Querido Papai






Desculpe, mas não estou aqui hoje para contar uma linda história de amor, amizade ou fraternidade. Infelizmente, venho aqui contar a minha história que não é, nem de longe, a mais bonita ou emocionante que você já leu. Sou soldado do Exército Brasileiro e fui obrigado, por meio da hierarquia e obediência, a cometer o maior erro de minha triste vida.
Desde criança quis ser do exército. Sempre sonhei com os combates, com as guerras, com a emoção de estar defendendo meu país... Minha pátria... Minha honra. Passei toda a minha juventude me preparando fisicamente e psicologicamente para o grande dia: o que eu completaria dezoito anos e me alistaria.
Meu pai, professor de Ensino Médio, tinha muito orgulho de mim. Sempre que podia, quando o orçamento em casa dava, comprava para mim bonecos soldados. Lembro-me, como se fosse hoje, da emoção que senti quando, em uma noite de natal, meu pai me deu o meu primeiro presente: um soldadinho de chumbo. Chorei mares de alegria e não tenho vergonha de dizer isso.
Quando, finalmente, fui chamado para servir, pude sentir que meu pai estava mais feliz que eu – pai, se ao menos o senhor soubesse o que viria a acontecer, talvez não estivesse tão feliz. Naquele dia, nós dois saímos para comemorar. Sentamo-nos em um bar qualquer numa esquina esquecida. Bebemos juntos, sorrimos, abraçamo-nos. Não éramos apenas pai e filho, mas, sim, dois melhores amigos. Como eu queria que tudo isso fosse apenas um sonho.
Meus primeiros dias na corporação foram incríveis – hoje vejo a lavagem cerebral que faziam conosco. Tudo seguia a mais perfeita ordem. Obediência acima de tudo, tínhamos que seguir toda uma hierarquia. O comandante mandava, nós baixávamos a cabeça e executávamos exatamente o que nos fora ordenado. Afinal de contas, eram ordens superiores.
Certa vez... Bom, ainda me é difícil falar sobre isso. Mesmo que o senhor, pai, tenha me perdoado, mesmo que o tenha me consolado depois, nunca me esqueci do que eu fiz. Porém, já que comecei a contar, tenho que terminar.
Certa vez, o nosso comandante nos mandou para uma praça para conter uma rebelião. Essa rebelião era na verdade um protesto, em que civis pediam aumento no salário dos professores. Nós, soldados, fomos obrigados a jogar naquelas pessoas bombas de gás e, se preciso, usar a força. Infelizmente, um homem se aproximou de mim correndo e não o reconheci. Atirei na perna dele para imobilizá-lo. Quando o senhor gritou de dor, percebi quem era. Fiquei imóvel. Não podia chorar, porque soldados não choram. Não podia ajudá-lo, porque estaria descumprindo ordens superiores. Mas aquele homem ao chão era o meu pai.
Aquele homem ao chão me deu a vida, ensinou-me a respeitar, a obedecer, mostrou-me a vida. Aquele cara ao chão era o meu melhor amigo, meu companheiro. Ele era a minha vida. Pai, se naquele dia tirei minha farda e rasguei, foi pelo senhor. Se naquele dia desrespeitei o meu superior, foi pelo senhor. Se naquele dia fui considerado um traidor e hoje não faço mais parte da corporação, foi amor. Amor ao senhor e piedade pelas pessoas que morreram e, como o senhor, pai, ficaram feridas!


Fim



Nota da autora: -





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