Petrichor
História por Flávia C. | Revisado por Gabriella

Primavera, 2013.
sentou-se no banco de madeira como quem não queria nada. Olhou as horas no relógio, mordendo o lábio ao perceber que estava ainda um pouco adiantada. “Será que ele vem?”, pensou preocupada, lembrando-se que não tinham combinado data nenhuma. Talvez ele tivesse esquecido dessa vez. Estava sendo ridícula, é claro, ele se lembrara todas as outras vezes, não havia motivos para desistir logo agora.
Ela olhou para o céu, notando as nuvens escuras que se aproximavam e, antes que pudesse perceber, já estava verificando o horário novamente. Será que a chuva o atrasaria? Não esperava chover por agora, em plena primavera, mas observou que a terra praticamente implorava por água, completamente seca. Sentiu o típico vento que antecedia tempestades passar e praguejou não ter vindo de cachecol. Isso era ridículo, afinal aquilo era primavera ou outono? Tudo bem que tinha saído do inverno há apenas um dia, mas isso não era motivo para a primavera se comportar de maneira tão detestável.
Não que esperasse estações do ano completamente definidas, não nessa latitude do planeta, mas o mínimo de respeito com ela, pelo menos.
Olhou a sua volta, notando o parque vazio, tirando por alguns poucos idosos que passavam por ali. Antigamente costumava estar cheio de crianças por ali, mas elas pararam de aparecer depois que removeram o parquinho por razões de segurança. sabia disso porque costumava ser uma delas. Ele não, pelo contrário, sua mãe havia sido uma das que começou a petiçào pela retirada do escorrega, trepa-trepa e gangorra dali, alegando estar em estado deplorável, sendo prejudiciais para a saúde das crianças. Podia até ser verdade, mas acabou com a felicidade das crianças da vizinhança.
Ele não devia demorar muito agora, o pôr do sol começaria em pouco tempo. Ela mal podia acreditar que já era primavera novamente. Fazia um ano que eles haviam se encontrado nesse mesmo lugar pela primeira vez.

Primavera, 2012.
Era equinócio de primavera naquele dia. Ela normalmente não saberia disso, mas sua melhor amiga, Aubrey, iria comemorar a Ostara com a namorada wiccana, e havia sido deixada sozinha naquele sábado.
Imaginava que deveria ser um dia bom, o ponto de encontro entre dias e noites, mas não se sentia assim. Sentia-se triste e queria passar um tempo sozinha, por isso foi até o parque durante a tarde, determinada a assistir o pôr do sol depois de uma caminhada. O que aconteceu, ao invés, foi que se sentiu preguiçosa demais para andar e acabou se sentando em um banco perto de onde costumava brincar muitos anos antes. Xingou ao perceber que estava molhado, mas agora já era tarde demais, então não adiantaria se levantar e sair com a calça encharcada.
Ele estava sentado no outro lado do terreno agora vazio, mas mudou de banco quando a viu se sentar. Eles estudavam no mesmo colégio e, apesar de não serem da mesma turma, já haviam se visto no corredor inúmeras vezes, sem nunca trocar uma palavra. Ele sorriu para ela, como se achasse engraçado o fato de se encontrarem ali e ela sorriu de volta, tentando ser simpática, mesmo que só quisesse ficar sozinha como planejado.
- Sou – ele se apresentou e ela assentiu, sem vontade de continuar a conversa – Você é , certo? – ela apenas concordou com a cabeça – Já vi que não quer conversar, vou parar de te pertubar agora.
Ele continuou sentado ao seu lado e isso a incomodara, agora se sentia mal por tê-lo ignorado. Não falou nada, entretanto.
- O que você tanto olha? – ele perguntou, finalmente quebrando o silêncio.
- Nada – respondeu – Estou só esperando o tempo passar, quero assistir o pôr do sol.
- Não acho que vá ser muito bonito hoje, estava chovendo mais cedo.
- É, mas agora está sol – disse apontado para o céu que, apesar de um pouco nublado, demonstrava alguns pontos de clareza.
- Por que não assiste da sua casa? O que tem se especial hoje?
- Por que você faz tantas perguntas? – ela rebateu e ele apenas deu de ombros.
Eles ficaram em silêncio por mais algum tempo. ainda queria suas respostas, mas não gostava de importunar os outros, apesar de que, com seu nível de curiosidade, era inevitável que isso acabasse acontecendo. ficou grata com o final do interrogatório, agora que havia se acostumado a sua presença, não estava mais a incomodando tanto assim. Até era bom não estar sozinha.
- É equinócio de primavera – ela explicou, apesar de não ser verdadeiramente o motivo de estar ali – Achei que seria um bom dia para sair.
- Dias e noites com a mesma duração – ele murmurou, como se estivesse relembrando uma matéria há anos aprendida na escola – Eu gosto de vir aqui de vez em quando – disse, mesmo sem ter sido perguntado – Principalmente depois que chove.
o encarou surpresa, levantou a sobrancelha, demonstrando seu estranhamento com a resposta. Queria não ter se esquecido da chuva, pois agora estava com a saia molhada e isso seria embaraçoso quando se levantasse.
- É por causa do cheiro – continuou, entendendo a pergunta implícita em sua feição – De terra molhada. Eu gosto.
Ela riu, achando um gosto meio peculiar e inspirou o ar, sentindo, pela primeira vez dessde que chegara, o distinto cheiro. Não era ruim, mas ela dificilmente conseguia se imaginar vindo até no parque apenas para senti-lo.
- Você vem aqui todo solstício? – perguntou.
- Equinócio – corrigiu, quase automaticamente – E não, essa é a primeira vez.
Ela olhou para a frente novamente, mas ainda conseguia senti-lo a observando. Viu as horas, notando que já estava ali há algum tempo, talvez seus pais notassem; talvez não. O céu estava começando a ficar um pouco amarelado e ela sorriu, notando que conseguiria ver o pôr do sol afinal.
- Não tem nada muito demais nele – comentou – Hoje nem é um dia particularmente bonito.
- Não, é só um dia normal – respondeu, sem desviar a atenção do céu – Isso não é incrível? Hoje começa a primavera, mas é apenas um dia completamente normal... O sol está se pondo e, provavelmente, ninguém além de nós nem notou porque ele não é nem um pouco especial.
Ele achava improvável que outras pessoas não estivessem vendo o pôr do sol, mas manteve-se calado, deixando-a aproveitar esse momento completamente insignificante para a humanidade.
- Vai ficar escuro daqui a pouco – ele comentou, vendo que em breve ela não teria mais nada para assistir.
Ela apenas deu de ombros, não era uma cidade muito grande, ela chegaria em uma casa em menos de cinco minutos de caminhada, não estava tarde o suficiente para se tornar perigoso. explicou isso a ele e repetiu sua pergunta, apenas disse que ficaria ali lhe fazendo companhia.
- Por que não quer voltar para casa? – ele perguntou, de repente, fazendo com que arregalasse os olhos surpresa – Desculpa, não devia ter perguntado.
- Está tudo bem... – murmurou – Como sabe que não quero? Eu não te disse isso.
- Sou bom em ler as pessoas.
Ela não pretendia contar para ele. Nem ao menos o conhecia de verdade e não era o tipo de pessoa que se abria facilmente, tinha um número bastante reservado de amigos e, tirando Aubrey, não confiava completamente em nenhum deles, por pior que isso soasse. E, além do mais, ele ainda era da sua escola, um erro e ele poderia espalhar seus segredos por todo colégio. Mesmo assim, quando se viu já estava despejando tudo o que vinha lhe afligindo nos últimos meses.
Contou como seus pais não paravam de brigar por um segundo e tudo o que mais desejava era que eles se divorciassem logo. Desde que contara isso para sua irmã mais nova, elas haviam parado de se falar, principalmente por causa do escândalo que a caçula dera. O acontecimento acabara chegando aos ouvidos dos pais, que agora a olhavam desconfiados e irritados toda vez que a encontravam.
Com a gritaria que rolava todas as noites, ela mal estava conseguindo estudar para as provas do terceiro período, que começariam naquela semana. Normalmente ela pediria ajuda para Aubrey, uma gênia em potencial, mas agora que ela estava namorando, não queria atrapalhá-la com seus problemas. Então ela saía de casa quase todos os dias e ia ficar sozinha, ter um pouco de silêncio na sua vida, tentando relaxar.
apenas ouviu. Poderia ficar o dia inteiro apenas ouvindo-a relatar sua vida. Por mais que não fosse agradável e certamente a estivesse incomodando, conseguia transformar em uma narrativa interessante e, por vezes, até engraçada. Também não iria contar nada daquilo para ninguém, não ouvia as pessoas para ter o que contar para os amigos, mas sim porque achava que as ajudava.
- Você não tem que ir para casa? – ela perguntou, notando que passara já quase uma hora falando sem parar – Ou você está fugindo de alguma coisa também?
- Eu só não gosto de ficar sozinho – respondeu.
Ela esperava que, como sempre, ele continuasse a falar, mas isso não aconteceu. Ela se levantou, antes que o silêncio entre os dois começasse a incomodá-la novamente, disse que deveria voltar para casa. Duvidava que seus pais se preocupassem, mas talvez levasse uma bronca caso eles percebessem onde ela estava.
Ele se ofereceu para acompanhá-la até em casa e então caminharam devagar o quarteirão. não insistiu na pergunta, e não se sentiu a vontade para compartilhar.
- Chegamos – anunciou, parando em frente da própria casa.
- Você acha que vai virar um hábito agora? – ele perguntou e era franziu a testa, sem entender – Assistir o pôr do sol durante o equinócio – explicou.
- É uma ideia – ela sorriu.
- Então quem sabe não nos encontremos no próximo?
- Isso vai ser só daqui seis meses.
Ele apenas sorriu e se afastou dela com um aceno, sem respondê-la. se sentiu confusa, ele estava marcando um encontro com ela para daqui seis meses? Porque, estudando juntos, seria meio difícil eles não se verem nesse tempo. Mas deixando o pensamento de lado, ela entrou na casa.

Verão, 2012.
Ela pensara naquele dia algumas vezes durante os meses que se seguiram. Lembrava como um momento peculiar e quase irreal. Sempre que passava por nos corredores, os dois trocavam um sorriso cúmplice, mas nunca chegaram a comentar sobre isso novamente. Algumas poucas vezes ela se dirigira a ele sobre diversos assuntos, ele a respondera cordialmente, mas sem fazer nenhuma menção a já se conhecerem. Ela nunca contara para ninguém sobre a estranha conversa que tinham tido no parque e começava a se perguntar se realmente tinha acontecido.
Por incrível que parecesse, ela havia conseguido passar de ano, fazendo apenas duas provas de recuperação, para as quais Aubrey a ajudara a estudar. Agora já estava de férias, havia acabado de sair da casa da amiga, que havia feito uma pequena festa para celebrar o início do verão. Revirou os olhos ao pensar como Charlie, a namorada de Aubrey, estava a influenciando.
Caminhando a passos lentos para sua casa, acabou passando pelo parque novamente. Notando o garoto conhecido sentado ao banco, ela se aproximou, sentando-se ao seu lado.
- Achei que tivéssemos combinado equinócio e não solstício – ela comentou. Ele se virou para ela, sorrindo.
- Você sabia que hoje vai ser o fim do mundo? – perguntou, encarando a garota, ela apenas acenou com a cabeça, descartando a hipótese – Veio assistir ao pôr do sol?
Ela não queria admitir que só havia parado ali porque tinha o visto, então concordou.
- Você veio sentir o cheiro de terra molhada? – questionou rindo, lembrando-se da explicação que ele a dera na última vez.
- Bem que eu queria, mas não chove há quase uma semana. A terra está seca já. – estava impressionado que ela se lembrasse de sua mania, mas não disse nada.
apenas sorriu, sem saber como continuar. Tinham se passado três meses desde a última vez que haviam conversado, mas ela sentia um impulso de continuar a falar como se tivesse acontecido no dia anterior.
- Por que está aqui então? – perguntou finalmente.
- Minha presença está te atrapalhando? – respondeu, deixando-a vermelha de vergonha, não tinha tido a intenção de ser rude – Estou brincando– riu – Só estou passando o tempo. Esperava que talvez você aparecesse.
- Que honra – sorriu.
- Eu gosto de sua companhia, – isso a fez sorriu ainda mais – Estamos perdendo o pôr do sol – ele comentou, apontando para o céu – E, veja só, está bem mais bonito dessa vez.
A coloração rosa ia, aos poucos, dominando a imensidão acima deles. Ela encarou , que prestava atenção no sol, como se o estudasse. Ele era um garoto bonito para os dezessete anos que possuia. Um pouco magro demais, os cabelos bagunçados e precisando de um corte, ele provavelmente ficaria ainda mais bonito dentro de cinco anos.
- Por que você nunca fala comigo quando nos encontramos no colégio? – ela resolveu questioná-lo, intrigada.
- Você também não fala comigo! – ele acusou de volta, erguendo as sobrancelhas, mas então sorriu – Acho que gosto da ideia de nos encontrarmos nesse ponto em um dia específico.
- Torna mais especial – ela completou e enrubeceu.
- Mas sinta-se a vontade para conversar comigo quando as aulas voltarem.
Os dois sabiam que ela não falaria. Não era por terem vergonha de serem amigos, se é que podia chamá-los assim, afinal tinham tido apenas duas conversas significantes, era só que perderia a magia.
- Você vai estar aqui no outono? – ele perguntou, quando ela começou a se despedir.
- Venha aqui e descubra.

Outono, 2013.
Ela sentiu um pouco nervosa no novo equinócio. Sabia que ele estaria lá. Mesmo já passando três meses desde a última vez que se falaram, ela vira no sorriso que ele lhe dera no colégio no dia anterior que ele apareceria. Era uma terça-feira em plena véspera de prova, mas ela não poderia faltar esse encontro.
Ele já estava ali quando ela chegou, sorriu para ela, mas parecia um pouco cansado. Os dois estavam no terceiro ano agora e precisavam estudar bastante se queriam ser estar na faculdade no ano seguinte.
- Você cortou o cabelo – foi a primeira coisa que falou ao avistá-la.
- Já faz algum tempo.
- É, mas não tive a oportunidade de comentar. Está bonita.
- Foi para meu aniversário – tinha sido na semana anterior, ele tinha sabido por meio de redes sociais e havia lhe dado um impessoal parabéns pela internet.
- Parabéns.
Ela franziu a testa, estranhando que o garoto estivesse tão calado. Da primeira vez que se encontraram, ele a enchera de perguntas, queria saber sobre sua vida, e agora apenas olhava para frente, sem dizer nada. Tudo bem que ela não o conhecia bem o suficiente para dizer que aquilo era fora do comum, mas esperava algo diferente. Afinal, se ele não estava a fim de conversar, para que viera?
- Você está bem?
- Estou só um pouco cansado – murmurou e depois balançou a cabeça – Não, isso é uma mentira. Não estou muito bem, desculpa.
- Não precisa se desculpar. Posso ir embora se quiser.
- Não, fique. Já disse que gosto de passar tempo com você – ele tentou sorrir, mas saiu um pouco forçado – Estou tendo um dia ruim, às vezes acontece, mas ficar junto com outras pessoas ajuda.
ficou ali fazendo-lhe companhia então. Começou a falar do que tinha acontecido com ela nos últimos meses, mais para passar o silêncio do que qualquer coisa. Disse que tinha decidido fazer Comunicação, que durante as férias tinha aprendido a fazer meditação com Aubrey e Charlie e agora estava bem mais fácil se concentrar para estudar. Seus pais ainda estavam juntos e ainda continuavam brigando, mas sua irmã voltara a falar com ela – também já se passara seis meses. Seu aniversário tinha sido agradável e, naquela época, ela estava se sentindo mais realizada do que em qualquer outro momento da sua vida. Ainda estava um pouco receosa quanto ao vestibular, mas vinha estudando bastante e tinha fé que passaria.
- Você é um bom ouvinte, – ela observou, quando percebeu que não tinha muito mais coisa para contar – Bons ouvintes são os que mais precisam falar às vezes – completou, erguendo apenas uma sobrancelha.
- Não estou sendo uma companhia muito boa hoje, né? – ele suspirou – Você não é a única com problemas familiares... – começou.
Foi sua vez de contar à tudo o que tinha acontecido em sua vida. Crescera com uma mãe superprotetora e um pai pouco presente, mas eram, em geral, uma família feliz. Comentou como sua mãe nunca queria lhe deixar sair de casa, com medo que algo lhe acontecesse, que as poucas vezes que convencera sua mãe a lhe deixar ir ao parquinho brincar acarretaram no fechamento deste.
Tudo havia ido muito bem. Até que sua mãe ficara doente. No início, ela tentara disfarçar, não contara nada para ele com medo do que poderia acontecer, mas suas viagens até a metrópole mais próxima se tornavam frequentes cada vez mais e , na época com doze anos, já estava grande o suficiente para entender o que acontecia. Câncer, ela lhe contara depois, quando começara a fazer quimioterapia.
Foram quase três anos de árdua batalha da parte dela. Sempre que parecia estar ganhando, o jogo virava. Tão de repente quanto viera, logo a doença já estava dominando sua vida. Ela parara de trabalhar e agora o pai precisava dobrar os turnos para conseguir sustentar a família e os custos médicos sozinho.
Nos últimos meses de sua vida, ela resolvera parar com o tratamento, que já tinha as chances de sucesso muito baixas. Eles viajaram para a fazenda de seus avós maternos durante as férias. Choveu quase durante a estadia inteira, mas ele teve a oportunidade de passar todos os momentos com sua família e aproveitar antes que ela se despedaçasse para sempre. Quando finalmente parava de chover, tudo o que ficava era o cheiro de terra molhada. Aqueles foram os últimos dias da vida de sua mãe. Era por isso, explicou, que gostava de vir ao parque e ficar sentindo o cheiro, lembrava-o de sua mãe.
escutou a história calada, apenas assentindo.
- Eu sinto muito por sua mãe – comentou, quando ele se calou.
- Tudo bem, já faz mais de dois anos.
Continuou dizendo que, desde a morte da mãe, seu pai havia se afastado cada vez mais. Agora passava mais tempo no trabalho do que em casa, e ficava sozinho quase o tempo todo. Ele gostava de ter companhia, mas agora sua casa era apenas um grande vazio, não havia muito mais motivos para ficar lá. Naquela manhã, ele o pai haviam brigado, pois o garoto queria sair para viajar com os amigos durante as férias de julho. O pai não tinha deixado e ameaçara ir mesmo assim, alegando que o pai nem perceberia, já que nunca estava em casa.
- Por isso não estou muito bem hoje – concluiu – Estou irritado e não quero descontar minha raiva em você.
Antes que pudesse controlar seus movimentos, ela segurou a mão dele, que estava apoiada no banco, confortando-o. Ele retribuiu o aperto na mão e sorriu para ela. Já estava começando a ficar escuro, eles acabaram não aproveitando muito o pôr do sol dessa vez e sabia que logo deveria voltar para casa. Queria, porém, ficar ali fazendo-lhe companhia, conversar mais. Sabia que tinham, implicitamente, concordado em manter os encontros apenas nos equinócios – e talvez solstícios, isso não ficara claro – mas ela queria conversar com ele no dia seguinte, e não esperar mais três meses.
Ela queria beijá-lo, percebeu. Não que não tivesse sentido essa vontade antes, ele era, afinal, um garoto bonito. Mas dessa vez a vontade era avassaladora, o suficiente para que ela afastasse a mão. Ele franziu a testa, estranhando o movimento brusco, mas logo voltou a sorrir para ela.
- Eu acho que vou indo – ela comentou – Está ficando tarde.
Os dois se levantaram do banco, ficando em pé um de frente ao outro. Ela se questionou se ele também sentia vontade de beijá-la. Questionou-se se deveria tomar o primeiro passo. Não tomou, e então ele se aproximou e depositou um beijo e sua bochecha, murmurando uma despedida e se afastando dela.

Inverno, 2013.
Nos meses que se seguiram, eles não pararam de se falar. Acontecera de maneira natural para falar a verdade, começou com um “oi” e uma conversa só para passar o tempo na entrada do colégio, e logo eles já estavam agindo como sempre tivessem sido amigos. Tal mudança despertou certos comentários curiosos dos amigos das duas partes, mas logo se cessaram e os dois mantiveram a amizade sem problemas.
Como não estavam na mesma turma, costumavam se encontrar ao final da aula e conversavam enquanto caminhavam até em casa. Naquele dia, ele estava a esperando na porta de sala quando o sinal bateu. Ele sorriu para ela e passou os braços pelas suas costas, com a intimidade que havia adquirido nos últimos três meses.
- Você sabe que dia é hoje? – perguntou, quando eles estavam saindo da escola.
- Sexta-feira – murmurou irritada com o fato de ter aulas no dia seguinte, mas um pouco feliz por já estar chegando o fim de semana.
- Sim, mas, além disso, é solstício de inverno – anunciou sorrindo – Deveríamos ter mantido a tradição ido assistir o pôr do sol.
- É, mas estávamos no colégio. – comentou fazendo cara de cansada e observando o céu já quase completamente escuro – Perdemos a oportunidade perfeita para matar aula – completou desapontada.
- Mas podemos ir até lá de qualquer forma, relembrar os velhos tempo.
Ela sorriu, achando engraçado o jeito como ele falara. Havia se passado apenas alguns meses, ela duvidava que poderia considerar isso como “velho”, mas concordou e foi andando ao seu lado em direção ao parquinho. estava usando apenas um suéter fino e, nessa época do ano, já começava a ficar frio, então ela passou os braços ao redor do corpo, tentando se proteger do vento gelado, afinal era muito friorenta. Notando seu movimento, rapidamente retirou seu casaco de moletom e entregou para a garota, que inicialmente rejeitou, dizendo que ele ficaria com frio, mas depois acabou aceitando e vestindo-o.
Chegando finalmente ao destino desejado, eles se sentaram no banco de sempre. Dessa vez, porém, nenhum dos dois sabia o que dizer. Nas outras vezes, eles tinham vidas inteiras ou três meses de histórias acumuladas para contar, agora eles se falavam todos os dias e não tinham mais assuntos novos. olhou para baixo, observando que tinha algo cravado na madeira do banco, passou a mão pelo escrito. Já estava escuro, mas as luzes dos postes iluminavam o parque e conseguiu distinguir dois nomes nele.
- Nunca tinha reparado nisso – ela comentou com , apontando para o banco – Será que é novo?
- Acho que nunca percebemos porque sempre ficamos olhando para cima – observou – Ou isso, ou têm outras pessoas roubando nosso ponto de encontro – ele brincou – Talvez devêssemos deixar nossa marca também, deixá-los saber que não os são únicos.
Gostando da ideia, ela abriu a mochila, pegando no seu estojo algo que desse para marcar a madeira. O máximo que conseguiram foi uma caneta e, depois de muito esforço, conseguiram um “ & ” pequeno e bastante desleixado. Eles riram, notando que ninguém além deles iria entender a letra.
- Pronto, agora estamos temos uma marca no mundo – ela concluiu, sorrindo para ele.
Encarando-a nos olhos, ele se aproximou de , chegando o mais perto que podia. Passou um mão pelo seu cabelo, não deixando de reparar como ele era macio, e, em um rápido movimento, colou seus lábios aos dela. Pega de surpresa, ela levou alguns segundos para entender o que estava acontecendo para então corresponder ao beijo.
Não levou muito tempo e os dois já estavam separados de novo, as testas encostadas uma na outra. sorriu para ela, passando a mão pela sua bochecha. Depois de um momento de silêncio, ele se levantou, pegando a mão de para ajudá-la a se levantar.
De mãos dadas, caminharam até a casa dela, onde se despediram com um curto beijo.

Primavera, 2013.
sentiu o primeiro pingo de chuva cair e amaldiçoou por estar tão atrasado. Tudo bem que, com essas nuvens, provavelmente não teria pôr do sol nenhum para ver, isso não era motivo para deixá-la esperando. Eles dois estavam namorando há quase três meses, apesar de não ter tido nenhum pedido oficial por nenhuma das partes, era um fato tão óbvio que nunca existiu nenhuma dúvida para os dois.
Sem vontade de se molhar, ela acabou andando até debaixo de uma árvore, onde se apoiou para esperar. De lá conseguia ver bem seu banco, ainda com o nome deles gravado, eles resistiram bem os últimos três meses e ela se questionava por quanto tempo estariam ali.
Vindo do outro lado do parque, corria em direção a ela, fugindo da chuva, segurando um buquê na mão. Chegando à segurança da árvore, ele parou para respirar e entregou as flores para , sem dizer nada. Ela apenas aceitou, sorrindo.
- Nada mais justo do que flores para celebrar o início da primavera – ele explicou.
- Talvez devêssemos sair daqui, parece que vai cair uma tempestade – ela comentou, após agradecer pelas flores, notando que a árvore não seria o suficiente para protegê-los, visto que algumas pingos já passavam pelas largas folhas.
- Você trouxe guarda-chuva? – perguntou, ela negou – Então talvez seja melhor esperar diminuir um pouco, ou vamos nos encharcar.
Dizendo isso, ele sorriu e a puxou para perto, abraçando-a e provocando reclamações sobre estar todo molhado. Mesmo assim, ela passou os braços por volta do seu pescoço e o puxou para um beijo.
- Feliz um ano de... Conhecimento – ele falou, rindo – Dá para acreditar que passou tanto tempo?
- Bom, se não tivessemos ficado tanto tempo nos encontrando só a cada três meses, ele teria durado mais.
- Não foi tanto tempo assim, sem exageros, .
Mas fora. Esse ano fizera bastante diferença em suas vidas, não só porque haviam se conhecido. Nos últimos seis meses, conseguira reconquistar um relacionamento com o pai, desde que este conhecera e simplesmente a adorara, ela criara uma ponte entre os dois e um assunto para conversar que não estivesse tão baseado na perda. Os pais de estavam finalmente se divorciando, depois de mais de um ano de brigas intensas, e, apesar de doer ver sua irmã ficar tão chateada com o fato, a garota podia agora estudar com calma.
Ela e estavam estudando bastante, e os dois queriam ir para a mesma universidade, apesar de querem cursos diferentes. Ainda estavam bem no meio dos vestibulares, mas acreditavam ter chances de passar. No intervalo dos estudos, sempre saíam com Aubrey e Charlie em encontros duplos, ou passavam tempo com alguns amigos de .
Por algum milagre divino ou fenômeno climático, a chuva parara de uma hora para a outra. O céu ainda estava escuro e, desconfiava, ela provavelmente voltaria em breve, mas os dera tempo para sair de baixo da árvore e caminhar até seu querido banco.
- Parou de chover – ela declarou o óbvio.
- Agora vai vir a melhor parte – comentou, referindo-se à terra molhada.
- Sabe, eu sei que esse cheiro é importante para você por causa de sua mãe – ela começou – Mas, para mim, ele me lembra você – admitiu – Era o cheiro de quando nos conhecemos, e é o cheiro que está agora. Quando você me contou que gostava, achei estranho, mas agora consigo entendê-lo perfeitamente. – ele apenas sorriu, abraçando-a pela cintura e beijando sua testa.
- Sabia que existe um nome para o cheiro que fica depois da chuva? – compartilhou sua recente descoberta – Petricor. Soa mágico, não é?
Internamente, achava que realmente era. Não poderia encontrar outra palavra para descrever tanto os últimos dias que passara com sua mãe quanto os encontros que tivera com , todos marcados por esse distinto detalhe. Talvez fosse coincidência, ou talvez aquele fosse seu amuleto de sorte. O que eles tinham era algo especial e único, uma conexão de imediato. Se aquilo não era mágica, ele não sabia mais de nada.
- Eu te amo, – ele disse, de repente, porque o sentimento se tornara muito forte para guardar dentro de si.
Já sabia que a amava há meses, mas nunca antes tinha a dito com essas palavras.
- Eu também te amo – respondeu e o selou os lábios aos dele, deixando-se ao mesmo tempo, sentir o aroma do ambiente, tão impregnado com o cheiro deles.
Mesmo que o tempo passasse e eles parassem de ir até lá, ou que nunca mais se aproximasse de terra molhada novamente, ela duvidava que algum dia poderia esquecer. Era tão .
- Então, nos encontramos aqui de novo na próxima primavera? – ela brincou, ao se separarem e se começarem a andar em direção a sua casa, com medo que a chuva logo retornasse.
- Só se tiver chovido antes.
No parque, a terra brilhava de umidez e algumas flores começavam a brotar, fazendo juz a estação do ano, e no céu, algumas nuvens negras abriram espaço para mostrar um laranja e discreto pôr do sol.
e estavam ocupados demais para perceber.

Fim.

Nota da Autora: Olá! Confesso que só escrevi essa fic porque realmente queria escrever algo com esse título desde que aprendi essa palavra. Coloquei Petrichor com H porque achei que não existisse em português, mas existe uma página na wikipédia com “Petricor” sem o H em português, mas sei lá, né.
Não sou muito boa em escrever romances fofos, mas não estava a fim de escrever coisas tristes e aí acabou saindo isso, não sei se ficou bom, talvez o final tenha ficado corrido, mas é que não tive muito tempo para elaborar as ideias e escrever.
Por favor, comentem o que acharam!
Beijos,
Flávia
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