Fic by: Lolah | Beta: Flávia C.

Capítulo 1

O dia estava ensolarado e os campos repletos de flores. O vento soprava suave entre as árvores... Talvez fosse um bom dia para visitá-lo pela primeira vez...

- Já faz mais de nove meses desde que você partiu. Sinto muito não ter vindo te visitar antes. Eu não estava bem... Eu não quis aceitar que você havia me deixado... – Agachei e depositei flores sob a lápide a minha frente – Ainda choro por não estar mais comigo... Mas espero que aí do outro lado, você esteja feliz e em paz. Sinto sua falta... – Eu lutava contra o nó que se formava em minha garganta quando uma voz aveludada me assustou.
- Hey... Não precisa segurar o choro. – Ele agachou ao meu lado – Chorar é uma das formas mais belas e puras de demonstrar o quanto ama alguém. – Virei meu rosto para olhar aquele simpático estranho. Seu olhar era doce e profundo. Ele levou sua mão até meu rosto e com as pontas dos dedos enxugou as lágrimas que desciam teimosamente por minhas bochechas.
- Posso saber o nome da dona delas? – Ele perguntou olhando minhas lágrimas nas pontas de seus dedos.
- ... – Funguei, enxugando o rosto.
- Um belo nome. – Ele sorriu e levou seu olhar até a lápide a minha frente. – Seu irmão? – Perguntou ele.
- Era meu noivo. – Corrigi. Ficamos alguns segundos em silêncio. – E você? Também perdeu alguém? – Me atrevi a perguntar.
- Não. – Respondeu sem tirar os olhos da lápide. Como ele não disse mais nada, eu resolvi perguntar mais.
- O que faz aqui, então?
- Estou aqui ouvindo histórias. Este lugar é cheio delas... – Ele ficou de pé com as mãos nos bolsos, mirando as inúmeras lápides daquele cemitério. – Mas ainda não sei muito sobre a sua.
- Não espera que eu conte a minha para um estranho, não é? – Me coloquei de pé também.
- Só se você quiser... – Respondeu calmo.
- Desculpa, mas... Você é louco? – Sorri incrédula – Isso é algum tipo de brincadeira? – Perguntei de forma atrevida, até. Eu estava intrigada ao ver um rapaz, aparentemente da minha idade, vindo a um cemitério para ouvir histórias.
- É o que todos pensam no começo. – Ele deu uma olhada ao redor – Mas logo mudam de ideia. De louco, passam a me chamar de amigo.
- Então está dizendo que quer ser meu amigo? – Concluí, cruzando os braços.
- Só se você quiser... – Ele respondeu e em seguida começou a caminhar.
Por mais que ele fosse um desconhecido, um pouco intrometido e por mais que a situação fosse estranha, quis continuar aquela conversa. Eu era incentivada por minha incontrolável curiosidade. Aonde no mundo alguém vai a um cemitério ouvir histórias e ainda, mesmo que indiretamente, se oferece para ser seu amigo? Eu queria no mínimo entender o que levava alguém a ter tal atitude.
- O que é isso exatamente? – Comecei a segui-lo – É algum tipo de estudo de campo? Pesquisa para algum livro ou artigo? Um hobby?
- Você faz muitas perguntas. – Ele riu pra si mesmo – Professores ajudam os alunos a buscarem conhecimento. Médicos ajudam pessoas doentes ficarem melhores... E quanto àqueles que perdem um ente querido...? Eu os ajudo a superarem sua dor. – Ele sorriu de forma serena olhando fixamente para frente. Analisei sua expressão suave e convicta ao mesmo tempo por alguns instantes.
-Você é psicólogo? – Continuei questionando.
- Já viu algum psicólogo vir ao cemitério confortar as pessoas? – Ele me observou por um breve momento – Não é preciso diploma para ajudar alguém.
- Você... Hum... Poderia me falar mais sobre isso? – Perguntei em tom ameno, tentando disfarçar minha curiosidade.
- Desculpa. Hoje não vai dar. Tenho um encontro com uma amiga... Mas você já sabe onde me encontrar. – Ele sorriu e apressou o passo.
- Espera! Eu nem sei seu nome. – Disse antes que ele se afastasse demais.
- Pode me chamar de . – Ele acenou em despedida e caminhou até uma senhora de idade que carregava algumas flores. Fiquei de longe observando. A senhora o recebeu com um sorriso e um abraço calorosos. Eu não sabia explicar, mas aquele garoto tinha algo de diferente.

Voltei ao túmulo do meu noivo para me despedir.
- Sou eu de novo, querido... Desculpa te fazer esperar. Um estranho veio falar comigo. – Sorri e sentei-me na grama – Veja, te trouxe um presente... – Retirei de minha bolsa um livro fino – É o primeiro exemplar do meu livro. Eu pensei em desistir dele, mas achei que ficaria chateado se o fizesse. Não poderia abandonar um projeto que você sonhava ver concluído. Obrigada por tudo... Só consegui graças a você... – Respirei fundo antes de continuar – Prometo voltar com mais frequência, tá bem? – Permiti que mais algumas lágrimas caíssem antes de ir embora.

Aquela noite, quando voltei pra casa, fiquei pensando no garoto que conheci de forma tão atípica e nas coisas que ele falava... Tentando imaginar suas razões para estar lá, sem perceber adormeci.

Capítulo 2

Na manhã seguinte fui cedo para uma biblioteca infantil da cidade. Era o lançamento do meu livro. Foi um milagre eu conseguir finalizá-lo.
Foi um dia mágico, mas ao mesmo tempo dolorido. Cada livro que eu assinava, cada sorriso que eu via no rosto das crianças, fazia eu me lembrar dele... Meu amor interrompido, meu Ethan.
Cheguei em casa e o vazio não podia ser pior... Eu não o tinha ali para dividir a alegria de uma conquista. Eu não tinha seus braços quentes ao redor da minha cintura enquanto eu cozinhava. Eu não tinha o perfume de seu cabelo invadindo meus pulmões. Eu não tinha sua voz, seus sussurros, suas declarações de amor inesperadas... Não mais.
Eu sentia falta de alguém, um amigo para sentar ao meu lado, tomar um café e conversar por horas...
Fui até a cozinha e abri uma das gavetas, procurando por aquele frasco cheio de pílulas. Enchi um copo com água e depois fiquei parada olhando aquele medicamento. Até quando eu seria refém dele? Eu queria vencer essa doença com minhas próprias forças, mas de onde eu ia tirá-las?
Sentei no chão frio e abracei minhas pernas. O choro veio, e com ele os soluços que cortavam minha respiração.
Quando estava exausta de chorar, levantei-me. Eu precisava falar com Ethan, eu precisava sentir que ele estava perto de mim, mesmo sabendo que não poderia me responder ou me consolar. Arrumei-me eu fui novamente visitá-lo.

Adentrei os portões do cemitério. Aquele lugar não era ruim, medonho e assombrado como nos filmes. Pelo contrário... Era calmo, arborizado e florido. Um lugar de paz e descanso.
Sentei na grama e contornei o nome que estava gravado naquela pedra...
- Ethan... Sua mãe tinha bom gosto para nomes. – Sorria enquanto terminava de contornar as letras – Sim, estou aqui de novo. Parece que não vou mais conseguir ficar tanto tempo longe de você. Sabe... Você ia adorar ver o sorriso das crianças que vi esta manhã. Tem alguma aí onde você está? Se tiver, por que não conta uma de suas histórias? Aposto que iam gostar. A propósito... – Retirei um exemplar do meu livro de dentro da bolsa – Resolvi que vou lê-lo pra você quando vier te ver. Assim, você poderá contar as histórias aí onde estiver. Vejamos... – Limpei a garganta infantilmente. Estava convencida de que Ethan estaria me ouvindo – A casa que pensava. Capítulo 1...
- Adoro histórias... – Disse alguém atrás de mim. Sobressaltei.
- Você me assustou! – Disse um pouco irritada – Sempre chega assim de mansinho? Faz de propósito?
- Sobre o que é a história? – ignorou minhas perguntas.
- É um livro infantil. – Pigarreei – Agora com licença...
- Posso ouvi-la também? Acho que Ethan não se importaria. – sentou-se ao meu lado, como uma criança ansiosa para ouvir uma história nunca contada antes. Não consegui dizer não.
- Se prometer não me interromper... – O alertei.
- Prometo. – Ele sorriu. Comecei minha leitura novamente pelo título. A princípio eu estava sem jeito. Meu livro era voltado para crianças. Não sabia se se interessaria. Mas isso não importava, eu estava ali para ler para Ethan.
Após algumas páginas, finalizei o primeiro capítulo. ouviu atentamente sem nenhuma interrupção. Sua presença era quase imperceptível.
- Já acabou? – Perguntou ele um pouco desapontado.
- Por hoje sim. Não quero ler tudo de uma vez. Perde a magia... – Disse guardando meu livro.
- Foi você mesma quem escreveu? – Perguntou interessado.
- Foi sim. – Respondi, sentindo-me orgulhosa.
- Onde aprendeu a escrever tão bem?
- Eu fiz letras. – Fiz uma pequena pausa, voltando no tempo – Foi quando conheci Ethan. Ele era da minha turma.
- Se ele estivesse aqui, diria: Parabéns, minha querida . Estou orgulhoso de você. – A sinceridade e doçura com que pronunciou aquelas palavras preencheram meu coração, de forma que visualizei Ethan dizendo-as a mim.
- Você acha? – Meus olhos marejaram. Seria realmente bom ouvir a voz de Ethan. apenas balançou a cabeça em afirmativo – Obrigada, .
- Eu que agradeço. Adoro ouvir histórias...
- Já deu pra ver que sim. – Sorrimos um para o outro.
- Gostaria de caminhar um pouco? – Perguntou ele, pondo-se de pé.
- É. Acho que sim. – Coloquei-me pé também. Caminhamos lado a lado por algum tempo sem dizer nada.
- Me conta mais sobre como se conheceram. – Ele disse.
- Bom... Como eu disse, éramos colegas de sala, mas até então não nos falávamos. Todo final de semana eu participava de um trabalho voluntário, lendo histórias para crianças com deficiência visual. Ethan também fazia o mesmo. Até que um dia ele veio conversar comigo e descobrimos várias coisas que tínhamos em comum. Então o inevitável aconteceu...
- Se apaixonaram... – Ele concluiu – Que coisas tinham em comum? – Eu achava graça da curiosidade de , mas não me incomodava em responder.
- Ambos perdemos nossos pais muito cedo. Eu fui criada pelos meus avós, que agora também descansam em paz. E ele cresceu com os tios. Nós adorávamos crianças, adorávamos ler e adorávamos principalmente o por do sol.
- Não deve ser fácil perder alguém que te completa assim. – disse. Apenas balancei a cabeça confirmando. Se eu dissesse alguma palavra, provavelmente não seguraria o choro. parecia saber disso, pois não perguntou mais nada por algum tempo.
- Acho que sei por que as pessoas gostam de você... – Falei após ter me acalmado – Você é um bom ouvinte.
- É pra isso que estou aqui... – Ele sorriu pra mim.
- A senhora de ontem... Qual a história dela?
- Ela perdeu seu filho mais velho. Ele era um soldado da marinha. Seu navio bateu em um rochedo. Ele morreu salvando seus amigos. – suspirou fitando o céu – Ela ainda chora a perda, mas ao mesmo tempo se senti feliz por seu filho ter morrido como um herói.
- É tão injusto... – Comecei a refletir – Pessoas que amamos serem tiradas de nós.
- Todos têm seu tempo, ... Por algum motivo viemos a esse mundo... Por algum motivo partimos dele...
- Como assim?
- Todos tem um propósito ao nascer. Uns levam alguns meses, outros 10 anos, outros 20 anos, outros 50 anos ou mais. Quando seu propósito finalmente é cumprido, eles voltam de onde vieram. A morte é apenas o começo.
- E de onde viemos?
- Quem sabe...? – Ele respondeu despreocupadamente, deixando que eu tirasse minhas próprias conclusões.
- Você é estranho, ... Mas é agradável. – Ele apenas sorriu em resposta – Agora que você disse isso... Qual era o propósito de vida do Ethan? Eu não consigo entender, não faz sentido...
- Há muitas coisas que não compreendemos. Mas talvez agora Ethan saiba. E talvez um dia você também descubra. A vida e a morte são cheias de mistérios... – Ele sorriu e eu retribuí.
- ...
- Hum?
- Se eu vier amanhã ler para o Ethan, você estará aqui?
- Estarei sempre que precisar.
Perguntei a mim mesma se aconteceria comigo o que havia afirmado. Que de louco eu passaria a chamá-lo de amigo. Eu não podia dizer com certeza, mas por hora, ter alguém com quem conversar era bom.

Capítulo 3

No dia seguinte, no mesmo horário, eu estava lá.
O cemitério estava vazio e não havia nenhum sinal de . Sentei-me próxima a lápide de Ethan e aguardei por alguns minutos.
- É injusto fazer você esperar só porque está atrasado. – Disse a Ethan, como se ele pudesse realmente me ouvir. No fundo eu achava a situação um tanto esquisita, ler para quem já deixou este mundo, mas eu me sentia bem fazendo-o – Pois bem... Aonde foi que paramos? – Abri meu livro no capítulo dois.
- Demorei muito? – chegou um pouco esbaforido. Parecia ter corrido.
- Um pouco. Eu já ia começar a ler.
- Conheci uma pessoa nova hoje. Mas acho cheguei a tempo, certo? – sentou-se ao meu lado e calou-se, esperando que eu começasse a ler. E assim o fiz. Como da primeira vez, ele ficou quieto e atento.
- Por hoje é só. – Fechei meu livro e o guardei na bolsa.
- Gosto de como você usa as palavras. – sorriu pra mim.
- Obrigada. Sempre me expressei melhor no papel. Não sou muito boa em conversar... Ao contrário de você.
- Talvez porque você não tenha com quem praticar. – Ele ficou de pé e estendeu sua mão – Vamos caminhar... – Segurei sua mão para me levantar e começamos uma caminhada silenciosa.
- Me conte sobre a pessoa que conheceu hoje. – Quebrei nosso silêncio.
- Eu gosto de histórias, mas é você que me faz contá-las. – riu.
- Acho que gosto de ouvi-las também.
- Certo... Seu nome é Lia. Ela perdeu seu irmão caçula. Ele estava em um acampamento... Ligaram para ela e disseram que ele havia caído num rio. Ele só tinha nove anos – Por impulso coloquei as mãos na boca. Eu podia imaginar a dor que essa irmã devia estar sentindo... – Ele sabia nadar, mas a correnteza estava forte demais naquele dia.
- Ela te contou tudo isso hoje? – Me perguntei como alguém tinha facilidade em se abrir com um estranho.
- Ela estava desesperada. Não parou de soluçar um segundo sequer... Não foi fácil acalmá-la.
- Como consegue fazer isso? Ouvir tantas histórias tristes sem se afetar. Você fala sobre elas com tanta naturalidade.
- Essas pessoas precisam de alguém que as ouçam. Para ser sincero, é como se eu não tivesse sentimentos humanos. – Ele franziu o cenho – Como se as histórias não me atingissem. Mas de alguma forma, eu sei o que dizer a essas pessoas – Não respondi nada. Caminhamos um longo percurso sem dizer uma palavra. Só ouvia-se o vento balançando as folhas das árvores e nossos passos sobre a grama.
- Vocês tinham marcado a data do casamento? – Ele perguntou dando fim ao silêncio.
- Não tivemos tempo... – Suspirei de forma inaudível com a lembrança.
- Como ele fez? Como pediu a sua mão?
- Lembro como se fosse ontem... Ele estava diferente naquele dia. Depois do trabalho voluntário fomos tomar um sorvete. Estava bem quente... “Te pego as quatro. Use seu melhor vestido.” Ele disse. Eu não desconfiei de nada.
- Às quatro? – perguntou.
- Esqueceu-se do que eu te disse ontem? Das coisas que tínhamos e comum...? – Não lhe dei tempo para responder e continuei minha história – Ele me levou a um campo aberto. Carregava um cesto de palha e uma toalha. Então descobri que ele havia planejado um piquenique a moda antiga, ao por do sol. Ouvimos um pouco de música e ele leu poemas pra mim. Depois nos encostamos em uma das poucas árvores dali e, quando o sol estava se pondo, ele tirou uma caixinha do bolso e fez o pedido.
- Ele devia te amar muito. – parou de andar, me olhando fixamente.
- Foi o dia mais feliz da minha vida... – Parei ao seu lado, a voz já embargada – Eu daria tudo pra tê-lo de volta. Qualquer coisa para vê-lo novamente. – Algumas lágrimas desceram pelo meu rosto. A dor da perda era tão insuportável que não consegui conter os soluços. Eu não fazia ideia do quanto aquelas lembranças ainda me abalavam. Pensar era dolorido, verbalizar era cruel. E antes que eu pudesse cair de joelhos, aos prantos, os braços de me envolveram. Afundei meu rosto em seu peito e chorei sem reservas, na esperança de que a dor fosse embora para sempre, junto com aquelas lágrimas.
manteve-se o tempo inteiro em silêncio, e apenas afagava meu cabelo. Quando enfim me acalmei, levantei meu rosto para encará-lo e pedir desculpas. Então tive uma surpresa. Seus olhos estavam vermelhos, como se tivesse chorado. Eu ia lhe perguntar se era realmente aquilo, mas ele tomou a frente em dizer alguma coisa.
- Se sente melhor? – Ele sorriu fraco.
- Sim... Um pouco. – Respondi ainda surpresa.
- Por que não se senta? – sentou-se e tirou uma garrafa térmica da mochila que carregava. Sentei-me ao seu lado e ele me ofereceu um pouco de café em uma caneca de plástico – Que bom, parece que ainda está quente. – Ele deu um gole.
- Adoro café. – Disse dando um gole também, tentando sorrir em gratidão.
- Percebeu o que estamos fazendo? – perguntou erguendo sutilmente um dos cantos dos lábios.
- Bebendo café? – Disse um tanto óbvia.
- O sol está se pondo... – Ele apontou para o horizonte. Levei alguns segundos para cair na real. Essa cena era um tanto familiar. Abaixei a cabeça e fechei meus olhos. Eu não queria lembrar de nada que me trouxesse dor.
- Brincadeira de muito mau gosto, . É melhor eu ir embora. – Fiz menção de levantar.
- ... – segurou de leve meu pulso – Eu não estou brincando... Me escuta, você não tem que deixar de fazer as coisas que gosta porque elas te fazem lembrar o Ethan. Ele não ia gostar de ver você vivendo assim.
- Você acha que isso é fácil? Eu estalo os dedos e pronto, a dor some?! – Alterei um pouco a voz, mas mantinha seu tom calmo e suave.
- Ninguém disse que seria fácil, , mas você precisa aprender. Com o passar do tempo, a dor vai se transformar em doces lembranças... Olha pra mim... – Ele ergueu meu queixo com sutileza – Não se iluda achando que vai esquecer o Ethan. Mas eu te garanto que ao se lembrar dele, não sentirá mais dor. É assim com todo mundo...
- Você acha isso? – Perguntei de forma um tanto infantil, como criança querendo colo.
- Eu tenho certeza... – Ele afagou meu ombro – Por agora tudo vai parecer difícil, ou até impossível. Mas Ethan se tornará apenas um capítulo de sua história, do qual você se lembrará com carinho. Você aprenderá a amar outra pessoa, voltar a viver... Você só precisa tentar.
- Obrigada, ... Por querer me ajudar. – Suspirei – Você apareceu pra mim quando eu mais precisava de... – Interrompi minha própria fala.
- De um amigo? – completou. Sorrimos um para o outro.
- Irônico, não? – Eu disse.
- Previsível, eu diria.
- Pretensioso.
Apreciamos o por do sol juntos. segurou minha mão como se dissesse que tudo ia acabar bem. Não quis conter uma ou outra lágrima que escorria timidamente. Levar a vida como eu estava levando não traria Ethan de volta. Eu sabia que precisava vencer a dor e encarar minha triste realidade.

Capítulo 4

Visitar a lápide de Ethan e conversar com já estava se tornando parte da minha rotina. Pode ser estranho ir ao cemitério todos os dias, a maioria não tem esse costume, mas eu me sentia bem fazendo isso. E assim, duas semanas se passaram.
gostava de ouvir histórias, mas eu também gostava de ouvir as dele. Era mais fácil do que falar sobre mim. Eu estava feliz por ele não ter perguntado sobre o motivo da morte de Ethan. Era algo que eu estava lutando para esquecer.
Hoje eu estava mais ansiosa para ir ao cemitério - nunca pensei que sentiria isso - pelo fato de não ter ido ontem. Dessa vez quando eu cheguei, já estava a minha espera.
- Se adiantou hoje? – Cheguei com um humor incomum.
- Por que não veio ontem? Fiquei preocupado... – Disse .
- Tive uma reunião com meu editor. Estou começando outro livro.
- Pensei que tivesse acontecido alguma coisa com você. – sustentava uma expressão apreensiva.
- , só foi um dia. O que poderia ter acontecido? – Não entendi o motivo de tanta preocupação, mas não achei ruim saber que ele se importava. Uma ponta de alegria subiu ao meu coração.
- E sua depressão? – Sua voz soou triste.
- Do que você está falando? – Me fiz de desentendida. Ninguém sabia sobre isso, a não ser meu médico.
- Eu vi os seus remédios. Eles caíram da sua bolsa no outro dia quando foi pegar seu livro. – O tom de ainda era leve, mas sutilmente repreensivo.
- Estou tentando parar... Faz uma semana que não tomo. – Suspirei – E eu não vou tentar me matar, se é isso que estava pensando. – Disse.
- Fico mais tranquilo... – Deu um passo em minha direção – E como está se sentindo? – Ele afagou meu cabelo descendo até meu ombro direito, quebrando a tensão que meu rosto transparecia.
- Acho que vou conseguir. – Baixei minha cabeça. Eu estava chateada por ter descoberto minha doença. Fez eu me sentir fraca e impotente. Não gostaria de passar essa imagem para .
- Senti sua falta... – Ele puxou meu lóbulo de forma travessa.
- Eu só sumi por um dia. – Sorri sem jeito.
me olhava diferente, e essa não era a primeira vez. Seu olhar era intenso, porém indecifrável. E sempre que ele fazia isso, eu me sentia balançada. Pestanejei sem saber para onde olhar e desconversei – Prometo ler dois capítulos hoje para compensar. – Sentei rapidamente, tirando o livro de dentro da bolsa.

Sou uma casinha que alguém vai comprar,
Bem pequenininha, mas dá pra morar...
Meus olhos são janelas, tenho porta pra entrar...
Vivo só no campo, logo os donos vão chegar...
A casinha cantou enquanto aguardava ansiosamente seus novos moradores...


Assim que terminei os dois capítulos, pedi que me deixasse a sós para conversar com Ethan. Ele se afastou me dando um pouco de privacidade.
- Oi, Ethan... Sentiu minha falta? Não pude vir ontem por causa do meu trabalho. E então... O que está achando do meu livro? Espero que esteja gostando, assim como . E por falar nele... Espero que não se importe dele ser meu amigo. É bom ter com quem conversar. Desde que você se foi, tenho me sentido muito só... Você era meu único amigo. tem cuidado bem de mim. Foi você quem o mandou vir me ver? – Sorri – Sabe... Faz tempo que não choro. Pouco a pouco estou superando sua partida. Mas não se preocupe, nunca vou me esquecer de você. – Beijei as pontas dos meus dedos e depois os coloquei sob sua lápide. Levantei e fui ao encontro de .
- Vamos, quero te mostrar um lugar. – Ele disse assim que me aproximei.
- Aonde vamos? – Perguntei curiosa.
- Surpresa. – Eu sabia que por mais que eu insistisse, ele não me diria nada. Então apenas o segui.
- ... Você tem me contado várias histórias sobre as pessoas que veem aqui, mas não sei quase nada sobre você. Por que não me dá mais detalhes?
- Não há mais porque é segredo.
- Isso é injusto! Você sempre quer saber das minhas, mas não me conta as suas.
- Porque eu gosto de ouvir histórias. – Ele tentou se justificar.
- Eu também gosto, e aí?
- Algumas histórias não podem ser contadas.
- Você parece de outro mundo falando assim.
- Quem sabe... – riu e aquilo me irritou.
- Quem sabe, quem sabe... É só isso que saber dizer? – Emburrei e não disse mais nenhuma palavra.
- Mas ao menos que você vá ajudar, pensarei em te contar.
- Como? – Parei de caminhar.
- Vamos lá. Podemos fazer isso juntos. – me cutucou para continuarmos nossa caminhada.
- , você percebeu o que está dizendo? Como é que eu vou conseguir ajudar alguém? Acha realmente que estou em condições? – Ri com ironia.
- Você nunca passou por isso antes? Nunca esteve pra baixo e alguém veio te pedir um conselho, e sem perceber, tudo o que disse a essa pessoa, era exatamente o que você precisava ouvir? – Ele me encarou por alguns segundos – Entende aonde quero chegar?
- Acho que entendo... – não estava errado.
- Ninguém precisa estar 100% para ajudar outro. Isso é impossível... Todos têm problemas, sejam eles grandes ou pequenos. Se cada um esperar ter a vida perfeita pra então ajudar alguém, morrerá sem ter feito nada.
- Detesto quando você está certo. – Cruzei meus braços.
- Por que não pensa sobre minha proposta? O que você tem a perder? – Ele sorriu – Veja, chegamos.
Sem perceber havíamos saído do cemitério e estávamos em uma cafeteria ao lado dele. O lugar era calmo, quase sem movimento. Uma música tocada ao piano e as cortinas cor de creme deixavam o lugar aconchegante.
- O de sempre, ? – Um senhor veio nos receber.
- E um para minha amiga também, por favor. – Disse ao cumprimentá-lo.
- Certo. Fiquem a vontade, eu já venho. – Disse o senhor, sorridente.
- Lugar agradável. Costumar vir sempre aqui? – Perguntei.
- Há algum tempo. Aquele senhor que veio falar conosco é o dono. Francis é seu nome.
- E você por acaso também o conheceu no cemitério?
- Você é esperta.
- Você está se tornando previsível.
- Eu duvido. – Rimos.
- ... E esse seu trabalho, ou sei lá do que você chama? Há quanto tempo está nele?
- Um pouco mais de nove meses.
- E ele vai acabar algum dia? – Apoiei meus cotovelos sobre a mesa.
- Vai sim... – escorregou um pouco na cadeira, cruzando seus braços sobre o peito.
- Quando? – A curiosidade me tomava e eu estava aproveitando o fato de ele responder aos meus questionamentos sem hesitar.
- Isso vai depender de mim... – Ele fitou a paisagem através da janela – Até ano passado eu estava vivendo sem objetivos, sem propósitos... Uma vida largada, onde minhas vontades eram o centro do meu universo.
- E...? – Continuei instigando.
- Até que um dia sofri um acidente que quase me levou à morte... Foi por pouco, mas eu entrei em coma. – Ele se calou por alguns segundos – Estou tentando me achar, procurando uma razão, um propósito pelo qual viver. Enquanto isso não acontece, passo meus dias sendo útil a outras pessoas.
- Ainda não encontrou essa razão? – Apoiei meu queixo sobre as mãos.
- Eu sinto que eu estou perto. É só o que sei... – se perdeu em seus pensamentos.
- Aqui está. – O senhor Francis nos serviu – Um café bem quente para confortar e aquecer seu coração, bela jovem. – Ele disse pra mim e se retirou após servir .
- Por que eu sinto que ele sabe alguma coisa sobre mim? – Perguntei desconfiada.
- Porque já falei de você pra ele. – bebeu seu café despreocupadamente.
- Como assim você falou de mim para esse senhor? – Franzi o cenho.
- Ao que parece, você e o senhor Francis tem muito em comum...
- E isso quer dizer...?
- Que os dois gostam de ouvir as minhas histórias. Ele me viu com você outro dia e ficou curioso sobre a sua.
- Pois de agora em diante, não quero que saia falando de mim para mais ninguém. – riu da minha birra.
- Pode ficar tranquila. Você e Francis são os únicos curiosos que conheço.
- Ah ta. Muito obrigada pela parte que me toca!
- Por nada. – ainda ria. Fiz uma careta infantil e continuei bebendo meu café.
Assistimos a outro por do sol, da janela da cafeteria. Enquanto meus olhos contemplavam aquilo, meu coração sangrava. Mas eu sabia que o desconforto ia passar, que um dia toda a dor sumiria.

Capítulo 5

Aquele dia, quando cheguei em casa, minha cabeça estava cheia de questionamentos. Por mais que eu tentasse, eu não conseguia entender e seu real motivo em ajudar pessoas que perdiam entes queridos. Sua vida parecia estar cercada de mistérios e segredos. Eu não sabia nada sobre sua família, sobre como se sustentava, aonde vivia... Mas algo em particular me chamou a atenção em uma de nossas conversas, o fato dele dizer que não tinha sentimentos humanos. Como explicar seus olhos vermelhos quando chorei em seu peito? Eu podia jurar que ele compartilhava da minha dor. Ele estaria mentindo?
Adormeci com esses pensamentos e mergulhei em um sonho completamente sem sentido. Eu e caminhávamos de mãos dadas por uma relva... Até que de repente me vi andando sozinha, embora ainda sentisse sua mão segurando a minha. No segundo seguinte eu estava em frente a um hospital, com meus olhos cheios de lágrimas. Depois tudo virou um grande borrão, mas a sensação de estar naquele sonho me sufocava.
Acordei angustiada. Olhei no relógio, faltavam alguns minutos para meu despertador tocar. Levantei e fui tomar uma ducha quente, enquanto tentava achar significado para aquele sonho. Mas foi em vão.
Pensei na proposta que me fizera. Se eu o ajudasse, poderia descobrir mais sobre ele. Fui à tarde para o cemitério com esse pensamento.

Cheguei um pouco mais cedo e fiquei sentada junto à lápide de Ethan. Disse a ele sobre meu sonho e sobre minha decisão em ajudar .
De repente duas mãos cobriram meus olhos. Só podia ser ele.
- . – Disse convicta. Sorrindo ele sentou-se ao meu lado – Quem mais seria? – Completei.
- Depois da sua história quero te levar a outro lugar.
- Outra surpresa, eu suponho.
- Sim, outra. – Ele abraçou as pernas e calou-se. Era a deixa para eu começar a ler mais um capítulo.

Depois que terminei, me despedi de Ethan e segui para mais uma surpresa. Saímos do cemitério e fomos para a beira de uma estrada.
- É aqui? – Perguntei um pouco incrédula.
- Ainda não... Já está chegando.
- Chegando?
- Sim... – Ele não disse mais nada, tampouco eu perguntei.
- Vai me fazer ver outro pôr-do-sol? – Perguntei.
- Quem sabe...
- Você com esse “quem sabe” de novo – Dei uma tapa em seu braço.
- Ei! – Ele esfregou seu braço – E se eu quiser te mostrar?
- Você sabe como me sinto com relação a isso... – Disse. Ele me encarou sem dizer nada, mas eu já sabia o que se passava em sua mente – Tudo bem, eu sei que preciso superar. – Suspirei.
- Sabe o que é mais incrível em um pôr do sol, ?
- O que?
- Nenhum é igual ao outro... Todo dia você pode ver um ôor do sol diferente. Isso vai depender do lugar onde estiver, do desenho das nuvens, da estação do ano, das pessoas que estiverem ao seu lado, do sentimento que estiver em seu coração... – Nunca havia pensado em pores do sol dessa forma. Continuei ouvindo – É como se cada dia você presenciasse um pôr do sol pela primeira vez. Um espetáculo novo todo dia.
- E pra cada um você terá uma lembrança diferente que só você pode sentir ou construir... – Eu disse, ainda refletindo.
- Exatamente. – Ele esboçou um sorriso iluminado.
- Gostaria de ter te conhecido antes, . Queria ter ouvido palavras assim mais cedo... Talvez hoje eu já estivesse conformada com minha perda. – Segurei meus braços contra meu corpo – Ter alguém com quem conversar faz toda a diferença.
- Você demorou muito para visitar Ethan...
- É... Acho que a culpa é minha. – Um silêncio incômodo teria se formado se não tivesse falado logo em seguida.
- Está vindo. – Ele disse animado. Segui seu olhar e avistei um ônibus. Nunca havia pegado ele antes. Não tinha número, nem destino. Quando ele parou fez sinal para que eu subisse primeiro. Entrei um pouco insegura. Não vi cobrador, nem passageiros. Apenas o motorista.
- É seguro? – Cochichei.
- É sim. Não se preocupe. Eu sempre pego esse ônibus.
Depois de alguns minutos chegamos à costa. Andamos por uma estrada cimentada e chegamos a um farol.
- Uau! – Exclamei diante daquele farol.
- Gostou? – Perguntou feliz ao perceber minha admiração.
- Adorei! Nunca estive em um farol antes. – Andei até a construção e subi as escadas que davam acesso a ela. Debrucei-me sobre a grade que o cercava e admirei as ondas que se chocavam contra as rochas próximas a praia.
- É aqui que eu vivo. – fechou os olhos aspirando a maresia que estava no ar.
- Vive em um farol? Não é muito comum.
- Acho que combina comigo. – sorriu – Aqui é calmo.
- Concordo... – Desde quando era do tipo comum? Arrisco dizer que esse lugar era bem a cara dele.
Inspirei a maresia assim como . Há muito tempo eu não visitava o mar. O sol estava tímido, escondido atrás de algumas nuvens. O vento esvoaçava meu cabelo, mas eu não me importava. Fechei meus olhos e me permiti ouvir o som do oceano. A paz tomou conta de mim. Eu estava em um pedaço do paraíso.
“Ethan, você ia adorar essa sensação...” Pensei. Foi então que senti os dedos de entrelaçando nos meus. Abri meus olhos e puxei minha mão de volta com cuidado, ajeitando meu cabelo como desculpa para evitar aquele toque.
Aquele seu pequeno gesto aqueceu meu coração. Perguntei-me se isso era possível. Se na minha atual condição eu ainda poderia sentir o que senti quando me tocou daquela forma tão pura e inocente. Mas aquele não era o amigo... Era um que eu desconhecia. Um que me deixava desconsertada.
- Não posso segurar sua mão? – Perguntou ele com um sorriso fraco.
- Desculpa, ... É que... Isso é estranho pra mim. – Eu não sabia o que dizer. Não entendia o comportamento de . Sempre imprevisível.
- Se sente culpada de alguma forma?
- Como assim?
- Não precisa ficar assim, . Gosto das suas mãos... – Ele ignorou minha pergunta e sorriu de forma ingênua – Elas são macias. Parecem com as mãos da minha mãe. – voltou a fitar seus olhos no oceano – Pensou na minha proposta? – Ele mudou de assunto repentinamente. E eu não achei ruim dessa vez.
- Pensei sim. – Me aproximei dele – Como você disse, não tenho nada a perder. – Um sorriso foi sua única resposta.
Vimos o pôr do sol mais uma vez. Mesmo que ele ainda me trouxesse dor, este estaria entre um dos mais belos que já vi. Era como se o sol mergulhasse no oceano, aquecendo-o com seu calor.
- Que lembrança você vai levar desse pôr do sol, ? – perguntou sem tirar os olhos do horizonte.
- Eu ainda não sei... E você? – Devolvi sua pergunta.
- O nascimento de algo novo...
- Não vai me dizer o que é? – Questionei.
- Por que não me diz você? – Ele me olhou de forma sugestiva, como se eu realmente tivesse a resposta, mas simplesmente a negava. Estaria ele certo?
- Eu? – Perguntei apontando pra mim, mas ele apenas sorriu.
- Vamos entrar. Já vai esfriar. – Disse . Eu o segui.
O lugar era pequeno, mas confortável. Sem muito luxo, mas bem cuidado.
Um pequeno mural na parede chamou minha atenção. Nele havia a foto de um casal, de uma criança em um parque e de um gato branco.
- Quem são esses? – Perguntei apontando para o casal.
- São meus pais. Essa no balanço é minha irmã caçula e essa branquinha é minha gata.
- Por que não vive com eles?
- Desde o incidente que tive eu não os vejo. Ainda não estou pronto... – Ele completou a última frase num tom mais baixo.
- Não entendi... – Todo aquele mistério só atiçava mais minha curiosidade.
- Há muitas coisas que você não entenderia, ... – Ele pegou minha bolsa e a pendurou em um gancho na parede, ao lado de seu casaco – Está com fome? – Perguntou, desviando do assunto.
- Um pouco. – Confessei.
- Só tenho ramen, se não se importa. – O segui até uma pequena cozinha, onde mal cabiam três pessoas.
- Tudo bem. Eu gosto.
Eu o ajudei a preparar e comemos em silêncio em uma pequena mesa de dois lugares, no centro da sala.
- Qual a história do senhor Francis? Acho que tenho direito de saber, uma vez que ele também sabe da minha.
- Justo. – Ele se limpou com o guardanapo antes de responder – Ele perdeu sua esposa e seu filho em um acidente de ônibus. Os dois estavam em uma excursão ecológica. Mas na volta para o acampamento... – fez uma pausa, pressionado os olhos com os dedos – Estava chovendo muito. A trilha estava lamacenta e perigosa. Então num certo trecho o ônibus escorregou e caiu em uma ribanceira.
- Céus... – Senti uma pontada em meu coração.
- Foi difícil fazê-lo falar. Sua perda foi muito grande. Eles eram sua única família... – repetiu novamente seu gesto e fungou – Ele não vai superar tão cedo, mas está progredindo aos poucos.
- , você está bem? – Estranhei seu comportamento, ignorando temporariamente a triste história do senhor Francis – ? – Notei seu nariz e olhos levemente avermelhados.
- Já volto. – Ele se levantou e foi até o banheiro.
- ? Está chorando? – Levantei dando dois passos na intenção de segui-lo, mas parei ao vê-lo voltar, com uma toalha pendurada em seu ombro.
- É... Parece que é isso. Está começando mesmo... – Ele murmurou baixo a última frase, mas o suficiente para eu ouvir – , é melhor eu te levar pra casa antes que fique muito tarde.
- Mas... – Tentei dizer algo, mas nada me veio à mente. Fiquei desnorteada ao ver se emocionar com a história que contara.
- Por favor. – Ele pediu. Não quis insistir. Mas eu não ia esquecer tão fácil desse pequeno episódio – Nos falamos amanhã.
Guardei todos os meus questionamentos para o dia seguinte. A lista deles só aumentava.

Capítulo 6

- Ethan, hoje eu começo a ajudar o . Pode não parecer certo, mas estou fazendo isso mais para tentar descobrir o que se passa com ele do que pra realmente aconselhar as pessoas que vêm aqui. Não que eu não queira ajudar, por favor, não me interprete mal. – Eu havia chegado mais cedo aquele dia ao cemitério – Ele é totalmente diferente das pessoas que conhecemos. Parece ser muito sábio, maduro... Diz coisas lindas, mas também diz algumas coisas estranhas. Ele nunca se revela completamente e deixa frases soltas no ar... O mais engraçado é que de alguma forma todas essas coisas me atraem pra perto dele. Será que existe alguma razão pra isso ou eu estou simplesmente sendo impulsiva e curiosa? – Eu tagarelava sem pausas – Sinto falta de um conselho seu, Ethan... – Baixei minha cabeça para pensar um pouco, apoiando-a sobre as mãos.
- Cheguei. – Disse aquela voz já tão familiar. Sem meu consentimento, meu coração palpitou mais rápido.
- Você me assustou. E essa é a segunda vez, sabia? – Disse com minha mão no peito.
- Quem não deve, não teme. – Ele brincou.
Fizemos o mesmo ritual dos dias anteriores e depois seguimos nossa caminhada.
- Como devo começar, ? Ainda estou insegura com relação a isso.
- Não tem segredo. E pra você será ainda mais fácil. Comece a conversa, por exemplo, “Lamento pela dor que está passando, eu sei como é isso...” E deixe que a conversa flua naturalmente.
- Entendi.
- Fique tranquila. Você só precisa emprestar seus ouvidos e seu ombro. – Ele sorriu me incentivando – Veja, parece que já temos alguém. – apontou para um adolescente a poucos metros de nós.
Aproximei-me e repeti as mesmas palavras que usara na primeira vez que nos vimos.
- Ei... Não precisa segurar o choro. Chorar é uma das formas mais belas de demonstrar o quanto ama alguém... – Só bastou isso e o jovem garoto se debulhou em lágrimas. Quando ele se acalmou, a conversa que eu pensei que fosse durar alguns minutos, se estendeu por quase uma hora. Aquele garoto não devia ter mais do que 14 anos. Ele estava ali dando adeus ao seu melhor amigo...

- Como foi sua primeira experiência? – Perguntou , assim que nos encontramos.
- Triste, como era de se esperar... Mas me senti útil. Ele me contou várias histórias sobre ele e seu melhor amigo. Conseguiu até sorrir entre uma história e outra. – Suspirei enquanto conversávamos e caminhávamos – Eu tive que lutar pra segurar o choro.
- Tudo bem se quiser chorar...
- Sabe... O bom é que ele tem os pais, com quem podem contar, em quem pode se apoiar. Eu não tive os meus quando Ethan partiu. E eu nunca fui de ter muitos amigos, principalmente depois que vim para a capital. Os poucos que eu tinha, ainda moram na minha cidade natal. – Me abracei, enquanto caminhávamos – E se não tenho contato com eles, a culpa é minha. Me distanciei de todos quando Ethan morreu. Literalmente me fechei para as pessoas.
- Eu estou aqui... Pode se apoiar em mim. – disse me encarando. Seu olhar era doce e sincero, foi inevitável não sustentar aquele contato visual.
- Obrigada. – Confesso que me senti aquecida com suas palavras – , posso te fazer uma pergunta? – Lembrei-me dos questionamentos do dia anterior.
- Pode.
- Você mentiu pra mim quando disse que não tinha sentimentos humanos? Porque ontem à noite... Enfim, você...
- Não. Eu não menti. – Ele se apressou em responder – Medo, saudade, compaixão, amor, tristeza... Eu não sentia isso. Mas de um tempo pra cá, alguns desses sentimentos começaram a aparecer.
- Por exemplo...?
- Por exemplo, ontem. Senti tristeza quando me lembrei da história do senhor Francis. E também... – Ele fez uma pequena pausa – E também naquele dia, quando você chorou. Meu coração doeu. – Ele me fitou, exatamente daquela forma que me deixava desconsertada. Levei um tempo para processar a informação até continuar com meus questionamentos.
- E quando isso começou? Quero dizer... Isso de sentimentos.
- Quando eu te conheci. – Paramos de caminhar. Sua expressão não vacilou, não havia brecha para desconfiar do que ele falava. Senti meu corpo tremer. O que eu tinha a ver com aquilo? Mas havia outra pergunta importante a ser feita.
- Certo... Mas eu só não entendo uma coisa. Por que é tão estranho pra você ter sentimentos humanos? Você é um fantasma, por acaso? – Perguntei com uma pitada de ironia.
- Um fantasma? Hum... Por aí. – Disse tranquilamente. Não consegui segurar um riso sarcástico e ele me olhou confuso.
- Essa foi ótima, ! Com licença! – Gritei para um senhor que passava – Por acaso o senhor está vendo um rapaz do meu lado vestindo jeans, camisa e casaco? – O senhor me encarou por alguns segundos e respondeu...
- Sim, eu vejo. – Me virei para no mesmo instante.
- Seu idiota. – Comecei a estapear seu braço – Chega de brincadeira sem graça!
- Ai! Isso dói! – Ele tentava se proteger dos meus tapas.
- Pensa que eu bato pra fazer carinho? – Cruzei os braços.
- ... Não passou pela sua cabeça que eu posso ser um fantasma diferente? Um que muitas pessoas vejam... – Ele voltou a tocar no assunto – Afinal, você já me viu conversando com várias pessoas. O que você e elas têm em comum?
- Basta, ! Já chega! Agora eu é que não quero mais saber desse assunto. – Comecei a caminhar.
- Aonde você vai? – Ele perguntou.
- Tomar café no senhor Francis. – Disse ainda irritada.
- Calma... Vou com você. – Disse aproximando-se e acompanhando meu ritmo apressado.
Fantasma? Ora essa... Isso é história de livros de criança. Me admira , um adulto, ficar brincando com esse tipo de assunto tão bobo. Mas no fundo, confesso que fiquei com medo de ser verdade. Não por ele ser um fantasma, mas por medo do meu único amigo não passar de um espírito, uma alma penada – não devo estar no meu melhor juízo por pensar assim. Por alguns instantes ele me pareceu tão convincente que, por esse motivo mesmo é que eu não ia mais tocar nesse assunto.

Assim passaram-se quatro semanas. Descobri que eu era boa em ouvir e até mesmo em consolar. Cheguei até a pensar em um dia fazer psicologia. Claro que lidar com essas pessoas não era fácil. Por várias vezes eu engoli o choro. Não dá pra ouvir as histórias e ficar alheia a elas.
Eu já havia concluído a leitura do meu livro há um bom tempo, o que diminuiu meus momentos com Ethan. O fato é que eu estava aos poucos superando minha dor. Já não dependia dos remédios e até conseguia ver o pôr do sol sem que isso fosse uma tortura.
O buraco que Ethan havia deixado em meu peito, aos poucos era preenchido pela amizade de . As novas lembranças ofuscavam as velhas... Café no fim da tarde, caminhadas pela praia, por do sol visto do farol, longas conversas sobre as pessoas que ajudávamos. Eu estava começando a viver novamente. E eu devia tudo isso a um estranho rapaz que em um dia triste cruzou meu caminho. Um estranho que constantemente visitava meus pensamentos sem pedir permissão.

Eu saí do meu trabalho e almocei no centro da cidade. Depois fui pra casa me preparar para mais uma tarde ajudando . Aquilo havia se tornado um hobby, do qual eu me orgulhava. Era gratificante ver alguém olhar em teus olhos e te agradecer, ou dizer que você era um anjo enviado a Terra. Era bom me sentir útil.
Mas naquele dia conheci uma moça que mexeu comigo. Ela estava visivelmente desesperada por uma mão amiga, por alguém que a ouvisse. Passei a tarde toda com ela. Ao final de nossa conversa fui encontrar , em nosso ponto de encontro de costume, uma árvore solitária, mais afastada das lápides do cemitério.

- Tudo bem com você? – perguntou ao me ver chegar de braços cruzados e cabeça baixa.
- Será que podemos ir para o farol? – Pedi sem ao menos olhar pra ele.
- Claro. – Ele colocou uma de suas mãos em minhas costas me conduzindo. Eu gostava da sensatez de . Não fez qualquer pergunta durante nossa caminhada até a estrada, no ônibus, ou quando chegamos ao farol. Ele esperou pacientemente que eu dissesse algo.
Deixei meus sapatos perto do farol e comecei a caminhar pela areia molhada. me seguiu ainda calado.
- Conheci uma garota nova hoje, . E me vi nela... – Abri a boca, por fim.
- Me explique melhor. – Ele pediu num tom suave.
- Ela estava noiva. O casamento marcado para o próximo mês. Dois dias atrás, quando seu noivo voltava do trabalho, ele foi assaltado. – Fiz uma breve pausa. Minha voz parecia querer falhar – Para seu azar, os bandidos, não satisfeitos, atiraram nele. E sabe o que é pior nisso tudo, ? – O encarei com meus olhos já vermelhos – Sua noiva presenciou tudo da janela da casa dela. Ele ia visitá-la. Estava levando um presente... – Não consegui terminar. Parei de caminhar e encarei o oceano. Lágrimas silenciosas desceram sobre meu rosto. Foi como reviver minha história novamente... Uma jovem noiva perdendo o grande amor de sua vida. não disse nada, apenas se aproximou por trás com cautela, me envolvendo em um abraço. Ele pousou sua cabeça na lateral da minha e murmurou baixo...
- Não gosto de te ver chorar... – Segurei seus braços, não querendo me desfazer daquele abraço. Eu precisava dele.
- Acho que você não faz ideia de como sua amizade tem sido importante pra mim. – Disse com minha voz levemente embargada.
- Enquanto você precisar eu estarei aqui, . – Ele beijou meus cabelos, permanecendo abraçado a mim – E se não se importa, tenho uma pergunta pra te fazer.
- Qual? – Eu ainda olhava fixamente para o oceano, apenas ouvindo sua voz próxima ao meu ouvido.
- Você ficou triste porque sentiu pena ou porque doeu se lembrar do Ethan? – Pensei por alguns segundos até chegar a uma conclusão.
- Me doeu ver o sofrimento dela, embora lembrar de Ethan ainda machuque um pouco. Por ter uma história parecida a minha, eu sei o quanto ela deve estar machucada... Isso me deixou mais sensível.
- Posso te fazer outra pergunta?
- Pode.
- Se por acaso eu partisse... Você sentiria minha falta?
- Aonde você quer chegar, ? – Perguntei me virando e ficando de frente para ele.
- Não sei... Eu só queria saber.
- Não gosto desse tipo de conversa. – Cruzei os braços inquieta.
- Tudo bem, já entendi... Você não ia sentir minha falta. – Ele colocou as mãos no bolso e deu um sorriso melancólico.
- Não é isso. – Bufei – É claro que eu sentiria sua falta. Eu só... Eu só não quero pensar nessa possibilidade. – Franzi o cenho. Ouvir essa suposição realmente me trouxe um certo desespero. Eu estranhei o fato disso me assustar tanto. Talvez eu já estivesse apegada a . Até demais... A um ponto onde não houvesse mais volta.
Enquanto eu me perdia em pensamentos confusos, senti o dedo de tocar meu cenho, desfazendo minha expressão emburrada.
- ... – Seus olhos penetraram os meus.
- Oi.
- Não sabe o quanto eu quero te beijar agora... – Em questão de milésimos de segundos, meus batimentos cardíacos se descompassaram, enquanto seus olhos estavam concentrados nos meus. Eu fiquei completamente sem jeito.
- Você é bom em dizer essas coisas... – Sorri sem graça – Na verdade você é bom em dizer muitas coisas...
- Eu posso...? – Ele deu um passo em minha direção fixando seus olhos em meus lábios.

Capítulo 7

Eu não respondi à sua pergunta. Na verdade eu não consegui fazer nada. estava ali, diante de mim, me fazendo sentir coisas que eu não sentia há muito tempo. Minha respiração estava pesada, meu coração acelerado e meu estômago cheio das lendárias borboletas. Eu tinha esquecido como era sentir tudo aquilo. E não conseguia lutar contra essas sensações.
Todos esses sintomas... Eu estava realmente me apaixonando por ? Era possível eu me apaixonar por alguém e ao mesmo tempo ainda me lembrar de Ethan?
interpretou meu silêncio como um sim, pois deu mais um passo em minha direção. E para ser sincera eu queria esse beijo, queria me sentir desejada e viva mais uma vez. Mais um passo, e ele já estava perigosamente perto. Segurei as laterais do seu casaco com as mãos, fazendo nossos olhares se encontrarem. Ele levou suas mãos até meu rosto e juntou nossas testas. Eu podia sentir sua respiração enquanto acariciava minha bochecha. Ele ergueu mais minha cabeça e suavemente encostou seus lábios nos meus, de forma gentil e envolvente. Depois se afastou com um leve sorriso, mas mantendo nossas cabeças encostadas.
- Por que... – Comecei a dizer, o que provavelmente seria algo desconexo, mas me interrompeu.
- Eu ainda não terminei... – Disse num sussurro, tomando novamente meus lábios para si. Seu beijo era deliciosamente tentador e envolvente... Aquilo parecia tão certo. Nosso encaixe era tão perfeito. Por impulso puxei-o para mais perto de mim. Ele respondeu ao meu gesto me puxando pela cintura e intensificando nosso beijo. Desliguei-me do mundo e me entreguei àquele momento tão singular, tão nosso.
Precisei me desfazer do beijo para tomar fôlego. Quando o fiz, ainda mantive nossos rostos perto um do outro, recebendo um último selinho seu.
- Eu esperei muito por isso... – sorriu e em seguida fechou os olhos, me abraçando. Seus braços me envolviam, de forma protetora. – E me desculpe pelo que vou dizer... Mas agora eu estou com medo... – Disse sem se distanciar de mim.
- Medo de quê? – Perguntei confusa sobre seu ombro.
- Coisas vão começar a acontecer... Coisas das quais eu não terei controle. – suspirou sutilmente.
- , você está me assustando. – Me afastei um pouco para que eu o pudesse olhar nos olhos. Mesmo ele dizendo aquilo, sua expressão não era a de alguém com medo, mas sim pensativo e cauteloso.
- Desculpa, , eu não quero te assustar. – Ele me puxou lentamente para outro abraço. Me segurava firme enquanto falava, com seu habitual e calmo tom de voz – Mas quando essas coisas começarem a acontecer, nós precisamos estar preparados. – Inconscientemente apertei meus braços ao seu redor. Um medo desconhecido tomou conta de mim.
- ... – Eu ia começar a questionar o porquê de suas afirmações, mas ele me interrompeu.
- Por favor, não pergunte mais nada. Eu sei que você está confusa, mas eu não posso dizer mais do que isso.
- Por quê? – Perguntei aflita por nunca conseguir as respostas que queria.
- Eu tenho meus motivos. Mas não precisa ter medo. – Ele me afastou segurando meus ombros – Acreditaria em mim se eu dissesse que tudo vai acabar bem? – Perguntou afastando uma mecha do meu cabelo.
- Você promete que vai?
- Prometo. – Tendo dito isso, ele me abraçou mais uma vez. Ficamos algum tempo ali, abraçado um ao outro sem mais perguntas ou justificativas.
Em seus braços eu me senti segura.
- ... Posso dormir aqui hoje? – Perguntei com minha cabeça ainda repousando em seu peito. Não queria voltar pra casa aquele dia. Por algum motivo eu quis ficar perto dele.
- Tudo bem... – Ele afagou minhas costas.
Voltamos para o farol em completo silêncio. Preparei um lanche para nós dois e depois ficamos sentados à mesa conversando. disse que estava curioso sobre a minha infância e me fez contar várias histórias sobre essa minha fase. Foi divertido relembrar esses tempos.
- , como você se sustenta? Não te vejo fazer nada além de ajudar aquelas pessoas. – Questionei algo do qual eu sempre tive curiosidade.
- Estava demorando pra você me perguntar isso. – Ele riu antes de continuar – Mas esse é outro segredo meu... Não se preocupe! – Ele logo tratou de se justificar – Não estou metido em nada ilegal. – Ele deu um breve sorriso – Mas eu realmente não posso te dizer... Sinto muito.
- Quer saber? Nunca conheci alguém tão cheio de segredos como esse tal de .
- Ah é? – Ele sustentou um sorriso no canto dos lábios.
- Acho que foi por isso também que eu me aproximei mais dele.
- Ou pode ter sido o destino... – Ele me lançou um olhar desafiador.
- Acredita mesmo nisso, ? – Cruzei meus braços sobre a mesa e apoiei meu queixo sobre eles, aguardando sua resposta.
- Antes não, mas mudei de ideia de uns meses pra cá. Muitos conceitos meus mudaram, pra falar a verdade. – Ele alisou meu cabelo carinhosamente. Eu gostava do jeito como ele me olhava, cheio de admiração e cuidado. Estávamos indiscutivelmente ultrapassamos o limite da amizade. E esse pensamento se transformava em correntes elétricas passando por meu corpo, enquanto eu desenhava minuciosamente cada traço de seu rosto em minha mente.
- ... Nós sempre vamos ao café do senhor Francis, caminhamos pela praia, pela relva... Por que não fazemos algo diferente? – Sugeri timidamente.
- Por exemplo? – Perguntou distraído, ainda alisando meu cabelo.
- Ah... Passear pelos parques do centro, ir ao cinema... Coisas que pessoas da nossa idade fazem.
- Está me chamando pra sair? – Ele sorriu de forma adorável.
- E se eu estivesse? – Sorri também.
- Confesso que não gosto muito de lugares públicos, de muito movimento. – Ele apoiou seu braço sobre a mesa e apoiou sua cabeça sobre a mão – Mas adoraria estar com você mais vezes...
- E essa aversão a lugares públicos tem a ver com essa nova fase da sua vida, suponho. – Deduzi.
- É... Também. – Ele sorriu fraco.
- Me pergunto quando realmente vou consegui te entender, . – Disse um pouco frustrada.
- Cada dia que passa você está mais perto de saber. – Dessa vez ele não sorriu, apenas ficou pensativo.
- Tenho outra curiosidade... – Eu disse.
- Me conta uma novidade. – Rimos.
- Quantas pessoas que você ajuda já vieram aqui conhecer seu farol?
- Só você... – Respondeu sem hesitar. Ficamos em silêncio nos olhando por longos segundos. Eu deveria me sentir especial por ter sido a única a vir aqui? estava realmente gostando de mim? Pergunta tola? Acho que aquele beijo e todo carinho e atenção que demonstrava era mais do que suficiente para responder a essa pergunta. Fiquei feliz ao concluir isso. E sem que eu esperasse ele se esticou sobre a mesa e beijou meu rosto, sorrindo em seguida. – Vou preparar sua cama. Já está com carinha de sono. – Disse ele, levantando-se em direção ao quarto.
Realmente, meus olhos já estavam ficando pesados. E agora meus lábios sustentavam um sorriso bobo.
Assisti preparar com cuidado sua cama para que eu pudesse dormir, e ao lado dela colocou um colchão onde ele ficaria. Depois de todo o ritual de higiene, fui até a cama e vesti um moletom que me emprestara. Não dormi logo de cara. Esperei pacientemente que voltasse de seu banho.
- Perdeu o sono? – Perguntou ele ao me ver sentada na cama, só com as pernas cobertas, imersa em pensamentos.
- Só estava pensando na vida antes de dormir. Nunca fez isso?
- Faço isso todos os dias. – Disse, sentando-se em seu colchão a apoiando seu braço direito sob a cama em que eu estava.
- Então... – Decidi compartilhar um de meus pensamentos com – Eu estava pensando sobre o que você disse hoje na praia. Aquilo de coisas que vão começar a acontecer... Por mais que eu tente, não consigo entender o que seja. – Suspirei. pensou um pouco antes de falar qualquer coisa.
- Isso que vai acontecer tem a ver diretamente com você, . – Ele explicava devagar, cautelosamente – E eu já vi isso acontecer com outras pessoas. É algo natural da vida... Por isso que eu disse que serão coisas das quais eu não terei controle... – parou de falar, como se estivesse freando suas palavras.
- Você não pode dizer mais, não é? – Passei a mão sobre seus cabelos úmidos e perfumados. Ele me olhou e apenas balançou a cabeça confirmando – Então acho melhor nós dormirmos... – Sorri para ele, tentando confortá-lo. Seus segredos pareciam ser um fardo que ele precisava carregar.
Ele pegou minha mão e a beijou.
- É, também acho melhor. – Ele então me cobriu enquanto eu me aconchegava na cama – Bons sonhos, .
- Espera... – Disse antes que ele se deitasse. Sentei-me na cama e me aproximei de seu rosto, levando minha mão até sua nuca e puxando-o levemente para um beijo. Ele em nenhum momento hesitou, pelo contrário, manteve seus olhos fixos em meus lábios enquanto nos aproximávamos. Foi um beijo simples, mas suficiente para trazer a tona todos os sintomas que havia sentido mais cedo – Bons sonhos, . – Disse sorrindo e sentido o rubor tomar conta das minhas maçãs.
Ele apenas sorriu, surpreso e satisfeito, antes de apagar as luzes e deitar.
“O que eu havia acabado de fazer?” Perguntei-me isso inúmeras vezes antes de conseguir dormir. Só havia uma explicação lógica para aquele turbilhão de emoções... Eu estava realmente esquecendo meu passado, toda dor que já sofrera... E dando, enfim, uma chance ao meu coração. Me desarmei de todo o trauma, me desarmei de tudo que pudesse impedir de entrar em meu coração. Se ele era um presente, eu o aceitaria, sem medo de tentar ser feliz outra vez.

Capítulo 8

Na manhã seguinte quando acordei, já não estava em seu colchão. Sentei-me na cama e espreguicei. O relógio da cabeceira marcava quase nove da manhã.
Caminhei até a pequena sala, mas não o vi lá. Andei até a cozinha que era separada apenas por um pequeno balcão, e nada de . Fui até o banheiro que estava com a porta semiaberta e chamei por seu nome.
- ?
- Oi, . – Ouvi sua voz vir da cozinha e fui até lá.
- De... De onde você surgiu? – Perguntei um tanto atônica.
- De lugar nenhum. – Ele forçou um sorriso – Dormiu bem? Aceita um pouco de café? – Disse desconversando e estendendo uma caneca pra mim. Eu a peguei, mas ainda o encarava confusa. Ele pegou um cesto de pães e levou até a mesa. Sentamos de frente um para o outro, como na noite anterior.
- , posso te fazer uma pergunta? – Disse cauteloso.
- Pode. – Respondi dando um gole em meu café logo em seguida.
- Você... Ainda pensa no Ethan? – Quando ouvi perguntar isso, senti um pouco de culpa. Culpada porque eu ainda me lembrava de Ethan. Mas também era verdade que eu estava nutrindo sentimentos por . Não seria sábio dizer que estava dividida, ainda que ter fosse o que eu mais desejava. Tive medo de sua reação, de feri-lo de alguma forma – Seja sincera. Não vou ficar chateado.
- Penso sim. – Respondi sem coragem de encará-lo – Mas com menos frequência que antes. Sinceramente falando, estou me esquecendo dele mais rápido do que imaginava. Como você me disse uma vez... Parece que ele está se tornando apenas uma lembrança. – Soltei o ar de uma vez – Desculpa, , não estou tentando te usar para esquecê-lo.
- Nunca pensaria isso de você... É bom que ainda pense nele... – Não consegui assimilar sua última frase. Não fazia nenhum sentido. Ele ergueu meu queixo com uma de suas mãos. – E não precisa evitar meu olhar como está fazendo agora. – Disse ele, tranquilizando meu coração.
- É estranho, ... Ethan se foi faz quase um ano. Tenho até vergonha de dizer isto, mas aquele dia que nos conhecemos no cemitério, foi a primeira vez que fui visitá-lo. Eu o fiz esperar demais...
- Tenho certeza que não foi por querer. Você teve suas razões. Ethan entenderia.
- Provável que sim... – Sorri ao me lembrar de Ethan em vida – Ele era muito compreensivo.
- Acho que agora posso te fazer outra pergunta...
- A curiosa aqui sou eu. – Rimos um para o outro.
- Eu respeitei seu tempo. Acho que agora você está preparada pra responder, sem que isso te cause tanta dor. – Seu sorriso diminuiu antes dele continuar – Você nunca me contou... Como Ethan morreu? – Respirei fundo antes de começar. Mais cedo ou mais tarde ele acabaria me perguntando isso. Eu já estava preparada para esse momento.
- Era sexta à noite... Eu, ele e mais dois colegas do trabalho voluntário tínhamos ido ao cinema. Ao final do filme, ele não me deixou em casa como de costume porque eu ia dormir na casa de uma colega para terminarmos um projeto para a biblioteca de uma escola infantil. Então ele pegou um ônibus. Naquele dia houve uma pane na energia do centro da cidade e os semáforos apagaram. Não sei se você se lembra disso... Mas em vários pontos da cidade houveram engavetamentos. Infelizmente o pior acidente daquela noite foi o mesmo em que Ethan se envolveu. – Fiz uma pausa antes de continuar. Eu estava conseguindo manter a calma – O ônibus dele se chocou contra outro. Depois disso, carros e carros bateram uns nos outros. Um verdadeiro caos. Como não havia muitos passageiros, e por causa da velocidade, Ethan foi arremessado pra longe, batendo forte com a cabeça em um ferro. – Contava sob o atento olhar de – Ele chegou com vida ao hospital, só que desacordado. Os médicos tentaram de tudo, mas ele não resistiu aos ferimentos... Quando eu soube do que havia acontecido, eu... – Pensei se deveria ou não dizer – Quis desistir de viver. – Suspirei pesadamente – Não vou mentir pra você, ... Pensei em tirar minha vida várias vezes, mas eu não era capaz de algo tão ousado... Ou talvez não fosse minha hora de partir, não daquela forma, não como uma covarde... – Esbocei um sorriso frouxo e envergonhado – Hoje eu penso que besteira seria se eu fizesse tal coisa. A vida pode te derrubar, mas ela também guarda muitas surpresas... – Parei de falar e repirei aliviada. Lembrar do meu passado doía menos agora.
- Eu acho que me lembro... – disse tão baixo que quase não o ouvi. Ele segurava os dois lados da mesa e seu olhar corria de um lado para o outro com rapidez, como se estivesse lendo.
- ...? – Eu o chamei, mas sua mente vagava longe dali.
- Aquele dia... Foi o dia... – Ele franziu o cenho e em seguida deu uma longa piscada, voltando à realidade – Desculpa, o que disse?
- Você se lembra? Do dia do acidente? – Perguntei pra ter certeza do que ouvira.
- Eu nunca ia imaginar que Ethan também estivesse lá... – voltou a vagar em seus pensamentos, e seu tom de voz ia diminuindo ao longo da frase, até terminar em um sussurro.
- Você disse “também estivesse lá”? – Estalei meu dedo perto de seu rosto. estava estranho e aéreo.
– Quem mais estava lá?
- Não é nada. – Endireitou sua postura enquanto fitava meus olhos ansiosos – Só me lembrei de uma história. – levantou-se de repente, indo até a cozinha. Fiquei sentada a mesa, cheia de questionamentos na cabeça – coisa que eu tinha desde que o conheci.
- ... – Levantei e fui até o balcão. Observei-o por alguns instantes. Seu rosto sustentava um semblante confuso. Era a primeira vez que vinha daquela forma. Não quis ser inconveniente com mais perguntas. Talvez ele precisasse ficar um tempo a sós com seus pensamentos, sejam eles quais fossem.
– Bom... Hoje é sábado e minha casa precisa de uma faxina, então... A gente se vê amanhã, tudo bem? – Usei uma desculpa que não era totalmente mentira, para que tivesse um tempo com ele mesmo.
- Ta bem... – Pela sua expressão, não se importava de eu ir. Confesso que meu coração apertou por isso. Falar sobre o acidente de Ethan o deixou pensativo e distante. Parecia mal notar minha presença.
Troquei minha roupa e peguei minha bolsa, indo até a pequena sala onde ele me aguardava.
- Você está bem mesmo? – Perguntei ao me aproximar dele.
- E você está? – Ele acariciou meu rosto, sorrindo de forma doce, numa tentativa de espantar minha preocupação.
- Fiquei preocupada... – Verbalizei – Eu disse algo que não devia?
- Que isso. Pelo contrário. Foi... Esclarecedor. – Um sorriso frouxo apareceu em seu rosto. Me senti um pouco mais confortável em deixá-lo ali, sem a expressão apreensiva de minutos atrás – Desculpa por minha reação... Depois você entenderá.
- Tudo bem. Então até mais...
- Se cuida. – Ele me deu um longo selinho e em seguida abriu a porta pra mim.
Quando cheguei em casa, me joguei no sofá. Eu estava exausta mentalmente. As últimas 48 horas ao lado de me fizeram pensar por um longo tempo, antes de criar coragem para começar a faxina. Que segredos ele escondia de mim? Por que não podia me contar? Quando isso ia acabar?
Cansei de pensar e resolvi partir para minhas responsabilidades. Liguei o som e comecei a limpar minha casa.
Depois de tudo limpo tomei uma ducha morna e curti preguiça o resto da tarde. Li um pouco, assisti TV, mas a todo o momento lembrava-me de . Não podia negar que sentia a sua falta, por mais enigmático que ele fosse. Talvez fosse isso que o tornava mais atraente.
Eu estava apaixonada... Fato que eu não podia mais negar. Minha mente, meu coração e meu corpo se inclinavam para ele sem que eu percebesse.
A noite de sábado chegou rápido e meu corpo pediu cama mais cedo que o de costume. Dormi como uma criança.

POV on

Acordei naquela manhã de domingo sabendo que meu tempo ao lado de estava acabando. A ansiedade e o medo faziam parte dos meus dias desde que descobri o propósito pelo qual eu deveria viver. Ansiedade por este dia estar se aproximando, e medo por não saber como reagiria quando eu partisse. E esses sentimentos humanos só confirmavam o fato de que muito em breve eu não a veria mais.
- Bom dia, senhor Francis. – O cumprimentei assim que ele abriu a porta pra mim.
- Bom dia, meu jovem. Mas o que faz aqui? Hoje é domingo. – Disse o velho Francis com um sorriso amigo.
- Desculpa. Eu sei que o senhor não abre aos domingos. Eu só queria... Conversar um pouco.
- Claro... Entre e sente-se. Vou pegar um café para tomarmos. – Ele fechou a porta e seguiu para a cozinha de seu estabelecimento, voltando poucos minutos depois.
- O senhor deve estar estranhando eu aqui a essa hora da manhã.
- Estranhando não, mas curioso sim. – Ele sorriu.
- O senhor é o único que me compreende... – Fiz uma pausa – Mesmo que parcialmente.
- Tem alguma coisa te afligindo? – Perguntou Francis um pouco preocupado – Sua cara não está das melhores.
- Lembra-se de quando eu disse que essa fase da minha vida terminaria?
- Encontrou um propósito pelo qual viver? – Aquele senhor tinha uma memória impressionante.
- Encontrei... – Respondi.
- Não devia estar contente? O que houve?
- Esse propósito envolve aquela garota que vem aqui comigo tomar café.
- ? – Disse ele lembrando-se de seu nome.
- É... . – Só o fato de dizer seu nome me fez lembrar seu sorriso, sua voz, seus olhos, seu perfume... E da saudade que já sentia dela.
- , meu garoto... Confesse... Você a ama, não é? – O senhor Francis me encarou por cima de seus óculos.
- Parece tão óbvio para o senhor? – Perguntei.
- Claro como o dia. – Disse Francis com um sorriso satisfeito – Já notei como você a olha quando veem aqui.
- Sim, eu a amo... – Um sorriso involuntário formou-se em meus lábios – E o meu medo é partir e não saber quando vou voltar... Se eu voltar. – Sussurrei com pesar minha ultima frase.
- Eu gostaria de poder te ajudar melhor, . Mas você me deixa na escuridão com seus segredos.
- O senhor já conhece meu maior segredo e eu agradeço por ter acreditado em mim.
- Eu já vi de tudo nessa vida, . Posso ser velho, mas tenho uma mente aberta. Se tiver algo que eu possa fazer por você, por favor, me diga.
- Tem uma coisa sim...
- Estou ouvindo. – Me incentivou a continuar.
- Não sei se será possível, mas se conseguir lembrar, cuide da por mim. Eu a conheço e é provável que ela venha te procurar quando eu não for mais visível a ela...
- Ela está começando a esquecer do falecido noivo? – Perguntou Francis.
- Está... – Respondi mexendo em minha xícara de café.
- Tudo bem. Quando chegar o dia em que precisar partir, cuidarei dela como se fosse minha filha.
- Obrigado, senhor Francis. Eu sabia que eu podia contar contigo.
- Eu que lhe agradeço, . Para isso que servem os amigos... – Ele sorriu, apertando minha mão e eu retribuí.

POV off


Capítulo 9

- Obrigada! – Disse à vendedora, assim que me passou as flores que eu acabara de comprar.
Estava indo mais uma vez visitar Ethan, antes de me encontrar com . Cheguei mais cedo porque queria ter mais tempo com ele.
Pode soar um tanto idiota, mas à medida que eu me aproximava de sua lápide, me sentia nervosa, como se Ethan realmente estivesse a minha espera.
Ao chegar, me ajoelhei e deixei as flores perto de seu nome.
- Oi, Ethan. É a ... Faz um bom tempo que não temos uma longa conversa... Se é que posso chamar isso assim. – Larguei minha bolsa ao meu lado e me sentei sob a grama – Tenho várias coisas pra te contar. A primeira é que eu parei de tomar meus remédios para depressão faz um tempo. Estou progredindo. – Sorri timidamente – A segunda é que comecei a escrever um novo livro há algumas semanas, um romance. Meu editor disse que estou levando jeito para livros adultos também. Ah! E lembra-se daquele imóvel de esquina que estávamos comprando? Então. Consegui terminar de pagar. Acho que agora vou conseguir abrir a loja que tanto sonhamos! – Suspirei ao me lembrar da notícia que lhe daria em seguida – Mas eu estou aqui por causa de outro assunto. Lembra-se do ? Então... Ele se tornou alguém muito especial pra mim. Às vezes eu penso que não foi por acaso ele cruzar meu caminho... Ele tem me ensinado tantas coisas. Ajudá-lo aqui neste cemitério, aconselhando pessoas, tem me feito ver a vida com outros olhos. Tem me feito descobrir habilidades que eu nem sabia que tinha. – Olhei ao me redor, suspirando – Ethan, eu estou vivendo novamente e... Chegou a hora de deixar você partir do meu coração... Acho que você também esperava isso de mim... – Observei o ramo de flores que havia trazido para ele – Da mesma forma que essas flores nascem, e tão rapidamente morrem, assim foi você. Mas tal como elas alegram o coração de quem as recebe, você alegrou a minha vida. Eu sempre vou me lembrar de você com carinho, Ethan. E jamais esquecerei as coisas que me ensinou e tudo o que fez por mim. Mas eu preciso escrever um novo capítulo na minha história... Muito obrigado pelos momentos que passamos juntos... – Acariciei com cuidado a sua lápide – Descanse em paz, Ethan... Sua vai ficar bem. – Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, mas não de tristeza. Eu estava dando um passo à frente, eu estava me encontrando depois de tantos meses perdida.
Assim que me despedi de Ethan comecei minha caminhada até a árvore solitária, onde encontraria . Pensar nele fazia meu corpo vibrar. Nunca pensei que me apaixonaria novamente, tão pouco com tal rapidez. Pensar que em alguns minutos eu o veria, fazia meu estômago dar voltas de ansiedade. Enquanto eu andava, sorrisos involuntários surgiam em meus lábios.
Quando cheguei ao local não o vi lá. Olhei para os lados e nem sinal dele. Sentei-me na grama e encostei-me ao tronco da árvore.
- Por isso é sempre bom ter um livro na bolsa. – Falei sozinha enquanto me preparava para ler.
- Oi. – Ouvi uma voz. Olhei para o lado e lá estava , de pé, há poucos passos de mim.
- ?! – Minha voz saiu um tanto aguda – O que...? De onde? – Comecei a falar sem conseguir concluir as frases.
- O que está fazendo? – Perguntou ele sem alterar sua voz como eu havia feito.
- Eu ia ler enquanto você não chegava! Olhei pra todos os lados e não te vi!
- Não me viu? – Ele perguntou mais para si mesmo do que pra mim, depois deu de ombros – Bom, eu estou aqui. E aí, o que faremos hoje? – Esboçou um leve sorriso.
Pestanejei algumas vezes. Não era a primeira vez que me surpreendia, surgindo do nada. Resolvi ignorar esse fato, pelo menos temporariamente, e me levantei rapidamente.
- Está certo. Hoje eu escolho aonde vamos.
- Tem certeza? Então tudo bem. – não discordou como pensei que faria.
- Ótimo! – Sorri largo – Vamos a uma cafeteria que eu adoro.
Ele me seguiu sem hesitar. A cafeteria não ficava tão longe do cemitério, então fomos andando e conversando. Não tocamos no assunto da noite anterior. Talvez não fosse o momento. Não era o tipo de conversa que se tem quando quer sair aproveitar a presença de uma pessoa.
Quando chegamos o lugar estava movimentado. escolheu uma mesa mais reservada no canto da cafeteria.
- Acho que já vim aqui antes... – Ele deu uma boa olhada no local.
- Não existe ninguém em Londres que não tenha vindo aqui. – Disse pegando o cardápio – E então, o que vai pedir?
- Ainda não sei. O que você sugere? – Perguntou sem fazer questão de olhar o cardápio.
- Posso escolher mesmo? – Perguntei um tanto animada.
- Fique a vontade. Confio no seu bom gosto. – Ele sorriu me encorajando.
- Então espere aqui. Hoje vai ser por minha conta. – Levantei e fui até o balcão. Tive que me desviar de algumas pessoas e mesas durante o curto trajeto.
Havia pelo menos umas cinco pessoas na minha frente. Enquanto aguardava minha vez na fila, folheei o cardápio despreocupadamente. Quando olhei para a mesa em que me aguardava, não o vi. Algumas pessoas passavam na minha frente, atrapalhando meu campo de visão. Dei mais uma olhada por cima dos ombros de uma garota e continuei sem vê-lo lá. Varri o local em outras direções, mas não o encontrei. Aquilo já estava começando a me assustar. Saí da fila, pedindo licença às pessoas, e quando passei pela ultima que bloqueava a visão de minha mesa, lá estava , como se não tivesse se mexido.
- Aonde você foi? – Meu coração estava acelerado.
- A lugar nenhum. – Ele respondeu aparentemente calmo.
- , pare de brincar comigo. – Cruzei os braços.
- Mas eu não estou brincando. – Ele ficou de pé, mas continuava tranquilo.
- O que é isso, então? Você está aqui e no segundo seguinte não está mais. Eu estou ficando louca? – Soltei o ar de uma vez – , o que está acontecendo?
- Eu vou te explicar. Mas fique calma, tudo bem? – Ele colocou umas das mãos em meu ombro, olhando ao nosso redor.
- Eu estou calma! – Passei a mão no cabelo, nervosa – Desculpa. Eu vou me acalmar... Mas será que você pode pedir o café pra gente? Eu preciso ir ao banheiro. – Pedi, me sentindo desconfortável por estar começando a chamar a atenção das pessoas que passavam por nós.
- Eu... Eu não posso fazer isso, . – baixou a cabeça, colocando as mãos nos bolsos.
- Por que não? – Perguntei achando aquilo ainda mais estranho.
- Tem a ver com o que acabou de acontecer... – disse com tristeza em seu olhar. Alguma coisa, cuja qual eu não tinha ideia, estava acontecendo. Eu estava realmente ficando com medo daquela situação.
- , por favor, pede o café. – O desafiei. Enquanto o encarava, me questionei o que estava acontecendo para ele agir assim, e por que ele não podia simplesmente pedir a droga do café.
- Sinto muito... De verdade. Mas eu não posso... – não se moveu. Olhei para ele e depois ao meu redor. Algumas pessoas continuavam olhando pra mim, somente para mim.
Peguei minha bolsa e saí dali o mais rápido que pude. Eu dava passadas largas. Estava confusa, com medo e com raiva...
- ! – Ouvi gritar, mas o ignorei e continuei caminhando – , espera! – Ele me alcançou e segurou meu pulso. Virei-me fitando-o chateada.
- O que foi, ? Se não vai me contar nada, então me deixe ir. Eu estou cansada de não ter respostas.
- Eu vou... Digo... Não tudo. – Me virei para sair dali, mas ele me segurou novamente – Por favor, ! Escute-me... Escute pelo menos aquilo que posso te contar.
- Tudo bem. Comece. – Cruzei os braços, visivelmente inquieta.
- Primeiro me diga por que está nervosa comigo.
- Eu não estou nervosa com você. É essa situação, . Eu não consigo explicação para certas coisas que estão acontecendo...
- Por exemplo?
- Por exemplo, agora na cafeteria. Eu não te vi sentado na cadeira, e num piscar de olhos você estava lá de novo. E na cozinha da sua casa, quando te procurei, e hoje na árvore. Você parece surgir do nada, ! Isso está começando a me assustar. – Meus olhos se encheram de lágrimas – Por que eu não consigo te ver bem por esses dias? Por que parecia que você não estava lá na cafeteria? Por que eu sempre carrego a sensação de que você vai sumir a qualquer momento? – Encarei-o, aflita, desejando que ele respondesse meus questionamentos sem desculpas.
- Você quer ouvir a verdade? – Perguntou-me.
- É só isso o que eu quero, . – Respondi engolindo o choro entalado em minha garganta.
Antes que ele começasse sua explicação, seus olhos me examinavam. Ele parecia querer calcular cada palavra que sairia de sua boca, até enfim começar.
- Essas coisas estão acontecendo porque você está começando a esquecer do Ethan... – suspirou pesadamente – Se você esquecer a pessoa que morreu, você não me verá mais, .
Abaixei a cabeça, tentando negar aquele fato. O nó em minha garganta estava me sufocando e não consegui conter as lágrimas que escorreram.
- Por favor, não chore... – pediu num tom baixo, porém suplicante – Eu tentei te explicar antes, mas você me ignorou... Não se lembra? – Depois que disse isso, fiquei calada, tentando buscar algo em minha memória...

- Certo... Mas eu só não entendo uma coisa. Por que é tão estranho pra você ter sentimentos humanos? Você é um fantasma, por acaso?
- Um fantasma? Hum... Por aí.
- Essa foi ótima, ! Com licença! – Gritei para um senhor que passava – Por acaso o senhor está vendo um rapaz do meu lado vestindo jeans, camisa e casaco? – O senhor me encarou por alguns segundos e respondeu...
- Sim, eu vejo. – Me virei para no mesmo instante.
- Seu idiota. – Comecei a estapear seu braço – Chega de brincadeira sem graça!
- Ai! Isso dói! – Ele tentava se proteger dos meus tapas.
- Pensa que eu bato pra fazer carinho? – Cruzei os braços.
- ... Não passou pela sua cabeça que eu posso ser um fantasma diferente? Um que muitas pessoas vejam... – Ele voltou a tocar no assunto – Afinal, você já me viu conversando com várias pessoas. O que você e elas têm em comum?
- Basta, ! Já chega! Agora eu é que não quero mais saber desse assunto. – Comecei a caminhar.

- Você está falando daquele dia que...? – Perguntei chocada.
- Lembrou-se? – Ele perguntou e eu apenas balancei a cabeça afirmando – O que você e as pessoas que vão ao cemitério têm em comum, ? – Não precisei pensar muito. A única coisa em comum que eu tinha com aquelas pessoas era o fato de termos perdido um ente querido.
- Não pode ser... Você não é um... – Meus olhos se encheram de lágrimas novamente.
- quem está de luto pode me ver... Foi isso que tentei te contar aquele dia. E por isso eu não pude pedir o café agora pouco... Compreende agora porque você não consegue me ver bem de um tempo pra cá?
Angústia. Tristeza. Revolta. Desespero.
Agora tudo estava claro. Tão claro que chegava a doer. Espalmei minhas mãos em seu peito e o envolvi pelo pescoço.
- Eu estou esquecendo o Ethan por que... – Parei por alguns segundos, tomando coragem – Porque eu estou apaixonada por você...
- Eu sei... – A voz de saiu fraca, enquanto seus braços me envolviam.
Tive medo de soltá-lo e nunca mais vê-lo. Parecia um pesadelo, uma ironia, uma piada do destino. Perder Ethan não foi suficiente? Eu estava fadada a perder também? Meu coração estava se desmanchando. Não conseguia mais raciocinar com clareza. Eu precisava colocar todas aquelas informações em ordem.
- ... Preciso ir. – Sem realmente querer, desfiz nosso abraço, mas permiti que ele segurasse minha mão – Por favor, não me procure. Eu entro em contato com você. Eu preciso de um tempo para... Enfim. – Suspirei pesadamente.
- Tudo bem... – não tentou me impedir.
Meu coração se partiu em mil pedaços ao ver um tão vulnerável e impotente. Ele sabia que não havia nada que pudesse fazer nada para reverter àquela situação. Antes que meu choro viesse com toda sua força, soltei a mão que ainda segurava e o deixei sem dizer mais nada.
Quando cheguei a uma distância segura, criei coragem e me atrevi a olhar uma última vez pra trás antes de seguir meu caminho... não estava mais lá. Aquilo foi como sentir uma espada atravessando meu peito.

Fechei-me em meu quarto e chorei até não aguentar mais. Eu não conseguia acreditar no que havia me contado. Fantasma? Como? Eu podia sentir sua pele, seu calor, seu perfume... Nós até nos beijamos.
Eu queria dormir e acordar daquele pesadelo.

Capítulo 10

’s POV on

(Coloque Cerca de Mim do Alex Ubago para carregar e aguarde)

Não dormi aquela noite com a imagem de partindo daquela forma. Nada machucava mais meu coração do que vê-la chorar e não poder fazer nada. Eu era a causa daquilo.
Duas semanas haviam se passado. Esperei pacientemente que ela entrasse em contato. Mas eu estava no meu limite. Eu queria ver seu sorriso novamente, uma última vez...
Fui até seu trabalho, no centro da cidade, na manhã seguinte e esperei até que ela saísse. Assim que ela cruzou a porta, eu a segui sem que ela notasse.
Quando ela chegou a sua casa, fiquei do lado de fora pensando se batia ou não em sua porta. Depois de alguns minutos apertei sua campainha.
- Quem é? – Ouvir sua voz... Aquilo bastou para me fazer sorrir – Como eu não respondi, ela abriu a porta. não me enxergou... Seus olhos pareciam atravessar meu corpo à procura de alguém pela rua. Ela abraçou seus próprios braços como se uma brisa fria a tivesse pego desprevenida.
- Você não... Consegue me ver? – Sussurrei, mas ela não ouviu. Isso só podia significar uma coisa... Ethan estava desaparecendo de seu coração. Ela queria a mim tanto quanto eu a queria. Seus olhos ansiosos ainda varriam a rua. Segurei o impulso de acariciar sua pele. Será que ela ao menos sentiria meu toque?
, você está aí? – Sua pergunta me surpreendeu. Eu queria dizer que sim, mas isso seria inútil. Então lentamente a porta se fechou.
Sentei-me na calçada em frente a sua casa. Eu não queria partir agora. Não queria ficar longe dela. Eu tinha medo de nunca mais poder ver seu rosto...
Fiquei sentado ali, por uma hora ou mais, até a porta de sua casa se abrir novamente.
- ?! – A voz alta de me assustou. Fiquei de pé no mesmo instante – O que está fazendo aqui?
- Consegue me ver? – Perguntei perplexo. Mas ela não me respondeu, apenas veio ao meu encontro e me abraçou forte.
- Tive medo de te procurar e não conseguir te ver mais. – Ela disse baixo, numa voz fraca.
- . – Disse afagando seus cabelos.
- Venha... Entre um pouco. – Ela me puxou pela mão.
- Eu toquei sua campainha agora pouco e você não me viu.
- Foi o que deduzi. – Disse ela – Então eu tentei pensar em Ethan e... Desculpa... Mas só assim, talvez, eu conseguiria te ver mais uma vez... – Seus olhos ficaram vermelhos – Senti sua falta...
- Eu também. – Disse me aproximando dela. Suas mãos seguraram com firmeza minha camisa. Eu gostava quando ela fazia isso.
- Você é mesmo um fantasma, ? – Ela perguntou, afastando-se um pouco.
- Fantasma não seria o termo correto. – Tentei explicar – Isso só se aplica àqueles que morreram, mas eu não estou morto. Digamos que eu sou um espírito que tirou férias do corpo. – Sorri tentando amenizar a conversa – Mas para aqueles que estão de luto, sou como qualquer pessoa que cruza com você pelas ruas.
- E onde está seu corpo?
- Eu também não sei... – Respondi frustrado – Minha própria vida não estava totalmente clara nem mesmo para mim.
- Você aceita um café? – Ela perguntou. Talvez aquele assunto ainda a incomodasse.
- Aceito, obrigado.
- Vou pegar. E... Tente não sumir... – Por mais que ela tentasse disfarçar, eu vi a súplica em seus olhos. Mas era algo que estava fora de meu alcance.
- Tente não pensar muito em mim. – Sorrimos um para o outro, contrastando com a realidade de nossos corações.
- O que está ouvindo? – Caminhei até seu porta CDs – Você tem bastante cd internacional... Beatles... U2... Marrom 5... Hum, Rascal Flatts. Alex Ubago? Gosta dele?
- Sim... Conhece? – Perguntou da cozinha.
- Conheço... Você tem todos os álbuns! – Observei seus CDs na prateleira acima – Gosta de espanhol? – Perguntei surpreso.
- Não entendo muito, mas gosto. – Ela sorriu – Por quê? – Perguntou me entregando uma xícara de café.
- Eu lembro que costumava ouvir também. Posso? – Fiz menção de colocar outro cd no aparelho.
- Claro. – Ela sentou-se em seu sofá.
Escolhi um dos álbuns que mais gostava. Era bom pode recuperar algumas lembranças da minha vida, mesmo que fossem mínimas. Um presente que somente conseguia me dar, embora não tivesse consciência disso.
(Aperte o play, leitora)
A música Cerca de Mi começou. Sentei-me na poltrona que ficava de frente para o sofá onde estava.

“Leva-me”
Você me disse e eu
Eu não cheguei a duvidar
E te tirei dali
Vou ser
Quem te acompanha hoje
E vou te ensinar a ver
Tudo o que há em mim


balançava sutilmente seu corpo, no ritmo da música, com o olhar fixo em um ponto de sua sala de estar. Eu queria aproveitar cada segundo de sua presença. Eu não tinha ideia de quanto tempo ainda teríamos.
- Gosto dessa música. – Ela sorriu voltando os olhos para seu café.

Quero que saiba que nunca vou deixar você
E ainda que os outros mudem
Eu não penso em te trocar


Deixei minha xícara sob uma mesinha ao lado da poltrona e caminhei até ela.
Estendi minha mão e ela a segurou, aceitando meu pedido para aquela dança.
- Você tem certeza? Não sou boa nisso. – Disse ela.
- É só deixar eu te guiar... – Envolvi sua cintura.

Ninguém me disse que um dia
Ia escutar sua voz
Dizendo que me queria
Até morrer de amor.
Uma vida inteira contigo,
Te vendo sorrir.
Eu quero você sempre perto de mim

- Não sabia que você dançava. – Ela disse.
- Nem eu. – Rimos.
Seus braços finos envolviam meu pescoço. Essa seria nossa primeira e última dança antes que eu partisse. Eu estava ciente de que não teríamos outro momento como aquele. Não nas atuais condições. E seu eu fracassasse, talvez nunca mais.

Esta vez
Não pedirei perdão
Tão só tratarei
De te fazer mais feliz
Chegarei
Onde quer que deva chegar
Para te escutar
E para te fazer ouvir


- Essa é minha música pra você, . – Disse ao seu ouvido. Ela não disse nada, apenas afundou seu rosto em meu pescoço. Ela sentia que aquilo era uma despedida. Minha - me permiti chamá-la assim em meu coração - não era boba.

Quero que saiba que nunca vou deixar você,
E ainda que os outros mudem
Eu não penso em te trocar

- Você prometeu que tudo acabaria bem... – Ela disse, numa voz trêmula.
- Sim, eu prometi. – Afaguei suas costas – Se eu conseguir... Você vai me esperar?
- Vou. – Sua voz saiu abafada pela minha camiseta.

Ninguém me disse que um dia
Ia escutar sua voz
Dizendo que me queria
Até morrer de amor.
Uma vida inteira contigo,
Te vendo sorrir.
Eu quero você sempre perto de mim

- Você vai ficar bem? – Perguntei.
- Não se preocupe comigo, . – Ela sorriu, tentando esconder a dor que sentia.
-Não me peça coisas impossíveis, ... – Ouvi um sorriso discreto vindo dela.

Uma vida inteira contigo,
Te vendo sorrir.
Eu quero você sempre perto de mim...

- Obrigado pela dança. – Disse, me afastando um pouco.
- Eu que agradeç... Ai... – se afastou pressionando os olhos com os dedos.
- O que foi? – Perguntei preocupado.
- Meus olhos estão ardendo, secos eu acho... – Ela piscou algumas vezes – Minha vista está um pouco embaçada... – Eu sabia o que aquilo significava.
- , sua vista está perfeita. O problema sou eu... – Dei um passo pra trás – Preciso ir...
- Agora? Assim tão rápido? – Ela segurou uma de minhas mãos.
- Infelizmente sim...
- Antes de ir... – fez uma pausa – Quero um beijo seu. – Seus olhos encontraram os meus. Eu não podia nem queria dizer não. Entrelacei minha mão em seu cabelo e selei nossos lábios. Um beijo intenso, apaixonado, mas ao mesmo tempo doloroso... Era um adeus.
- Eu te amo... – Ela disse num sussurro com seus lábios ainda próximos aos meus.
Naquele momento eu soube que poderia partir em paz. Suas palavras me trouxeram a esperança de vê-la novamente. Mesmo que a espera fosse longa, tê-la em meus braços outra vez faria qualquer tempo valer a pena.
Soltei-a lentamente e notei o rastro que suas lágrimas deixaram em seu rosto. Sem delongas andei até a porta e a abri, saindo silenciosamente de sua casa. Não verbalizamos a palavra adeus. Não queríamos uma despedida, embora a sentíssemos...
Parei há alguns metros de sua casa e quando olhei pra trás ela estava em sua porta. Seu olhar perdido procurava por alguém que ela já não conseguia mais ver.

POV off

Capítulo 11

Então se foi, sem dizer adeus...
Eu fiquei na porta da minha casa, sem qualquer reação, olhando o vazio da rua. Vi o sol se por, dessa vez sozinha... Mas não conseguia chorar ou me lamentar. Eu estava agarrada a uma promessa: Tudo vai acabar bem.
Fechei a porta de casa, prometendo a mim que seria forte dessa vez. Não me permitir pensar que se fora para sempre, não me permitir derramar uma única lágrima aquela noite.

No dia seguinte, quando cheguei do trabalho, senti um grande vazio. Diferente dos outros dias eu não ia encontrar . Ficar em casa estava me deixando inquieta e ansiosa. Comecei a andar de um lado para o outro. Eu não estava com cabeça pra escrever, nem com paciência pra assistir TV. Minha casa estava limpa e eu não conseguiria ouvir música. Eu não tinha nada pra fazer, ou pelo menos nada em que eu conseguisse me concentrar. “Será que realmente se foi?” “O trabalho dele havia realmente terminado?” “Ele nunca mencionou quando realmente partiria...” Pensamentos iam e vinham a todo instante, trazendo com eles a vontade de ver a qualquer custo.
- O senhor Francis! – Disse, parando de caminhar freneticamente. Corri até meu quarto e me troquei.
Eu estava indo até a velha cafeteria ao lado do cemitério, ao encontro daquele simpático idoso, mas meu coração ainda tinha esperança de ver .
- Senhor Francis? É a ... – Disse adentrando e o avistando próximo ao balcão.
- ! Entre, por favor. – Disse ele sorrindo.
- Obrigada. – Eu ainda estava ofegante pela pressa em chegar lá.
- O que a traz aqui?
- Eu queria conversar com o senhor. – Dei um fraco sorriso.
- Certo... Venha comigo. – Francis abriu uma porta que ficava atrás do balcão, ela dava acesso à sua casa, que ficava nos fundos. Atravessamos sua sala de estar e passamos por outra porta que dava acesso a um quintal cheio de flores. Havia uma mesa redonda de jardim. – Suponho que tenha vindo aqui por causa do jovem . – Disse ele fazendo sinal para que eu me sentasse.
- Sim, vim aqui por isso. – Não quis fazer rodeios e fui direto ao assunto – Francis... O que o senhor sabe sobre ele?
- Não muito. Ele não podia falar. Mas... A senhorita já sabe, não é? – Ele me olhou com compaixão – Não deve ter sido fácil encarar a realidade.
- Não foi... – Suspirei – Mas o senhor sabe de mais alguma coisa, além disso? Por exemplo, quando ele vai voltar, ou se já partiu...
- me disse que não sabia quando voltaria, mas também não me deu certeza se voltaria.
- Como assim? – Perguntei em choque – Existe a possibilidade dele não voltar?
- Ele disse que isso já aconteceu antes com outras pessoas, que é possível... – Enquanto Francis falava, um nó se formava em minha garganta. Eu estava sufocando só de pensar que nunca mais veria .
- Ele nunca me disse isso... – Segurei o choro, mas meu coração estava descompassado.
- O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta... Já ouviu isso antes? – Eu apenas balancei minha cabeça afirmando – Você o ama, ?
- Amo... – Minha voz saiu entrecortada.
- Então espere... – Ele segurou uma de minhas mãos – Foi por isso que saiu daqui mais confiante. – O velho Francis abriu um sorriso – Estou com um bom pressentimento, minha criança.
- esteve aqui? – Perguntei limpando as lágrimas que inevitavelmente escorreram por meu rosto. Ele ainda não havia ido embora?
- Saiu poucos minutos antes de você chegar.
- Desculpa, senhor Francis... Eu preciso ir. – Levantei as pressas e saí da cafeteria sem me despedir decentemente.
Corri até o cemitério, chegando à nossa árvore. Eu não sabia o que estava fazendo. Mesmo que ele estivesse lá, com certeza eu não conseguiria vê-lo. Eu só conseguia pensar nele. E isso era motivo mais do que suficiente para não mais enxergá-lo.
Não satisfeita fui até seu farol. Parei em frente aquela construção, ofegante e com medo de encarar o vazio. Subi as escadas e abri a porta. Minhas suspeitas estavam certas... Não havia sinal de , nem de suas coisas. Tudo estava escuro. Era como se o lugar nunca tivesse sido habitado por alguém antes.
- ? – Chamei por seu nome, mas só ouvi meu eco como resposta. Nada na sala. Nada na cozinha. Seu mural de fotos estava vazio. Minha respiração começou a pesar. Uma enorme dor tomou conta do meu peito. Caminhei até a mesa e sentei na cadeira. Só então notei um envelope pardo que estava sob a mesa. Quando abri, tive uma surpresa.

Querida ,

Obrigado pelas últimas semanas que passamos juntos. E me desculpe...
O tempo que tive com você, foi o melhor desde que iniciei essa jornada. Mas agora tenho que deixar tudo isso...
Eu te disse antes que meu trabalho só ia durar até o momento que eu encontrasse a razão pela qual viver. Você me ajudou a encontrá-la.
Eu era patético e egoísta... Eu achava que a vida era apenas um jogo, onde as cartas e os dados estavam sempre ao meu favor. Mas eu estava enganado... Me envolvi em um acidente de carro.
Naquele tempo, quando abri os olhos e me vi em um lugar nunca visto antes, eu senti eu estava fugindo do jogo cansativo da vida. Após ter conseguido esse trabalho, eu estava em paz. E após ter te conhecido, eu mudei completamente... Descobri algo especial. Essa é a verdade...
O tempo que passei com você, trouxe vida a uma alma adormecida.
Mesmo em vida, nunca fui o tipo de pessoa que escrevia carta a alguém. Essa é a primeira vez que sinto essa necessidade. Então, pensei que deveria fazer o meu melhor.
Contudo... Em nome daquilo que vivemos, não a guarde. Assim como estou partindo, deixe que esta carta seja levada embora.

, por você aparecer em minha “vida” eu sou muito grato... De verdade.

Adeus...
Com carinho,
.


Mal consegui ler as últimas frases de sua carta. As lágrimas escorriam incessantemente pelo meu rosto. Eu estava sufocando e isso só fez com que meu choro saísse alto. Gritei. Eu precisava jogar pra fora toda aquela angústia. havia realmente partido.
Caminhei até a praia sem conseguir conter as lágrimas. Sentei sobre a areia e abracei sua carta, assistindo ao por do sol, o mais triste e melancólico desde então.
Eu quebrei a promessa que havia feito a mim mesma... De que seria forte. Mas encarar o fato de que não estava comigo me fez desabar.
Assim que escureceu, me coloquei de pé. Encarei as ondas chocando-se contra as rochas. Uma leve chuva começou a cair, misturando-se às minhas lágrimas. O vento soprava forte... Os pingos de chuva borravam as palavras de , escritas com tinta preta. Ergui a carta que ele deixara pra mim e a arremessei ao ar, deixando que fosse levada, assim como ele havia pedido.
Agora só me restava esperar...

Voltei pra casa sem pressa. Larguei as roupas molhadas no chão e tomei um banho quente. Não sentia fome ou sede, apenas fraqueza e uma imensa solidão. Deitei-me na cama e refiz o filme das últimas semanas que havia vivido.
Quanta coisa pode mudar em tão pouco tempo, e com uma intensidade assustadora.
Lembrei-me de Ethan... Olhei ao redor e notei que ainda estava cercada por ele. Fotografias, presentes de natal, de aniversário, de namoro, tudo espalhado pela casa. Aquilo não estava certo.
Tomei coragem e levantei com o intuito de me livrar de todas aquelas lembranças. Ethan só precisava ser lembrando com carinho em meu coração.
Entre livros, cartas e fotografias, eu encontrei um velho jornal guardado com zelo. A reportagem da primeira página falava do acidente que tirou a vida de Ethan.
Senti meu sangue congelar quando abri a segunda página. Em uma pequena nota vi a foto de um rapaz.
Eu não estava tendo alucinações. Ao ler a legenda daquele foto, tudo pareceu ter ficado claro.

“Jovem que havia ficado preso entre ferragens de um ônibus é levado ao hospital em estado grave e entra em coma”

Era ! Eu o reconheceria em qualquer lugar. Li a reportagem e o nome do hospital. Mais do que depressa me levantei. me disse que não estava morto. Ele só poderia estar em coma, é claro! E seu corpo só podia estar em um lugar. Vesti qualquer roupa e saí ás pressas até aquele hospital.
- Com licença! – Chamei por uma atendente que estava por trás do balcão.
- Pois não, em que posso ajudar?
- Estou procurando por um paciente chamado . – Pedi, tentando não parecer tão desesperada.
- Qual o sobrenome dele? – Perguntou ela, digitando algo em seu computador.
- Desculpa, eu não sei. É um paciente que está em coma. Há mais ou menos nove meses, dez ou mais. – Eu estava começando a ficar aflita.
- Senhorita, nós não temos nenhum paciente em coma com esse nome. Você tem certeza?
- Tenho sim! Por favor, eu preciso encontrar esse paciente. – Eu estava prestes a voar no computador daquela mulher.
- Você é da família? – Ela perguntou erguendo uma sobrancelha.
- Não, mas... Por favor, me ajuda. – Supliquei. Não adiantaria eu tentar contar como havia conhecido . Eu seria vista como uma louca.
- De acordo com o sistema, não existe mesmo ninguém com esse nome que esteja em coma. É bem provável que ele tenha sido transferido. E mesmo que eu tivesse essa informação, eu só tenho permissão para comunicar isso aos familiares.
Deitei minha cabeça sobre aquele balcão. Eu não estava acreditando naquela maré de azar.
- Droga... – Murmurei baixo.
- Senhorita? – A mulher cutucou meu ombro – Você está bem?
- Esquece... Desculpa o incômodo. – Arrastei meu corpo pra fora daquele hospital e atravessei a rua, sentando-me em um banco vazio. – Por que não consigo te encontrar, ? – Mantive meus olhos sob aquele hospital fazendo a mesma pergunta inúmeras vezes. Sem minha permissão meus olhos se encheram de água. Eu não queria mais chorar... Eu estava cansada.
Sentada ali, a míngua, senti uma forte sensação de dejavu. Foi nesse momento que outra lembrança veio à tona, especificamente um sonho que tive pouco depois de conhecer ...

Adormeci com esses pensamentos e mergulhei em um sonho completamente sem sentido. Eu e caminhávamos de mãos dadas por uma relva... Até que de repente me vi andando sozinha, embora ainda sentisse sua mão segurando a minha. No segundo seguinte eu estava em frente a um hospital, com meus olhos cheios de lágrimas.

- Esse sonho... – Arfei – Foi o sonho que tive antes de aceitar a proposta de ajudar ... – Eu estava perplexa. Só agora eu conseguia interpretá-lo e compreendê-lo.
invisível aos meus olhos... Eu na frente de um hospital... Não foi por acaso que sonhei.
Talvez naquele tempo, meu coração de alguma forma sentia o que estava por vir. Talvez a presença de e o mistério que o rodeava tivessem desencadeado isso. Afinal, nada era comum quando se tratava dele.
Quando voltei pra casa, demorei a dormir. Deitada, encarei o teto escuro do meu quarto por horas, até finalmente mergulhar em um sono profundo, sem sonhos, sem nada.

Capítulo 12

’s POV on

Adentrei aquele corredor longo, iluminado e silencioso. Dos dois lados havia fileiras de janelas imensas. Fora delas tudo era tão brilhante que ofuscava minhas visão. Uma cidade branca e calma.
Antes de chegar ao fim do corredor, uma cena me chamou a atenção. Através das janelas vi um jovem que parecia ter minha idade, e ao seu redor havia algumas crianças. Enquanto ele falava, as crianças sorriam. Eu reconheci seu rosto, o mesmo das fotografias da casa da . Era Ethan.
Sorri ao ver o rosto daquelas crianças. Lembrei-me da minha irmã caçula... Sentia sua falta.
Nesse momento uma dessas crianças olhou para a janela onde eu estava parado. Acenei, mas ela virou o rosto sem me notar.
- ? – Uma voz me chamou do fim do corredor. Um senhor muito bem vestido estava á porta a minha espera – Eles não podem te ver.
- Entendo... – Dei mais uma olhada antes de caminhar até o fim do corredor e seguir aquele senhor até sua sala.
- Faz um bom tempo, não? – Ele disse, sentando-se em sua cadeira.
- Quase um ano. – Respondi.
- Se está aqui, isso quer dizer que achou uma razão pela qual viver.
- Sim. – Eu estava ansioso. Queria que meu motivo fosse forte o suficiente para que eu pudesse voltar para minha vida.
- Outros que vieram antes de você não levaram isso a sério. E por serem imprudentes, não puderam retornar. – Ele uniu suas mãos sob a mesa, falando calma e pausadamente – Espero que você tenha refletido sobre sua vida durante esse tempo e faça melhor dessa vez, .
- Tenho certeza que farei. – Dei um sorriso sincero.
- Então vejamos... – A mesa entre nós dois, como se fosse tela de uma televisão, retratava o motivo pelo qual eu queria viver. Todos os momentos que vivi com passavam como um filme. Nós dois na cafeteria do senhor Francis, andando pela relva, pela praia, conversando no farol, nosso beijo, nossa despedida...

- Eu te amo... – Ela disse num sussurro.

A última cena foi a de dizendo que me amava. Aquilo fez meu coração se agitar.
- Você fez um bom trabalho, . – O senhor dizia enquanto olhava para a última imagem de sua mesa. Graças a você voltou a viver. E quanto a você... – Ele olhou pra mim – Essa garota também te trouxe vida... Eu sei por que você está aqui...
- E então...? – Eu não estava conseguindo lidar com todo aquele suspense. E não era exagero dizer que aquilo era uma questão de vida ou morte.
- Parabéns, . – O senhor ficou de pé e estendeu sua mão pra mim – Seu motivo é nobre. Ganhou seu direito acordar... Seja bem-vindo à vida.
- Obrigado. Muito obrigado! – Abri um sorriso largo, apertando a mão daquele senhor.
- Por aqui, por favor. – Ele me levou até outra porta, diferente da que tínhamos entrado.
- Desculpa... Eu tenho uma última pergunta... – Disse.
- E qual seria?
- Quando eu voltar, e eu nos lembraremos de tudo isso?
- Se o amor que sentem um pelo outro é verdadeiro, a vida dará seu jeito... Agora volte e viva bem, . – Ele sorriu, abrindo a porta pra mim. Não sabia se sua resposta era um “sim” ou um “não”. Mas de uma coisa eu tinha certeza... Cedo ou tarde estaria comigo.
Quando passei pela porta não consegui enxergar nada. A forte luz ofuscava minha vista. Senti meu corpo pesar, ficar mais rígido. Caí sob um chão macio, tapando os olhos com meus braços.
Enquanto meus ouvidos captavam sons nada familiares, minha mente se esvaziava. Tentei segurar a imagem de , mas ela escapou como água sobre os dedos.
Tentei abrir meus olhos, uma, duas vezes... Mas eles estavam muito pesados. Eu estava imóvel e fraco. Só o que eu conseguia era ouvir bips ao longe. Tentei novamente abrir meus olhos com um pouco mais de força. A luz ainda incomodava, fazendo com que eu pressionasse minhas pálpebras.
- CÉUS! – A voz de uma mulher gritou – O garoto... Ele acordou! – Ouvi novamente a voz, agora distante e eufórica. Depois um barulho de algo de madeira se chocando. Tudo ficou quieto por alguns segundos, até outras vozes voltarem a falar.
- Liguem para a família dele. – Era uma voz masculina.
- Tudo bem. – A mesma voz feminina de antes respondeu.
- ? – A voz masculina falou mais perto, segurando minha mão – Se pode me ouvir aperte minha mão. – Fiz um pouco de força, mas consegui atender a seu comando – Isso, garoto. Agora tente abrir os olhos. A claridade pode te incomodar um pouco.
Franzi o cenho quando a claridade atingiu minhas pupilas. Pestanejei algumas vezes até conseguir me adaptar. Eu estava em um leito de hospital. O bip que eu ouvia vinha do aparelho que me monitorava. E a voz feminina, provavelmente de uma enfermeira.
- Sou o doutor Jang. Seja bem-vindo, . – Cofirmei pelo seu jaleco e pelo estetoscópio que carregava em seu pescoço.
- Se... Sede. – Mina voz saiu rouca e falha. Minha boca e minha garganta estavam secas.
- Já vamos providenciar água. – Ele colocou sua mão sob meu ombro – Você deve ter muitas perguntas. Mas antes de respondê-las precisamos fazer alguns exames, certo? – O doutor disse e eu apenas confirmei com a cabeça.
Eu realmente tinha muitas perguntas. Não tinha ideia de quanto tempo estava naquele hospital. A única coisa de que me lembrava era de estar dirigindo para um bar noturno, onde me encontraria com alguns amigos. Mas um blackout apagou o centro de Londres, e no segundo seguinte eu estava prestes a me chocar contra um ônibus. Eu freei e depois tudo ficou escuro.
E agora estou aqui.
Levaram-me para fazer alguns exames e quando voltei para meu quarto, na cadeira de rodas, minha família esperava por mim.
- Meu Deus... Meu filho... – Minha mãe veio ao meu encontro, me abraçando com força. Ela chorava compulsivamente sobre meu ombro, fazendo meus olhos lacrimejarem. – Você finalmente acordou!
- Tudo bem, mãe... Eu estou bem. – Afaguei suas costas tentando tranquilizá-la.
- É bom poder te ouvir novamente, meu filho. – Meu pai disse, com voz trêmula. Ele que sempre foi do tipo sério, centrado e reservado, estava prestes a chorar. Ele beijou o alto da minha cabeça e bagunçou meu cabelo, como fazia quando eu era criança.
- Valeu, pai. – Disse enxugando meu rosto – E você, tampinha? – Eu disse para minha irmã de quatro anos, que estava no colo da enfermeira – Não vai me dar um abraço? – Perguntei e ela logo esticou seus braços, com um sorriso tímido.
A enfermeira a colocou em meu colo. Minha pequena Alyssa.
- Sentiu falta do patife do seu irmão? – Perguntei apertando sua bochecha.
- Unhum... – Ela respondeu timidamente envolvendo meu pescoço com seus bracinhos curtos.
- É sério que fiquei esse tempo todo em coma, mãe? – Perguntei.
- É sim, querido. Mas isso não importa mais. – Minha mãe ainda limpava seu rosto molhado pelas lágrimas – Alyssa te visitava todo final de semana, não é princesa? Fala pra ele.
- É... E você tava dumindo, . – Alyssa falava enquanto mexia no meu cabelo – A mamãe e eu, a gente leu história pá você.
- Eu dormi tudo isso, foi? – Sorri ao mesmo tempo em que minhas lágrimas desciam. O quão dolorido deve ter sido para meus pais, e especialmente para Alyssa. Eu a abracei forte, tentando conter meu choro – Me desculpa por perder seu aniversário.
- Você tá dodói, ? – Alyssa se afastou e limpou meu rosto.
- está chorando porque ele está feliz de ver você. – Beijei suas mãozinhas – A Alyssa vai perdoar o por ele ter dormido tanto?
- Vai sim! – Ela balançou a cabeça com um sorriso que iluminou meu dia.
Por mais feliz que eu estivesse em ver que havia sobrevivido àquele acidente e em ver minha família, algo estava errado. Eu não sabia dizer o que era, mas havia uma lacuna dentro de mim. Eu sentia que minha vida era um quebra-cabeça incompleto, mas ao mesmo tempo tinha a sensação de que tudo ia acabar bem.

’s POV off

’s POV off

Capítulo 13

Acordei naquela manhã cheia de olheiras. Tive uma péssima noite de sono.
Quando olhei ao redor, meu quarto estava uma zorra. Cartas, fotografia e presentes que havia ganhado de Ethan estavam espalhados pelo chão.
- , o que é isso? – Perguntei a mim mesma, me arrastando da cama. Aos poucos lembrei que eu ia dar fim a todas aquelas coisas. Sentei ao lado da cama e peguei um porta-retratos que estava no chão. Nele estávamos Ethan e eu. – Quando deixei de te amar? Como isso aconteceu? – Passei meus dedos sobre nossa fotografia, era estranho sentir que não o amava mais.
Eu estava totalmente desorientada. Não me lembrava do que havia feito no dia anterior e aquilo me desesperou.
Um enorme sentimento de vazio consumia minha alma. E não era um vazio pela ausência de Ethan, era algo que eu não conseguia explicar ou entender de onde vinha.
Ainda sem conseguir entender o que se passava comigo, concluí o que havia começado. Me livrei de todas aquelas lembranças. Com aperto no coração queimei as minhas cartas. E no caminho para o trabalho, deixei os ursinhos de pelúcia, que havia ganhado de Ethan, em um orfanato.

- , você está bem? – Perguntou meu editor. Eu estava inerte, encarando a tela do meu computador.
- Você já acordou com aquela sensação de que alguma coisa está errada em sua vida? Como se você tivesse acordado de um sonho sem conseguir se lembrar dele, e agora não sabe que passo dar? – Perguntei.
- Bom. Na verdade... – Ele coçou a cabeça – Olha, comigo nunca aconteceu... – Ele se inclinou sobre minha mesa – Seu problema é outro. Acho que você está precisando tirar férias.
- Férias? Você acha?
- , você é ótima no que faz. Mas eu acho que é uma boa hora pra você descansar a mente e se dedicar aquele seu projeto. Você vem adiando suas férias desde que seu noivo... – Ele fez uma pequena pausa – Enfim.
- É... Talvez você tenha razão. – Apoiei minha cabeça sob as mãos.
- Respire novos ares, vai te fazer bem. – Ele disse dando uns tapinhas em minhas costas antes de sair.

Resolvi seguir o conselho do meu editor. Eu não me lembrava da última vez que tirei férias. Uma semana bem longe da cidade grande renovaria minhas forças para mergulhar de cara no meu próprio negócio.
Antes de ir pra casa resolvi visitar Ethan.

- Ei... Olha quem veio te ver de novo. – Sentei frente a sua lápide – Adivinha. Vou tirar férias. Acho que já estava na hora, não é? – Respirei fundo – Ai, Ethan... Acordei tão estranha essa manhã. Nem consigo colocar em palavras. Vir te ver todo dia, ler pra você... Pergunto-me se isso foi realmente tudo o que fiz durante os últimos tempos. – Fiquei brincando com meus dedos enquanto tentava me forçar a lembrar de algo. – Esquece... Devo estar pirando. – Ri para mim mesmo – Bom, só vim dizer isso mesmo. Tchau, Ethan...

Naquele mesmo dia, antes que anoitecesse agendei minha viagem. Eu não podia perder tempo. Eu tinha essa estranha necessidade de que as horas e os dias passassem rápido. Era como se eu estivesse esperando por algo.

’s POV on

Era estranho voltar pra casa, mais estranho ainda porque era a casa dos meus pais.
- Filho, seu antigo quarto ainda está do mesmo jeito. Pode ficar lá. – Minha mãe disse enquanto me ajudava com minha mala.
- Obrigado, mãe. – Um dos mordomos me ajudou a me instalar. Eu mal conseguia andar sozinho. Minhas pernas estavam finas, e meus músculos estavam rígidos, e só melhorariam após algumas sessões de fisioterapia.
Passei a maior parte do dia em meu quarto pensando no passado. Se eu pudesse voltar atrás teria feito tudo diferente. Teria sido um filho mais presente, alguém mais responsável e menos egoísta. Mas como não tenho o poder de voltar no passado, só me restava recomeçar.
- Posso entrar, querido? – Minha mãe abriu a porta.
- Claro. – Ela se aproximou e sentou-se na cama ao meu lado e junto com ela minha gata branca.
- Ei, felina, ainda se lembra de mim? – Afaguei seu pelo assim que ela pulou na cama.
- Nem acredito que você está aqui. – Minha mãe acariciou meu rosto, sorrindo – Vim avisar que seu fisioterapeuta chegou. Posso chamá-lo?
- Espera. – Segurei sua mão antes que ela levantasse – Mãe, me perdoa...
- ...
- Eu sei que fui um péssimo filho...
- Filho, você não precisa...
- Sim, mãe, eu preciso falar... – Suspirei – Eu fui um grosso, um babaca. Eu só pensava na minha parte na herança e sumir no mundo. Fui egoísta e me esqueci da coisa mais valiosa, minha família... E mesmo eu não merecendo, vocês não me largaram naquele hospital... – Baixei a cabeça tentando não chorar.
- Shiii... Tudo bem meu filho... – Minha mãe me abraçou – Vamos esquecer o que passou, certo? Olha pra mim – Ele ergueu meu rosto e disse com carinho – Que mãe não perdoa seu filho? – Ela sorriu acariciando meu rosto. Ela era boa demais pra mim.
- Te amo, mãe. – Beijei suas mãos.
- Mamãe também te ama. – Ela repetiu meu gesto e depois se levantou.

A sessão de fisioterapia não foi tão ruim como pensei que seria. Eu estava me esforçando para ficar bom o quanto antes. Eu tinha pressa de recomeçar minha vida, de sair daquelas quatro paredes e me reencontrar. E o que mais me motivava era a sensação que fora dali eu encontraria a resposta para o vazio que havia dentro de mim.

Quando estava quase anoitecendo, sonolento na cama, ouvi alguns passos se aproximando da cama. Virei-me e lá estava Alyssa. Ao me ver acordado ela abriu um sorriso.
- Toma, . – Ela ergueu um livro pra mim.
- É um presente pra mim? – Perguntei de forma teatral.
- Não! Ele é meu. O papai me deu. – Disse enquanto subia em minha cama.
- Então por que trouxe ele pra mim?
- Pá você ler pá mim, ora! – Ela colocou as mãos na cintura. Eu fiquei admirando Alyssa por alguns segundos, tão linda e fofa. E como tinha crescido nesses meses em que estive em coma.
- Sabe de uma coisa? – A puxei e comecei a enche suas bochechas de beijos, fazendo-a rir – Vou te comprar um livro bem legal, e nós vamos ler juntos. – Fiz com que ela se sentasse ao meu lado e peguei seu livro, enquanto ela terminava de rir.
- Oba! Adolo ouvir histórias! – Ela disse erguendo os bracinhos. Foi engraçado aquela frase soar tão familiar.
- É... Eu também. – Eu disse baixo – Mas então, vamos ver sobre o que fala essa história. – Abri o livro e comecei a lê-lo.
Uma hora depois nós dois já estávamos dormido. Fui acordado por duas vozes, tirando algo de meus braços. Abri os olhos e vi que eram meus pais. Minha mãe levou Alyssa, que ainda dormia, e meu pai sentou em uma poltrona ao lado da minha cama.
- Como se sente? – Perguntou ele.
- To legal. – Sentei ajeitando o cabelo esvoaçado.
- Pedi que fizessem uma faxina no seu apartamento. Quando se sentir melhor e quiser voltar pra ele, fique a vontade.
- Obrigado, pai... – Fiquei feliz em saber que não venderam meu apartamento.
- E o hotel ainda está em seu nome. Quando estiver preparado pode voltar ao trabalho. Até lá eu estarei tomando conta de tudo.
- Você e a mamãe são incríveis, sabia... – Baixei a cabeça, envergonhado – Eu não mereço toda essa consideração.
- Nós não somos incríveis, . Somos seus pais... Um dia ainda vai saber como é isso.
- Valeu mesmo, pai. – Sorri e ele retribuiu.
- Sua mãe me contou da conversa que tiveram hoje cedo. Não precisamos falar sobre isso. – Ele apertou meu ombro – Vamos apenas passar uma borracha e recomeçar. Deixemos o sentimentalismo com as mulheres. – Meu pai sorriu e me estendeu a mão.
- De acordo. – Apertei sua mão.
- Bom... O jantar está pronto. Vai querer uma carona nas costas até lá embaixo? – Meu pai se aproximou mais da cama e ficou de costas pra mim.
- Pô, por favor! Se prometer não cair nas escadas. – Ri.
- Se eu ver que isso vai acontecer, te jogo no chão. Simples. – Meu pai começou a rir.

Sim. Era bom estar de volta. Era bom pode reconstruir minha vida. E dessa vez eu faria diferente. O de meses atrás estava morto.

’s POV off

Capítulo 14

Três meses depois...

- Eu que agradeço. Semana que vem teremos novidades nas prateleiras.
- Está bem, até mais, .
- Até mais. Volte mais vezes.
- Com certeza! – A cliente acenou e saiu da loja.
- Com licença. – Um jovem me cutucou – Quando vai funcionar o clube do livro?
- Está previsto para daqui duas semanas, toda quinta à noite. Estamos terminando de mobiliar as salas para essas reuniões.
- Valeu, então! Tchau.
- Tchau! – Sorri.

Só estávamos abertos há duas semanas, mas já havíamos feito vários clientes. Parece que a ideia de juntar uma cafeteria e uma livraria num mesmo ambiente atraiu mais gente do que esperávamos.
Valeu a pena todo sacrifício. Ali estava meu sonho e de Ethan sendo concretizado. Aposto que ele ficaria feliz ao ver que consegui.
O lugar era aconchegante, do tipo bem caseiro, com sofás, mesinhas, poltronas e puffs. Tínhamos até mesmo um espaço reservado para crianças, coisa que não poderia faltar.

- Olha só... E não é que ficou do jeitinho que você queria! Parabéns, . – Meu editor chegou ao estabelecimento – E desculpa por eu não estar na inauguração. Cheguei à capital ontem à noite.
- Não tem que se desculpar. Sua ajuda foi fundamental nesse meu projeto. Conseguimos abrir em tempo record! Ficou até melhor, graças a você.
- É porque eu sei em quem eu investi. – Ele me abraçou e eu retribuí – Falando nisso, tenho umas ideias ótimas pra você. Que acha de conversamos tomando um cafezinho?
- Com certeza. – Abri um enorme sorriso – Vou pedir para trazerem, sente-se aqui.

Eu estava realizada e feliz. Ao final daquele dia cheguei em casa cheia de novas ideias para melhorar a imagem do meu negócio. Tomei um banho e fui direto para o computador fazer algumas pesquisas.

’s POV on

Acordei na manhã seguinte me lembrando da promessa que havia feito a minha irmã. Mas com tanta coisa para reorganizar eu acabei adiando essa missão. Se havia uma coisa que tanto ela quanto eu gostávamos, era de histórias.
Eu já estava melhor, de volta ao trabalho e ao meu apartamento. Mas diferente de antes, minha relação com meus pais era outra, bem melhor. E não havia uma semana que eu não os visitasse.

No final do meu expediente, dirigindo pelo centro, avistei uma livraria chamada Coffee & Book.
- É hoje que compro seu livro, pirralha. – Disse lembrando-me da minha irmã. Procurei um lugar para estacionar e depois adentrei a loja.
O lugar te convidava a não apenas passar, mas desfrutar do ambiente sem pressa. Perguntei-me por que só agora havia descoberto essa loja. O cheiro suave de café fresquinho encheu meus pulmões. – É, acho que Alyssa pode esperar um pouquinho. – Sentei-me em uma das mesas e em seguida uma moça veio me atender.
- O que o senhor deseja? – Ela me entregou um cardápio. Dei uma olhada.
- Hum... Vou querer um cappuccino cremoso e uma fatia de bolo de baunilha.
- Certo. Fique a vontade que já trago seu pedido. – Ela se retirou e eu resolvi dar uma olhada em volta. Havia algumas pessoas sentadas em puffs, outras ao redor de uma mesa com amigos, outras apenas tomando suco ou café. Fiquei curioso para conhecer melhor o estabelecimento, então me levantei. Fui até uma estante com vários livros, observando-os despreocupadamente. Até que avistei uma garota com vários nas mãos.
- Vai comprar todos? – Perguntei.
- Na verdade não. Estou completando as prateleiras. – Ela sorriu e começou a distribuir alguns livros.
- Trabalha aqui? – Perguntei praticamente no automático. Eu estava bestificado com seu sorriso. Era a primeira vez que algo tão simples chamava minha atenção daquela forma.
- Na verdade eu sou a dona, mas estamos com pouco pessoal. Abrimos há pouco tempo. – Ela falou. Fiquei calado por alguns instantes.
- Seu sorriso é lindo...
- Como? – Ela perguntou um pouco desconcertada, mas incapaz de quebrar nosso contato visual.
- Desculpa, não era pra eu ter dito isso em voz alta. – Passei a mão na nuca, me sentindo um bobo.
- Tudo bem! Agradeço o elogio. – Ela balançou a cabeça sorrindo, como se tivesse pensado algo que não queria verbalizar.
- Eu estou procurando um livro infantil. Minha irmãzinha adora histórias. Pode me indicar algum?
- Com certeza. Pra falar a verdade eu lancei um livro infantil há pouco tempo. A resposta do público tem sido positiva... – Eu a interrompi antes que ela pudesse terminar.
- Você é escritora? – Perguntei surpreso – Poxa, que legal. Deixa eu levar seu livro, então.
- É sério? – Ela deu uma leve gargalhada – Ta bem. Vou pegá-lo para você.
- Vou esperar naquela mesa. – Assim que me sentei a jovem garçonete trouxe meu pedido. Em seguida a garota dos livros se aproximou.
- Aqui está. – Ela o entregou a mim, embalado em um plástico transparente – “A casa que pensava”... – Li em voz alta. Aquele título ecoou em minha mente.
- Já conhecia? – Ela perguntou me tirando do meu devaneio.
- Não, mas... Esse título não me é estranho. – Ficamos em silêncio por alguns segundos.
- Posso te fazer uma pergunta? – Ela disse.
- Claro.
- É a primeira vez que você vem aqui?
- É sim... Por quê?
- É porque seu rosto... Parece que já te vi antes... – Ela me observava minuciosamente.
- Soaria estranho se eu dissesse o mesmo a seu respeito? – Sorrimos um para o outro – Por favor, sente-se. – Ela pensou um pouco, mas aceitou meu pedido.
- Obrigada. – Ela sentou-se, cruzando as mãos sob a mesa – Então... Você é formado em que? Tem uma cara de advogado, quem sabe um executivo...
- Pra falar a verdade eu sou dono de um hotel. E você?
- Uau... – Ela ficou admirada – Bem... Sou graduada em letras e fiz alguns cursos de desenho por fora.
- Letras... Foi o que pensei. E então, usou seu talento artístico para ilustrar seu livro?
- Usei sim. – Ela colocou sutilmente sua franja atrás da orelha. Cada gesto dela me atraía... Do simples pisca de olhos ao mexer de suas mãos.
- Me desculpa, eu estou te atrapalhando. Você ainda nem tocou em seu café. – Ela disse levantando-se.
- Não é você, eu é que estou meio distraído hoje. – Sorri sem jeito. Aposto que ela notou o quanto eu a estava observando.
- É que eu também preciso arrumar algumas coisas, mas pode ficar a vontade. E se precisar de ajuda, me chame.
- Está certo. Não quero interromper seu trabalho. E... Obrigada pelo livro.
- Por nada... Bom, com licença. – Ela disse.
- Espera! Qual é o seu nome?
- .
- Prazer, . – Estendi minha mão – Meu nome é .
- Prazer... – Ela sorriu e se retirou, mas notei que sutilmente ela virou a cabeça uma ou duas vezes para me olhar. Achei aquilo engraçado, mas gostei dela tê-lo feito.
Terminei meu lanche e fui até o balcão pagar por ele e pelo livro. Dirigi o caminho todo pensando em , tentando entender por que ela não saía da minha cabeça.
Quando cheguei em casa fui recebido por Alyssa, pulando em meu colo. Entreguei a ela seu livro novo e ela logo começou a fazer festa.
- Ela adorou o presente. – Disse minha mãe, sentada na cadeira da varanda.
- E desde quando ela não adora livros? – Comentei – Essa garotinha não é normal...
- É... Tal irmão, tal irmã. Você era desse jeitinho... – Minha mãe beijou meu rosto – Venha, vamos entrar. Fiz um jantar especial pra nós. Seu pai já deve estar chegando.
- ! ! Lê pá mim, por favô! – Alyssa puxava meu terno.
- Ô princesa... Seu mano não vai poder ler hoje, mas amanhã prometo que sim. – Ela fez biquinho e cruzou os braços. A rainha da chantagem.
- Vem querida, hoje mamãe lê com você. – Minha mãe a pegou no colo e entramos.

’s POV off

Fechamos a loja após mais um dia movimentado. Cheguei em casa e fui analisar o currículo de alguns candidatos às vagas disponíveis, mas minha tentativa foi em vão. Toda vez que começava a ler, minha mente me levava para longe dali. E não conseguia tirar o rosto daquele rapaz tão elegante da minha cabeça. E junto com a lembrança de seu rosto eu sentia um calor no peito. Era como se ele tivesse saído dos meus sonhos mais profundos. Eu tentei negar, mas esperava encontrá-lo novamente.
Decidi tomar um banho pra ver se ajudava, comi alguma coisa e analisei os currículos com calma antes de dormir, ou ao menos tentar.
No dia seguinte, um sábado à tarde para ser mais exata, eu me dei folga. Deixei a loja sob a direção de uma colega de trabalho de confiança.
Eu não podia deixar minha maior paixão de lado, a arte de escrever histórias. Assim que terminei de almoçar abri meu notebook para fazer uma limpa e começar mais um trabalho literário. Eu estava incrivelmente inspirada e não podia desperdiçar o momento.
Vasculhando meus arquivos e pastas, notei um documento do word com um nome cujo qual não me lembrava, intitulado como “New Sunset”. Abri e me deparei com uma frase que me assustou “Um romance escrito por .
- Eu escrevi isso? – Perguntei a mim mesma. Então comecei a ler as primeiras linhas daquele documento...

”Dedico este romance a todas aquelas pessoas que encontraram seu amor da forma mais inusitada...”

- Eu realmente escrevi isso? – Confusa e curiosa, folheei algumas páginas e fui para o meio do documento...

“Nunca havia reparado na cafeteria ao lado do cemitério, o ambiente era simples e convidativo, mas o que tornava o lugar mágico era a companhia daquele rapaz...”

Meu coração acelerou ao ler aquilo. Nunca havia sentido algo tão forte. Alegria, medo, esperança, ansiedade... Tudo ao mesmo tempo.
Avancei alguns parágrafos e fiquei ainda mais chocada.

“Era estranho ir à da lápide de meu falecido noivo abrir meu coração para dizer tudo que eu estava vivendo...”

- Eu estou falando do Ethan por acaso? Quando comecei a escrever essas coisas? – Eu me fazia perguntas apoiando minha cabeça sob as mãos. E o mais estranho foi que nessa última frase, eu percebi que Ethan não era o foco do que eu supostamente estava escrevendo.
Lembranças embaçadas vinham em minha mente como flashes, mas eu não conseguia reconhecer rostos nem lugares. Até que uma frase piscou em minha mente: cafeteria ao lado do cemitério. Se esse lugar realmente existe, se eu já fui até lá, com certeza alguém vai me reconhecer. Vesti-me o mais rápido que pude e fui até o cemitério.
Chegando lá procurei por alguma cafeteria e a encontrei. Me aproximei devagar, observando sua fachada, que para meu total espanto era incrivelmente familiar. Um arrepio subiu por minha espinha.
Quando entrei, vi algumas mesas ocupadas. Segui para uma vazia e sentei-me, sem saber exatamente o que ou quem estava procurando.
- Deseja alguma coisa, minha jovem? – Um senhor de estatura baixa e simpático me perguntou.
- Não sei... Na verdade não, obrigada. – Eu mexia freneticamente com as mãos.
- Posso te ajudar de alguma forma? Parece nervosa. – Sua testa esboçou uma leve preocupação.
- O senhor trabalha aqui, certo? Deixa eu te perguntar... Eu pareço familiar pra você? – Fui direto ao assunto e ele ajeitou seus óculos, como se tentasse me enxergar melhor.
- Eu vejo muitas pessoas todos os dias, mas de fato... Não é como se eu estivesse te vendo pela primeira vez. – Eu não sei se ficava feliz ou assustada com aquela afirmação – Como você se chama?
- .
- ... Pode me chamar de Francis.
- Senhor Francis... Será que podemos conversar?
- Pois sim. Venha, vou te preparar um suco fresquinho e algo para comer. Você está pálida feito farinha.
Ele me conduziu para uma varanda aos fundos de sua cafeteria, deixando seu jovem ajudante cuidando dos negócios. Desde o momento que entrei em sua cafeteria, eu sentia que estava vivendo um dejavu que não queria ter fim.
- O senhor deve achar que sou uma louca. – Disse enquanto me sentava – Aparecendo aqui, de repente, perguntado se me conhece.
- Um velho como eu? Eu já vi e ouvi de tudo, minha criança... Mas me diga, o que te trouxe aqui? – Ele sentou-se comigo me servindo um suco de morango com alguns pãezinhos caseiros.
Comecei minha história explicando que há tempos eu me sentia estranha, incompleta e ao mesmo tempo ansiosa, a espera de algo que eu não sabia ao certo o que era.
- Então essa manhã, quando mexia em meu notebook, vi um documento e ao abrir vi que era de minha autoria, mas eu mesma não me lembrava dele. E em um trecho eu falava de uma cafeteria ao lado do cemitério. E aqui estou. – Gesticulei de forma exagerada – Pensei que se eu viesse, talvez encontrasse alguma resposta. Talvez essas lembranças obscuras fiquem mais claras...
- Deixe-me contar algo, ... – Ele ajeitou seus óculos sobre o nariz – Certa vez eu acordei e senti que o dia estava diferente também. E como de costume, fui caminhar pelo cemitério e visitar a lápide de minha esposa e do meu filho. Eu sentia tristeza, falta de alguém com quem conversar... Foi então que numa manhã uma jovem veio até mim. Nunca havíamos nos falado. Desde então fazemos caminhadas juntos e conversamos sobre tudo. Ganhei uma amiga e nunca mais senti aquela tristeza. – Ele se inclinou um pouco em minha direção – Não sei que resposta você procura, mas se quer um conselho, tente não se preocupar demais... Faça as coisas que você costumava fazer e deixe que a resposta te encontre.

Talvez o senhor Francis estivesse certo.
Não fui embora depressa. Era agradável conversar com ele. Sentia como se fôssemos velhos amigos. Ficamos um bom tempo falando sobre tudo que vinha a nossa mente, e o assunto principal era “cafeterias”, algo que tínhamos em comum.

- Francis, muito obrigada. Foi um prazer conversar com o senhor. – Fiquei de pé e estendi minha mão para cumprimentá-lo – Venha conhecer meu estabelecimento qualquer dia desses.
- Ah sim. Sem dúvidas. E você será sempre bem vinda aqui também, querida. Volte mais vezes.
- Com certeza. Até mais senhor Francis.
- Até mais, criança.
Aproveitei aquele final de tarde ensolarado para caminhar. Adentrei os portões do cemitério e deixei que meus pés me levassem. Esvaziei minha mente de qualquer problema, mas a única coisa que não saía dela era o rosto de , e seu nome, ecoando em meus pensamentos repetidas vezes.

Capítulo 15

POV on

Nada melhor do que a casa dos pais em um sábado à tarde, deitado à sombra de uma árvore. Hara, minha gata, me fazia companhia. Peguei-me rindo vez ou outra, lembrando-me da garota do sorriso encantador que havia conhecido no dia anterior.
Eu estava quase pegando no sono quando Alyssa pulou em cima de mim com um livro nas mãos. Eu sabia que não teria sossego enquanto não lesse para ela.
- Está bem, está bem... vai ler pra você. – Coloquei Alyssa ao meu lado e abri a página que estava com o marca texto.
- Eba! – Ela bateu palmas, animada.
- A mamãe leu tudo isso só ontem? – Perguntei e ela balançou a cabeça afirmando – Pelo jeito, vou ter que te comprar um livro novo toda semana. Bom... Vejamos...
Iniciei a leitura, mas nenhuma daquelas palavras era nova pra mim. Eu podia afirmar que conhecia cada uma daquelas linhas...

“Sou uma casinha que alguém vai comprar,
Bem pequenininha, mas dá pra morar...
Meus olhos são janelas, tenho porta pra entrar...
Vivo só no campo, logo os donos vão chegar...”


- Alyssa? A mamãe nunca te deu um livro igual a esse não?
- Não. – Ela balançou a cabeça veemente.
- Vocês nunca leram essa história pra mim quando eu estava dormindo no hospital?
- Não, . – Ela mais uma vez negou.
Aquilo não estava certo. Alguém já leu essa história pra mim, eu podia jurar.
- Princesa, pega um copo de água pro seu mano. Pede ajuda pra mamãe.
- Ai, ta bom. – Ela levantou e correu para dentro de casa.
Eu queria alguns instantes para pensar. Tentar entender porque não parava de me lembrar daquela garota da cafeteria cada vez que olhava para seu livro, e porque eu o conhecia como se já tivesse lido. Tive uma forte sensação de que algo muito importante havia acontecido enquanto eu estava em coma.
... Senti uma enorme vontade de vê-la.
Pedi desculpas à Alyssa e fui até a cafeteria do centro. Ao chegar lá, não estava e nem o telefone ela atendia, quando a funcionária da loja tentou ligar.
Sentei em um banco da praça... E a cada minuto que passava eu ficava mais inquieto, mais ansioso. Eu não compreendia a necessidade de estar com ela, e isso me assustava.
Minha mente me pregava peças, misturando sonho e realidade. Lembranças iam e vinham, distorcidas e confusas, e em muitas delas eu ouvia apenas uma voz... A voz dela.
A única imagem nítida que tive foi de , frente a uma lápide e em seguida, eu cobria seus olhos...

- . Quem mais seria?
- Depois da sua história quero te levar a outro lugar.
- Outra surpresa, eu suponho.
- Sim, outra...

- Isso foi real? – Perguntei, ainda com aquela cena na cabeça. Não pensei duas vezes e resolvi ir até o cemitério.
Adentrei os portões sem saber exatamente o que procurar. Eu não tinha o costume de ir a esses lugares, mas estar ali era como estar em casa, como se aquilo fosse parte de mim. Um frio percorreu minha espinha.
Andei por entre várias lápides, mas uma em especial me chamou a atenção. Nela eu li o nome “Ethan”. Sem dúvida eu já estive aqui, eu e . Quando? E por quê?
Continuei caminhando, perdido, me distanciando até avistar ao longe uma árvore no meio da relva, e ao lado dela havia uma figura feminina. O sol estava quase se pondo, então só conseguia ver a silhueta daquela jovem.
Mesmo sem saber quem era, cada passo que eu dava em sua direção fazia meu coração bater mais forte.

POV off

Meu coração me levou para aquela árvore, longe de todos, onde eu poderia contemplar aquele pôr do sol, como há tempos não fazia. Olhei para dentro de mim mesma. Não sabia se achava estranho ou reconfortante o fato de ver o sol sumir aos poucos no horizonte sem que a dor atingisse meu coração.
Eu pensava que estava só, mas ouvi passos se aproximando cautelosamente. Alguém tocou meu ombro e me chamou pelo nome.
- ? – Disse uma voz conhecida. Quando virei, notei que era o jovem do dia anterior.
- ? – Fui surpreendida por sua presença ali, em um lugar onde nunca imaginaria encontrá-lo. Senti minhas pernas bambas – O que faz aqui?
- Eu... Não tenho certeza... – Ele sorriu fraco, parecia confuso e ao mesmo tempo ansioso. Seus olhos se estreitaram enquanto percorriam cada traço do meu rosto. – Já nos conhecemos de algum lugar? – Encaramos um ao outro por um longo tempo sem dizer uma só palavra.
Foi então que tive uma experiência surreal... Um filme dos meus últimos meses passou em minha cabeça, nítida como a água. E em todas elas estava presente. Todas as lacunas estavam sendo preenchidas. Sim, era a nossa história... Agora tudo estava claro. De tal forma que o ar sumiu dos meus pulmões.
Eu mal podia acreditar no que estava acontecendo. Nossas expressões mudavam simultaneamente. Nós respirávamos de forma cada vez mais ofegante, como se algo tentasse tirar nosso fôlego. Eu podia jurar que estávamos assistindo ao mesmo filme.
Meu coração mal cabia no peito. Eu não sabia o que fazer ou dizer.
Aproximei-se dele lentamente, segurando as laterais de sua camisa azul marinho. Essa lembrança... Eu sabia que ele se lembraria daquele gesto assim como eu me lembrei. Ele levou uma de suas mãos até meu rosto e acariciou minha bochecha, levando meu cabelo para trás da orelha e descendo os dedos delicadamente pelo meu pescoço.
- Nós dois caminhando pela relva... – Ele disse com a voz falha.
- Cafeteria do senhor Francis... – Minha voz saiu num sussurro.
- O farol... – Notei seus olhos cheios de água, fixados nos meus como ímãs.
- Pores do sol... – Eu disse, enxugando uma lágrima que escorreu sobre sua bochecha, enquanto as minhas também se formavam.
- No ônibus... – Ele sorriu.
- Minha sala de estar... – Ele olhou para o céu, numa tentativa de engolir o choro, e suspirou. Voltou a me fitar com brilho nos olhos.
- , é você... – Ele me abraçou forte, fechando seus olhos, enquanto eu o abraçava por baixo de seus braços, apertando sua camisa.
- Você conseguiu. – Arfei. Afundei meu rosto em seu peito, aspirando seu perfume e seu calor. – É você mesmo? – Eu misturava riso e choro.
- Sim, sou eu... – Ele beijou minha cabeça – Eu voltei... Tudo graças a você. – Disse, com sua voz abafada pelo meu cabelo.
- Você não vai mais me abandonar? – Perguntei me afastando para encarar seu rosto.
- Como eu poderia abandonar a razão pela qual eu pude voltar à vida? – Ele sorriu e colocou minha mão sobre seu peito – Está sentindo isso? – Seu coração estava acelerado, cheio de vida. Senti-lo vivo era como ter um pote de ouro nas mãos – É por você que ele está batendo. – Ele me apertou em seus braços mais uma vez – Uma vida inteira contigo, te vendo sorrir... Eu quero você sempre perto de mim... – Ele cantou ao meu ouvido. Era a música que dançamos antes dele partir. Não tínhamos pressa em nos soltar. Nossos corpos unidos balançavam enquanto sua garganta emitia as notas daquela música, como uma canção de ninar, especialmente pra mim.
- Agora eu consigo compreender... – Eu disse assim que ele ficou em silêncio. Relembrei tudo que havia vivido até então.
- O quê? – se afastou para me olhar.
- Eu, você e Ethan... Nossas histórias sempre estiveram ligadas. Se eu não tivesse conhecido Ethan, eu não seria quem sou hoje. Com ele eu aprendi a sonhar alto, por causa dele amo literatura e o que faço... E por causa dele eu te conheci... – Acariciei o rosto de .
- Serei eternamente grato a ele por isso... – sorriu pra mim e aproximou seu rosto do meu. Seus olhos me contemplavam. Eram olhos sinceros, extasiados, cheios de admiração. – , eu te amo... – Ele sussurrou de forma doce, esboçando um sorriso impossível de se descrever. E ele era todo meu.
- Eu também te amo... – Levei minhas mãos até sua nuca, acariciando-o. Lentamente aproximou seus lábios dos meus com carinho, distribuindo alguns selinhos antes de aprofundar nosso beijo de forma mais intensa e apaixonada. Involuntariamente minhas mãos se apertaram em seu cabelo, enquanto desfrutávamos daquele momento ímpar.
Ele rompeu nosso beijo de forma gentil, distribuindo ainda alguns selinhos.
- Vem comigo. – Ele abriu um sorriso e me puxou. Corremos pelo cemitério até sua saída. Próximo aos portões seu carro estava estacionado. Ele abriu a porta para mim e deu a volta, entrando e ligando o motor enquanto eu colocava o cinto.
- Para onde vamos? – Perguntei curiosa.
- Surpresa. – Rimos um para o outro. Logo reconheci o caminho que estávamos fazendo. O destino da viagem era nosso farol. Enquanto dirigia por uma longa estrada reta, ele tirou uma de suas mãos do volante e entrelaçou seus dedos nos meus. Um calor percorreu meu corpo. Trocamos uma olhar cheio de emoções. Palavras não eram necessárias.
Assim que chegamos ele saiu do carro e abriu a porta pra mim, me levando pela mão até a praia do farol.
- Por que me trouxe até aqui? – Perguntei assim que paramos lado a lado de frente para o mar. Ele demorou a responder, era como se não estivesse me ouvindo. Seus olhos estavam fechados enquanto o vento soprava em seu cabelo.
- Foi aqui que nos beijamos pela primeira vez... Você se lembra? – Perguntou ainda de olhos fechados, esboçando um sorriso satisfeito no rosto.
- Como não me lembraria? – Me envolvi em seu braço esquerdo, apoiando minha cabeça em seu ombro, fechando meus olhos também. – Queria matar saudade do nosso farol?
- Mais do que isso... – Ele segurou meu rosto entre suas mãos e me deu selou nossos lábios antes de se afastar – Fique aqui, eu não demoro.
Sentei sobre a areia, esperando ver o que estava aprontando. Deixei minha mente vagar nas lembranças, na alegria que sentia, no momento que estava vivendo...
- Demorei? – Assim que o ouvi, me pus de pé.
- De maneira alguma. – Sorri limpando a areia da roupa – Vai me dizer o que está acontecendo aqui?
- Eu não vejo motivo para não fazer isso agora... – Ele me estendeu uma flor – Desculpa, é tudo o que eu posso te oferecer nesse momento...
- Ela é linda, . – Admirei aquele pequeno gesto, acariciando suas pétalas.
pegou uma de minhas mãos. Seu olhar tinha um brilho diferente, quando cruzou com os meus.
- ... Não sei se consigo viver mais um dia longe de você. – Deu mais um passo em minha direção. Seu peito inflava repetidas vezes durante um curto silêncio – Casa comigo?

Capítulo 16

Meses depois...


- Preparada para a tarde de autógrafos, senhora ? – Senti seus braços envolverem minha cintura enquanto terminava de preparar nosso café da manhã.
- Com certeza. – Virei meu corpo e envolvi seu pescoço. – E devo isso a você... – Disse, passando meu indicador carinhosamente em seu nariz.
- Sabe que não é verdade. Foi seu talento que fez você chegar onde está. – Ele disse acariciando meu cabelo por trás da minha orelha.
- De que adianta talento, sem inspiração? Você é a minha. – Sorrimos um para o outro.
- Tá certo... Eu me rendo, senhora argumentos. – Ele alargou um sorriso e em seguida pressionou seus lábios quentes contra os meus de forma brincalhona e provocante. Suas mãos puxaram minha cintura para mais perto dele.
- , agora não – Disse sorrindo sobre seus lábios.
- Por que não? – Ele disse manhoso distribuindo beijos por meu pescoço.
- Porque por acaso eu tenho coisas a organizar para a tarde de autógrafos. – Disse desvencilhando-me de seus braços e pegando minha caneca de café. Não foi fácil recusar seu pedido, mas eu estava atarefada demais. – E você também precisa ir para o trabalho, meu amor.
- É difícil pensar em ir trabalhar vendo você nessa camisola... Ahhhr! – Ele espalmou o rosto com as mãos, me fazendo rir.
- Bobo. – Disse oferecendo a ele uma caneca de café também – As torradas estão na mesa.
- Posso ao menor celebrar a conquista da minha esposa essa noite? – Ele cruzou os braços sobre seu peito nu, escorando-se na bancada da cozinha.
- Hoje à noite serei toda sua. E prometo que ela será perfeita... – Caminhei até ele e dei um selinho – Te vejo hoje à tarde no Coffee & Book?
- Serei o primeiro a chegar.

Tudo estava pronto para a tarde de autógrafo do meu mais novo trabalho. Emocionei-me ao ver na entrada da loja o banner no meu livro New Sunset. Para os leitores era apenas um belo romance, uma ficção. Mas só eu e sabíamos que aquela era nossa história.
Adentrei a loja, onde fui recebida com muito carinho por meus funcionários. Alguns jornalistas locais já começavam a chegar para o evento, assim como meu querido editor.
A crítica ao livro foi uma das melhores. Vários amantes da leitura se interessaram em conhecer minha obra, e em um curto espaço de tempo a repercussão foi tamanha que nem eu conseguia acreditar. Por esse motivo é que eu estava ali, para ter um contato direto com meus queridos leitores.
Foi uma das tardes mais recompensadoras e gratificantes da minha vida. Mas, melhor ainda foi ter ao meu lado meu grande amor, meu amigo, meu .

- Amor, obrigada por estar lá hoje à tarde comigo. Significou muito pra mim. – Sorri e estendi minha mão sob a mesa para ele.
- Você sabe que também significou muito pra mim, querida. – Ele beijou minha mão.
Estávamos em nosso jantar de comemoração. Luz de velas, música ambiente e vinho...
- Gostou da surpresa? – Perguntei enquanto bebia um gole de vinho.
- Como você me prometeu, essa noite está perfeita... – Ele sorriu galanteador.
- Vai ficar melhor... – Sorri, me coloquei de pé e caminhei até seu lado, acariciando seus cabelos – Dança comigo?
- Não precisa nem pedir... – sorriu satisfeito, pegou minha mão e me levou para o centro da sala de estar. Eu o abracei pelos ombros e ele envolveu minha cintura – Você está diferente hoje... Não sei, está...
- Radiante? – Sugeri com um sutil sorriso nos lábios.
- Exatamente! Essa é a palavra. – Ele me seu um longo selinho – Algum motivo especial para querer me agradar assim?
- Para ser sincera, sim. – Sorri sem dizer mais nada.
- Que isso, amor... Vai me matar de curiosidade? – Ele perguntou rindo, entendendo que eu estava brincando com sua ansiedade. Fiquei de costas para ele, colando nossos corpos e envolvendo seus braços ao redor de mim, sem parar nossa dança.
- Quero te contar uma história...
- Hum... Prossiga – Ele disse ao pé do meu ouvido.
- Era uma vez um jovem casal que se amava muito. Certa vez eles tiveram uma linda noite de amor... E daí, algo maravilhoso aconteceu... – Levei suas mãos até meu ventre e sobre as mãos dele eu coloquei as minhas. Esperei até ter alguma reação que indicasse que havia entendido. Após um curto período de tempo me virou e fitou meus olhos, parecendo não acreditar. Seu olhar intercalava entre minha barriga e meus olhos.
- É... É o que eu... Estou pensando? – Perguntou atônico.
- É meu amor. – Segurei seu rosto entre minhas mãos – Você vai ser papai! – Ele sorriu feito uma criança. Ajoelhou-se e abraçou minha barriga, rindo como um bobo.
- Nossa, eu... Caramba! , meu amor... – Enquanto se atrapalhava em suas palavras eu gargalhava de sua alegria – Eu sou o homem mais feliz da face da terra! – Subitamente ele levantou-se e ergueu-me no colo. Passei meus braços em volta de seu pescoço admirando-o, enquanto ele fazia o mesmo comigo.
- Eu que sou a mulher mais feliz da face da terra... – Sussurrei antes de selar nossos lábios.

Eu perdi pessoas que amei, mas a vida me recompensou com uma linda família. Meus queridos sogros, minha pequena cunhadinha, um homem maravilhoso; que escolhi para viver pelo resto de meus dias, e para minha completa felicidade... Nosso bebê.
Se algum dia alguém esbarrar contigo e perguntar ‘Já nos conhecemos de algum lugar?’, talvez não seja apenas por amizade. Esse homem... Pode ser o seu destino.

Fim...


Continua...


N/A: Olá, leitores! Meu nome é Loiane, mas podem me chamar de Lolah. Espero que tenham gostado dessa fanfiction. Tenho um carinho especial por ela.
Tudo começou quando assisti a um filme chamado Heaven Postman. Fiquei tão encantada que resolvi pegar a ideia principal do filme e transformá-la em uma fanfiction para compartilhar com vocês. Fiz algumas mudanças, mas mantive a essência, a fim de que vocês não fossem apenas telespectadoras, mas participantes dessa história de amor.
Essa é a primeira fic que posto do FFOBS. Mas espero seus comentários para saber o que estão achando da história. ;)
E é claro, não posso deixar de agradecer à minha beta Flávia! Obrigada pela atenção e carinho. :)

Beijinhos.


Nota de Beta: Ahhhh, que lindo esse final, gente, nhom! Essa é a primeira fic que eu beto que finaliza e tenho muito carinho por ela. Muito linda a fic, Loiane, parabéns!
Não se esqueçam de deixar um comentário para a autora dizendo o que acharam! :D

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