19 Anos Depois
Autora: Débora Silva
Beta-Reader: Amy Moore




Inglaterra. Julho de 1985.

Sexta-feira? Eu adoro sexta-feira. O ar do campo, o verão chegando aos poucos em cada raio de sol de aparece ao meio dia, os pássaros cantando, nada de automóveis barulhentos, fumaça das indústrias, papai enchendo meu saco pra estudar, nada... Definitivamente, eu adoro as sextas-feiras.
Sem ninguém para me dizer ou não o que fazer, corro para a porta dos fundos e percorro a mesma trilha que faço quando venho aqui no sítio. Mesmo convicta do que eu quero, olhei para trás umas duas vezes. Bom, não tem ninguém me espionando, nem nada. Meu pai está com o caseiro no celeiro do sítio e minha mãe está tirando um cochilo, então, se eu quiser mesmo isso, tem que ser agora. Acelerei meus passos enquanto pude e deixei que as flores no caminho fizessem cócegas nas minhas pernas, meus pés já estavam sujos de lama, e tenho que limpar isso assim que eu chegar lá. Há uns cinco metros eu consigo ver a casa do caseiro, não é nada muito interessante, mas do tamanho perfeito para três pessoas morarem, apesar que pedi pra minha mãe falar com papai pra ele dá uma condição de vida melhor para eles três.
Abri a porteira sem fazer barulho, enxotei as galinhas que vieram ao meu encontro e respirei fundo é claro, faz três semanas que não venho aqui. Assim que cheguei à porta, peguei uma folha de arvore qualquer e limpei o que pude nos meus sapatos. Minhas mãos começaram a suar, meu coração foi palpitando cada vez mais rápido com a ideia de que faltam apenas alguns segundos. Hesitei em alguns minutos, fazendo meu calcanhar se virar para trás, mas não posso desistir. Afinal, só venho aqui de três em três semanas. Então vamos lá. Bati na porta e esperei ansiosamente pela resposta.
- Entre – consigo ouvir a voz no interior da casa. Entrei, como sempre, sem fazer barulho. O primeiro cômodo estava vazio, fui para a cozinha e nada também. Não vou para os quartos, por que isso seria falta de educação, me contentei com a situação e voltei para a sala. Sentei no sofá e esperei até que ele aparecesse.
- Aqui, ! – sua voz ecoa em algum canto da casa. Levanto-me e contorno os móveis até chegar ao corredor. Não é muito grande, apenas dá entrada para três portas e uma janelinha ao final dele. Percorri a pequena distância em passos lentos e ao chegar à janela dei uma olhada na vista.
- Aqui aonde, bosta?! – disse, deixando que minha ansiedade se torne em inquietação.
- Aqui! – ele diz ao meu ouvido e dou um pulo pelo susto. cai na gargalhada ao ver minha reação. O olho com reprovação e saio em disparada para sala.
- Ah, que isso gatinha. – ele puxa meu braço e em segundos meu corpo se une ao dele. – Já tá zangada? – ele dá aquele sorriso maroto de sempre.
- Poxa, , você sabe que não temos tempo para essas gracinhas – disse, virando o meu rosto quando ele tentou me beijar. Sei jogar também, ele não é o único.
- Gosto quando dificulta as coisas. – Ele beija meu pescoço carinhosamente. Ah quem diga que eu resistiria a isso, mas é impossível. Se com um simples olhar ele já me deixa de pernas bambas imagine avançando mais as coisas? Falando nisso, na última sexta feira em que vim aqui, e eu demos um passo importante em nosso relacionamento. Não sei pra ele, mas pra mim aquela noite foi mais que especial, foi mágica. Nós nos entregamos um ao outro de corpo e alma, fui à primeira dele e ele foi o meu primeiro. Naquele momento não tive dúvidas que quero viver com ele o resto da minha vida.
- Hey, , você disse que não temos muito tempo, mas parece que você tá viajando geral aí. – ele me traz de volta a vida real e então percebo onde estávamos.
- Podemos fazer do seu jeito, ou do meu jeito – digo, almejando que ele entenda que quero repetir mais uma vez a melhor noite da minha vida.
- E como seria esse seu jeito? – Ele continua com os beijos em meu pescoço, ocasionando vários arrepios em mim.
- Muito melhor do que o seu – digo, com deboche e, sem pedir, o puxo para dentro do seu quarto.

brincava com seus dedos em minhas costas, despertando-me do meu cochilo. Abro os olhos e reconheço em minutos o quarto dele. Viro-me lentamente para ficar de frente para ele, e ainda sonolenta posso ver que ele está me olhando. Sorriu sem mostrar os dentes e ele se achega mais perto de mim quando coloco minha cabeça no seu peitoral que sobe e desce de maneira descompensada.
- Oi – ele dá em um beijo e minha testa. – Dormiu bem?
- Sim, você dormiu também? – perguntei, fazendo com meu dedo uma trilha sobre seu peitoral em forma.
- Aham – ele responde. – Tá com frio?
- Não muito – aconchego-me mais perto dele.
- Vem cá – ele me abraça e põe o cobertor sobre nós dois.
- ! – digo com a voz afetada.
- Quê? – ele pergunta já sorrindo.
- O que? Eu vi você me secando tá? – saio dos braços dele e vou para o outro lado da cama.
- Eu não tava nada! – ele começa a gargalhar. – Eu... !
- Pervertido! – digo mostrando indignação, mas na verdade começo a achar graça também.
- Qual é, eu tava mesmo e daí? – ele vem até mim. – Acabamos de transar, e você é minha namorada, não posso nem te olhar nua? – ele pergunta mostrando surpresa.
- Não daquele jeito.
- Ah, não tenho culpa se minha namorada é bonita. – ele começa a beijar minhas pernas delicadamente, e os arrepios vem logo em seguida. beija meu corpo todo até chegar em minha boca. Não há motivos para eu bancar a difícil nesse momento, aceito o beijo com vontade. Aceito seu pedido e deixo que sua língua passeie na minha boca, seus lábios são macios, e todos os seus beijos são insaciáveis, posso ficar pra sempre nesse momento que não vou me cansar. Diminuo o ritmo e paro o beijo com um selinho demorado.
- Senti tanto sua falta. – sorriu vendo seu rosto sobre o meu, pois agora quem está por cima é ele.
- Meu Deus, cada dia longe de você e uma eternidade e quando estamos juntos, o tempo passa tão rápido! – ele diz, cabisbaixo.
- Eu sei. – acaricio os cabelos dele. – Só mais três anos tá? Aí vou ser maior de idade e venho morar aqui.
- Mas e a faculdade? Você... , você não pode larga tudo!
- , eu quero ficar com você, não vou te abandonar! – digo convicta e espero que acredite em minhas palavras.

***

Acima da colina, onde dava para ver a mansão do meu pai, e eu estávamos deitados sobre uma toalha, onde no meu lado direito, uma cesta com frutas e pães no saciava da fome. Com os carinhos que faz em mim estou mais relaxada do que nunca. Ontem depois que me despedir dele, cheguei em casa antes do jantar e antes que o meu pai percebesse que eu tinha saído. Fui dormir com uma felicidade estampada até nos olhos. Nunca pensei que fosse viver um amor tão intensamente como esse.
- Você falou sério ontem? – pergunta. – Quando... quando você disse largaria tudo pra ficar aqui, pra... morar aqui?
- Claro que sim, por quê? – não quero que ele duvide das minhas palavras, já tomei minha decisão.
- Não sei... er... seu pai, o que ele vai achar de...
- , meu pai não tem que achar nada! Vou ser maior de idade, relaxa! – digo isso mais para mim mesma do que para ele. Nunca pensei no que papai iria achar disso.
- Tá, calma. – ele suspira. – Eu acredito em você.
- Falando assim, parece que você pensa que vai dar tudo errado . – choraminguei.
- Ok, desculpa. – ele beija minha testa. – Desculpa, não vamos mais falar sobre isso.
Sentei-me apoiando minha cabeça nos joelhos, olhei para baixo e vi minha mãe andando a cavalo, meu pai deve está um alguma reunião com alguns fazendeiros da região. Hoje é segunda, e em poucas horas tenho que voltar para Londres, pra minha vida mesquinha, de amigos interesseiros e pessoas que não são felizes. E o pior, só vou voltar para cá daqui a três semanas, três longas semanas sem vê-lo.
- Hey – ele se senta também. – Tá tristinha por quê?
- Preciso de você, não quero você só pela metade. – ele sorrir e me beija. Um beijo doce, sem malicia, sem língua, apenas por carinho. Nossos lábios brincam de um lado para o outro sem demora.
- Você é linda sabia? – ele diz olhando em meus olhos e colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
- Nua, já sei. – revirei os olhos.
- Sua chata, deixa eu ser romântico em paz! – ele me morde no ombro. Ele adora fazer isso.
- Tudo bem, diga então. – fico de frente para ele esperando ele falar.
- Não, , é que... quando te conheci sempre coloquei na minha cabeça que não era o bastante pra você, que... você não me daria bola e que você era uma riquinha mimada. – arregalei os olhos, mas antes que eu pudesse falar ele coloca seu dedo em minha boca. –... e quando falou comigo e perguntou se eu precisava de ajuda com algo, eu... comecei a te espionar. – ele sorrir envergonhado. – Fiquei intrigado, por que, o que uma garota da cidade faz no campo? Ainda por cima ajudando os caseiros? – ele diz gesticulando com as mãos. – Sorria a cada vez que descobria uma coisa nova sobre você, tudo em você foi me encantando, tudo em você é lindo de qualquer jeito, então foi ai que eu percebi que já estava apaixonado, apaixonada pela filha do meu patrão. Nossa – ele sorrir suspirando alto e olhando para arvores. – A loucura maior foi quando você disse que já estava gostando de mim... – é verdade, notei primeiro. Saquei o que estava acontecendo muito antes que ele. – O dia mais feliz da minha vida foi aquele, e desses meses pra cá você só me traz certezas, não tenho dúvidas do que sinto por você e na noite em que nós... fizemos amor pela primeira vez... – ele começa a ficar vermelho outra vez.
- Quê que tem? – o incentivo a continuar.
- Eu queria que fosse perfeito sabe, eu...
- , foi perfeito. – sorriu me lembrando de tudo naquela noite.
- Mas pra mim faltou algo , esse algo completaria tudo. Eu venho tentando dizer isso há um tempo, mas sei lá, acho que não tenho muito jeito pra isso...
- O jeito de que garoto? – ele já começa a me deixar curiosa. Ouvi tudo o que ele disse com atenção, e guardei cada palavra em minha mente. sempre gostou de me agradar, mas nunca ouvi palavras como essas saindo da boca dele. Não quero esquecer nunca disso. – ?
- Eu te amo. É, ... Eu te amo! – parece que tiram o fardo das costas dele com o suspiro que ele dá. – Desculpa ter demorado tanto pra falar, é que eu nunca disse isso pra ninguém, nunca. – Meu Deus, ele me ama. Ele disse que me ama. Ele disse aquelas três palavras que toda mulher sonha em ouvir um dia. Eu realmente não sei como reagir, o que falar, o que fazer. Será que eu tenho que falar também que eu o amo? Eu o amo? Claro que sim, o amo em todas as formas e jeitos possíveis que existe. me completa, é o garoto que eu amo.
- Não precisa falar nada tá? Se não quiser falar, tudo bem. Mas preciso saber que não ficou zangada com que eu disse. – ele pega na minha mão.
- Zangada? Você só pode está brincando né? – sorrir e me joguei pra cima dele. – , eu também... – é isso, eu também vou falar as três palavras pela primeira vez. – te...
- ! ! – algo nos assusta e olhando para a casa. – ! PRECISAM SAIR DAÍ! – é Jeremie, tio de . O pai de e seu tio são os únicos que sabem sobre nós. Jeremie está assustado e andando para os lados, parece que aconteceu alguma coisa por lá. – O SEU PAI TÁ CHEGANDO, OLHA O CARRO ALI! – o vejo apontar para o lado, onde posso ver o conversível do meu pai atravessando os portões da propriedade. Merda! Sem ao menos olhar para , percorro a trilha descendo com tudo até chegar em casa o mais rápido possível. Não preciso nem olhar para trás para saber que já está atrás de mim. Jeremie nos espera ansioso na porta dos fundos. O coitado está andando de um lado para o outro.
- , eu... – ele está ofegante. – Eu acho que o Sr. viu vocês! – Antes que eu fale ou faça alguma coisa chama minha atenção me puxando pelo braço.
- Não precisa fazer isso – ele diz, aflito. – Negue tudo o que ele falar, apenas negue.
- Não podemos mais esconder – acaricio sua face, e esboço um sorriso.
- Se é assim, irei com você. – ele entrelaça suas mãos na minha. Antes que eu possa abri a porta, ela se abre, e é meu pai quem abre a porta.
- Entrem! – ele solta a fumaça de cigarro no ar. – Os dois, AGORA!
Passamos direto para sala, meu coração saltava com cada olhar assustado que os empregados davam sobre mim, com certeza, devem está espantados por eu está de mãos dadas com . Mamãe aparece segurando flores, porém ao me ver quase deixa o vaso cair. É inevitável que todos ali presentes não acham o nosso relacionamento uma boa. Acontece que ninguém ali vai mudar o que eu sinto por , nem mesmo o meu pai.
- Sente-se. – meu pai diz e assim e eu nos sentamos juntos. – Você não rapaz, empregados não se sentam junto com os patrões. – meu pai diz rigidamente, e ainda incrédula do que acabo de ouvir, levanto-me logo depois de , ele não é diferente de ninguém aqui. Papai com seu olhar severo me faz estremecer, mas está na hora das coisas mudarem por aqui. – Tudo bem, ficaremos de pé, então. – ele se levanta para não perder a moral. – Espero que o que eu tenha para falar , você desminta tudo depois, eu espero mesmo. – ele enfatiza. – A uns cinquenta metros da nossa propriedade, ainda no carro eu consigo ver todo o nosso terreno, e quando avisto a campina você e o trocavam caricias, o pior é que, isso não é comportamento para patroa e empregado, ou amigo e amiga... – ele diz tudo devagar, como se quisesse que eu gravasse cada palavra com pesar. - ... e sim de amantes. Eu não quis acreditar, por que minha filha não deve se relacionar com esse tipo de gente, não que eu não goste da sua família , mas sabe somos de mundos diferentes. E a foi educada de maneira correta em relação a isso.
- Pai. – o repreendo. – O não é diferente...
- Minha filha, eu não acredito que não consegue ver a diferença... – sei que ele está falando de dinheiro. É isso com que ele mais se importa na vida.
- Entendo o que quer dizer e apesar disso... – dou um passo para frente e aperta minhas mãos lentamente. Mesmo sem olhá-lo sei o quão nervoso ele está, mas não mais do que eu. -... o que o senhor viu mais cedo é... – não queria que fosse assim, não quero que isso se torne problema para nossas famílias. Se eu tivesse contado antes para papai, talvez ele entenderia, talvez. -... é verdade. Não foi ilusão, nós estávamos nos beijando.
- ! – minha mãe solta um suspiro horrorizada.
- A sempre foi chegada a você – meu pai começa a falar. – isso não é novidade para ninguém, mas eu não sabia que isso chegaria longe demais , me diga algo, fale alguma coisa... – ele amedronta para que ele minta, e que diga que isso é coisa da minha cabeça, sei bem que ele não vai conseguir.
- Sim senhor, eu e a , er... – ele pigarreia, e suas mãos estão molhadas, se eu não as estivesse segurando com força com certeza elas escorregariam. - ... nós queríamos que esse momento fosse diferente, infelizmente não foi assim, mas eu não posso negar o que sinto pela sua filha. Eu a amo e nós estamos namorado há algum tempo. – dessa vez quem é surpreendido é meu pai. Seus olhos saltam das orbitas e sem mesmo eu pensar em qualquer coisa, meu pai acerta em cheio o nariz de , e depois os olhos, a boca, o estomago, as pernas. Não consigo me mover, nem acreditar no que estou vendo. Meu pai está agredindo a , na minha frente e eu não posso fazer nada. Nada! Os seguranças do meu pai me segurando, enquanto eu dou chutes pelos ares sem conseguir me soltar. Minha mente está absorta em pensamentos e eu não consigo fazer nada, ouvir nada, só o que eu faço é chorar.
- PAAAAARA! PAARA COM ISSO! – consigo falar, mas os seguranças ainda me mantem no ar como se eu fosse uma boneca de pano. – SE TEM QUE BATER, TEM QUE SER MIM, EU QUE O PROCUREI, QUE O SEDUZIR! POR FAVOR, PAI! – meu pai nem me dá ouvidos, parece que ele apenas se focou em dá chutes e socos em . Olho para trás e minha mãe, está estática e vaso que ela segurava, o mesmo já tinha caído. – Mãe, mamãe! Mãe, por favor, manda eles me soltarem, eu preciso falar com o papai, ele vai matar o ! – só então ela me olhar, mas nada responde. – Mae, não está ouvindo? Mando eles me soltarem agora! – ordeno com a fúria no olhar. – Se faça minha mãe pela menos uma vez nada vida! – grito com as lágrimas descendo como cascatas em meu rosto.
- Solte... Soltem-na. – ela ordena quase que num sussurro, e sem agradecer corro para , onde o mesmo está se afogando em seu próprio sangue. – Ah meu Deus, ! Oh, desculpa, desculpa, me perdoa! Não queria que fosse assim. – choro em seu rosto sugando minha roupa de sangue. – Me perdoa. – meu namorado se encolhe todo, cuspindo mais sangue pela boca. Ele não profere palavra alguma, apenas múrmuros e gemidos. Não consigo o ver assim, não dá.
- Sai daí agora ! – meu pai ordena, levantando a mão.
- Não!
- Saia, ou então...
- Bata, pode bater. – meu pai nunca me bateu, não iria começar agora. Ah, iria sim. Sinto meu rosto queimar quando sua mão entra em atrito com ele. E não é só um tapa, são vários. Mas, por ele, vale apena.
- Por quê? Por quê? – meu pai diz vermelho em ódio. – Você tem tudo, eu te dei tudo, e pra quê? Pra você acabar com um desses, ! O que foi que aconteceu? Sempre ofereci a você os meninos da capital e você prefere o filho do caseiro?
- Por que ele me apresentou o amor, o amor que nem mesmo você e nem a mãe me deram! – levantei-me e aponte o dedo na cara dele. – Ele me fez amar pela primeira vez, foi com ele que eu dei o primeiro beijo apaixonado, com ele que eu... – assumir sua sexualidade em meios a essa confusão toda não é fácil. Mas, preciso fazer isso. – que eu fiz amor pela primeira vez! Sim, não sou mais a menininha de vocês, e não me arrependo disso, por que tudo o que eu fiz com ele foi por amor e quando se ama é pra valer! – meu pai me recebe aos tapas outra vez. Os seguranças estão em cima de outra vez, não posso nem olhar para ele senão o que seria de mim naquele momento.
- Sua tola! – ele grita em cima de mim. – Você é tola ! Acabou com sua vida, agora me diga o que você ganhou? Com certeza vai ficar gravida de alguém que não tem nem comida pra te dar, eu e sua mãe, não vamos considerar você mais nossa filha se isso acontecer, você ficará sozinha naquela casa minúscula, cheia de filhos “melequentos”, não terá um emprego e será esquecida por toda a sua família! É isso que é o amor pra você? – ele joga as palavras em mim sem ao menos pensar no que está dizendo, mas aquilo me feriu, não quero que esse seja meu futuro, não é isso que eu quero. Apesar de tudo, amo minha família, e quero que eles me apoiem, mas ser esquecida? Ter uma vida de miséria? Não consigo, não consigo. De repente não penso mais em nada, apenas corro para o meu quarto aos prantos. Não sei por que sinto essa dor tão grande em meu peito, talvez eu esteja sendo egoísta demais, ou... Talvez, meu pai tenha razão. Deixo minhas lágrimas serem minhas únicas companheiras quando continuo a ouvir meu pai falando que nunca mais voltaremos aqui.

19 anos depois...

Londres. Oxford Street. 2004.

- Você viu a cara do juiz quando o réu disse aquilo tudo? – Natasha fala para Brian, abismada.
- Sim, foi incrível.
- Você viu, ? – ela me pergunta toda entusiasmada por ter ganhado seu segundo caso como advogada da agencia.
- Sim, e você já me perguntou isso milhões de vezes. – sorriu tentando mostrar entusiasmo também. Nós ficamos conversando pelas avenidas sorrindo, tirando sarro dos nossos casos, chefes e colegas de trabalho. Nada melhor do que uma folga, só então me dou conta de que essa semana foi estressante, e só de pensar que quando chegar ao meu escritório pode ter mais algum cliente a minha espera, agrh, me dá nos nervos. Não é fácil ser uma das melhores advogadas do meu setor, mas no fundo eu amo isso, finalmente me encaixo em alguma cosa. Assim que dobramos a esquina, entro no restaurante vendo minha amiga e o mais novo contratado da agencia passando direto. – Hey, vocês! – corri para a porta outra vez. Eles se viraram com olhar confuso. – É aqui! – sorri e entrei.
Eles entram e sentam-se à mesa olhando torto para mim, fingi que não vi e grudei os olhos no cardápio. Em seguida, chamei o garçom e fiz meu pedido.
- Não vão pedir o de vocês? – perguntei, levantando a sobrancelhas.
- Er, Brian peça por você e por mim sim? – Natasha fala, toda desconcertada. – Eu e a , vamos retocar a maquiagem, coisa de mulher, você não vai gostar, mesmo que eu ache que você é homossexual – ela disse isso mesmo? Meu Deus. -... Oh! – ela fica vermelha. – Ah, você entendeu. – e então ela me puxa para fora da mesa me levando pelos corredores do restaurante.
Assim que chegamos ao banheiro eu olho para ela com um olhar macabro.
- Ah, o que foi? Tá na cara que ele é gay! – ela diz afinando a voz.
- Não é isso Natasha, por que você disse que iriamos retocar a maquiagem?
- Ah, isso. – ela suspira andando de um lado para o outro e isso me incomoda, até que a faço parar. – , você veio almoçar aqui por que pensou que a gente não tinha dinheiro para pagar um restaurante mais caro? Por que se fosse isso, você sabe, eu tenho aquele cartão de emergências e...
- Quê? Do que você tá falando? Não tô entendendo nada! Que loucura é essa Natasha? – juntei as sobrancelhas surpresa com essa teoria maluca dela.
- Qual é , todo mundo sabe que você é rica. – ela bufa.
- Eu não sou rica. – digo séria.
- Seu pai é. – ela retruca.
- Não interessa, já tenho minha vida e isso não tem nada a haver com ele. – tenho que encerrar essa conversa, por que se não vamos acabar falando coisas que nem eu mesmo gosto de lembrar que elas existiram.
- Tá, mas você ganha bem... você é uma das melhores na agencia.
- Ok, e? – dou de ombros. – Não significa nada, e por que você acha que eu acho que vocês não podem pagar o almoço de vocês?
- Sei lá, você tem condições de almoçar em um lugar melhor, e eu posso pagar com o meu cartão lembra?
- Natasha. – suspiro de olhos fechados. – Eu gosto daqui tá? Me sinto bem aqui, e o fato de ser rica, que dizer, de você me achar rica, não significa que eu seja mesquinha ou sei lá o que você pensa. Não sou assim tá? – queria dizer a ela que já fui assim, mas já faz tanto tempo que aprendi a não me importar com o dinheiro, que parece que eu já nasci não me importando com o dinheiro.
- Então... – ela me olha colocando o dedo no queixo. – Você gosta de ser pobre? – me arrisco a sorrir.
- Também não é assim né? Eu só...
- Tá, você é humilde. – ela tira as palavras da minha boca.
- É isso aí garota!
Assim que chegamos à mesa, Brian está mexendo no celular, e então me lembro das palavras de Natasha, mas não posso sorrir. Seria muito deselegante da minha parte, além do mais não sou preconceituosa.
- Er... – Natasha começa. – Você pediu o que pra gente? – ela pergunta gentilmente como se isso fosse o fazer esquecer o que ela disse.
- Eu não sou gay. – ele diz pausadamente. E isso me surpreende, por que ele é sempre tão calado. A cara de Natasha é única e merece uma foto, mas não vou fazer isso com minha amiga.
- E então, Brian, o que tá achando lá da agencia? – início o único assunto que posso falar com ele, assim posso tirar o foco da cara da Natasha.
- Ah, é, até agora tá sendo o que eu esperava, as pessoas são responsáveis e centrados no trabalho. – ele reponde, se virando para mim.
- Não vai se decepcionar, garanto. – sorriu tomando um gole de água.
- Dizem que você é a advogada que ganhou mais casos na agencia, e é a mais nova, não é?
- Sim. – afirmo envergonhada, não gosto desse elogio todo pra cima de mim. – Tenho 35 anos, e doze anos de carreira.
- Doze? – ele pergunta maravilhado.
- Me formei com 23, desde que sai do ensino médio o que eu fiz foi só estudar, e isso ajudou bastante no meu desempenho como advogada.
- Poxa, que bacana. – ele sorrir. – Tenho sete anos nessa área, demorei um pouco para descobrir o que eu queria, sabe. – ele diz. – E você Natasha?
- Eu? – ela pergunta como se estivesse por dentro do assunto. – Ah, eu sabia que você não era gay.

Os corredores da agencia estão lotados, e cada compartimento já tem um dos meus colegas atendendo a um cliente. Olho no relógio e vejo que estou atrasada, aquele almoço com Natasha e Brian foi muito... esquisito. Porém, ele já sacou como ela é, e agora está tudo numa boa. Vejo meu reflexo nos vidros na agencia e pareço animada para mais uma tarde de trabalho, se é isso, então vamos lá. Vou para o banheiro, e lá escovo os dentes, e retoco minha maquiagem, dou uma arrumadinha no cabelo e vou correndo para minha sala.
- E então, o que temos pra agora? – perguntei para minha assistente, já na frente da minha sala.
- Pois é, os planos de você ter uma tarde de folga mudaram. – ela sorrir torto. – O Richard do segundo andar, dispensou um cliente por que ainda está naquela audiência, então você é a única que está sem caso...
- Tudo bem, sem problema... – ponho a mão na maçaneta pra entrar. – A que horas o cliente vem?
- Er... ele já está ai faz dez minutos. – ela diz e imediatamente entro na sala. O homem está de costas para mim e sentado em frente a minha mesa, ele tá cheiroso por que dá de sentir o cheiro dele daqui. Ele é forte e alto, cabelos castanhos e sedosos... Tá, mas isso não importa, tenho apenas que resolver o problema dele.
- Boa tarde, desculpe o atraso. – digo adentrando mais na sala e pegando meu celular para checar o e-mail. Vejo ele se levantar, e se sentar novamente assim que eu me sento. No e-mail, possuem apenas convites de confraternização da empresa, nada sério. – Sei que eu não era a advogada que contrataram para você, mas garanto que não vai perder em nada. – me ajeito na cadeira. – Sou , prazer. – e quando o olho pela primeira vez parece que volto há 1985. Os olhos, a boca, o cabelo, nada mudou, apenas foram colocados em um corpo maior e mais atraente. Não pode ser, mas é. É sim, é ele bem aqui, parado na minha frente.
- Olá, sou... – e a voz apenas engrossou. Não posso continuar fazendo isso. Corro imediatamente para fora sem mais nem menos. De repente pareço está com claustrofobia por que parece que quanto mais longe corro pelo corredor, mais perto fico dele. Não acredito que ele voltou, que ele surgiu do nada na minha frente. Meu Deus, eu já tinha superado não tinha? Claro que não , não é à toa que você recusou três pedidos de noivado por causa dele. Se sem ele a minha vida amorosa já era aquele horror, imagine agora? Calma , ele só está na sua sala querendo sua ajuda nos negócios, ele não quer perguntar o porquê você o deixou naquele dia. Aquele dia. O dia em que mais me arrependo na vida, o dia em que quanto mais eu quero esquecer, mais eu me lembro. Choro toda vez em que me lembro daquele ensanguentado por minha causa, por causa do meu egoísmo.
Não quero pensar sobre isso.
Não posso pensar sobre isso.
Não preciso pensar sobre isso.
Digo em pensamento as três frases sempre que me lembro desse dia. Foi assim que eu fui parando de sentir todo esse remorso que voltou com tudo agora que o vi. Pior, é que o que eu mais temia tá acontecendo. Ver , não é o meu grande desespero, estou assim por que ainda o amo. Embora tenha acontecido aquilo tudo, eu ainda o amo.
- , você pirou? – minha assistente me pega de surpresa e me puxa pelo braço. – Que foi?
- Nada, é que... – estou ofegante.
- Meu Deus, eu fiquei preocupada. – ela diz colocando as mãos no rosto. – O Sr. também ficou, ele perguntou se você estava bem.
- O Sr. ... isso, diga a ele que não vou poder atende-lo, diga que... que minha filha precisou de minha na escola e eu tive que ir correndo... – falo indo em direção ao elevador. Preciso sair daqui.
- Tá maluca? Você nem tem filha! , que porra! O que houve?
- Me deixa!
- Algum problema? – Ah Meu Deus, não acredito que ele nos seguiu. Como todo pesar, viro-me para ele e forço um sorriso amigável.
- Na verdade sim Sr. , parece que não vou poder atender o senhor. – falo em um tom profissional.
- Não, ela vai sim atende-lo, aguarde uns minutos. – minha assistente diz e ele a olha confuso, depois pousa os olhos impaciente para o relógio.
- Não vou.
- Vai
- Não!
- Vai sim!! – agora estamos parecendo duas crianças brigando.
- Olha, vou ou não vou ser atendido? – ele pergunta olhando para o relógio outra vez. – Eu não tenho muito tempo, alguns dos meus sócios estão me esperando para uma reunião que estou começando a atrasar por está aqui, então, por favor, senhorita... – ele gesticula com as mãos. – Como é seu nome mesmo? – tá legal, eu não esperava por isso. Não tenho dúvidas de que é ele. Que está aqui na minha frente, aquele , meu antigo amor que na verdade ainda continua a ser amado por mim. E ele não sabe o meu nome?
Talvez, ele não se lembre de mim. É, claro, foram 19 anos que ficamos sem nos ver, é muita coisa. Ele apenas... se esqueceu de mim! Nossa, ele se esqueceu. Não consigo esconder a tristeza ao ouvir mais uma vez ele pergunta qual é o meu nome. Como ele conseguiu esquecer?
Foco, .
- , . – digo cabisbaixa.
- Então, estou esperando uma resposta senhorita. – ele fala. Talvez, não seja má ideia tomar conta do caso, afinal, se ele conseguiu esquecer, eu posso também, e vendo que ele não se lembra mais de mim, posso cair na real de uma vez por todas que esse negócio de amor, é ilusão.
- Sim, me acompanhe, por favor.

***

- Senhorita, o que você acha? As cláusulas são mesmo verdadeiras, nada está sendo infligido? – diz me mostrando as cláusulas do contrato. E eu sei que eu tenho que me concentrar, mas não dá. Tentei fazer isso a semana toda, e não conseguir. Cada vez que o vejo é doloroso, por que, não acredito que ele se esqueceu de tudo. Além do mais, sinto que estou para explodir, pois tenho que me desculpar com ele, tenho dizer a ele que aquilo não foi uma atitude incorreta, que eu ainda sinto a falta dele todos os dias desde que o deixei. No entanto é impossível, sempre é educado comigo, não fala nada além do que é pra falar, sempre mantém distancia de mim, como se eu fosse uma desconhecida, será que ele tem é raiva de mim? Ódio? Não, não consigo suportar essa ideia. Entretanto tenho que admitir que ele mudou, está mais sério, um homem de negócios, é dono de uma das principais firmas de cosméticos naturais em Londres, não que eu me importe com isso, ao contrário fico feliz por ele ter conseguido o que queria. O sorriso foi o que ele não conseguiu mudar, continua o mesmo, e causando as mesmas sensações em mim, infelizmente o sorriso que ele deu não foi pra mim e sim para alguém que ele falava ao telefone.
- Senhorita ?
- Ah, por favor – bufei. – Me chame de , é mais... normal. – só então me dou conta de quanto fui inconivente.
- Desculpe... – ele pigarreia. – E então? – ele me mostra os contratos novamente.
- Não precisa se preocupar, tudo está certo e sem duplos sentidos, apesar de que deve manter seus lucros longe das ações da empresa que está se filiando. – e voltamos a conversar o de sempre. Negócios. Na verdade nunca mudamos de assunto.
- Entendo, algum problema com esta empresa em especial? – ele diz olhando para minha boca, então me lembro de que ele disse uma vez que era a parte preferida do meu corpo para ele. Era.
- Ela já foi envolvida em várias polêmicas, sabe, lavagem de dinheiro. – explico.
- Acha que eu devo fechar contrato com eles? – ele pergunta.
- Por favor, quem sou eu pra falar isso. Você é o chefe, sou apenas a advogada, lembra? Minha opinião não conta sobre isso. – pego meu celular. – Você é quem sabe . – dou de ombros. Droga, não o chame de , você não é mais intima dele.
- Quem disse que sua opinião não é importante? – ele diz. – Além do mais, você é a melhor advogada da agencia. – ele se levanta pegando seu terno. – Ganhou todos os casos, eu sei.
- Menos um... – digo sem pensar. – Eu perdi apenas um. – droga. Dá pra cala a boca ? E se ele perguntar qual?
- Qual? – que lega, agora você terá que falar. Mas, talvez não seja má ideia, quem sabe ele não se lembre?
- Uma discussão que eu tive com meu pai. – digo dando de ombros abaixando a cabeça.
- Er... – ele pigarreia. – Ah, mas você está fazendo um ótimo trabalho, então é a melhor. – é, ele não lembra mesmo.
- Não sou, não acredite no que meus amigos dizem. – respondi com desdém, não querendo mostrar nenhuma reação.
- Sou eu quem está dizendo isso. – ele diz e eu sorrio debochada.
- Não sabe nada sobre mim senhor. – respondo olhando para meus e-mails.
- Você que pensa. – ele sussurra algo que quase não consegui ouvir.
- Perdão?
- É, eu disse que por hoje é só. Espero que... – o meu telefone toca e tenho que atendê-lo por que ficar em uma sala sozinha com está fazendo com que eu tenho vários tiques nervosos.
- ? – reconheço a voz de Natasha e levanto o dedo para , para que ele espere. Ele assente e se senta na cadeira novamente.
- Oi, Nath. Eu tô com um cliente aqui – falo olhando os carros passando na avenida abaixo.
- Não, é coisa rápida. É que... aconteceu uma coisa...
- O que? – pergunto curiosa.
- Ah, não sei como te falo isso.
- Argh, Natasha! Fala logo, você sabe como eu sou curiosa – falo inquieta.
- Não tem o Brian?
- Sei...
- Tá, eu e ele nós...
- Não! Mentira! – dei um gritinho e esqueci que estava na sala. Retomo minha postura com um suspiro. – Não acredito.
- Nem eu.
- Como foi isso?
- Nós estávamos... – ela dá uma pausa. – Ah, ele voltou. Tenho que ir, beijos. – e assim ela desliga na minha cara. Esse telefonema foi muito sem lógica, semana passada mesmo eles estavam discutindo... Ah, que loucura. Não sei mais de nada. Virei-me e vi soltando uma risadinha baixa.
- Que foi? – tive que perguntar.
- Nada. – ele continua a sorrir. – Podemos ir?
- Sim, me mande um e-mail com uns contratos, vou precisar. – ele abre a porta da sala pra mim. A empresa dele é grande e cheia de funcionários, como eu nunca ouvir falar dele? Que ele tinha subido na vida?
- Minha assistente fará isso pra você. E sobre o pagamento...
- Não, eu não me dou com dinheiro, apenas fale com minha assistente também e ela saberá o que fazer. – digo gentilmente e o vejo esboçar um sorriso aproximando-se de mim. Ele tá chegando bem perto. Perto mesmo. – O que isso? – digo na defensiva.
- Desculpe, só iria cumprimentar você, er... como se fosse um tchau. – ele diz envergonhado. Percebi o quão fui idiota, mas não posso voltar atrás e preciso mesmo sair daqui se não vou acabar explodindo com todo esse sentimento guardado em mim.
- Tchau. – disse e sai para porta entrando no elevador.

***

Olhei para o relógio, onde marcavam as oito da noite em ponto. Estou batendo minha perna insistentemente na mesa de centro. Oito horas, e depois serão nove, dez, onze e você não terá desculpa para procurá-lo tarde da noite. Não acredito que estou fazendo isso. Estou pronta para sair, para ir até a casa dele e falar tudo o que tá entalado na garganta, não posso o deixar ir mais uma vez, mesmo que ele não se lembre, preciso me desculpar, preciso dizer a ele que abandoná-lo não foi minha intenção, apenas fiquei desesperada, e o principal que eu ainda o amo. Não sei se terei chances para isso, tentei fazer isso a semana toda, mas não consegui. Não posso deixar passar dessa noite, pois amanhã será o último dia que vamos nos ver, seu caso já está praticamente resolvido, não vou ter argumento para tocar nesse assunto com ele amanhã. É isso, eu vou na casa do , ainda lembro o caminho quando o seu motorista o deixou primeiro e depois foi me deixar. É, eu vou.

A casa dele está iluminada apenas no andar de cima, pelo menos sei que ele está acordado. Aconchego-me mais no meu casaco, e respirei fundo vendo minha respiração sai pela boca devido ao frio. Paro em frente e a porta e antes que eu me arrependa toco a campainha.
- Olá? – uma mulher apenas de roupão aparece na porta, não consigo esconder o susto. – Deseja falar com quem? – ela continua a falar enquanto eu começo a ter um monte de pensamentos sobre quem é essa mulher.
- Oi, er... – olhei para os meus próprios pés. – O , tá?
- Tá sim, e você quem é? – ela me examina disfarçadamente.
- Advogada... dele. Sou... advogada dele.
- Ah. – ela responde e com certeza deve tá achando estranho a minha vinda aqui. Advogada há essa hora? Como você é burra . – Vou chama-lo. – ela segura a porta com a sua mão direita, e é ai que eu vejo. Um anel. Um anel grande e brilhante no dedo anelar. Até onde eu sei, as mulheres usam anel nesse dedo é por que estão noivas. Eu estou na casa dele, e ela abre a porta só de roupão, ela está com um anel de noivado... Não pode ser, não pode. Isso está sendo pior do que eu pensava. Vou andando para trás devagar, ela se vira para mim novamente e junta às sobrancelhas.
- Ele tá vindo, não quer entrar?
- Não, a propósito... – minha voz já está saindo embargada e meu nariz começa a arder. – diga a ele que nos... – não posso chorar na frente dela, mas pelo visto eu vou. – er... Boa noite. – saio correndo pela calçada. Ele vai se casar? Casar? C-A-S-A-R?! Aquela ocasião onde eles entram na igreja e dizem votos românticos?
Não!
Como isso foi acontecer? Tudo bem que ficamos metade das nossas vidas sem nos vermos, mas não acredito que ele superou nosso amor tão facilmente, será que esse amor só foi importante pra mim? Cambaleio pelas calçadas embargada em pensamentos, pensando em como fui tola, e até cheguei a pensar que poderíamos recomeçar.
Ele já recomeçou, e não foi com comigo.
Chegando a rua da minha casa, fico parada sem saber o que fazer, pensei que hoje alguma coisa fosse mudar.
- ! , espera! – penso ouvir sua voz chamando meu nome, e se for mesmo tenho que despistá-lo, ele não pode ter me seguido. Começo a correr sem olhar para trás, mesmo que essa vontade esteja me matando, mas meus pés não obedecem como eu quero, não tenho forças para correr, estou tão horrorizada em como minha vida está, em como isso teve um fim que o que eu quero agora é dormir e nunca mais acordar.
- ! Espera, por favor! – sua voz está se aproximando e em questão de segundos estou em seus braços.
- Você vai se casar? – solto as palavras sem pensar, preciso desabafar tudo agora, não sei o que irá acontecer se eu não fizer isso. – Você vai casar ? Meu Deus! – as lágrimas vêm com mais frequência e me solto de seus braços. – Eu... Você... Você poderia sentir o que for, você poderia ter raiva de mim, ódio, rancor, mágoa, repulsa... – minha voz começa a se alterar. – Mas você não poderia ter se esquecido de nós, daquele tempo! Como acha que eu me sentir quando você perguntou o meu nome? Como acha que eu me sinto como você me ignorando desse jeito? Tratando-me como desconhecida? – bato no meu peito com força. Ele não falou nenhuma palavra, nem sequer abriu a boca, apenas me olha respirando rápido. – Eu mereço qualquer sentimento ruim seu, eu reconheço que agi de maneira injusta com você naquele dia, se é que você lembra aquele dia... – as lágrimas não acabam e agora algumas pessoas param para olhar o que eu digo. – Eu choro todas às vezes que me lembro de você jogado naquele chão, por que na verdade eu que causei aquilo tudo, eu... eu... tentei de diversas formas falar o quão estou arrependida por isso, mas você... – aponto o dedo na cara dele. – você... Você pode me odiar, desejar nunca mais me ver, mas por favor, não diga que se esqueceu de tudo! Não faça isso comigo! – os soluços começam a vim e eu caio no chão, sento no gramado da minha casa. – Não faça isso comigo.
- Eu me lembro de você todos os dias... – ele começa a falar. – Ás vezes quando estou na minha cama, eu fecho os meus olhos só pra tentar ver se eu ainda consigo sentir seus lábios nos meus... Eu me lembro de você todos os dias... Está enganada se pensa que eu sinto algum sentimento de ódio por você, por que mesmo que eu quisesse não iria conseguir. Por incrível que pareça, aquele dia é o que eu menos me lembro, pois, os que eu mais gosto de recordar são aqueles que nos beijamos pela primeira vez e quando tivemos nossa primeira noite. – ele suspira alto. – Eu não me esqueci de nós . – ele me chama pelo apelido, agora posso ter certeza de que ele não esqueceu mesmo. – Não esqueci, não poderei esquecer a melhor fase da minha vida, simplesmente não poderei.
- Por que você me tratou daquele jeito então? – levanto a cabeça para olhá-lo e vejo que ele está sentando do outro lado.
- Eu não soube como agir, eu... , foram 19 anos! Caramba, eu fiquei nervoso, eu... fiquei pasmo ao ver que a minha garota tinha se tornado a mulher mais linda que eu já vi. – como ele pode me dizer essas coisas? Ele não pode fazer isso comigo! Ele vai se casar! – Não consegui encarar tudo aquilo também, então eu fingi que nada tinha acontecido...
- Como não pode sentir raiva de mim? Lembra que eu fui embora, que eu o abandonei? – falo aos soluços, por que na verdade eu não sei o que mais me traz angustia nesse momento.
- Você sempre teve toda a sua vida planejada pelos seus pais , tudo o que você queria eles realizavam, eu também não queria aquele futuro para nós, não aquele futuro que o seu pai falou...
- Eu não tinha vergonha do que você era, eu tinha orgulho sabe, eu só... Ainda tinha muita coisa em que eu precisava mudar. – disse sincera, eu sempre fui criada pra receber o melhor, ter o melhor, para o meu pai eu tinha que crescer financeiramente e não diminuir, passei muito anos sendo engada com isso.
- Todos esses defeitos que achava que tinha, não era motivo para eu deixar de te amar. – o olho vagamente e vejo que ele mantém os olhos nos meus.
Ficamos em silencio apenas absorvendo o que nos falamos um pro outro. Ainda não consigo acreditar que ele me perdoou, quer dizer, ele nem sentiu raiva de mim! Tanto tempo, e ele só consegue lembrar os momentos bons, quem dera que eu pudesse ter feito à mesma coisa, mas o que eu fiz pra mim não terá perdão. Em breve ele irá se casar, ter uma família, ter filhos, e ainda assim não sei se vou conseguir esquecê-lo.
- Eu a conheci na faculdade... – ele começa a falar. -... ela é minha melhor amiga, é uma ótima pessoa... – ele não precisa nem falar o nome pra eu saber que ele está falando da noiva dele. -... ela sabe também que você foi a garota que eu mais amei na minha vida.
- Quando vai ser? – tive que perguntar, tive que perguntar qualquer coisa, pois, não acredito no que acabei de ouvir. – O casamento, quando vai ser?
- Sexta-feira. – ele responde com pesar. Sei bem o porquê disso, pois, sexta-feira era o nosso dia, o dia em que mais esperávamos. Até hoje era o dia que eu mais tinha prazer em viver, mas agora odeio a sexta-feira. – Desculpa. – ele diz cabisbaixo.
- Não precisa se desculpar. – solto um sorriso fungado. Enxugo minhas lagrimas e me levanto. – Aquilo é passado, não significa mais nada. – tenho que mostrar a ele que não me importo mais. Ele se levanta, enquanto eu vou para porta da minha casa.
- Eu tenho que ir . – ele diz quando eu já abri a porta. Olho para ele e o vejo coçar a cabeça sem graça. – Até amanhã, na nossa reunião. – ele vira e o vejo caminhar para longe de mim.
Eu não sei o que posso fazer nesse momento, é loucura pedir a ele que não se case mais, entretanto preciso saber de uma coisa. Preciso saber se ainda tenho significado para ele. Preciso acreditar nele, acreditar que o nosso passado pode ser tornar em algo bom para mim, como é para ele.
- ... – as lágrimas começam a descer novamente quando penso na ideia de ouvir uma resposta negativa. Ele se vira na mesma hora, e me olha curioso. – Quando você disse que eu fui à mulher que você mais amou na vida... – respirei fundo, segurando as lágrimas teimosas que insistiam em cair. -... que dizer que você não me ama mais? – é como se eu estivesse em um sonho, por que quando eu digo isso corre para mim se envolvendo em meus braços e depositando seus lábios nos meus. Meu coração vai acelerando cada vez que ele toca em mim, não tenho mais dúvidas de que meu amor não diminuiu em nada, ao contrário, apenas aumentou e preciso expressar de todas as formas isso a ele. Sentir seus lábios mais uma vez é uma sensação indescritível. Seu beijo é rápido e selvagem, como se nós estivemos apenas despejando nossos desejos de anos naquilo. Começamos a derrubar as coisas pelo caminho, não sei para onde estamos indo, só quero que ele me faça sentir amada novamente.
- ! – paro o beijo e minha respiração sobe e desce da mesma maneira que ele. Olho em seus olhos, onde mostram que o que eu sinto é sentido por ele também. Ele encosta sua testa na minha e fecha os olhos. – Seja meu outra vez, pela menos essa noite. – o abraço forte. O desejo arde em meu coração só em pensar em ter em meus braços como há dezenove anos.
- Eu sempre vou ser seu, assim como você sempre vai ser minha. – ele me carrega até o quarto mais próximo. Nossas roupas são despejadas com voracidade no chão, nossos corpos se unem como um só. Minhas pernas e mãos começam a tremer somente com o prazer que sinto com dentro de mim novamente. Ele se movimenta sobre mim rapidamente causando sensações melhores do que aquelas que eu sentia, entretendo na mudou, só o nosso desejo um pelo outro que aumentou com tempo em que ficamos separados. Sinto-me satisfeita ao ouvir seus gemidos com os movimentos que faço em cima dele. É loucura sentir todas essas sensações de amor e prazer de uma só vez, mas parece que me faz sentir isso e muito mais.
Fizemos amor não por que queríamos relembrar os velhos tempos, mas para provar ao outro que mesmo com tudo isso o nosso amor guardado aqui, em nossos corações. O que são dezenove anos ao que sentimos um pelo outro? Para mim, agora, não é nada.
- Já tá tarde. – eu digo colada ao seu corpo depois de ter recuperado o folego com o que acabamos de fazer. – Não devia...
- Eu estou no lugar certo e na hora certa, não preciso está lugar nenhum, só com você. – ele responde depositando um beijo em minha testa.
- É, mas é só por essa noite. – não consigo esconder a tristeza em minha voz.
- Uma noite que jamais será esquecida como todas as outras. – sei que ele está tentando acalmar as coisas, me fazer esquecer que amanhã vamos ter que volta para o nosso mundo. O que me resta a fazer é aproveitar o tempo que ainda tenho com ele.

***

É sexta-feira; Dois dias se passaram depois daquela noite, e foi difícil para eu mostrar que nada tinha acontecido. Eu pensei que poderia ficar satisfeita com aquela noite, mas aquele nosso ato de amor me fez ver que preciso dele em minha vida em todos os momentos, não só pela metade. No entanto, achou uma pessoa maravilhosa, uma amiga, companheira, que não o abandonou nos momentos difíceis. Eu sei que tudo aquilo entre nós, foi perdoado e esquecido, e que o meu amor permaneceu firme, só que ele precisa de alguém que o faça feliz do começo até o fim. Mas eu preciso fazer somente uma coisa, uma coisa que eu deveria ter feito há muito tempo. Eu não sei por onde começar, mas estou na frente da igreja, a igreja onde em poucos minutos começara a cerimonia onde ele falará o temido sim e definitivamente não será mais meu.
Tomei forças para botar o pé na igreja e seguir as escondidas pelos corredores onde vários convidados exibiam seus vestidos e ternos exuberantes. Subi para o andar de cima, e o movimento de pessoas foi diminuindo. Havia portas e mais portas, não sabia em qual delas entrar, em uma delas estaria o noivo, mas vai que eu entre em uma e esteja lá a família da noiva? Eu preciso de alguma luz nesse momento, não posso entrar em todas as salas sem sair despercebida. Até que dois homens saem da última porta do corredor, eles conversam animadamente e passam por mim sem perceber a minha presença.
- Ele não parece tão nervoso. – um deles diz.
- É, parece até que ele tá entediado com isso. – o outro dá de ombros – Comigo não foi assim. – e eles começam a descer as escadas e então sei quem é que está naquela última sala.
Assim que abri a porta, está ajeitando a manga do seu terno olhando pela janela, não consigo dizer uma palavra sequer, a não ser falar o quanto ele está bonito.
- Oi. – digo tentando parecer normal, mas quando ele se vira para mim parece que fiquei totalmente paralisada pelo susto que ele levou.
- ? – ele levanta as sobrancelhas e olha para a porta.
- Não se preocupa, parece que todos já desceram. – sorriu torto. – Você tá muito bonito . – já sei que minhas bochechas estão vermelhas.
- Debora, o que você... – ele pergunta atônito. E então vou até ele e seguro em suas mãos.
- Olha não temos muito tempo, e não quero que pense que vim aqui para atrapalhar seu casamento. – não sei por onde começar, mas preciso falar o que está guardado há anos dentro de mim. – Eu tô muito feliz que você tenha conseguido ser o que queria, que... encontrou uma pessoa que vai fazer você feliz, sim eu sei que ela vai te fazer feliz, pelo menos melhor do que eu. Isso tudo poderia ter sido diferente , mas não foi, vai saber por que. Mas obrigado por me fazer entender que aquilo que aconteceu não foi culpa minha, e agora eu posso levar algo bom do nosso amor nas lembranças. – os olhos deles começam a ficar vermelhos. E por incrível que pareça eu estou segura de que não vou chorar. – Eu vim aqui para te falar uma coisa que eu deveria ter falado há muito tempo, ou melhor, no último dia em que nos vimos, e até hoje eu nunca disse isso pra ninguém por que eu sei que essas palavras são apenas suas, só suas. Hoje é o último dia em que posso fazer isso, mas não é o último dia em que vou parar de senti-las. – ele sorrir para mim e sinto suas mãos começarem a suar. Estou aflita por dentro por que não quero que ninguém atrapalhe esse momento, ele precisa saber que o que eu sinto por ele é verdadeiro e que ele não amou sozinho, que eu o amei também.
– Eu te amo . Eu te amo. – não segurei a vontade e o beijei na mesma hora. Pensei que não fosse segurar a emoção, mas quando sentir o gosto salgado das lagrimas em minha boca não me surpreendi tanto. Antes que ele pudesse aprofundar o beijo, saio correndo para a porta e desço as escadas correndo para sair logo dali.
As pessoas me olham confusas na rua, eu estou andando as cegas por que as lágrimas não me deixam ver para onde estou indo. Nunca pensei que fosse tão doloroso e difícil deixa-lo ir. Abri mão da minha felicidade por ele, esse não era o final que eu esperava, mas se ele vai ser feliz eu também vou ser com isso, talvez. Assim que começo a me recuperar, vejo uma cafeteria no canto da rua e entro sem pensar. Peço um café e me sento à mesa, apenas olhando para o nada, pensando em como vai ser depois disso. Até que ouço o som do sino indicando que alguém entrou no local. Pela minha visão, só posso ver o sapato social preto bem polido, lentamente vou levantando minha cabeça, onde aos poucos não consigo acreditar no que eu estou vendo.
- O que você tá fazendo aqui? Você vai se atrasar! – digo limpando minhas lágrimas e tentando mostrar a ele que não me importo mais.
- Minha felicidade é onde você estiver, quantas vezes vou ter que explicar isso? – ele sorrir sem mostrar os dentes.
- Mas e o casamento ? – começo a sorri tentando acreditar que ele está bem aqui na minha frente.
- Acho que eles vão ter que procurar outro noivo. – ele sorrir vindo até mim e colando seus lábios nos meus. E pensando melhor, eu adoro as sextas feiras.

FIM




Nota da Beta: Saiba se recebi atualização dessa fic e quando ela será enviada através de meu Tumblr. Erros? Avise por email ou Facebook. Contato com a autora? Através de email ou Twitter. Obrigada. Xx, Amy Moore.


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