil Kyungsoo agora estava sujo devido às feridas de Sehun.
Sentei-me em uma das poltronas à frente, observando-o com cuidado. Os outros dois estavam mortos, por que ele havia sobrevivido?
Não tinha sentido.

- Consegue falar? – ele parecia um pouco mais confortável agora que eu o deitara e pensei que seria interessante fazer algumas perguntas.
- Acho que sim... – uma tosse finalizou sua fala.
- O que aconteceu lá? Quem matou aqueles dois e onde está Tao e os outros? – talvez aquelas perguntas não fossem tão simples para ele responder, mas eu não me importava muito e estava curiosa sobre o ocorrido.
- Tao estava sumido como de costume, ele só aparece quando há algo do interesse dele. Os outros estavam vagando por aqui, até que Chen surtou e matou Minseok e Baekhyun... Ele ia fazer o mesmo comigo, mas Chanyeol e Kris o impediram... – ele tossia muito enquanto falava, mas ao final ele regurgitou uma grande quantidade de sangue. Eu estava tentando ignorar o sofrimento dele, mas eu não era capaz de ser tão ruim daquela forma.
- Não saia daí, vou chamar uma ambulância. Tente fingir que é normal e talvez você sobreviva. – eu me levantei e segui adiante.

Chamei o resgate e logo em seguida fui até o galpão para tentar esconder os corpos. Quando chegassem com certeza seguiriam os rastros de sangue e se achassem pessoas mortas isso com certeza se tornariam um problema para a família Wu. Não que a situação de Sehun fosse menos preocupante, mas ao menos estava vivo.
Eu sabia exatamente o que a polícia procuraria, então só precisava acertar alguns detalhes para despistá-los, afinal de contas, era isso o que eu fazia antigamente.

~x~

Era difícil acreditar que Chen tivesse matado os outros. Ele parecia sempre tão alegre e despreocupado. Mas no dia anterior Chanyeol havia deixado claro que, apesar de não aparentarem a mesma frieza de Luhan, eles ainda assim eram iguais.
“Ele ia fazer o mesmo comigo, mas Chanyeol e Kris o impediram…”, essa era a parte que mais me preocupava, pois deixava óbvio que as mortes não estavam nos planos deles. Talvez alguma coisa tivesse acontecido com Chen e ele tivera um surto.
Lembrei-me do que Tao falou e comecei a refletir se teria algo com aquilo, já que aparentemente ela tinha algum tipo de controle sobre eles. Mas se ela fosse capaz de controlá-los a distância, sem qualquer contato visual, a Colônia se tornaria um Caos quando o Governo descobrisse como manipulá-la. Talvez Tao estivesse correto...

Meus pensamentos foram interrompidos ao notar um garoto enquanto eu caminhava pelos arredores. Aproximei-me e logo reconheci Kyungsoo. Seu olhar era vago e ele sequer parecia me notar.

- Oi? - eu olhei fixamente em seus olhos, mas ele não esboçava reação alguma - Onde estão os outros? Por que você está aqui sozinho? É perigoso…

Sem mudar sua expressão ou dizer qualquer coisa, ele pegou minha mão e começou a andar, guiando-me pela rua.
Aquele comportamento era exatamente o que Amber apresentava, mas eu não entendia como seria possível um contratante perder seus poderes e virar um doll. A verdade é que eu não entendia muitas coisas, e assim como todas as outras, eu apenas aceitaria novamente.

Kyungsoo me guiou até um parque. Por vezes ele parava, se abaixava e encostava as mãos no chão. Eu não entendia muito sobre dolls, mas tive a impressão de que ele fazia aquilo para poder achar o caminho. Lembrava-me vagamente de qualquer comentário sobre o poder dele como contratante ter algo relacionado com terra, então essa conclusão parecia ter um pouco de sentido.
Depois de andarmos mais alguns metros pela praça o garoto parou e tirou de dentro de sua jaqueta uma arma, estendendo-a em minha direção.

- Isso é para mim? - eu estranhei um pouco, mas era óbvio que a resposta seria sim, mesmo ele não tendo respondido nada.

Peguei a arma de suas mãos, que logo em seguida se moveram apontando na direção de um arbusto; perguntei se eu deveria ir para lá e novamente não me foi dada nenhuma resposta. dolls eram estranhos (se é que ele era um) e eu não fazia ideia de como lidar com eles. parecia ter tanta facilidade com Amber.

Sem ter certeza do que fazer, andei na direção apontada por ele e descobri o motivo de estar ali: estava logo à frente, parada a alguns metros de Kris. No mesmo instante lembrei-me das palavras de Tao e levantei a arma na direção de .
Minhas mãos começaram a tremer enquanto tentava mirar na direção de , já com o dedo no gatilho. Eu precisava atirar, mas algo dentro de mim impedia que eu fizesse.
Fiquei observando-a se aproximar de Kris, que estava completamente imóvel. Seu poder era simplesmente inexplicável, ela podia controlar um contratante da forma que bem entendesse.
Ela deslizava lentamente em direção a ele; era como se houvesse uma espécie de aura ao seu redor, ela parecia brilhar, mas era como se fosse um brilho negro. A cada segundo ela se aproximava mais e eu precisava atirar, meu tempo estava acabando, o tempo de Kris estava chegando ao fim.
Eu sabia o que fazer. Mas eu não conseguia.
Afinal, ela era minha melhor amiga e ele era o quê? A pessoa que a tirou de mim? Eu sabia que haviam motivos para que as coisas ocorressem daquela forma e que realmente Kris não era culpado, mas ele continuava sendo apenas um contratante estranho com o qual eu havia tido um contato mínimo.
estava a poucos centímetros de Kris, era como se aos poucos ela começasse a flutuar e seu rosto ficava cada vez mais próximo do dele. O brilho negro que a cobria se intensificou e ela finalmente selou os lábios dele com um beijo, fazendo com uma enorme onda negra se estendesse pelo local.
Meu corpo todo tremia enquanto eu observava. Kris estava com os olhos arregalados: parecia querer gritar, pedir por socorro, mas permanecia calado com o olhar de desespero estampado em sua face.
O beijo durou poucos segundos e aos poucos se afastou e seguiu deslizando na direção oposta.
Coloquei a arma de qualquer jeito, dentro de um dos bolsos de minha calça e corri até o contratante, que agora estava ajoelhado no chão.


10 – A Decisão

- Eles estão no Portão do Inferno. É para lá que ela vai. – Kris disse, assim que me aproximei.
- Me desculpe, a culpa é toda minha. Eu não fui capaz... – eu me ajoelhei a sua frente, envolvendo suas mãos geladas com as minhas.
- escute, ela está totalmente fora de controle e não irá parar, não importa se são contratantes ou humanos. – ele me encarava com aquele olhar suplicante. O rosto pálido, as pupilas dilatadas e as veias esverdeadas aparentes em seu pescoço o davam um aspecto desesperador – Você tem vantagem, acabe logo com isso!

Finalmente eu entendera meu sonho: Kris havia perdido seus poderes por minha culpa. Agora ele era tão humano quanto eu.

Levantar e seguir adiante, rumo ao Portão, não era fácil. Eu ainda tentava resistir, mas deixei que a inércia me fizesse continuar em frente. Eu não fazia ideia de onde era esse local, mas eu sabia que estava indo para lá e podia sentir o rastro negro que ela deixava; era como se ela espalhasse medo e escuridão por onde passava.
A cada passo que dava eu me sentia mais fraca e vulnerável.
Por que eu? Por que ?
Já não bastava nós duas não termos uma família, quando finalmente nos encontramos e criamos nosso próprio mundo parecia que a vida queria nos castigar. Não era perfeito, mas era o melhor que havíamos conseguido até então, e nos trazia felicidade, na medida do possível.

Continuei andando até encontrar novamente Kyungsoo. Ele me encarou com aquela mesma face inexpressiva de sempre, segurou minha mão e seguiu caminhando ao meu lado.
Não sei dizer ao certo por quanto tempo andamos; o tempo não parecia fazer sentido. Apenas permanecemos calados até chegar ao tal Portão do Inferno.
O local era como uma cidade abandonada, isolada do resto da Colônia por muros altos e velhos, cobertos por musgo e trepadeiras. Tudo além daquele ponto parecia triste e sem vida.

Eu precisava achar uma forma de entrar, mas o muro parecia se estender por quilômetros e eu não conseguia ver uma nenhuma entrada próxima. Contratantes costumavam atravessar com frequência para dentro, segundo as histórias que haviam me contado, então deveria haver alguma brecha.
Mas felizmente não precisei pensar muito, logo Kyungsoo me puxou, guiando-me até um ponto onde havia uma enorme concentração de trepadeiras. Havia uma fenda em meio à vegetação, ao longe imperceptível, mas aparentemente ele já conhecia bem aquele local.
Atravessamos o muro com alguma dificuldade, talvez aquela não fosse a forma mais comum de se entrar, mas finalmente adentramos o Portão do Inferno.
Eu jamais estivera naquele local antes. Nem ao menos sabia qual era sua localização, mas, de certa forma, algo parecia familiar.
Fiquei parada por alguns instantes, fechei os olhos e respirei fundo. Talvez aquele finalmente fosse o início do fim. Eu sabia que era passageiro, mas a sensação de alívio que eu senti por poucos segundos me ajudou a continuar.
O rastro negro era evidente lá dentro, era como se todas as coisas ruins que existissem no mundo se intensificassem de uma forma monstruosa.
estava ali dentro, eu podia sentir.

- Por favor, me espere aqui. Eu voltarei assim tudo tiver terminado. - segurei firme o ombro de Kyungsoo e o encarei. Não adiantava, por mais que eu tentasse, aquele era apenas um recipiente vazio - Apenas não morra também, ok?! Não quero terminar sozinha, caso eu sobreviva…

Andei alguns metros, até perder o pequeno Kyungsoo de vista. Eu não conseguia deixar de me preocupar com ele e não entendia por que esse sentimento me consumia. Eu estava cada vez mais apegada a essas pessoas, sem entender o motivo. O mais engraçado era pensar que até pouco tempo atrás eu os odiava.

- ?! - uma voz fraca e tremula me chamou. Olhei para os lados tentando identificá-la, achando que talvez fosse Kyungsoo me chamando, até que avistei Lay encostado em um poste a minha esquerda. Era a primeira vez que eu escutava a voz dele.
- Lay! O que está fazendo aqui? - eu corri em sua direção, abraçando seu corpo magro e frágil que quase não conseguia se sustentar.
- Eu não consegui curá-los, estão todos mortos. - ele apontou para o lado indicando a esquina do prédio. Apoiei-o em um de meus ombros e andei até o local que ele havia mostrado e lá estavam os corpos: Chen e Chanyeol, envoltos em uma enorme poça de sangue.
- O que aconteceu? Como… - Lay levantou uma de suas mãos fazendo pedindo para que eu não falasse mais.
- Você sabe o que deve fazer daqui em diante. Não se culpe pelo que passou, apenas siga em frente. - ele fechou os olhos em uma expressão de alívio, tornando a abri-los e encarando-me - Esqueça tudo. Não leve seu sofrimento adiante, ele só irá atrasá-la. Faça o que for necessário, corra o quanto for preciso e ultrapasse todas as barreiras, mas jamais carregue o peso do passado em suas costas. Não é sua culpa, nem de ninguém. - ele finalizou sua fala com um beijo em minha testa e, logo em seguida, desmaiou em meus braços.

Lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Eu mal conhecia Lay, mas era como se eu estivesse perdendo alguém tão importante. Talvez o fato de ele ter me curado fizesse com que eu me sentisse assim tão próxima. Era difícil entender.
Senti sua respiração diminuir devagar; seu corpo quente aos poucos ia perdendo o calor e eu começava a sentir a pele fria em contato com a minha. Abracei-o com mais força, como se eu fosse capaz de segurá-lo ali comigo, naquele mundo.
Um último espasmo anunciou sua ida: não havia mais Lay ali. Assim como os outros, ele também estava morto.
Eu não havia sido capaz de presenciar a morte de um contratante. O mais próximo disso havia sido Suho, mas eu não conseguira ver nada de fato. Em um primeiro momento isso poderia até parecer completamente inútil, mas a questão que rodeava meus pensamentos no momento era: contratantes morrem como humanos?
O corpo de Lay estava ali em meus braços e se eu jamais soubesse da verdade, estaria de luto como por qualquer outro humano.
Afinal de contas, não importava o que acontecia durante, já que o início e o fim eram os mesmos, não importando o que nós éramos. Nem mesmo Lay, que era capaz de curar a todos, conseguira afastar a própria morte. Nem mesmo eu, que por ser humana, me achava melhor que todos eles, consegui mantê-lo com vida.
Definitivamente, eu estive errada o tempo todo.
De repente eu me lembrei de todo o tempo que eu passei na Sede do Governo. Minha missão original, aquela que o Governador me passara em segredo, era ir até a Mama e exterminar todos os contratantes da forma mais simples, acabando com seus frutos.
Isso era o que o Governo havia solicitado. Mas as coisas haviam mudado, eu já não era mais a mesma pessoa, não era aquela garota com raiva, aquela pessoa ignorante que havia perdido sua melhor amiga e estava em busca de vingança contra tudo e todos. Agora eu sabia a verdade, eu sabia o que estava acontecendo. E eu sabia que eu jamais seria capaz de completar tal missão. Todas aquelas pessoas que haviam passado pela minha vida haviam deixado uma marca, por menor que fosse.
Eu havia aprendido a lição mais difícil de todas com Lay, não carregar meu sofrimento. Tudo deveria ficar para trás. Eu deveria andar sempre com as costas leves. Mas eu ainda sentia dificuldade. A prática não era tão simples.

Arrumei o corpo de Lay no chão, deitei-o com todo o cuidado, mesmo sabendo que já não fazia mais diferença, coloquei os braços em volta do tronco e arrumei seus cabelos, me despedindo logo em seguida.

Adiante estavam os corpos de Chen e Chanyeol, ambos caídos de qualquer forma, deixando claro que haviam morrido em batalha. Aproximei-me com certo receio. Eu estava cansada de ver pessoas mortas, mas eu queria ter certeza do que havia acontecido.
Foi necessário apenas um vislumbre para ter certeza: ambos haviam sido mortos por Kai. A expressão de surpresa em seus olhos deixava óbvio que haviam sido pegos desprevenidos e o ferimento de faca na altura do abdômen era uma característica de Kai: ele sempre fazia dessa forma.

Tentei controlar a raiva que começava a me tomar. Eu amava Kai, mas ele não precisava matar aqueles dois. Simplesmente não havia motivo para que ele fizesse isso, a não ser que soubesse que eu estivera um bom tempo com eles. Mas era estranho pensar que Kai matara por ciúmes, já que ele não deveria sentir.
Respirei fundo; aquela não era hora de pensar nisso, não ainda. Eu tinha um dever a cumprir. Eu estava ali, dentro do Portão do Inferno e precisava continuar.


O Portão era um lugar completamente diferente de todo o restante da Colônia e, quanto mais eu andava pelas imediações, mais eu tinha certeza que jamais havia visto nada parecido. Um lugar abandonado; construções antigas, quase que destruídas por inteiro, tomadas pela vegetação selvagem. A cor acinzentada do concreto se misturava ao verde das folhas. Não havia as árvores falsas que enfeitavam as ruas além do muro. Tudo que se via era uma vegetação rasteira verde escura que parecia engolir toda a vida que existia por ali.

Caminhei por mais algum tempo, sempre em linha reta, até que avistei ao longe uma silhueta. Eu sabia quem era.

- Kai… - eu o chamei, mas sabia o que viria a seguir.
- Eu odeio você. - foram as únicas palavras que ele disse antes de começar a me atacar.

Mesmo estando com raiva, ouvir a palavra ódio dele me deixava desesperada. Eu queria poder socar a cara dele pelo que havia feito com Chen e Chanyeol, mas após aquela declaração, meu coração disparara e eu já não sabia o que fazer.
Todas aquelas emoções atrapalhavam meu desempenho e agora não era como em nossos treinos, era muito mais intenso. Ele estava furioso e seus movimentos demonstravam isso com tamanha exatidão que eu começava a duvidar se teria alguma chance.
Ele não era mais forte que eu, mas o fato de se teleportar o dava uma enorme vantagem e, por mais que eu estivesse habituada, ainda assim eu não era capaz de me sobressair na luta, apenas continuava me defendendo e desviando.
Se ele realmente me odiava eu não tinha tanta certeza, mas parte de todo aquele empenho dele na luta parecia não ser natural. Talvez o estivesse controlando, como provavelmente fizera com os outros. Talvez o surto de Chen ao matar Baekhyun e Minseok tivesse sido algo como isso.
Isso só me fez entender o quanto eu precisava seguir em frente.

- Você sabe que não vai passar enquanto eu estiver vivo. – ele disse assim que eu bloqueei um de seus socos, segurando seu braço.

Após desviar de inúmeros chutes e socos eu finalmente fora acertada por um de seus golpes, fazendo com que o gosto amargo de sangue se espalhasse rapidamente pela minha boca.
Ele não estava brincando, não era nenhuma encenação. Eu realmente não conseguiria seguir adiante enquanto ele estivesse ali.
Tentei concentrar-me e lembrar de cada falha que ele já havia cometido enquanto estivera comigo. Sabia que mais cedo ou mais tarde haveria uma brecha e eu deveria estar preparada.

Prosseguimos por mais alguns minutos até que Kai desferiu um golpe, do qual eu me desviei jogando o corpo para esquerda. Eu sabia que ele se teleportaria a minha direita logo em seguida, então peguei o canivete que eu sempre carregava escondido em alguma parte das minhas roupas e me virei, cravando a lâmina com toda a força que eu possuía, tentando acertar seu ombro.
Eu não queria matá-lo, mas precisava machucá-lo o suficiente para que ele parasse. Pensei que aquele golpe o faria diminuir o ritmo, mas ele soltou seu corpo para trás, livrando-se da minha lâmina e se teleportando mais uma vez. Eu sabia onde ele iria aparecer, mais uma vez, porém minha precisão dessa vez não fora tão boa e eu o acertei diretamente no coração.
No mesmo instante, seus olhos se arregalaram e eu joguei meu corpo contra o dele, conforme ia perdendo as forças e começava a dar sinais de que iria cair.
Ele se jogou no chão e eu deixei que meu corpo fosse junto, sentando em sua cintura com os joelhos apoiados no chão. Minhas mãos ainda seguravam a faca cravada em seu peito.
Levei alguns segundos até me dar conta do que eu havia feito.
Os olhos pequenos ainda se moviam como se estivessem conferindo cada pedacinho do meu rosto enquanto a boca levemente aberta começava a soltar as primeiras gotas de sangue.
Mais uma vez, lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Eu jamais havia matado alguém. Nos últimos tempos eu havia visto pessoas mortas, havia presenciado outras morrerem mas nenhuma delas havia morrido pelas minhas mãos.

Em um impulso me levantei e saí correndo. Aquilo não podia ser real. Com certeza era apenas um sonho ruim.
Eu jamais sentira tanta dificuldade para andar como naquele instante. O ar estava pesado, tudo naquele local tinha uma coloração azulada, dando um ar de profunda tristeza.
Eu não conseguia parar de chorar e encarar minhas mãos sujas de sangue.
O som dos trovões chamou minha atenção. Parei por alguns instantes e olhei para o alto: havia apenas nuvens escuras no céu. Descendo meu olhar, ao fundo, atrás de várias edificações, era possível notar uma pequena luz amarelo-alaranjada. Talvez aquilo fosse a tal Mama.
Era provável que já estivesse lá.

Respirei fundo e segui em frente, em direção ao centro do Portão e logo a avistei.
Todo aquele azul se convergia em um verde pálido e acinzentado, que contornava os traços amarelados da Mama. Os frutos que ela carregava eram poucos, a maioria deles com uma coloração vermelho vivo que emitia um brilho forte.
estava um pouco à frente, parada em meio há uma pequena piscina, os pés descalços em contato com a água. O vestido branco e esvoaçante contrastava com seus cabelos, agora completamente negros e sem brilho algum. O olhar dela era vago, mas não era como Amber ou Kyungsoo, era diferente.
Após aproximar-me eu finalmente entendi: ela não podia enxergar. estava cega. Por isso não havia nenhuma resistência quanto a minha aproximação. Eu não era uma contratante e ela não podia me ver.
Meu primeiro impulso foi abraçá-la, como no dia em que eu havia fugido da sala da Sede e a encontrara em um dos corredores. Eu estava triste, arrasada, todos estavam mortos, Kai estava morto. Talvez tudo aquilo realmente fosse um sonho e logo eu acordaria no sofá da casa de . Porém, um forte impulso me jogou para trás, fazendo com que eu caísse a alguns metros. Não, não aquilo não era um sonho. Tudo estava acabado.
Levantei e peguei a arma que Kyungsoo havia me entregado, mirei cuidadosamente, só havia uma chance e eu não poderia errar.
O som agudo ecoou por todo o local. Apenas um tiro e tudo havia acabado.
Caí de joelhos, amaldiçoando-me: eu havia matado o homem que amava e minha melhor amiga. Agora o mundo estava a salvo, mas minha vida não tinha mais sentido nenhum.

Em meio às lágrimas, algo me chamou a atenção e eu olhei para a direção da Mama novamente: havia um garotinho ao lado da árvore. Levantei-me e segui em sua direção.
Os olhos finos, quase fechados, uma íris negra que era ressaltada pelas enormes bolsas que se formavam abaixo dos seus olhos. Os cabelos extremamente negros, com uma franja cobrindo a testa, davam ao seu rosto um ar sério e misterioso que eu já conhecia. Eu sabia quem era aquela criança. Tao, o contratante que controlava o tempo, o garoto de poucas palavras que eu vi rejuvenescer a cada vez que usava seu poder. Sempre disseram que seu poder era limitado, que um dia ele iria chegar ao seu fim. Então, esse era o dia. A última vez em que Tao usaria seu poder.
Ele esticou seu braço direito em minha direção, oferecendo-me sua mão. Eu caminhei até ele, enquanto as lágrimas continuavam escorrendo por todo meu rosto.
Enquanto andava em sua direção, eu via os últimos frutos que haviam sobrado caindo um a um. Todos os contratantes estavam mortos.
O fruto que representava Tao era o último preso a árvore, mas já apresentava traços de que iria cair, estava tão maduro, brilhava tanto.
Segurei sua mão e ele me olhou com um daqueles raros e lindos sorrisos que só ele era capaz. Naquele momento eu pude ter certeza do que eu tinha que fazer. Eu sabia o que ele queria. Talvez esse fosse o plano desde o começo. Eu era capaz de mudar tudo aquilo, eu seria capaz. Mas eu não poderia fazer nada antes de testemunhar tudo que poderia acontecer, eu precisava ver com meus próprios olhos para ter coragem de mudar. Eu precisava aprender. Uma luz tênue azulada emanava de Tao, enquanto seu fruto brilhava mais forte do que nunca. Aquele era o fim e o começo, ao mesmo tempo. Em uma questão de segundos tudo ficou branco, não havia nada, era apenas eu flutuando em meio ao nada. Por instante achei que tudo havia dado errado e que eu estava perdida no tempo. Talvez Tao não tivesse poderes suficientes para me mandar de volta. Mas eu estava enganada, pois no segundo seguinte eu estava lá, sentada na mesa da cafeteria, com em minha frente.

- Todo mundo sabe que continentes fazem parte histórias de ficção, mas enfim, ontem eu encontrei esse artigo na internet, em um blog, e ele dizia que as árvores atuais são sintéticas, apenas cópias das antigas, como clones. - eu escutei a explicação dela, pela segunda vez.

Eu sabia qual seria o próximo passo agora, eu sabia tudo que aconteceria a partir dali.
Levantei-me com pressa, deixando na mesa com aquele olhar de dúvida, por não entender o que eu estava fazendo; eu precisava ir até a porta, pois agora era o momento em que Tao adentraria a cafeteria, seguido por Chen depois de alguns instantes.
Fiquei parada na entrada esperando até que veio ao meu encontro, tentou falar alguma coisa, mas eu a interrompi. Ele já deveria estar lá, o tempo passava, mas Tao não chegava. Eu precisava dele. Mas ele nunca apareceu.

Fim


N/A: Olá pessoal! Bem, essa é a segunda fic que eu posto aqui no FFOBS (a primeira não está finalizada e entrou em hiatus orz) e dessa vez resolvi mandar completinha. Quer dizer, quase. Estou escrevendo 3 side fics que são basicamente a mesma história só que vista sob a perspectivas de outros personagens (só que elas são curtinhas plmdds xDD) e ainda tenho uma ideia de um possível especial com uma continuaçãozinha, mas não sei se vai rolar.
Bem, eu gostaria de agradecer uma pessoa aqui, ela vai ler isso (eu sei) e vai saber que é pra ela. Muito obrigada por toda a ajuda, por ter me aguentado enchendo o saco, ajudado com correções, enfim, você sabe, amo você <3 (momento guei)
Agora uma pequena explicação: a ideia da fic foi brutalmente baseada no anime "Darker Than Black" (não assistiu? Deveria...) e no nos vídeos que eu postei o link lá no comecinho. Claro que eu adoro inventar (e não teria graça nenhuma se fosse tudo igual) então saiu essa meleca aí. Ficou meio corrido, mas eu queria muito terminar e se eu enrolasse mais que isso, eu teria abandonado. No geral, eu não gosto das coisas que eu escrevo e acabo me enjoando muito rápido, então preciso ser mais rápida que a minha vontade de dar shift+del no arquivo hahahaha
Então é isso, se quiserem comentar eu ficarei muito feliz e agradeço desde já. E não se esqueçam que vai ter mais 3 sides, se vocês chegaram até o final dessa, esperem as sides! 8)
Twitter: @anyac_
Sidefic de Mama: /ffobs/m/mamaooutrolado.html
PS.: agradecimento especial para a Lara que aceitou betar sem nem saber o que era e sobre o que era <3


Nota da Beta: Qualquer erro nessa fanfic é meu, então me avise por email ou mesmo no twitter. Obrigada. Xx.

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