CAPÍTULOS: [1][2][3][4][5][Epílogo]









Esta história foi escrita há anos.

Capítulo um


— Fique exatamente aí! Agora, sorria! — Magg pediu, com uma câmera em mãos.
Lá no topo da escada estava , vestida com um vestido rosa claro, combinando com o tom do seu cabelo e, falando neles, estavam soltos. Acho que foi a primeira vez que a vi sair assim. Os lábios, mais escuros, devido ao batom; outro item que não usava com frequência.
— Mais uma, filha, por favor! É o seu baile!
Sentei-me no sofá, sorrindo.
— Mãe, já chega! Iremos nos atrasar! O pai do emprestou o porsche até a meia-noite. — Desceu os degraus.
— Venha aqui, . Tenho que tirar uma foto dos dois.
Eu não queria ir, pois odiava fotografias minhas. Levantei-me, caminhando para perto da minha melhor amiga. Magg ajeitou meu smoking e passou as mãos em meu rosto, fazendo rir.
— Assim está ótimo! Sorriam, crianças!
E o flash disparou quando eu ainda olhava para a moça bonita ao meu lado.


Duas semanas haviam se passado, desde o baile de formatura, e eu não sabia o que fazer da vida, a partir dali. Talvez montar uma banda com os caras fosse uma ideia promissora.
Naquela manhã ensolarada, na Flórida, e eu colocávamos as malas dentro do carro de Charlie. A família sairia para acampar por alguns dias, enquanto a carta de admissão dela não chegava.
— Sabe, Jack veio falar comigo... — ela comentou, pondo uma bolsa no porta-malas.
Encarei-a.
— O que ele queria?
— Conversar. Falou que havia dado um fora na Regina e...
Pus as últimas bagagens lá dentro.
— E...? — insisti.
— Me chamou para irmos ao Barner’s quando eu voltar.
Amassei os lábios.
— Você vai?
suspirou, fechando a parte traseira.
— Não sei. Vou me mudar para a Columbia na semana que vem. É em Nova Iorque. Longe!
— Se ele realmente gosta de você, não será um problema.
Ela cruzou os braços.
— A distância sempre será um grande problema, . Você sabe como é ruim não poder abraçar quem gostamos na hora que queremos ou telefonar todos os dias apenas para ouvir sua voz.
— Isso foi para mim, não foi? Uma indireta. — Sorri.
— Estamos falando do Jack. — Revirou os olhos.
— Ele não te merece.
não contestou.
— Não é o tipo de cara que vai sair e abrir a porta do carro.
— Esse tipo está extinto.
— Assim, você me ofende!
Ela riu, me abraçando pela cintura.
— Tenho certeza de que a menina por quem você se apaixonar será sortuda.
— Se não se conformar com o tipo babaca antes.
Magg abriu a porta da casa.
— Ainda falta isto aqui! — Ergueu uma cadeira pequena. — Charlie está procurando a chave!

Quando retornamos à cidade, resolvi sumir do mapa.
foi aceita na Universidade Columbia e partiria em menos de sete dias. Eu não tinha o porquê estar ali. Iríamos nos ver com menos frequência que o ano anterior, ela faria amizades com os universitários e, certamente, se esqueceria do amigo do ensino médio. Além disso, sairia com o Jack na quarta-feira à noite.
Preferi tirar meu time de campo, antes que perdesse a partida.
“Você vem amanhã?”, foi sua última mensagem.
Li, mas não enviei resposta. Eu precisava me preocupar com o que fazer para ganhar grana. Meu pai falava sobre ajudá-lo no posto de gasolina e sabia que não era o que eu queria.
Nunca foi.
Se mamãe estivesse viva, eu receberia seu apoio para pegar a estrada, apresentando minha música.
Ainda dava para fazer isso, de um único jeito.
— Não bancarei suas despesas. — Robert avisou, saindo da loja de conveniência do posto ’s.
— Você é o meu pai! Deveria, ao menos, fazer isso! — retruquei, indo atrás dele.
— Trabalho dá dinheiro. Sabe qual? Trabalho pesado! O posto será passado para o seu nome quando eu morrer, e você não vai tomar conta dos negócios da família? Quer mesmo que eu banque essa ideia ridícula de viajar para cantar? Não conte com meu dinheiro!
Parei, respirando fundo e vendo-o se afastar.

Na volta para casa, chutei os baldes de lixo. O único jeito que eu havia mencionado era pedir ajuda a família . não viraria as costas, caso tivesse a quantia. Porém, não queria incomodá-los. As despesas de sua ida a Nova Iorque, provavelmente, eram exorbitantes, e não me afastei para voltar só quando precisava de algo.
Pensei rápido.
Ainda faltavam meses para o verão, a estação em que pagavam bem.
“Faça o que vem à sua cabeça. Apenas faça. Você não estará aqui para ver as consequências!”, a minha mente gritava.
Talvez pudesse dar certo e ninguém sairia prejudicado.

arrumava suas roupas e objetos que levaria ao apartamento no campus. Em meio à bagunça, encontrou uma caixa com utensílios pessoais: bilhetes românticos; flores; amuleto da sorte... Metade da infância. Deixou de lado, levantando-se do chão, pegou um porta-retrato com a foto dela e a família, e mais algumas do mural. estava nelas e, por mais incrível que fosse, sorria de um jeito espontâneo, como se adorasse ser fotografado. O modo como a olhou, naquela foto do baile, parecia diferente, mas era como ele a olhava sempre, do jeito que te faz achar, por alguns segundos, que não existe outra garota.
Ela sentia falta do melhor amigo e estava chateada. não retornou a mensagem e desapareceu. ligou várias vezes para seu celular e não adiantou. Quando foi à sua casa, ele havia saído. Então concluiu que a evitava ou estava com problemas.
Queria se despedir, pois sabia que não conseguiria viajar sem falar com o garoto.

Olhei para o meu relógio de pulso, e eram nove da noite de quarta-feira. já deveria ter saído para o seu encontro com o babaca do Jack. Seus pais estariam ocupados o bastante àquela hora.
Eu poderia bater na porta, entrar e subir para o quarto dela, ou o mais perigoso: escalar o telhado e entrar pela janela. Pelo menos, não me veriam.
Subi na cerca, estendendo os meus braços até o telhado, pela lateral, onde a luz da varanda não alcançava. Peguei impulso com os pés e consegui caminhar para a primeira janela. não a trancava, e isso era um erro grave. Abri um pouco, pisando com cuidado no telhado, e adentrei.
Havia uma cama de solteiro encostada à parede, ao lado da cortina, o guarda-roupa de frente e, no outro canto, uma cômoda. O mural foi colocado naquele lado.
Procurei nas gavetas, embaixo da cama e entre as roupas sua caixa de madeira. Dentro dela eram guardadas suas economias.
Encontrei-a embaixo do colchão.
Era tudo o que eu precisava: um rolo de dólares preso com um elástico.

voltou para casa antes da meia-noite, como seu pai havia imposto. Jack estacionou o carro em frente ao jardim e esperou.
— Obrigada pelo convite. — Sorriu.
— Sou eu quem agradeço por ter tido a companhia de uma garota linda. — Desligou o motor, induzindo-a a tirar o cinto. Moveu-se para frente, aproximando seus rostos e, se não fosse pelo som de algo caindo na grama, a teria beijado.
— O que foi isso? — ela perguntou, assustada, virando-se.
Jack olhou pelo espelho frontal.
— Não sei.
— Acho melhor eu entrar. — Beijou-o na bochecha e se foi.

Deitei-me na cama com duas espécies de dores: a da consciência pesada e o da mão machucada devido à queda no jardim dos ’s. Não acreditava que fiz isto: roubar. E o pior: roubar dinheiro dela.
Decidi não pensar a respeito.
Fitei minha mão enfaixada e suspirei. Ao menos, no dia seguinte, poderia ir embora da cidade.

Antes do nascer do sol, acordei e juntei todos os meus pertences. Levaria somente o necessário. Comi algo na cozinha e, quando já estava de saída, Robert apareceu na sala.
— Aonde vai tão cedo?
Engoli em seco, mantendo a maçaneta da porta em minha mão.
— Ensaiar com os caras.
Ele balançou a cabeça.
— Quando vai desistir disso?
— Quando você desistir de tentar me fazer mudar de ideia, ou seja, nunca! — Bati a porta.
No caminho, recebi outra mensagem de , a segunda desde a última vez que nos vimos.
“Oi. Acho que você esqueceu que tem amigos e que um deles vai se mudar de cidade amanhã. Não sei o que aconteceu. Você está distante e nunca passamos tanto tempo sem falar com o outro. Sim, sinto a sua falta. Vou embora sem me despedir. É isso o que quer?”
O que eu realmente queria não estava ao meu alcance, antes e, agora, jamais estaria.
— Desculpe.

Capítulo dois


Realizar seus sonhos parece simples quando é apenas dito: “Quero ser isso, fazer aquilo...”, mas a parte de correr atrás deles nem sempre é fácil. Quando cheguei a Londres, e as coisas começaram a desandar, percebi que, se você não gosta do que faz, então não aguentaria a pressão do mundo. Eu e os caras conseguimos. Desde 2007, ao sairmos do interior da Flórida e pisarmos em solo britânico, tínhamos fé, determinação e coragem. Lançamos um single que virou number one em poucas semanas. Tornamo-nos conhecidos, demos entrevistas, fomos a programas de TV e pegamos a estrada em uma turnê; a primeira de três. Recebi o dobro do dinheiro que precisei para vir, o dinheiro que Robert me negou e que...
A culpa me cercava, mas eu não a sentia. Não desde que recebi, após três anos, notícias sobre a vida da minha melhor amiga. Havia perdido o contato com , antes de ter entrado, naquela noite do mês de dezembro, em seu quarto. Fui covarde e a ignorei. Tentei esquecer a nossa amizade, o seu sorriso e todos os momentos que vivemos, até saber que ela não pôde ingressar, naquele ano, na Columbia, pois sua economia de tantos anos sumiu.
Atrasei seu futuro. Eu, talvez, não merecesse tudo o que tinha conquistado.
Era Natal e, pela primeira vez, em todos esses anos, viajaria para a Flórida, onde passaria a data com a minha família. Vovô estava doente e havia voltado a morar na cidade. Alguns parentes iriam para lá.
Depois de cinco longos anos, eu enfrentaria o meu passado.

[’S POV]


Ben colocou o cachecol na minha frente, tapando os meus olhos, enquanto um de seus braços tocava minha cintura. Ele achava que eu não sabia. Levei minhas mãos para trás, bagunçando seu cabelo liso.
— Já pode tirar a venda. — Ri.
Esperou mais um pouco, rendendo-se.
— Que garota esperta! Nunca consigo fazer com que você erre! — resmungou, sentando-se ao meu lado na escada do campus.
Faltavam três dias para o Natal, e o clima não poderia ficar melhor. Nova Iorque, nesta época, era o melhor palco do mundo! Estávamos ali porque Ben queria buscar suas notas.
Ele pôs o cachecol no pescoço e suspirou, formando uma névoa pelo nariz.
— O que foi? — perguntou a mim.
— Seu nariz tá rosa. — Sorri.
— O seu também... E, nossa, sua boca... — Observou-a sem piscar.
Encostei-a à dele.
— Podemos ir?
— Grace Kelly é aquela espécie de professora que atrasa tudo! Tenho que esperá-la lançar minha nota. Você pode voltar ao apartamento, se quiser.
— Não, fico aqui.
Ele segurou meu rosto.
— Eu... Você é adorável, sabia?

Ao retornar ao apartamento, resolvi terminar de arrumar minha mala, já que dona Magg havia me intimado a passar o Natal em casa. Tentei persuadi-la a vir à cidade da Estátua da Liberdade, no entanto, não funcionou.
Ao me lembrar disso, pegava-me pensando em ; onde ele estaria e se estava bem. Foram cinco anos sem ter notícias concretas ao seu respeito. Em um dia, antes das aulas terminarem, éramos melhores amigos. E, no mesmo dia, um minuto depois, estávamos brigados por nenhuma razão, mas, ao mesmo tempo, por todas as razões existentes... Até saber como o meu dinheiro sumiu.
Provavelmente, não tinha consciência de que eu descobri seu segredo no dia seguinte ao seu sumiço. Tentei achar uma desculpa para não culpá-lo e não contar aos meus pais.
Eu ainda tentava entender o que o levou a roubar, a mentir e a ser um babaca, que ferrou com o meu ano.
Não saberia dizer se havia o perdoado. Nem se, um dia, seria capaz de fazer isso.

[’S POV]


Quando desembarquei no Colorado, senti o ar escapar, como se todo o oxigênio tivesse sido extinguido. Uma sensação de ansiedade e mal estar invadiu minhas entranhas, me fazendo cogitar não sair do aeroporto. Talvez, só talvez, eu pudesse comprar outra passagem de volta a Londres, pois não estava preparado para reencontrar o que deixei aqui há tantos anos.
Caminhei para o portão de saída rapidamente.

Oh, !
Foi a primeira voz que ouvi, ao sair do carro, em frente à casa do meu avô, que estava sentado numa cadeira de balanço com um jornal em mãos e seu óculos de lentes redondas no rosto. Senti outra sensação, desta vez: a nostalgia. Passei tanto tempo longe daquele senhor, que meu peito doeu ao vê-lo tão magro e... Prestes a morrer. A garganta secou, e o choro ficou entalado no fundo. Deslizei os dedos no rosto, tentando me conter.
— Hey, seu Jorge! Como está se sentindo? — Atravessei o jardim, aproximando-me dele. Antes que me respondesse, lancei meus braços ao seu redor e o abracei forte, como fiz ainda moleque e, sem que percebesse, deixei as lágrimas escorrerem, molhando sua camiseta nova.
— O que aconteceu, meu neto? Está tudo bem? — Deu tapinhas nas minhas costas.
— Eu só... É o Natal, o senhor sabe. — Afastei-me, limpando os olhos e o nariz.
— Tem certeza? — Sorriu cordialmente.
— Sim. — Meu sorriso se formou também.
Se eu soubesse como seria vê-lo de novo, teria voltado antes.
— Onde estão todos?
— Lá dentro. Sua avó tá preparando o peru, junto com a Lucy.
Peguei minha mala do chão.
— Cadê a sua namorada?
Não pude deixar de achar graça.
— Não tenho. Vou falar com todos. Depois, virei conversar mais com o senhor.

Lucy era a minha tia materna. Havia cuidado de mim quando a minha mãe morreu. Vivia em Stanford e sempre nos visitava quando podia. Foi uma figura feminina indispensável na minha infância.
Observei-a cortando os temperos com uma agilidade invejável. Cantava alguma música natalina, animada.
Respirei fundo e entrei na cozinha.
Jingle ball, jingle ball, jingle ball rock... Oh, Deus! ! — gritou, me encarando.
— Oi. — Cocei a nuca.
— Você veio! Não acredito que realmente está aqui, depois de tanto tempo! — Abraçou meu corpo com demasiada força. — Não sabia se te abraçava ou dava uns tapas por ter sumido sem deixar notícias.
— Lewis avisou que eu viria.
— Sim, avisou, mas, se não fosse pelo seu primo, não saberíamos se você continuava vivo. Nunca mais suma desse jeito, garoto!
Sorri.
— Desculpa. Oi, !

Ben me levou ao Aeroporto e esperou, até que eu entrasse na sala de embarque. Ele iria a Boston, passar o Natal com os pais e a pequena Rose. Prometi que voltaria antes do Ano Novo para que fôssemos juntos à Time Square.
Ao chegar à minha velha casa e cumprimentar meus pais, subi para o quarto.
Não havia mais o mural de fotos na parede, pois rasguei a maioria e pedi para que mamãe guardasse o resto, já que me faziam acreditar em algo que nunca existiu.
Sentei-me na cama, arrancando as botas pretas.
A noite do baile de formatura pairou em minha mente.

abriu a porta do porsche para sair. Eram oito da noite, e os alunos chegavam vestidos à caráter e acompanhados. A música no estágio do St. Hadegate High School dava para ser escutada a mais de dois quarteirões, e parecia uma festa realmente animada.
A garota esperou o amigo fechar a porta do veículo, estendendo a mão a ele.
— Não precisa forçar um sorriso para os outros. Se você não estiver gostando da festa, basta me dizer e iremos embora.
colocou o braço por cima do seu.
— É a última noite no colégio. O baile de formatura! O meu, o seu, o nosso dia, ! Não permitirei que estraguem. — Sorriu, atravessando o tapete vermelho.
Ele entrelaçou suas mãos.
— Mesmo assim, se não gostar, é só me dizer.
— Estou com o meu melhor amigo. Existe algo melhor que isso? Não estamos vivendo uma noite de falsa alegria, onde estou com quem não gosto, apenas para ter com quem vir. Estou com você. Ao menos, minha diversão e a carona estão garantidas.
riu.

No meio da noite, dançavam na pista, entre os alunos. O garoto pegou ponche para si e balançava os braços, tentando acompanhar o ritmo da música. ria enlouquecidamente dos seus passos desajeitados.
Chamou-a com o dedo.
Ela se aproximou, vendo-o encostar os lábios perto do seu ouvido, e se arrepiou.
— Eu te amo.
Seus batimentos cardíacos aceleraram, as mãos esfriaram, e o sangue circulou mais rápido.
— Você tá bêbado! — Empurrou-o levemente.
negou com a cabeça, erguendo o copo.
— Isto não contém álcool.
desviou o olhar, fingindo prestar atenção em algo interessante.

Ao voltarem para casa, nada falaram, nem discutiram a novidade. A garota continuou fingindo não ter escutado e agradeceu aos céus pelo amigo não ter tocado nesse assunto.
Ele estacionou o porsche na porta da sua casa, esperando-a sair, sem olhá-la.


— Se ele me amasse, não teria feito o que fez. — Jogou o corpo para trás.

Deitei-me na cama, pondo meu braço atrás da cabeça, exausto. Meus tios já sabiam que eu fazia parte de uma banda famosa, principalmente, no Reino Unido, e tia Lucy demonstrou seu orgulho. A pior parte da viagem ainda não havia chegado: o reencontro com meu pai. Robert apareceria amanhã para a ceia.
Fechei os olhos, tentando pegar no sono, o que foi extremamente difícil, mas consegui.

No dia seguinte, acordou mais cedo. Havia se desacostumado a dormir até tarde. Ergueu a coluna, olhando para o mural sem fotos, se virou e alcançou os chinelos, depois saiu.
— Não precisamos tocar nesse assunto novamente. — Magg disse a Charlie.
escutou os pais trocarem meias palavras no meio da cozinha. Sua mãe terminava de preparar ovos fritos com bacon, enquanto o pai bebericava café numa xícara, apoiado ao balcão.
— Oi, querida! Faz tempo que está aí? — a senhora perguntou.
— Não, acabei de acordar. — Sentou-se na banqueta. — Por que pararam de falar quando cheguei? Aconteceu algo?
— Não. Você se levantou cedo... Achei que estivesse cansada da viagem. — Charlie desconversou.
— Culpa do fuso horário e das aulas na faculdade...
Magg colocou um prato na frente dela.
— Não deixe nenhum pedaço.
sorriu.
— E os preparativos para o Natal?
— A família do seu pai aparecerá por aqui. Ficamos de ir ao St. Hadegate amanhã.
— O que haverá no colégio?
— O prefeito organizou um Natal beneficente para os moradores no ginásio. Levaremos um prato e faremos doações.

Robert não apareceu na casa de seu sogro, como esperava. O garoto passou a manhã entre ajudar a família e a repensar o que diria ao pai quando o visse. Sentou-se à mesa para almoçar e, antes que degustasse o sabor da comida de sua tia, Lewis adentrou a sala, agitado.
, o seu pai... Está no hospital.

Capítulo três


se olhou pelo espelho de chão mais uma vez. Estava tentando encontrar ânimo para aquele Natal. Inventava defeitos, mentalmente, a respeito de seu vestido e dos sapatos. Preferia ter ficado no apartamento do campus, enrolada num cobertor, ou saindo com Ben. Ambos formavam uma espécie de casal sem rótulos, dupla animada e estavam juntos há algum tempo, o que realmente importava.
Retornar ao Colorado era como reviver situações do seu passado.
Nada mais fazia sentido ali.
Sentia-se como se estivesse anestesiada, ao sair da cidade e, quando voltava para visitar, a dor esquecida reaparecia, como velha conhecida, devagar, em cada lugar aonde ia, olhava e até mesmo quando deitava a cabeça no travesseiro, lembrando-se da adolescência e, principalmente, do menino de cabelo enrolado, que a acompanhara.
suspirou, decidindo soltar o coque.
— Posso tirar uma foto? — Magg perguntou, abrindo a porta, após bater.
— Mãe, hoje não é o melhor dia...
— Claro que é! É véspera de Natal, querida! Você adorava sair nas fotos, lembra?
— Crianças gostam de ser o centro das atenções.
— Só uma, juro! — Sorriu.
Ela se rendeu, olhando para a câmera.
— Sorriso no rosto e mão na cintura.
tentou.
— Está linda! — Magg tirou mais uma. — Perfeito! Não demore a descer!

caminhava pelos corredores do Bolder Community Hospital, apressadamente, sentindo o suor frio escorrer pela testa. Os olhos, ansiosos, corriam pelos cantos, encontrando famílias sentadas, esperando alguma notícia. Sua cabeça rodava e os pensamentos estavam emaranhados. Não conseguia acreditar, mesmo que estivesse neste ambiente, que Robert sofrera um acidente.
— Com licença! Meu pai, ele... Está aqui... É Robert — tentou dizer, em meio aos resfôlegos, a um rapaz com jaleco branco.
O homem o segurou pelos ombros.
— Acalme-se, senhor! Sou apenas estagiário, mas procurarei saber quem é o seu pai, está bem?
assentiu com a cabeça.
— Já volto!
Ele esfregou o rosto, apoiando-se à parede. Quando virou o corpo, encontrou uma garotinha observando-o, intrigada e sentada no colo de uma mulher que parecia cansada, com as costas contra a cadeira.
Fechou os olhos.

— O peru está no forno. — Magg avisou, colocando os pratos na mesa.
a ajudava, estendendo os talheres.
— É o meu celular! — Correu para pegá-lo dentro da bolsa.
— Quem é?
— Ben. — Sorriu para a imagem na tela. — A gente se conheceu na Columbia.
Magg pôs as taças ao lado dos pratos.
— Gosta dele?
— Estamos saindo...

Em sua imaginação, estava de volta ao Colorado, em meados de 2005, subindo as escadas do St. Hadegate. Ao seu lado, a garota do sorriso mais espontâneo que conhecia falava sobre as provas do outono. Ele comprovou algo que notara quando tinha 10, 11 anos: mordia o lado de dentro da boca quando nervosa, mas não sangrava, e ele agradecia, silenciosamente, por isso, pois não queria vê-la sangrar. Não queria machucá-la.
E foi exatamente o que fez, sete anos depois.
— Senhor, encontrei seu pai.
!
Ele ouviu vozes o chamando, porém estava imerso numa lembrança distante, boa demais para ser despertado de súbito.

— Então voltou. Por quê? Depois de tantos anos... — Magg perguntou a Charlie, de repente, após a ceia.
havia sentado no sofá, conversando pelo celular com Ben.
Passava da meia-noite.
— Não sei. Acha que devemos contar a ?
A senhora negou.
— Ele a roubou, e quando você rouba algo de alguém comete o pior dos pecados: está tirando o seu direito de saber a verdade. Quando mata um homem está roubando aquela vida. Está roubando dos filhos, o seu pai.*
Charlie entendeu.
era como um filho para mim.
— Ele era um garoto bom, e ninguém é bom demais à toa. Deveríamos saber disso antes.

*Trecho adaptado do livro ‘O Caçador de Pipas’.

A mente de viajou para o dia do baile de formatura novamente. Não foi a primeira vez que aquela conversa e o término daquela noite pairavam em seus pensamentos, fazendo-o parar e se deixar levar.

Ela se aproximou, vendo-me encostar os lábios perto do seu ouvido, e se arrepiou. Senti seu coração acelerar quando nossos corpos se encostaram.
— Eu te amo — confessei.
Se não falasse agora, não teria coragem depois.
desviou os olhos dos meus, fingindo prestar atenção em algo nem um pouco interessante.

No fim da noite, quando a deixei em casa, vendo-a caminhar pelo jardim, segurei-me para não sair do carro e ir atrás dela. Iria embrulhar o que eu sentia, esquecer o que disse e sumir. Assim, seria mais fácil lidar com a rejeição quando estivesse distante.


, você tá bem?
Escutou as mesmas vozes, desta vez, balançando-o.
Abriu os olhos.

Mesmo sendo tarde, resolveu dar uma volta por Cripple Creek, torcendo para encontrar uma cafeteria aberta, onde pudesse se sentar um pouco e aproveitar o clima. No entanto, àquela hora, seria muito difícil. Atravessando a rua, percebeu que, em uma casa mais à frente, davam uma festa de Natal. Olhou para a porta aberta, sentindo uma pontada de inveja por todos parecerem felizes demais, apertou o sobretudo contra o corpo e cruzou os braços.
Quando estava no final da calçada, avistou alguém conhecido.
— Jessie O’ Eland — sussurrou, reconhecendo a ex-cheerleader do St. Hadegate.
Jéssica jogou uma mecha do cabelo, agora, escuro e cheio de cachos, para trás. O rapaz ao seu lado não era nada parecido com um dos jogadores de futebol americano do colégio.
? ?! — a morena alta perguntou. — Conheço você! Estudamos juntas há vários anos.
parou de andar.
— Sou eu. Como está?
— Que mundo pequeno! Soube que foi para a Columbia. Sabia que era uma garota esperta, se não, nerd. Lembro que as outras tinham inveja de você. Estou ótima, obrigada, mas e você?
— Bem.
— Este é o Treece, o meu noivo. Está de passagem por CC?
— É, jamais voltaria a morar aqui. Não faz mais sentido...
Jessie assentiu, assimilando suas palavras.
— Fiquei sabendo o que aconteceu entre você e o .
suspirou.
— Tenho que voltar para casa. Feliz Natal!
— Feliz Natal, nerdzinha!

demorou alguns segundos para focar no rosto de Lewis, pois não sabia o que havia acontecido consigo. Estava no chão, apoiado à parede.
Levantou-se num pulo.
— O que houve?
— Acho que você entrou em choque e ficou inerte... Não sei.
— E o meu pai?
Lewis chamou o estagiário.
— Foi levado à sala de cirurgia faz algumas horas...
Um tempo depois — para , uma eternidade —, o estagiário, de nome Jullian, retornou à sala de espera com uma ficha em mãos.
Sua família materna estava lá, esperando. Lucy o abraçava, afagando sua cabeça. Os seus avós ficaram em casa para descansar. Lewis permaneceu sentado, do outro lado do corredor, em silêncio.
— O estado do senhor é crítico — o jovem notificou.
deteve a respiração, erguendo-se.
— Vou tirar meu pai daqui.
— Não pode.
— Tenho dinheiro de sobra para levá-lo a outro hospital!
— É , certo? Se levar seu pai, vai matá-lo!
O garoto ocultou o rosto.
— O que eu faço?
— Aguarde notícias. Não há muito a ser feito agora.

Capítulo quatro


Nas primeiras horas da manhã, levantou-se do banco, afastando o braço que o segurava e esfregou o rosto, sentindo os olhos arderem.
A movimentação no hospital havia sido amenizada e poucas pessoas continuavam neste corredor. Notou algumas enfermeiras passando ao lado e resolveu procurar o local em que seu pai estava. Após inúmeras voltas, encontrou-o no quarto.
“Por que ninguém me avisou?”, pensou, fechando a porta, silenciosamente, atrás de si.
Robert parecia ter envelhecido muito precocemente durantes os anos em que estivera longe. Estava magro e relaxado, como alguém fica quando encontra paz, apesar de tudo.
O homem de vinte e tantos anos sentou-se na poltrona, ao lado da cama, tocando a mão quente do mais velho. Assim, permitindo que a vergonha o consumisse de vez, lembrou-se, então, do garoto de 17 anos, que fugiu de Cripple Creek para ganhar o mundo; aquele menino que apostava no cavalheirismo e na fidelidade, que passeava na rua, cumprimentando os vizinhos, e ajudava a senhora Mackenzie a atravessá-la; o mesmo que fugiu por ter sido infiel, rompendo todos os seus princípios, e princípios estes que foram deixados por sua mãe, principalmente.
Diante de toda a sua trajetória, até ali, sentiu as lágrimas escorrerem, pousando nas mãos entrelaçadas em cima da cama. Desde 2007, as reprimia por não querer se culpar, mas o passado não o livrou, dando uma volta para fazê-lo arcar com as consequências.
Suspirou pesadamente.
. — Escutou chamá-lo, tocando seus dedos.
Robert havia acordado.
Ele mordeu o lábio.
, filho... — A voz saía arrastada e fraca.
— Oi, pai. — Curvou-se. — Eu voltei!
— Você veio para casa... Graças a Deus!
sorriu, diante das lágrimas.
— Achei que nunca mais te veria... Você foi embora sem...
apertou suas mãos.
— Sinto muito.
— Conseguiu o que queria?
Ele ficou calado.
... Estou falando com você.
Perdão! — Soluçou, de repente. — Perdão por não ter sido um filho melhor, por não ter te ajudado como queria, por ter te culpado pela morte da minha mãe... Perdão, pai! Eu sinto muito!
O monitor dos batimentos cardíacos de Robert mostrou que seu coração acelerou.
— Eu te perdoei há muito tempo... Acho que uma hora depois que você partiu. Não sabia como, mas sabia o porquê de ter ido. Eu te amo, , e tenho que te pedir perdão por não ter sido o pai que deveria ser... A morte da Sarah...
— Shhh! Não diga nada. Estou perdoando você também.
— Obrigado. — Ergueu a mão magra, tocando-a no rosto de , sem força. — Você não voltou por causa do Natal...
Ele se assustou.
— Há algo te esperando aqui desde dezembro de 2007... Você sabe o que é.
O aperto em seu peito era sufocante.
— Devolverei o dinheiro.
Robert olhou para o teto, os olhos cheios d’água.
— Não é mais pelo dinheiro... Nunca foi. É a sua integridade, quem você é de verdade... O que criei e que era um bom menino. — Abaixou a cabeça, encarando-o. — Há um jeito de ser bom de novo*.
Depois disso, o bipe dos aparelhos entraram numa espécie de linha reta.
— Pai! — gritou, correndo para fora. — Alguém me ajude!
Robert havia partido, mas, diferentemente do filho, para sempre, para a luz.
afundou o rosto no corpo sem vida, tremendo.
“Há um jeito de ser bom de novo*, lembrou-se.

*Frase retirada do livro ‘O Caçador de Pipas’.

[’S POV]


Bebi mais um gole do café, sentada na banqueta da cozinha. Meu pai havia ido comprar mais garrafas de leite para fazer a doação à noite. Mamãe estava conversando com a vizinha, do lado de fora. Digitei uma mensagem curta para Ben e acessei o site das companhias aéreas, pesquisando uma passagem para Nova Iorque, pois não queria continuar em Cripple Creek, muito menos voltar ao St. Hadegate. A opção de ficar em meu apartamento, enrolada no cobertor, era mais confortável, além de solitária.
— O que tanto mexe nesse celular? — minha mãe perguntou, aparecendo pela porta dos fundos.
Hesitei.
— Conversando com Ben e... — Parei. Não fazia ideia de como dizer que estava prestes a viajar.
Ela me olhou.
— O que mais?
— Acessando o site da American Airlines.
A senhora demorou um pouco a assimilar.
— Pretende ir embora hoje? É o Natal! — Elevou os braços.
— Eu sei disso, mãe, só que não quero voltar ao St. Hadegate.
Magg suspirou.
— Achei que tivesse superado e o colégio representasse seu passado.
— E representa!
— Então qual é o problema?
— Nada mais faz sentido aqui...
Ela sentou-se de frente para mim.
— É por causa dele, não é?
Franzi a testa.
— Do Ben?
Ela esboçou um sorriso sem vontade.
.
Após mencionar aquele nome, minha mãe levantou-se e foi arrumar os preparativos da festa. Não insistiu, nem tocou novamente no assunto. Permaneci ali, segurando meu celular, em estado de estupor.
.
Inúmeras lembranças invadiram minha memória, e uma dor, que já foi tão forte e virou vazio, me sufocou.
Fui pega desprevenida.
— Está na cidade? — consegui perguntar.
Recebi um olhar cúmplice.

[’S POV]


Durante o percurso até a casa dos meus avós, mantive o silêncio e as palavras do meu pai, “há um jeito de ser bom de novo”, acesas em mim. Tia Lucy dirigia, e Lewis sentara no banco do passageiro. Meus olhos estavam inchados quando olhei pelo vidro, e meus lábios, vermelhos. Não consegui falar nada ao sair do quarto do hospital. Tudo aconteceu rápido demais! Cincos anos se passaram sem que eu me desse conta do que se esvaía.
O som do rádio tocava baixo e, ao prestar atenção à música, senti minha história ser revelada para eles, como um segredo desenterrado.
Em cada palavra, uma cena.

(Clique aqui para ouvir)

Na minha vida, eu não signifiquei muito para qualquer um
Eu perdi meu estilo e não posso mais voltar
No passado, eu tinha tudo, agora já se foi...
Não me diga de novo porque eu já ouvi isso antes
Algumas pessoas dizem que eu não valho nada
Eu cometi erros, mas ninguém é perfeito
Acho que devem me deixar tentar
Eu tenho uma última chance para me recompor
Eu não posso perder mais tempo, é agora ou nunca
E eu tentarei lembrar como eu costumava ser
Eu tenho uma última chance para me recompor
O tempo veio para que eu mude de novo
Eu não posso continuar como estou, eu vou perder meus amigos
Não diga que você já desistiu de mim
Só me dê o tempo e espaço para curar minha cabeça
Eu não quero ser entendido mal
Eu tenho que pegar essa chance e fazer algo bom


Tia Lucy estacionou o carro na rua dos Collins. Abri a porta, saindo de dentro, quando avistei vários repórteres e paparazzis aproximando-se; perguntavam, simultaneamente, sobre o meu pai.
Eu queria esmurrá-los e mandá-los ao inferno, porém poderia complicar a banda.
— Com licença! Meu sobrinho não está pronto para falar. Respeitem o seu luto! — minha tia pediu, guiando-me pelos ombros.
— Ei, pessoal! Circulando! — Lewis os enxotou.
“Você havia brigado com seu pai, ?”, um deles perguntou, sem obter resposta.

Mais tarde, meu primo avisou que todos iriam ao St. Hadegate para a ceia beneficente. Perguntou se eu queria ir, e hesitei, acabando por mudar de ideia.
Minha avó acenderia velas em homenagem a Robert.

Capítulo cinco


Havia muitas pessoas no ginásio do St. Hadegate High School naquela ceia. ficara surpresa ao se dar conta de que, ao menos, seis antigos alunos, estudantes de 2007, marcaram presença. Topou novamente com Jessie O’ Eland e sorriu de maneira sincera. Mais próximo do bufê, Cora Tisdale beliscava alguns pratos. Quando se virou, vendo-a ali, seu queixo caiu.
Ambas não eram amigas, nem desafetas, apenas se toleravam, na medida do possível, sendo a loira uma cheerleader no colegial.
Também não se falaram.
Mais à frente, encontrou Tyler e Tobb, os gêmeos intercambistas, e eles acenaram, alegres. Cumprimentou a nerd Louise, que já não usava o óculos de lentes grossas.
decidira ficar em Cripple Creek até o dia seguinte.
— Sente-se aqui, querida. — Magg pediu, acomodada à mesa com Charlie.
Ela o fez, moldando o vestido azul de renda.
“Feliz Natal, amor!”, foi a mensagem que recebeu de Ben. Era a primeira vez que ele a chamava assim, mesmo que não pessoalmente.
— Os Collins chegaram. — Charlie comentou, vendo o senhor John e a senhora Margaret entrarem pelos portões que haviam sido enfeitados com uma coroa com laço vermelho e sinos.
olhou para o casal de idosos.
— O senhor John parece bem.
— É verdade. — Magg concordou. — Veja a Margaret. Nem parece que completou 81 anos!
Atrás deles estavam Lucy, com a filha Leona, Lewis e alguns parentes.
— Estão vindo para cá! — sua mãe avisou.
tocou a taça, admirando a cor das unhas ao redor do vidro.
— Feliz Natal, ’s! — Lucy saldou. — Tem alguém que gostaria de falar com você, .
Ela sentiu um calafrio percorrê-la e a ansiedade revirar seu estômago.
— Quem?
— Olhe para trás.
A moça virou a cabeça e, por um instante, achou que fosse e que estivessem de volta ao ano dos seus 17. No entanto, era apenas a prima caçula dele.
— Oi — a garotinha com franja disse.
deu um meio sorriso.
— Olá!
Lucy conversava com Magg.
— Eu queria pegar uma flor lá fora... — Leona comentou distraidamente. — Mamãe não quer ir comigo, e não posso sair sozinha. Será que você pode ir?
— Claro!

Quando desceram as escadas, a garotinha riu baixinho.
— O que foi?
— É que me lembrei do falando do seu vestido.
parou de andar.
Ao redor das árvores estava escuro e poucas pessoas ficaram do lado de fora.
— Você disse ? — Agachou-se.
Leona tapou a boca.
— Era segredo?
Ela correu para dentro do ginásio.

[’S POV]


— Olha, nunca toquei no assunto por não querer criar atrito, mas... Porra! — Lewis exasperou, ajeitando a gravata borboleta.
Eu desatava o nó dos meus sapatos, sentado na cama.
— Não espera que ela te perdoe, não é?
Ergui o outro pé.
— Não.
— Qual é o plano?
Levantei-me.
— Voltarei a Londres amanhã. Eu não estava pronto quando cheguei aqui e vi meu pai morrer... — A garganta secou. — Devia o perdão a Robert e o dei. — Encostei meus braços à parede, abaixando a cabeça. — Minha vontade é de pegar minha mala e voar para longe.
Lewis me confrontou:
— Você será eternamente responsável pelo que fez, então pegue o resultado disso e faça algo bom! Mude o final da sua história e perdoe a si!
— Eu não sei como... — Meus ombros mexiam-se à medida que as lágrimas escorriam.
— Vá atrás dela.


A moça permaneceu agachada por mais alguns minutos. Depois, ergueu-se, desamassando o vestido, prestes a entrar.
!

[’S POV]


(Ouça a música)

Eu escutei.
Escutei aquela voz tão conhecida; rouca, bonita.
Não a esqueceria nunca. Mas demorei um pouco para me virar em direção ao dono. Meu coração parecia que saltaria para fora, e senti um formigamento nas pernas.
Lá dentro do ginásio, meus olhos encontraram os da pequena Leona, que sorria, envergonhada.
A única pessoa que deveria sentir vergonha estava atrás de mim, e a única coisa que eu não faria era sorrir. Suspirei, girando meu corpo.
, vestido com smoking, me levou à noite do baile, pela milésima vez, fazendo o turbilhão de emoções que eu sentia extravasar.
Ele havia se aproximado desnecessariamente.
Levei minha mão ao seu rosto num tapa, dois, depois outro. Em seguida, esmurrei seu peito, arranhando toda a pele que não estivesse coberta. Puxei seu cabelo com força, até ver seus olhos lacrimejarem. não se opôs, deixando os braços caídos. Eu sabia que sentia dor e a recebia como penitência, pois, às vezes, a dor física é mais válida porque forma marcas para os outros verem.
— Covarde! — gritei, deslizando minhas unhas em seu rosto. — É o que você se tornou!
O rapaz fechou os olhos.
— Diga alguma coisa!
— Eu...
— Não procure palavras bonitas!
Continuei perto, afastando as mãos de si. Pude sentir seu coração pulsando extremamente descompassado, e a respiração, desregular. Observei o estrago no corpo dele com pavor. Ele havia sido atacado por mim, o que o tornava a vítima.
— Vim te pedir perdão. — Abriu os olhos.
Balancei a cabeça.
— Parece mais fácil, não é? Você foi o melhor amigo que se apaixonou pela amiga e a apunhalou pelas costas! Vai embora, sendo um filho da puta, sem dar satisfações e, depois, volta. Quando tudo parece ter se reerguido, e estou bem, você volta.
enxugou os olhos, sujando os dedos com sangue.
— Robert faleceu hoje, e tive a última chance de falar com ele... Me disse que há um jeito de ser bom outra vez.
Percebi minha armadura cair.
— Lamento pela perda.
— Nós fizemos as pazes.
— Ele te amava.
...
— Descobri tarde.
Ficamos nos observando, cheios de saudade, apesar da minha súbita ira. Esvaziei o que reprimi durante muito tempo e, agora, me sentia sã e mais aliviada.
— Está sangrando bastante — comentei baixinho para mim.
esboçou um sorriso estranho, doloroso.
— Isto não foi nada, perto do quanto te fiz sangrar.
— A gente corre esse risco quando escolhe confiar em alguém.
Fomos interrompidos por Lucy:
— Céus! , o que aconteceu? — Aproximou-se do sobrinho.
— Estou bem.
— Vamos! Venha limpar esse rosto! — Puxou-o, deixando-me lá.

Julho de 2001 - Residência dos ’s

Há uma música dentro da minha alma
É a que eu tentei escrever de novo e de novo
Estou acordada no frio infinito
Mas você canta para mim, e novamente, e novamente

, querida, acorde! — Magg a balançou na cama.
Devagar, a menina abriu os olhos.
— O que foi?
— Sarah teve um derrame...
Ao assimilar o que sua mãe havia dito, sem entender direito, lembrou-se do melhor amigo.
— E o , mamãe?
— Está lá embaixo.
Ela largou a coberta e correu para fora do quarto, descendo a escada o mais rápido possível, e o encontrou sentado no sofá, aos soluços. Ajoelhou-se à sua frente, jogando os braços ao redor dele.
O abraço era tudo o que tinha a oferecer. Um gesto puro e sem cobranças.


No fim da noite, e eu não nos falamos mais, e os nossos olhares não se cruzaram. Ele estava sentado com a família, sendo cuidado pela tia, e fiquei com meus pais, no outro lado da quadra. Minha mãe ficara surpresa, além de possessa, ao vê-lo ali, depois de tudo. Meu pai decidiu não comentar.
Era estranho.
Eu não sabia como lidar com a volta do garoto que fez parte da minha vida e que, agora, parecia um completo desconhecido.
Vendo-o, percebi que seu cabelo crescera razoavelmente e um monte de pelinhos formavam a barba em seu rosto bonito e mais maduro do que me lembrava.

[’S POV OFF]


— Foi ideia da sua mãe? — perguntou à prima caçula, sentada ao seu lado.
A garotinha sem o dente do meio sorriu.
— Eu o quê? — Lucy perguntou, aproximando-se.
O rapaz balançou a cabeça, demonstrando uma careta de dor.
— Não se mexa muito.
— Cara, você tá horrível! — Lewis resmungou.
— Não tá, não. O é lindo! — Leona contestou, ficando com as bochechas rosadas.
Eles riram.
— Obrigado, princesa.
Uma música lenta começou a sair das caixas de som, incitando mais casais a irem ao meio da pista de dança.
Parecia familiar.
Como se fosse 2007 outra vez.
— Aquela garota não para de te encarar! Por que não a chama para dançar? — perguntou ao primo.
— Já estou indo!
Por fim, o rapaz ficou sozinho na mesa, já que todos arranjara um par, até mesmo Leona, que colocou seus braços pequenos ao redor do pescoço de um garotinho.
Sorriu.
Olhando para frente, avistou, na outra mesa, entediada. Buscou o celular no bolso do smoking, descendo a barra de rolagem, até o nome dela aparecer na lista; se tivesse sorte, ainda seria o mesmo número.
“Me concede essa dança?”, digitou.
Não obteve resposta.
Terminou de beber o restante do vinho tinto em sua taça, levantando-se, e caminhou calmamente, atravessando o salão e indo em direção à mesa da mulher que tinha o sorriso mais espontâneo que conheceu quando eram adolescentes.
— Concede a mim essa dança? A música já tá acabando, mas a outra será melhor ainda. — Estendeu a mão.
assustou-se e lembrou-se do flashback.

(Clique aqui para ouvir)

Ele a guiou para o meio da quadra.
Os casais ao redor pareciam alheios a qualquer outra coisa, e uma nova música tocou.
A mulher se contentou em apenas apoiar as mãos nos ombros dele, e não fez nada mais que tocar sua cintura.
— Sempre soube que havia sido você...
Ele prestou atenção.
— Só não queria admitir.
— Você tem razão ao me chamar de covarde. — Engoliu em seco, ganhando sua atenção. — Eu deveria ter feito tantas outras coisas. Se, ao menos, tivesse saído do carro no dia do baile e impedido você de sair com o Jack...
afastou o rosto, surpresa.
— Jack e Regina reataram quando me mudei.
assentiu como se já soubesse.
— Sei que estraguei tudo, mas juro que três coisas jamais saíram da minha mente: a culpa; o seu sorriso e a nossa amizade. — Girou-a.
— O que seu pai falou exatamente sobre ser bom outra vez?
— Disse que algo me esperava aqui desde dezembro de 2007 e que não se tratava de dinheiro.
— E o que você respondeu?
crispou os lábios.
— Ele não escutaria, de qualquer forma...
A garota o abraçou.
Pela primeira vez, após cinco anos, os velhos melhores amigos refizeram o símbolo da amizade. enlaçou o corpo dela, puxando-a para mais perto.
— O abraço era tudo o que eu tinha a oferecer quando a tia Sarah se foi... Um gesto puro e sem cobranças. Agora, te ofereço o perdão — sussurrou contra sua orelha.
— Eu aceito! — Sorriu, aliviado. — Obrigado.

Epílogo




It feels like home to me, it feels like home to me
It feels like I'm all the way back where I belong


Universidade Columbia - Nova Iorque - 10 anos depois

! — a coordenadora do campus a chamou.
Todos os pré-doutores em Direito estavam em pé no palco do auditório. Havia convidados espalhados pelas mesas; familiares, amigos próximos, maridos, filhos...
Era o dia da formatura.
— Senhorita ?! — chamou novamente, procurando entre os estudantes e ao redor.
Um murmúrio se espalhou pelo local.
— Onde ela se meteu? — Magg perguntou ao esposo.
Quem a visse, acharia que não envelhecera durante esses anos.

Lá fora, no jardim, parou no topo da escada, usando a beca e admirando o homem que sorria para ela com uma câmera na mão.
Há quinze anos, quando esse mesmo homem a quebrou, ela não sabia como se consertar. Há dez anos, quando o perdoou, sentiu que era o que faltava para colar seus pedaços.
— Você veio! — Sorriu.
andava malhando e fizera várias tatuagens. Desde que conversaram sobre tudo, no dia seguinte ao Natal, reconstruíram a confiança. não retornou a NYC, como previsto, porque queria conhecê-lo de novo e resgatar o velho da sua adolescência.
“É a partir da convivência que a amizade nasce. É depois de fazer as pazes que ela renasce. ”
— Eu disse que viria. Achou mesmo que não apareceria na sua formatura? — Deu aquele velho sorrisinho petulante.
Ela balançou a cabeça.
— A cerimônia já começou e devem estar loucos à minha procura.
— Desculpa. O voo atrasou. — Coçou a nuca.
A mulher percebeu o buquê de lírios escondido nas costas dele.
— Você trouxe uma câmera...
Ele olhou para o objeto.
— Tive que me acostumar com várias delas. Não é um problema, agora, mas não consigo ser espontâneo. Não como você.
sorriu, descendo os degraus.
— Por que estamos tão longe?
— Era o que eu estava me perguntando. — Aproximou-se e a abraçou, conseguindo sentir o perfume que emanava do seu cabelo. — Pronta? — Levantou a câmera. — Diga .
! — Riu, beijando seu rosto, enquanto ele tirava a foto.
, , venham logo! — Magg reclamou, na porta.

Quando a solenidade terminou, e os recém-doutores dirigiram-se para a festa, trocou algumas palavras com Ben. Ambos terminaram há anos, mas sem ressentimento. Não havia uma explicação plausível. Não que admitiria o porquê.
recebeu uma mensagem de um ex-integrante, avisando que, na segunda-feira, haveria reunião no estúdio para decidirem qual o destino da banda.
Três dias de folga da vida agitada em Londres.
— Você tem que ir? — perguntou, interrompendo sua leitura.
— Não hoje. Hoje, eu sou seu.
Ela corou.
Ainda tornando-se doutora, tendo 32 anos e sendo dona da sua vida, ele detinha o poder de fazê-la ruborizar como uma adolescente tímida.
— Aonde vai depois daqui?
beijou sua testa demoradamente.
— Aonde você me levar.

Fim



Nota da autora: Sempre que acabo de escrever algo e ponho o “fim”, sinto uma dorzinha de leve me pegar, e isso porque, ainda sem querer, me apego às histórias. Tive que parar algumas vezes para conseguir finalizar um ou outro trecho em especial. Não sei se vai acontecer com vocês; na verdade, não faço a mínima ideia, mas, se tocar uma leitora, estarei satisfeita!

Minhas outras histórias já hospedadas:
Virtude (restrita/andamento)
Imperius (restrita/andamento)
Love, youth, fear (shortfic)
P.S. Eu te amo (shortfic)

Tenho outras no Word e vão parar no site, então, se quiserem saber, é só ir lá no ask! ;)
Até a próxima, gatosas!




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