Reminisce






Passei a mão pela capa grossa do livro à minha frente. Era surreal.
Última vez que eu estivera ali fora sete anos antes. Numa quarta-feira escura que eu jamais vou esquecer. Chovia lá fora, enquanto eu chovia por dentro. Depois de uma madrugada tão bonita quanto triste, eu me sentei no último corredor da minha livraria preferida e fiz a decisão mais difícil que me lembro de jamais ter feito.
Ir para Cambridge. Deixar para trás família, amigos, uma vaga na Brunel e, o mais difícil, ele.
Pesei os prós e contras mais uma vez, como havia feito quase todas as noites dos últimos sete anos, e cheguei à mesma conclusão: a mais difícil e, provavelmente, a mais inteligente.
Tampei a caneta e organizei os livros restantes, deixando as coisas como eu gostava em todos os aspectos da minha vida: tudo bem alinhado. Então me levantei e meu coração parou por um segundo. Como naqueles elevadores de parques de diversões, que te jogam a cem metros de altura e por um segundo você pensa que sua alma ficou lá em cima.
Porque a pessoa parada à minha frente fora, uma vez, responsável por fazer meu mundo girar, mas era também a única que jamais fizera meu mundo parar. Ele levantou o livro que tinha em mãos, mais uma cópia igual às incontáveis que tinham passado pelas minhas mãos aquele dia.
– Tem tempo pra mais uma assinatura? – perguntou, e o som da sua voz ainda era exatamente como eu me lembrava. – Para um velho amigo? – acrescentou, me oferecendo aquele sorriso que jamais falhara em acelerar meu coração.
Eu me sentei de novo, apenas para ter certeza de que não cairia.
Peguei a caneta de volta com as mãos trêmulas e gaguejei, enquanto ele me estendia o livro:
– Para quem?
– Que tal uma dedicatória sincera para o melhor professor que você já teve? – ele sugeriu, com um sorriso doce cheio de significado que imediatamente me levou de volta para aquela terça-feira decisiva.


Flashback

ouviu seu telefone tocar e se moveu rápido para atendê-lo antes que Justine ouvisse, mas seria impossível. Jogou as cobertas para o lado e murmurou:
– Já volto.
Era mais de meia noite e aquilo só podia ser um mau sinal. O tipo de notícias que se recebe a essa hora não costuma ser o melhor. Mas quando viu o nome no visor, sentiu a adrenalina correr pelo corpo. De todas as possibilidades que lhe haviam passado pela cabeça, aquela definitivamente não fora uma delas. Eles tinham um trato. Era quem ligava para primeiro, sempre. Nunca o contrário. A não ser que Justine estivesse viajando, mas não era o caso e sabia disso. O que o levou mais uma vez à conclusão inicial: algo não estava certo.
Tentou sair logo do quarto sem que Justine percebesse sua pressa, e só quando já tinha pisado na sala é que teve coragem de levar o celular ao ouvido:
– Alô? – sussurrou.
Fez-se silêncio por um segundo.
– Oi – ela disse apenas, a voz baixa e murcha.
– Por que você tá me ligando tão tarde?
– Eu só... – ela começou, mas deixou a voz morrer num soluço. se perguntou se ela estaria chorando. Nunca tinha visto sua menina chorar.
– Tá tudo bem? – perguntou. – Sabe, eu não posso falar por muito tempo, a Justine...
– Dá pra gente não falar sobre ela? – interrompeu, e repentinamente o choro na sua voz ficou claro como água. – Pelo menos por uma noite?
– Claro – concordou, a culpa por ter tocado no nome de Justine o esmagando inteiro. – Você tá bem? – repetiu.
– Eu... Ah, , eu só... Eu preciso te ver – ela pediu, soando tão pequena e vulnerável que ele quis jogar tudo para o alto simplesmente para poder abraçá-la.
– Ei... Não chora, menina.
Ela ofegou mais forte ao ouvi-lo chamando-a daquela maneira que fazia seu coração se aquecer e ao mesmo tempo se partir em pedacinhos tão pequenos, que ela às vezes duvidava que conseguiria juntá-los algum dia.
– A gente pode se encontrar?
– Agora? – surpreendeu-se. – Menina... Você sabe que eu não posso fazer isso agora – negou, sentindo-se o maior imbecil da Terra.
– Por favor – disse simplesmente.
, eu...
– ela interrompeu de novo. – Eu nunca te peço nada – soava mais adulta que nunca e, mais que isso, mais machucada que nunca.
E era verdade. nunca havia pedido nada do tipo. Nunca ligava em horas inconvenientes, nunca cobrava atenção, nunca dava chilique quando Justine ligava e ele tinha de ir embora e deixá-la para trás numa cama grande demais para ela sozinha.
E num surto repentino de ternura, com a imagem torturante da sua menina deitada na cama, chorando por causa dele, prometeu:
– Chego aí em quinze minutos.
Desligou o telefone e só então se deu conta da situação em que havia se metido. O que diria para Justine?!
Começou a vestir a calça lentamente, esperando até que ela perguntasse para que tivesse tempo de elaborar a mentira mais detalhadamente.
– Aonde você vai? – ela finalmente indagou, apoiando-se sobre os cotovelos para observá-lo.
– Buscar o Brian – mentiu, refreando o impulso de socar o próprio estômago por ser tão medíocre. – Ele bebeu demais, não pode dirigir.
– Ah, ... E desde quando você virou babá? – ela se queixou, afundando-se nas cobertas novamente.
– Meu amigo precisa de mim, Justine – justificou, dando de ombros. Não era inteiramente mentira. Só o gênero do sujeito.
Quando já tinha alcançado a porta, parou, ao ouvir a voz da noiva:
– Eu amo isso em você. O quanto você é leal.
E isso foi o suficiente para que se dirigisse à porta do apartamento o mais rápido possível, antes que sua cabeça explodisse e ele se afogasse naquele mar de culpa, dúvidas e mentiras.
Dirigiu apressado pelas ruas até parar em frente ao prédio dela e mandou uma mensagem. Não esperou muito tempo, talvez ela já estivesse na portaria, ou talvez a ansiedade estivesse fazendo o tempo voar, mas esses pensamentos banais sumiram da sua mente no instante em que viu a garota caminhar em direção ao seu carro, os braços em volta do próprio corpo num abraço solitário e os olhos quase sumindo pelo inchaço.
E quando ela entrou, bateu a porta do carro e o olhou com aqueles olhos que pingavam tristeza – literalmente – pensou que fosse passar mal. Passou os braços fortes em volta de sua menina e a puxou para perto carinhosamente. Ela chorou mais alto, as lágrimas encharcando o moletom que ele usava e o corpo tremendo contra o dele.
E nenhum dos dois pensou sobre quanto tempo aquilo durou. Mas o suficiente para que as respirações se normalizassem e os olhos implorassem por contato.
Então se virou para encarar melhor o professor e percebeu que ele parecia desolado. Por um segundo, sentiu-se como se estivesse se olhando num espelho, encarando a própria dor. Mas aquilo não fazia sentido. Aquela dor era dela.
Mal sabia ela o quanto a própria imagem, quebrada e angustiada, rasgava por dentro.
– Me beija – pediu subitamente. E ele obedeceu sem pestanejar. Puxou o rosto da sua menina para mais perto, com delicadeza, e a beijou apaixonadamente.
Depois de alguns segundos – o suficiente para que sentisse o gosto dele, mas não o suficiente para que perdesse o controle – pôs a mão no peitoral de e o empurrou de leve.
– A gente precisa conversar.
Ele riu sem humor.
– Eu detesto conversar... – admitiu baixinho.
– E eu detesto dividir você com a sua noiva – rebateu e ele engoliu em seco, pego de surpresa pelas palavras cruas. – Você sabe como eu me sinto, não sabe?
... Eu sei que isso tudo te machuca, e...
– Não, – ela interrompeu. – Você sabe como eu me sinto, não sabe? – repetiu. Observou-o abaixar a cabeça e assentir devagarinho. E, fazendo jus a todas as horas que havia gastado se preparando para dizer tudo que precisava, falou: –
Eu amo você, .
Ele levantou o rosto num movimento rápido, buscando o olhar dela.
- Acho que eu não quero ouvir o resto do que você tem a dizer.
Ela sorriu triste.
– Mas você precisa.
– Menina... – chamou, acariciando sua bochecha de leve, enquanto observava cada detalhe do seu rosto. – Eu não suporto a ideia de perder você.
– Não dificulta as coisas – ela pediu, fechando os olhos para não ter de encará-lo.
encarou sua menina de olhos fechados por alguns segundos. Queria poder parar o tempo bem ali, onde ainda havia espaço para um na vida do outro, onde tudo à volta deles dormia e o mundo era só deles por um instante. Sem sua noiva para atrapalhar, sem os pais dela para proibir, sem a escola para ameaçá-lo. E naquele momento, tudo aquilo lhe pareceu insignificante. Que lhe importava perder o emprego, arruinar o casamento, receber alguns processos?
E então um carro passou lá fora, rápido, barulhento, e a realidade voltou num golpe violento e todos os riscos o engoliram.
abriu os olhos novamente e ele pôde ver no seu rosto o mesmo olhar de insegurança que vira quase um ano antes. Ainda se lembrava de como a palma da mão dela suava e como sua voz tremeu quando ele tirou sua roupa e viu a calcinha azul que não combinava com o sutiã listrado cor-de-rosa. E ela dissera:
– Eu, uh... Nunca fiz isso antes – engolindo em seco. – Tem problema?
E agora ela estava ali, parecendo tão insegura quanto naquela noite. Com a diferença que um ano atrás ela estivera insegura pelo começo do que seria a experiência mais intensa que ambos jamais vivenciariam. Agora, no entanto, estava insegura pelo fim.
Como se lesse os pensamentos do professor, revivia em sua mente exatamente a mesma noite. Aquela em que, num único momento de loucura nos seus breves 18 anos, cedera às investidas do professor de literatura, que durante um ano havia lhe indicado os livros mais incríveis e lhe proporcionado as conversas mais interessantes. E no que foi o único momento impensado, não planejado e irresponsável de sua adolescência, rendeu-se à atração que sentia por aquele homem que, coincidentemente, naquela noite havia bebido um pouco além da conta para tirar da cabeça o término com a namorada.
E quando ela confessou o motivo do nervosismo ele sorriu com doçura, terminou de abaixar sua saia e beijou cada pedaço de pele que pôde dos seus pés à sua testa. E em seguida, com todo o carinho do mundo, mostrou-lhe dor, prazer, amor.
E voltou a procurá-la, na semana seguinte, tomando o cuidado de levá-la para o próprio apartamento, onde ninguém da escola poderia vê-los. E enquanto ele ainda pensava na ex e ela não queria pensar em ninguém, combinaram que aquilo poderia acontecer novamente, assim como poderia muito bem não acontecer mais.
E estaria tudo muito bem, se nós não soubéssemos muito bem que esse tipo de acordo nunca dá certo para ambas partes.
Então quando, semanas depois, e a noiva reataram, se surpreendeu com a sensação de soco no estômago que aquela notícia lhe causou. E ela percebeu que as aulas de literatura perderam um pouco do brilho, porque enquanto assistia aquele homem bonito, inteligente e maduro falar, não podia mais ansiar pelas horas que passaria com ele na cama, trocando beijos e opiniões literárias.
Em compensação, sentiu borboletas no estômago como em seu primeiro beijo quando ele ligou de novo, num momento de fraqueza e cansaço pelas brigas com Justine. E se encontraram de novo e de novo e de novo, até que as ligações escondidas e os encontros apressados se tornassem um hábito. E se viu consumida pelo amor, que lhe roubava horas de sono em troca de sonhos acordada; que lhe fazia sentir que a realidade era melhor que qualquer fantasia; que fazia o mundo parecer muito melhor quando estava nos braços dele.
Até que o ensino médio chegava ao fim e a ideia da despedida surgiu. Começou a se perguntar se aquilo tinha algum futuro e uma dúvida torturante passou a se fazer constante: aquilo só havia ido tão longe porque ela era virgem? Se não tivesse sabido que havia sido sua primeiro vez, ele teria se dado ao trabalho de ligar novamente? Atormentava-lhe a ideia de que tudo aquilo fosse somente fruto de culpa, da responsabilidade por ter sido o primeiro.
E aos poucos se viu mais uma vez consumida pelo amor, mas dessa vez nada parecia mais tão maravilhoso. Era um amor que lhe impedia o sono para passar a noite imaginando nos braços da noiva; que fazia as horas sem ele parecerem inúteis e sem graça; que lhe fazia odiar o próprio reflexo no espelho e sentir que nunca seria boa o suficiente para ser amada.
E depois de pensar muito, tomou a decisão que já devia ter sido tomada há muito tempo.
– Eu amo você, mas isso não é o suficiente – declarou.
E queria contestar. Queria insistir, lutar por ela, convencê-la. Mas sabia que não tinha o direito. Sabia que fazia mal à garota toda vez que tinha que ir embora com pressa, e que ela se sentia sozinha sempre que Justine começava a ficar mais desconfiada e ele precisava dar um tempo nos encontros. Porque a verdade é que ele não iria romper com Justine. Estavam juntos há seis anos, estavam na mesma fase da vida, tinham os mesmos gostos. amava Justine. Conseguia imaginar sua vida ao lado dela, o dia do seu casamento e os filhos que ela tanto queria correndo pela casa.
Mas aí vinha e, droga, ele amava sua menina também. Sentia sua falta quando não podiam se encontrar e pensava em como ela era compreensiva e bem humorada todas as vezes que brigava com Justine. Mas o que é que ia fazer? Um homem de trinta e dois anos, largar uma relação tão longa, perder o emprego, assumir um relacionamento com uma garota de 17 anos? Não fazia nem sentido. E que digam que o amor não tem idade, não tem mesmo, não. Mas também não tem certezas. Porque enquanto tinha sua carreira consolidada e estava pronto para se estabilizar, se casar, talvez ter filhos, estava terminando o colegial, pronta para começar na faculdade, para viajar, conhecer pessoas novas e descobrir quem ela era e quem queria ser. E ambos descobriram ali que o amor não é, apesar do que nos dizem os filmes românticos, a resposta para tudo.
Então assentiu com a cabeça devagar, porque já tinha sido egoísta demais todas as vezes que tornou a seduzi-la, mesmo sabendo que no fundo lhe faria mal. Levantou os olhos para ela, reconhecendo que havia chegado a hora de deixá-la ir.
E ver concordar foi uma avalanche de sentimentos controversos. Porque ao mesmo tempo em que havia passado horas ansiando por aquilo, vê-lo acatar sua decisão a fez sentir com força o que acabara de acontecer. Aquilo foi a concretização do fim, e sempre achara finais especialmente tristes. Seja de anos, de livros preferidos ou de primeiros amores. Sentiu-se repentinamente perdida. E, desolada, perguntou:
– E agora?
E ao contrário do silêncio vazio que esperava, soou decidida a voz de , que sempre sabia o que fazer e falar:
– Agora você vai segurar minha mão bem forte, enquanto eu dirijo até o mirante onde eu te beijei pela primeira vez e vou te beijar pela última, como nenhum homem jamais vai te beijar. Vamos ligar o rádio, ouvir Cowgirl in the Sand, enquanto cantamos a plenos pulmões, mesmo que você reclame de ser desafinada, e eu vou te prometer que vou me lembrar de você todas as vezes que eu ouvir essa música, e você de mim – e sorriu docemente. – Então eu vou te deixar em casa, dizer que te amo, e você vai sorrir aquele sorriso que me faz querer jogar tudo pro alto e continuar dirigindo com você, sem destino. Mas ao invés disso vou respirar fundo para guardar bem seu cheiro, você vai dizer que me ama também e nunca mais vamos nos ver.
E naquele instante, enquanto assentia com a cabeça, percebeu que era a pessoa que ela nunca pararia de procurar sempre que estivesse no meio de uma multidão.

End of Flashback


Fechei a capa do livro depois de assiná-lo. Devolvi-o a e ele me olhou por um tempo, antes de perguntar:
– Posso te convidar pra um café?
Dei de ombros.
Ele nunca me pedira permissão para virar minha vida de cabeça para baixo. E ainda assim, eu deixara. Que sentido faria agora negar um simples café?
Assenti com a cabeça e seguimos em silêncio para as escadas que levavam ao café no segundo andar da livraria. Antes que eu tivesse tomado coragem para dizer qualquer coisa, pediu um expresso para si e um de chocolate com laranja para mim.
Ele ainda se lembrava do meu preferido.
Mal sabia ele que eu não tomava aquele sabor havia sete anos, pois o gosto me lembrava dele.
Sentamo-nos. Eu ainda um pouco desconfortável, completamente indecifrável. Até que eu me arrisquei:
– Não esperava te ver aqui.
– Você faz o lançamento do seu livro na nossa livraria preferida e não esperava que eu viesse? – ele ergueu as sobrancelhas, e eu me senti subitamente patética com a ideia de que pudesse parecer que eu havia escolhido o lugar na esperança de encontrá-lo. Mas aquele lugar era significativo para mim.
– Você disse que nunca mais nos veríamos.
– Eu disse – ele disse apenas, concordando lentamente com a cabeça. – Eu já disse tantas coisas... – e suspirou.
O garçom trouxe nossos cafés e eu precisei respirar fundo antes de sentir aquele gosto nos meus lábios novamente.
– Não pensei nem que você fosse ficar sabendo – tentei me explicar. – Quero dizer, não é como se eu fosse o mais novo best-seller do New York Times...
– Página 62 – ele disse repentinamente, e eu me perdi na minha frase.
– O quê?
– Página 62 – ele repetiu e abriu o livro que tinha em mãos, estendendo-o à minha frente sem hesitar, como se tivesse ensaiado o gesto. Então recitou, de cor, sem desviar os olhos dos meus:

em mil páginas abertas
sobre um lençol amassado,
descobri um gosto
um toque
um mundo
que jamais teria encontrado.

olho em volta.
remexo
reviro
revolto.
te afrouxo, mas não te solto

um sorriso despedaçado,
o amor escorria dos olhos,
a música alta no rádio
tinha pressa de terminar.
só não pense, Menino,
que eu me fui por não te amar


Paralisada, sustentei seu olhar. Ah, seu olhar. Era firme, silencioso e bonito, bonito como sempre fora! Permiti-me olhar atentamente para seu rosto. Rugas bem pequenas haviam crescido nos cantos de seus olhos. A barba, mais comprida do que eu jamais vira. Observei seus lábios, que eu um dia beijara com tanta vontade, tanta paixão, e tentei me perguntar se eu ainda sentia aquela vontade.
Mas era difícil saber o que eu sentia. Tudo parecia um pouco dormente.
– Como vai a sua esposa? – balbuciei, desviando os olhos para meu café.
demorou um pouco a responder e pigarreou antes de dizer:
– Justine está ótima. Mas é esposa de outra pessoa agora.
Eu ainda sentia seu olhar sobre mim, incansável desde que nos sentamos à mesa.
– Sinto muito – falei baixinho. E eu sentia, de fato. Sempre pensara que se tinha de perdê-lo para ela, que ela fosse, ao menos, a coisa maravilhosa que ele pudesse ter. - Por quê?
– Porque as coisas... desandaram em certo ponto.
– Entendo – respondi apesar de não entender porcaria nenhuma.
Eu fui embora, não fui? Deixei-os livres para serem felizes juntos. O que é que havia para desandar?
– Você ainda pensa em mim? – ele disparou, e eu engasguei com o café quente.
– Há quanto tempo vocês se separaram? – rebati, ignorando completamente sua pergunta.
sorriu triste quando percebeu o que eu tinha feito.
– Há quanto tempo você parou de me amar?
Eu ri fraco, porque era tudo que eu conseguia fazer. Girei a cabeça para os lados, massageando meus ombros e me dando tempo sem precisar olhá-lo nos olhos. Ainda rindo fraco, eu me sentia desesperada.
– disse seriamente, num golpe de coragem. – Você... Você não tem esse direito – o sorriso e as lágrimas agora batalhavam para ver quem tomaria conta do meu rosto. – Você não tem o direito de aparecer sem dizer nada, comprar a porcaria do café que eu gostava há sete anos e perguntar se eu te amo! – exclamei, indignada.
Ele silenciou e uma lágrima escapou pelo canto dos meus olhos. Continuamos assim por algum tempo, a agitação no meu interior crescendo em direção a uma tempestade. Até que, bem baixinho, bem suave, ele perguntou:
– E por que não?
– Porque assim você me quebra. – admiti, olhando para baixo.
– Você me quebrou quando partiu – admitiu também, e eu precisei erguer o rosto para ver seus olhos azuis bonitos e marejados.
– Eu precisava.
– Eu sei – ele concordou rapidamente, fungando antes de um fio molhado descer solitário pelo seu rosto. Eu nunca havia visto chorar. E, suspirando, insistiu, os olhos azuis parecendo mais azuis por estarem molhados: – Mas eu preciso saber... Se você ainda me ama.
... – chamei, dando de ombros. – Eu nem sei se ainda te conheço! – a exclamação veio mais alta que eu esperava, um pouco indignada. – Eu não sou mais a mesma. Não podia continuar para sempre bêbada na ilusão de que amor é suficiente – justifiquei, rindo fraco de novo.
– Talvez seja.
– O quê?
– Suficiente – repetiu. – Talvez seja suficiente.
Era engraçado ouvi-lo perguntar a questão que eu passara anos treinando meu cérebro para contornar. Se eu o amava? Eu pensava sobre ele. Eu ainda guardava na carteira uma foto dele quando jovem. Ouvia Neil Young como ele me ensinara, comia os cerais que ele gostava pela manhã, relia os livros que líamos juntos, ainda que pela milésima vez. Escrevia sobre ele e imaginava o quanto ele adoraria a vista cada vez que eu viajava para algum lugar legal. Lembrava-me de seus olhos quando tinha saudades de casa e de seus lábios quando me sentia sozinha.
– Porque eu amo você – disse lentamente, encarando-me com certeza nos olhos. Suas palavras me tiraram dos meus pensamentos e as próximas saíram roucas, tímidas, quase sem que eu nem percebesse o caminho delas até minha boca.
– Eu também amo você.
E eu vi se aproximar de mim, fazendo meu coração acelerar. Ele estendeu a mão até a minha, e seu toque foi como um choque. Correspondi ao seu aperto forte, tomei fôlego, um pouco trêmula, e observei sua outra mão subir por meus braços em direção ao meu rosto. E, confesso, a visão me encheu de medo. Porque enquanto eu via seu rosto se aproximar de mim, eu me peguei imaginando se eu estava prestes a estragar tudo. Estragar os anos que eu passara me focando em outras coisas, estragar um dia que era uma conquista para mim com aquela recaída. Mas, mais que tudo, tive medo de estragar a melhor lembrança que eu tinha. Porque era isso que era. A lembrança mais doce, mais selvagem, mais gostosa que eu jamais tivera. E eu não queira manchá-la com arrependimentos ou decepções.
E se agora tudo fosse diferente?
Então seus lábios pousaram nos meus, quentes e firmes, exatamente como eu me lembrava. Suas mãos acariciaram meus cabelos, exatamente como eu gostava. E meu coração perdeu o ritmo, exatamente como fazia toda vez que eu me sentia tão feliz quanto me sentia em seus braços.
– Deixa eu te fazer feliz? – ele pediu baixo, enchendo meu rosto de beijos suaves. – Só feliz, desta vez – prometeu. – Deixa?
Ele nunca me pedira permissão para virar minha vida de cabeça para baixo. E ainda assim, eu deixara.
Mas pediu permissão para colocar tudo nos eixos novamente. E tudo que eu mais queria no mundo era deixar.
Enchi a boca de amor antes de dizer:
– Deixo.
E nenhuma promessa jamais foi cumprida tão deliciosamente.

Fim.

Atualização enviada em: 19 de Abril de 2015.


Nota da autora:
Desculpem pelo poema podre. Não aguentava mais ver essa fic aqui parada há tipo um ano, faltando só uma cena final.
Espero que gostem e espero conseguir atualizar FTTF, Deliverance e Verdades Inventadas logo :)

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Xx
Bih



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