Autora: Maay Marmo
Beta: Nati

1° Capítulo
Welcome to Hell


Eu observava a calmaria das ruas por onde passava através do vidro do carro por onde escorria pequenas gotas de chuva. O vento era bruto, o que fazia as árvores balançar constantemente. Seguia rumo a nova escola, em um novo país. Vim visitar meu pai, que atualmente é casado com outra mulher, a qual nunca tive oportunidade de conhecer, exceto por hoje a tarde. Minha melhor amiga estava ao meu lado esquerdo do banco, perdida em pensamentos, com fones no ouvido. Havia passado a noite na casa dela, decidira me habituar antes de passar a ficar na nova casa de meu pai e conhecer minha madrasta e o meu novo meio irmão, essa sempre fora a pior parte, conhecer e adaptar-se a uma nova família, longe dos mimos da minha mãe e dos vários conhecidos que deixei pelo Brasil, pelo menos temporariamente. O sol baixo da manhã começou a aparecer por meio as cinzas nuvens carregadas de chuvas, a qual manteve a rua livre de pedestres.
Desci do carro e agarrei ao braço da minha amiga, acompanhando seus apressados passos dentro do amplo pátio escolar. Tudo era absolutamente novo, a última vez em que vim pra Londres minha mãe e meu pai ainda formavam uma família, porém, agora cada um possuía um novo par, e eu ainda teria que se acostumar com isso. Os estilos e a pele absurdamente clara em que as pessoas traziam em suas faces fazia com que eu me sentisse estranha por ali, porém, ainda tinha a amizade de , mesmo após ter voltado para o Brasil, a internet e o telefone eram nossos aliados durante esse longo tempo em que nos afastamos.
- Tá todo mundo me encarando - sussurrei para , encarando meus próprios pés enquanto andava, antes que ficasse vermelha de vergonha.
- São um bando de enxeridos, mas, por outro lado, é seu primeiro dia, é normal que isso aconteça. - sorria.
Adentramos nossas respectivas classes que, por azar, eram separadas.
Me acomodei na terceira carteira em frente a mesa do professor e, enquanto nenhum deles aparecia, analisei o lugar e me senti novamente deslocada. As garotas encaixavam-se ao tipo magro, com a pele angelicamente clara e cabelos igualmente desbotados, o que as tornavam verdadeiras Barbies. Os garotos não ficavam atrás, com absolutos olhos claros, musculosos, morenos e pele clara, típico capitão do time de futebol. Aquele realmente parecia um colégio de seriado, no qual jamais pensaria que conseguiria entrar. Para falar a verdade, nem eu sabia como entrei, meu pai devia ter gasto uma boa grana com a matrícula ou simplesmente eu mesma que não estava acostumada com esse gênero de vida. Brasileiros são muito diferentes na questão do ensino, e até mesmo os próprios alunos.
Observei um rapaz ao fundo, que em geral me chamou muito a atenção, ele com certeza era o popular e desejado do colégio, o que fez eu me odiar por estar, em partes, paquerando um deus grego que não era pro meu bico, e além do mais, me apaixonar não estava na lista da nova vida. Ele possuía olhos castanhos penetrantes e firmes, cabelos morenos e bagunçados em um topete, ao mesmo tempo perfeitamente ajeitado; a pele dele se destacava por ali, ela não era tão branca quanto aos demais, e ele usava uma jaqueta preta e branca estilo colegial, o que o deixava fortemente descolado. Balancei a cabeça e desviei o olhar do sorriso do garoto que conversava distraidamente com as garotas oferecidas que sentavam ao redor dele. As conversas cessaram assim que uma senhora com aparência bem velha adentrou o local com uma cara não tão boa.
- Bom dia - a voz firme da senhora ecoou o local e um sorriso se formou ao lábio da mesma ao me encarar. Droga!
- Olhe só, aluna nova! Apresente-se, querida. - Xinguei internamente a minha falta de sorte e sorri de canto.
- Me chamo , vim do Brasil para morar com meu pai. - Sorri para a professora e abaixei o olhar para a caneta.

***

A aula acabou e um grande grupo de meninas em volta do galãzinho impedia a saída dos alunos. Isso era patético, meninas bobinhas que achavam que ganhariam crédito puxando o saco do popular. Talvez até ganhassem. Não duvido nada desse tipo de gente. Quanto mais eu observava as coisas por ali mais eu tinha certeza de que aquilo me lembrava os típicos colégios de seriados. Bufei encarando a grande aglomeração que aquele maldito playboy estava causando.
- Dá pra desempacar a saída? - Cutuquei uma morena cheia de curvas que estava com seu grupinho de domadas em volta.
- Mas já chegou botando ordem, novata? Nem você, nem nenhuma autoridade censura o que eu quero fazer. - Ela sorria como quem acabou de ganhar uma briga. Briga que mal estava começando.
- E quem disse que eu quero controlar o que a putinha do colégio faz ou deixa de fazer? Até porque gente desse tipinho age sempre igual, tão previsível. - Cruzei o braço e sorri. Pouco me importei se isso acabasse na diretoria, alguém precisava abrir os olhos daquela garota. A morena avançou e raciocinava uma resposta a altura, abriu a boca, levantou o dedo no meu rosto, porém foi defendida pelo super-hero, oh! Que romântico.
- Baixa a bola aí, pirralha. Só porque você não tem belas curvas e gostosura não é preciso deixar a inveja falar por você. - O rapaz estava com os braços cruzados e sorria debochado, tirando sarro da minha cara. Encarei os intensos olhos castanhos que ele possuía, agora levemente brilhoso devia aos risos.
- Me poupe. - Empurrei a morena e me espremi passando pelas outras Maria-vai-com-as-outras que riam debochando de mim.
- Ficou sem resposta, querida? - ouvi o sem cérebro gritar e abraçar de lado a vadiazinha. Sério que ele disse isso? Que coisa mais infantil! Como se me faltasse argumentos para atingir aquele imbecil.
Segui até a saída sem a mesmo, porque agora sim eu iria para a nova família de papai. Avistei um homem com a barba baixa e extremamente bem arrumado. Era ele.
- Papaaaai! - Corri em sua direção de braços abertos, quanta saudade disso. Papai era quem brincava comigo todos os fins de tardes, quem me buscava na escolinha e que entendia meus desejos. No fundo eu estava enciumada, não queria que essa nova noiva tomasse meu lugar e eu nem ao menos sabia se meu novo meio irmão era criança, se for, ele teria o dobro da atenção e ainda teria a sorte de ter um novo pai como o meu.
- Poxa, como você tá enorme. - Papai me apertava tanto quanto eu o apertava. Passar um tempo aqui começou me parecer uma boa ideia.
Entramos no carro e conversamos sobre as novidades que tínhamos. Era um longo tempo para se recuperar. Pelo menos para mim.
Em menos de cinco minutos estávamos estacionando no enorme quintal da casa deles. O gramado era baixo e extremamente verde, com pedras que formavam uma trilha até a porta de entrada. Ao lado esquerdo tinha uma piscina bem cuidada e um canteiro com rosas mais à frente. A casa era enorme com seus dois andares, e quatro sacadas davam pra ser analisadas, com certeza de possíveis quartos. Era definitivamente puro luxo. Não me achem boba, só não estou acostumada a ver orçamentos assim pelo Brasil.
- Uau! - Foi a única coisa que consegui dizer enquanto fechava a porta do carona.
- É lindo aqui, né? Comprei pensando em vocês. - observava também os mínimos detalhes da casa, com a mão na cintura.
Segui papai para dentro, segurando a mochila do colégio em um ombro só, minha mala foi trazida pelo pai da depois que nos deixou na escola.
O primeiro cômodo era uma sala de estar. A televisão de LED ocupava o centro da estante escura da sala. O sofá branco de felpudo quebrava o escuro do ambiente, juntamente com as paredes cor de creme cercada por retratos e quadros.
- Me dê sua mochila que eu vou deixar no seu quarto, sente por aí que eu já desço, vamos esperar e Ester chegarem para vocês se conhecerem logo. - Papai sorriu e, sem demora, correu escada à cima.
Fiquei observando os cômodos ao lado da sala onde eu estava e tudo era impecável e lindo, porém uma coisa não saía da minha cabeça, aliás, algo corroía meu estômago, ansiedade. ? Era esse o nome do meu novo irmão, não seria mais filha única.
- Pode ligar a TV, filha. - Acordei do devaneio com papai.
- Não, está tudo bem. - Saquei o celular do bolso e fui checar as mensagens das minhas amigas. Elas não poderiam me visitar, pois não eram fluentes no idioma daqui.
A porta se abriu e dei de cara com ele, é isso mesmo, o super herói de minutos atrás. Isso simplesmente não podia estar acontecendo. Droga! Minha sorte não estava a favor mesmo, puta que pariu.
O garoto me encarava com a mesma cara surpresa e perplexa que eu.
- O que ela faz aqui? - proferiu ao papai.
- Ela é , minha filha. - me abraçou de lado e sorriu.
- Você? - arregalou os olhos.
- Você? - imitei o tom de voz e rolei os olhos.
- Érr, vocês já se conheciam? - Papai franziu as sobrancelhas.
- É, pelo colégio - respondi com descaso, me amaldiçoando por isso.
- Que bom então, já são colegas! - Papai sorria empolgado e caminhou até uma mulher de estatura média, não muito velha e com um rosto muito bonito, tinha longos cabelos loiros e sorria enquanto me encarava.
- Essa aqui é Ester, filha, minha noiva. - sorriu para mim.
Caminhei até ela e cumprimentei-a com um beijo e um pequeno abraço.
- Prazer, Ester - falei desfazendo o abraço.
- O prazer é meu, querida. - Ester sorria simpática, uma boa mulher, ao contrário do filho.
- Bom, agora se quiser subir pode ir, você deve estar cansada. - Papai sorriu e eu assenti.
- Seu quarto é o segundo, de frente com a escada.
Sorri de lado e subi. vinha logo a trás e eu não conseguia me conformar no rumo em que as coisas por aqui estavam tomando.
- Hey, pirralha. - Parei em frente a minha porta e encarei , que sorria travesso.
- Como o destino é irônico, né? Bem vindo ao inferno. - Ele alargou ainda o sorriso e abriu a porta do quarto ao lado, me deixando parada em frente a minha.
Entrei no meu quarto e apreciei o tamanho. A cama com um lençol roxo coberto por uma colcha roxa escura. Uma escrivaninha e um guarda roupa branco. Minhas malas estavam em cima da cama e eu não tinha ânimo nenhum de arrumar tudo aquilo, apenas peguei as roupas que usaria para me trocar depois do banho e entrei no banheiro.
Liguei o chuveiro na água quente e fiquei aproveitando o conforto que aquilo estava me causando. A garoa lá fora não dera trégua e isso fazia com que o clima ficasse um pouco mais gelado. Me troquei rápido e me joguei na cama com meu caderninho, eu o usava para desabafar e inventar histórias, arrisco chamá-lo de diário. Ouvi duas batidas na porta e dei permissão para que abrisse.
- Filha, eu e a Ester estamos indo para o hospital, faremos plantão até amanhã, me desculpe por isso. - Papai encostou-se no batente da porta e entortou a boca.
- Tá tudo bem, pai, ficarei bem, não se preocupe. - Sorri passando confiança e recebi outro sorriso como resposta antes dele deixar-me sozinha novamente.
Encarei um ponto fixo e continuei a escrever uma história que começara um tempo atrás.
O garoto se sentida divido entre o céu e o inferno, entre o certo e o errado, entre a cadeia e a liberdade, entre a culpa e o sorriso, entre o amor e o egoísmo. Sim, era isso que ele achava, se sentia pesado, sujo e egoísta, era simplesmente um covarde. Por um segundo ainda pensou em desistir, em voltar atrás e esquecer esse maníaco em que se tornou em tão pouco tempo, mas ela poderia prestar queixa sobre o ocorrido em alguma delegacia e então poderia parar atrás das grades, não que se eu a matasse anularia as chances dele ser preso, apenas achava mais fácil. Não queria broxar e voltar atrás, só que simplesmente não conseguia machucá-la.

***


Meu estômago roncou alto e eu desci pra procurar qualquer coisa para jantar, já era noite. estava na sala jogado de qualquer jeito no sofá, encarando a televisão que passava um filme qualquer, e na mesa ao centro uma caixa de pizza já vazia.
- Nossa, obrigado por me chamar para jantar também. - Me apoiei nas costas do sofá contrário ao que ele usava.
- A janta era minha, não tinha nada que te chamar. Se quiser peça você mesma. - Ele continuava focado na TV e só então eu reparei que era "Um homem de sorte" que passava.
- Estúpido, egoísta. - Fechei a cara e fui até a cozinha ver o que eu poderia fazer só para enganar o estômago mesmo. - Leite, bolacha, cereal - listava sozinha as opções e nenhuma delas era algo salgado, preferi optar por um copo de leite mesmo. Despejei o líquido em um copo médio e ia subindo até meu quarto, mas quando olhei pra TV e vi a minha parte preferida passando, não resisti e me deitei no sofazinho, tomando todo o leite junto.
- Hey, pirralha, porque você não assiste o filme no teu quarto? - me olhava com uma sobrancelha franzida.
- Caralho, como você é grosso. - Levantei bruscamente e dei as costas para ir até a cozinha lavar o copo, ele me seguiu e se encostou na parede.
- Por que não fazemos um trato? Você me deixa em paz e finge que não existo que eu faço o mesmo com você. Ninguém precisa aturar ninguém e os dois ficam felizes. - deu um sorrisinho cínico e gesticulou a mão como quem espera pela resposta.
- Vai se ferrar, . - Passei por ele e subi até meu quarto, precisava dormir, o dia fora um tanto quanto cansativo.

2° Capítulo
Rescue Me


A casa estava escura e trovejava lá fora, o tempo estava morbidamente congelante e eu estava sozinha em meu quarto, meus pais estavam trabalhando. A porta estava entreaberta e eu estava sem coragem alguma de levantar e fechá-la, estava com medo. Sombras se arrastavam diante a porta como se alguém segurasse algo capaz de ferir, uma sombra irreconhecível. Fechei meus olhos por um instante tentando manter distâncias dos pensamentos piores, mas os barulhos imploravam por atenção e então...

Quarta feira, 06:20 am

O despertador ensurdecia e pela primeira vez eu agradeci por ter interrompido meu sono, estava suada e confusa com o pesadelo, minha cabeça pesava devido à noite mal dormida. Levantei sem vontade alguma e fui tomar meu banho para ir ao colégio. Desci para pegar uma maçã e vi saindo em direção ao carro.
- ! - gritei e ele se virou para me olhar.
- Qual era o trato? - Ele rolou os olhos e voltou a andar.
- Já acorda de mal humor, é? - Cruzei os braços enquanto ele se virava de novo.
- Só não tô com paciência para aturar pirralha no meu pé – respondeu, rude como sempre.
- Pra sua opinião eu só ia te dizer que preciso ir com você, papai não tá aqui e eu não tenho carro, ou seja, querendo ou não vai ter que aturar. - Sorri irônica e consegui ver a ira pelos olhos dele.
- Sério? E quem vai me obrigar a te levar? Quem vai comigo é a , e eu não vou passar vergonha com você no banco de trás. - Novamente ele voltou a andar e abriu a porta do Civic preto dele.
- Larga de ser ignorante, garoto, vai preferir levar a vadiazinha de ontem e não a irmã. Tem certeza que é coração que te mantém vivo? - meu tom já estava elevado, não era possível tanta arrogância em um homem só.
- Não tenho não, mas obrigado por me dar a dica, qualquer dia eu faço um exame pra descobrir. - Agora era ele quem sorria cínico.
Levei as mãos na testa e bufei, precisava me controlar, isso não podia estar acontecendo, maldito.
- , tenta entender, querido. Eu nem sei o caminho ainda pra ir a pé! Caralho, para de se sentir superior. - Caminhei até ele, que já dava partida no carro.
- Te vira, . - Ele subiu o portão elétrico e saiu, sem mim.
Ótimo, perder o segundo dia de aula que eu não iria. O que me aguarde mais tarde. Fechei a casa e tentei me lembrar do caminho da volta ontem com papai.
A rua estava parada, o frio estava cortante e o silêncio chegava a gritar. O sol fraco insistia em querer aparecer por trás das cinzentas nuvens carregadas de chuva. Segui reto até o fim da rua e tudo me parecia correto, estava conseguindo e provaria para o que não precisava dele para fazer nada.
- Hey. - Virei pra trás e vi um garoto lindamente pálido com penetrantes olhos verdes e cabelos castanhos. Extremamente atraente.
- A novata, não é mesmo? Posso te acompanhar? - Ele sorriu de lado e seus dentes branquíssimos reluziam em seus lábios levemente avermelhados devido ao frio.
- Ah claro, e como eu vou saber se você não é um estuprador? - Levantei minhas sobrancelhas e cruzei os braços.
- Engraçadinha, pode confiar. - O garoto riu.
- Vamos, vamos, estava brincando. - Sorri e recomecei a caminhar. - Bom, na verdade vou te assumir que estou meio perdida, seria ótimo se você que me guiasse, ainda não decorei o caminho, e o maldito do não quis me dar carona.
- O ? Por que você pediria uma carona a ele? Ele é arrogante. - O garoto virou o rosto para me olhar, eu apenas encarava meus pés.
- É uma longa história. - Levantei meu rosto para frente e fixei meu olhar em qualquer ponto.
- Sem problemas, adoro histórias. - O rapaz sorriu virando o pescoço em minha direção.
- Bom, não é um segredo nem nada, mas é que meu pai está noivo de outra mulher e eu vim passar um tempo com ele. E ela tem um filho também, que não é nada mais e nada menos que o . - Me virei para encará-lo. Ele mantinha a feição perplexa e fuzilava a entrada agitada dos alunos no colégio.
- Poxa, você só não me disse que era uma história. - Ele riu da própria piada, me fazendo rir também.
- Pois é. Mas falando nisso, qual seu nome? - adentramos juntos à sala de aula e nos sentamos em cadeiras próximas.
- Jhonatan. – Ele sorriu. - Mas pode me chamar de Jhon.
- Prazer Jhon, sou . - Estendi minha mão imitando cumprimentos formais de propósito, arrancando outra gargalhada de Jhon.
Virei meu pescoço para o fundo da sala e vi os olhos firmes do sobre mim. Por um segundo achei que podia ler a frustração dentro deles. Ele queria sim transformar minha vida num inferno, mas eu não disse que seria fácil. Cruzei minhas pernas e mandei uma piscadela junto com um riso de deboche. apenas virou a cara.

***

O recreio estava agitado e igualmente cheio de fervorosos grupos circulando por todos os lados. Ao fundo, as líderes de torcida praticavam suas apresentações. Rente à parede, os populares avaliavam as performances das Barbies com dezenas de garotas por volta. E era óbvio que o estava junto. Puxei Jhon pelo braço até a mesa em que estava.
- Hey, ! – Abracei-a de lado, e Jhon se sentou à nossa frente. - , esse é o Jhon e, Jhon, essa é a . - corou e deu um aceno de cabeça, Jhon apenas sorriu de lado, abaixando o olhar. Rolava química entre os dois. Raciocinei ligeiramente uma desculpa para deixá-los a sós. - Érr, eu vou até a cantina. Querem alguma coisa? - Ambos balançaram a cabeça negativamente, mas franziu as sobrancelhas e me encarou.
- Eu vou com você, . - ia se levantando, e eu a impedi antes.
- Por favor, , não. Eu vou ir falar com o também e eu prefiro que eu esteja sozinha.
- O ? - arregalou os olhos.
- É uma longa história. Jhon, explica para ela, por favor. Eu já volto. - Jhon assentiu e me olhou com um olhar repreendedor. Isso daria uma bela história de amor. Ri sozinha com minhas teorias internas e caminhei até a cantina, comprando um pequeno cachorro quente.
Olhei para o lado e o permanecia no mesmo lugar de minutos atrás, porém, agora entretido com suas "amiguinhas" oferecidas. Ótima hora para um conversa. Dei uma risada sapeca e me dirigi até ele.
- . - Parei em frente a ele e, no mesmo instante, senti alguém caindo sobre mim e um monte de café quente entrar em contato com meu corpo. Fechei meus olhos e ouvi uma voz irritante ecoar pelos meus tímpanos. .
- Ops, tropecei. - Ela sorriu cínica, pouco se preocupando se aquilo estava me queimando.
- Desgraçada. - Avancei sobre ela e peguei outro copo de café que uma das domadas dela mantinha em mãos e joguei em seu rosto. E foi aí que começou o teatrinho escandaloso.
- AII, , olha o que ela fez - ela fazia voz chorosa e abanava-se com as mãos para refrescar.
- Você tem problemas, garota? - agarrou meu braço e me fuzilou com aqueles olhos penetrantes que fazia qualquer uma perder o foco.
- Claro que tenho! E é o mesmo que a sua bonequinha sexual aí. - Puxei meu braço de suas mãos, mas foi em vão. Nem mais dois segundos e me aparece a diretora.
- O que está acontecendo aqui?! Que escândalo é esse? - A diretora observou nossa situação e largou meu braço com mais força do que o necessário.
- Senhora Smith, isso é tudo culpa dela. Eu nem falo com essa garota e ela já chega jogando café em mim. Essa novata é louca! - encenava jogando toda a culpa sobre mim.
- Larga de ser mentirosa, vadia! Todo mundo aqui viu que foi você quem veio caindo em mim com seu café. - Bufei.
- ! Que modo são esses? - fui repreendida pela diretora, que me olhava com cara de espanto. - Seu pai insistiu por uma vaga aqui para você e é assim que você o agradece? Aborrecendo-o? - Era só o que me faltava! Todo mundo contra mim. Olhei para o como quem espera por uma defesa, mas nada.
- , você viu tudo e sabe que não fui eu quem comecei. - Cutuquei o braço dele.
- Resolva-se, porque eu não vi nada. - Ele me olhava com cara de vencedor e cruzava os braços. Olhei para frente e Jhon apareceu ao lado da diretora.
- Senhora Smith, eu estava vendo tudo e não foi quem começou. - apareceu ao lado dele balançando a cabeça.
- Chega. Vamos para a minha sala, meninas. - A mulher não muito velha e com cabelos iluminados na cor de ouro deu as costas e tivemos que segui-la. Sorri de lado para meus amigos e segui aquela víbora. Odeio admitir, mas o estava ganhando esse jogo tentador.

Adentramos a sala toda branca com uma mesa marfim ao centro, coberta por papéis aleatórios. se sentou na cadeira à direita e eu permaneci de pé.
- Eu só vou reforçar o aviso a vocês duas. Dessa vez passa, é apenas uma advertência, mas a próxima é suspensão. - Revirei os olhos e encarei a parede. - Estão dispensadas do resto das aulas, precisam se trocar. - Assenti e sai da sala sem dizer nada, antes que eu explodisse e acabasse realmente tendo que aborrecer o papai. Não me ache revoltada, porque sou totalmente o contrário disso, mas os dias que se passavam estavam cada vez mais absurdos.
O recreio já havia acabado e tudo estava absolutamente vazio, a não ser por um timbre insistente e grudento.
- Empatamos, queridinha, mas sabe a diferença? Eu vou embora com o , enquanto você vai andar pelas ruas parecendo uma bruxa. - Ela sorriu e começou a caminhar de nariz empinado, mal sabia ela que eu MORAVA com o e que nos esbarraríamos por lá.
- Acontece que você acha que tá saindo na vantagem, mas não passa de mais uma putinha que ele come. Já eu, não. Agora me dá um tempo. - Recomecei a andar e deixei-a com a cara de puta ofendida.

Adentrei a sala de aula e guardei meus materias, dei um leve aceno de cabeça para Jhon e avisei ao professor que estava dispensada. Caminhei até o portão azul do colégio e atrás de mim ouvi a voz de e de . Os dois caminharam até o estacionamento e, como dito, ele a levaria pra casa. Não sei por que, mas aquilo de alguma forma me enfureceu, como uma pontade de inveja e uma outra de ódio. Eu estava sozinha nesse jogo, e o não parava de sair no lucro. Desci a extensa rua e virei na que dava entrada para minha casa.
Entrei pela porta da frente, e os dois estavam praticamente se engolindo com a boca, jogados no sofá. Comecei a subir as escadas ignorando totalmente aquela cena.
- O que você faz aqui, garota? - Parei no meio da escada e desci novamente até o terceiro degrau. me encarava e encarava ao , virando a cabeça, totalmente confusa.
- Por que não pergunta pro seu namorado perfeito? Ele não deveria te esconder as coisas - provoquei e sorri com a cara que fez.
- Isso, , o que significa isso? Você realmente não deveria me esconder as coisas! - a voz de soava totalmente ardida e, por incrível que pareça, mais irritante do que o normal.
- Ela agora é minha meia-irmã. Lembra que minha mãe estava noiva de um cara? Pois então - dizia com descaso e ódio na voz, colocou as mãos nos bolsos da frente e encarou o chão. apenas permanecia encarando ora eu e ora , parecia não acreditar e não assimilar o que estava acontecendo. Ignorei o que poderia vir a seguir e recomecei a subir. Entrei no meu quarto e fui direto para o banheiro me livrar daquela blusa imunda de café, gargalhei sozinha me encarando no espelho, quando ouvi a porta da sala ser batida brutalmente, provavelmente pela . Coitadinha iludida.
Liguei o chuveiro e me permiti cair em pensamentos distantes, em uma época totalmente inocente e gostosa até os dias atuais, até que me senti atingida totalmente por uma nostalgia e por um aperto de saudade de casa, do novo marido de mamãe, da torta de maçã e dos waffles no café da manhã. Encostei-me na parede e dei um pulo ao ouvir socos na porta do meu quarto. Me enrolei na toalha depois de uma breve secada e abri. Não tive tempo de raciocinar, e me arrastou até a parede mais próxima, pressionando-me contra ela. Seu olhar era de raiva e sua feição estava completamente nervosa, ele apertou meus pulsos, levando-os para cima, e deu um forte puxão em uma das mechas do meu cabelo que havia caído do meu coque frouxo e alguns fios ficarem em sua mão.
- O que é isso, ? Você está me machucando! - Abaixei minha cabeça antes que eu transparecesse meu medo.
- Escuta aqui, eu não sei qual é a tua e nem quero saber, não sei quem você é e muito menos quero saber, então fica longe dos meus relacionamentos. - Ele afrouxou meus pulsos e me encarou nos olhos, que, a essa altura, estavam levemente lacrimejados. Ao perceber, ele mudou a expressão para uma de arrependimento e deu um passo pra trás, passando as mãos pelo cabelo e apertando fortemente os olhos.
- Me desculpa, eu não sei o que tô fazendo aqui. - Ele continuava com os olhos pressionados e um das mãos na testa.
Fechei meus olhos para não chorar, eu sou ridícula por isso, sempre fui muito sensível e sentimental. Qualquer susto era motivo de bambear minhas pernas e palpitar meu coração, deixando-me ainda mais mole, cruzei meu braços, prendendo ao máximo minha toalha contra meu corpo.
- Me deixa sozinha, , guarde suas desculpas pra você mesmo. - Abri meus olhos e uma teimosa lágrima caiu, foi inevitável, ela estava ali presa pelas minhas pálpebras, apenas.
Caminhei em direção ao banheiro pra não precisar ser fraca na frente daquele mostro e esperei até que ele deixasse o quarto. Livrei-me de pressa da minha toalha e vesti meu jeans e minha regata branca depressa, precisava descansar e me livrar daquele momento ruim. Joguei-me na cama e me cobri até o pescoço, peguei meu iPod e liguei na lista de reprodução aleatória, e então soou a introdução de "Alone Again", do McFly, e aquela letra parecia se encaixar perfeitamente no que eu estava passando.

Tell me I'm wrong, tell me I'm right
Me diga que estou errado, me diga que estou certo
Tell me you want me
Me diga que você me quer
Was it a choice, was it a lie
Foi uma escolha, foi uma mentira?
Do you despise me?
Você me despreza?
Figure it out, there's never a doubt
Descubra, nunca há uma dúvida
I wanna hold you
Eu quero te abraçar
Tell me your plans, give me a chance
Me conte seus planos, me dê uma chance
I'll work around 'em
Eu vou resolvê- los
Yeah
It's alright, I don't even know where to begin
Está tudo certo, eu nem sei por onde começar
It takes time, you know you'll always end up with him
Leva tempo, você sabe que sempre vai acabar junto dele
It's alright, it's ok
Está tudo certo, está tudo bem
It's alright
Está tudo certo
Yeah

I want, to take you far away
Eu quero levá- la para longe
Now I've, got nothing left to say
Agora que eu não tenho mais nada para dizer
How can, I be alone again
Como eu posso estar sozinho de novo?
I want, to take you far away
Eu quero levá- la longe
Now I've, got nothing left to say
Agora que eu não tenho mais nada para dizer
How can, I be alone again
Como eu posso estar sozinho de novo?

Tell me I'm wrong, tell me I'm right
Me diga que estou errado, me diga que estou certo
Tell me you want me
Me diga que você me quer
Was it a choice, was it a lie
Foi uma escolha, foi uma mentira?
Do you despise me?
Você me despreza?
Yeah


Eu sempre fui filha única, sempre desejei e imaginei uma vida com um irmão mais velho e ciumento, com alguém que cuidasse de mim e que poderia me buscar no colégio, que perceberia quando eu estivesse triste e me daria um abraço, mas ele é só um meio irmão, ele não se importa comigo e não está a fim de se importar, ele tem uma personalidade dura e decidida.

It's alright, I don't even know where to begin
Está tudo certo, eu nem sei por onde começar
It takes time, you know you'll always end up with him
Leva tempo, você sabe que sempre vai acabar junto dele
It's alright, it's ok
Está tudo certo, está tudo bem
It's alright
Está tudo certo
Yeah

I want, to take you far away
Eu quero levá- la para longe
Now I've, got nothing left to say
Agora que eu não tenho mais nada para dizer
How can, I be alone again
Como eu posso estar sozinho de novo?
I want, to take you far away
Eu quero levá- la longe
Now I've, got nothing left to say
Agora que eu não tenho mais nada para dizer
How can, I be alone again
Como eu posso estar sozinho de novo?

This feeling's, getting stronger
Este sentimento está ficando mais forte
Ooh this feeling's, getting stronger
Ohh este sentimento está ficando mais forte
This feeling's, getting stronger
Este sentimento está ficando mais forte
Yeah

I want, to take you far away
Eu quero levá- la para longe
Now I've, got nothing left to say
Agora que eu não tenho mais nada para dizer
How can, I be alone again
Como eu posso estar sozinho de novo?
I want, to take you far away
Eu quero levá- la longe
Now I've, got nothing left to say
Agora que eu não tenho mais nada para dizer
How can, I be alone again
Como eu posso estar sozinho de novo?


Concordava em partes de que aquela letra transparecia o que estava acontecendo ultimamente. Eu podia prever o futuro disso tudo e isso embrulhava meu estômago e me apertava o coração de uma forma esmagadora e confusa. Eu não sei por que diabos ele invocava tanto comigo. Ele deixava óbvio de que tinha vergonha de assumir que agora teria que conviver comigo, de que ele seria zoado pelo colégio e de que me queria bem longe de todos os modos. Eu me lembrava da primeira vez em que cheguei aqui e ele me recebeu com as "melhores" palavras.

Flashback
- Hey, pirralha. - Parei em frente à minha porta e encarei , que sorria travesso. - Como o destino é irônico, né? Bem vindo ao inferno. - Ele alargou ainda mais o sorriso e abriu a porta do quarto ao lado, me deixando parada em frente à minha.
Fim do Flashback


3° Capítulo
New Beginning


Acordei com o barulho insistente do telefone tocando no andar de baixo, me apressei em descer as escadas, tirei-o do gancho e reparei que apareceu ali também no intuito de atender.
- Alô? - a voz do outro lado parecia um pouco ansiosa, mas eu pude reconhecer, era Ester.
- Oi, Ester.
- Err, ? - Senti que sua voz vacilou um pouco ao perceber que era eu.
- Pode falar.
- É que seu pai acabou de sofrer um acidente enquanto voltava para o hospital... - Percebi que ela continuava falando, mas eu não tinha forças, simplesmente cai de joelhos e despenquei em lágrimas. O telefone ficou pendurado pelo fio, e arregalou os olhos ao ver meu estado, sem entender o porquê. Correu até a mesa de centro ao meu lado e recomeçou falando com sua mãe.
- Mãe? O que aconteceu? - parecia afobado e mantinha os olhos arregalados, me olhando. Desligou o telefone rapidamente e se ajoelhou ao meu lado. Ele não disse nada, apenas me apertou de lado e me levantou até deitar-me em seu colo.
- Me leva pro hospital, , eu quero ver meu pai - falei com dificuldade devido aos soluços e a moleza em que eu sentia.
- Vou subir e pegar duas blusas pra gente ir. - me levantou, e eu me sentei enquanto ele subiu correndo atrás das blusas. Em um pulo ele já estava em mim frente vestindo o moletom largo em mim.
Entramos no Civic dele e saímos em rumo ao hospital. Encostei minha cabeça no vidro do carro, embaçado devido a leve garoa que caía e o frio que não ajudava. mantinha seu olhar fixo no trânsito, enquanto eu soluçava baixinho pensando nos milhares de momentos em que passei ao lado de papai. E, para ajudar, eu estava confusa sobre o que esperar de . Uma grosseria ou um abraço acolhedor? Eu o entendia cada vez menos, e isso começou a me frustrar de uma forma intensa. era definitivamente um enigma, aqueles olhos tão reservados e a feição de homem, ora agia como um garoto que me dava um prensa, e ora como um cavalheiro, e esse jeito difícil dele começara a me impressionar. Apesar de ele ter me ferido verbalmente e fisicamente, eu ainda esperava algo melhor dele.

estacionou o carro na rua em frente ao hospital. Desci do carro um pouco mole e coloquei minhas mãos no bolso frontal do largo moletom dele. Dei a volta no carro devagar até chegar no , encarei a entrada levemente agitada do hospital e me encolhi quando senti finos pingos de chuva atingirem minha face quente. Apertei meus olhos e novamente senti o choro me invadir, eu não aguentava pensar no estado do meu pai. Eu havia passado tanto tempo longe dele e isso me causava um certo remorso. Solucei alto e senti os braços de me puxarem para um abraço. Afundei meu rosto no peitoral dele, já que ele era um tanto mais alto que eu. O perfume que ele exalava era tão bom, eu nunca havia reparado nisso, os braços dele eram forte e acolhedores e o calor de seu corpo era um tanto quanto perturbador. Deixei minha mão esquerda na cintura dele e caminhamos até a recepção do hospital.

POV
Encarei a recepcionista, que me olhou com um sorriso.
- Nossa, como você tá grande, creio que se lembre de mim. - A mulher mantinha o sorriso no rosto, e eu pude perceber seu nome no crachá pendurado em seu peito.
- Claro que sim, Rosa. - Sorri de lado e perguntei logo sobre o que nos trazia aqui: - Posso falar com minha mãe?
- Ahn, a doutora Ester começou a cirurgia no noivo há dez minutos, posso avisá-la para no término vir falar com vocês se aguardarem. - Agradeci dona Rosa e guiei até uma das poltronas do fundo, já que as outras já estavam ocupadas. Ela se sentou, e eu envolvi sua cintura com meu braço esquerdo, trazendo-a mais perto de meu peito. Eu não sabia o que eu sentia naquele momento, só sabia que uma grande pontada de remorso por tê-la tratado daquela maneira me atingia em cheio.
Perdi-me em pensamentos internos e percebi que ela dormia em meu peito. Ela parecia tão desprotegia e inocente naquela maneira. Perdi a conta de quanto tempo fiquei observando-a, e quem nos olhasse de relance arriscaria chamar-nos de casal. Muito longe disso, um começo de uma nova família. Encarei o relógio quadrado na parede à frente e marcava 00:23.
- Filho. - Olhei minha mãe já ao meu lado direito e observei sua expressão angustiada. Afaguei seus cabelos com minha mão livre e perguntei sobre o estado de Osni:
- Como ele tá, mãe? - usei um tom mais baixo para que não acordasse.
- Fizemos o que era necessário, agora é só esperar para ver como ele vai reagir. Eu sei que tudo vai dar certo - mamãe usava um tom deprimente e rouco, ela segurou meu rosto com as duas mãos, deu-me um beijo na minha bochecha e sorriu olhando a figura de dormindo como uma pedra em meus braços. Não que ela fosse uma má filha, mas entendia o cansaço interno de que ela deveria estar. - Vocês têm se entendido bem? - Mamãe sorriu, e eu revidei.
- Na medida do possível. - Soltei um riso nasalado e virei meu rosto. Não iria preocupá-la com desentendimentos banais.
Mamãe voltara para o serviço e deixou claro que enquanto Osni não acordasse, nada de visitas. Chacoalhei de leve e ela se levantou um pouco assustada, assimilando onde estava.
- Minha mãe veio aqui falar comigo. Seu pai está melhor e reagiu bem à cirurgia, mas enquanto ele não acordar, nada de visitas. - O brilho do olhar dela se esvaiu e ela abaixou o rosto, colocando suas mãos dentro do bolso.
- Pelo menos ele está bem. - Ela sorriu, levantando-se, e caminhou até a saída dali.
Segui-a até meu carro e liguei o aquecedor, ela já não parecia mais tão cansada, algo na expressão que ela carregava havia mudado.
- Nossa, quanto CD, . Você podia me dar alguns. - Ela analisava os CD's que eu tinha guardado ali no carro e que agora estavam todos esparramados pelas suas pernas. Ela mantinha um riso bobo enquanto lia o repertório de músicas de cada um deles.
- Quem sabe um dia eu não te dê algum. - Olhei para ela, que se fingiu de decepcionada, e sem poder resistir àquela carinha de cachorro sem dono, acabei cedendo. - Tudo bem, você venceu. Pode pegar um deles. - Sorri encarando o semáforo à minha frente e me perdi em pensamentos. Acelerei o carro ao ver o verde refletir em minhas pupilas. permanecia sentada fuçando em todos os meus CD's, com dificuldade devido ao negro do céu e suas nuvens acinzentadas. Observando-a, agora, me parecia a mesma garota de horas atrás, sem aquele muro protetor por volta que não baixava a guarda, parecia apenas uma mulher que precisava de proteção e não mais aquela que eu via antes disso. Ela, com cuidado, abriu um CD que nem me dei trabalho de olhar qual era e as pressas ligou o rádio pulando para a música desejada. Arregalei meus olhos ao reconhecer a melodia que começara soar dentro do meu carro e sorri feliz ao perceber que era um CD que gravei com uma antiga banda escolar. Sem me dar conta, acompanhei meu solo e sorria enquanto balançava as pernas curtindo a melodia. Eu estava feliz por tê-la ali ao meu lado, sendo apenas ela mesma. Eu só não sabia quanto tempo aquilo iria durar.
- , eu tô com fome. - Ela torceu a boca e me encarou jogando todo seu corpo no banco do carro.
- Nesse horário só mesmo a lanchonete do posto pra estar aberta, tem problema? - Desviei meu olhar por um segundo até ela.
- Tudo bem. Podemos comprar alguns salgadinhos e duelar Just Dance 4 no Wii. - Ela sorriu perversa, como se já tivesse certeza de sua vitória. Sorri com a cena e balancei a cabeça concordando com a ideia.
- E quem ganhar escolhe o filme que assistiremos depois. - Eu sei que abusei um pouco, mas não deixaria passar em branco. Ela sorriu e voltou a curtir a música.
Parei o carro e descemos no posto para procurar algo comestível. logo se animou pegando um pacotão de Doritos, Coca-Cola e alguns chocolates aleatórios. Peguei tudo da mão dela e fui até o caixa pagar, reiniciando de novo o caminho para casa.
(...)

Estacionei no gramado mesmo e vi ela descer correndo e rindo dela mesma até a porta de entrada, vê-la daquela maneira tão radiante depois de chorar tanto preocupada com o pai, era extremamente reconfortante. Corri até ela e fechei a porta. Ela já estava em pé procurando o jogo, e as sacolas esparramadas pelo sofá.
- Quanta pressa. - Sorri vendo ela levantar o olhar e dar a língua. Deixei minha carteira em cima da mesinha ao canto e fui instalar o Wii na televisão. Ajeitamo-nos e duelamos a música Oppa Gangnam Style.
Ela se movia livremente, enquanto eu, confesso que estava meio duro, ela encarava o televisor e gargalhava em meio aos movimentos que ela fazia. Ela era realmente um tanto quanto boa demais. Sua inocência naquele momento esquentou meu coração e uma vontade de abraçá-la me invadiu repentinamente, eu só queria ser o primeiro alguém que ela procuraria em um momento difícil e que afagaria seus cabelos enquanto ela desabafava, eu queria apenas ser o irmão de uma irmã que nunca tive. Distraí-me um pouco em pensamentos e só me dispersei dos pensamentos quando ouvi sua comemoração.
- Você perdeu, ! - ela comemorava enquanto levantava os braços e dava voltinhas.
- Eu deixei. - Dei a língua.
- Aham, mente que eu finjo que acredito. - Ela já estava ajoelhada no tapete decidindo qual filme ela queria ver e um toque familiar soou do meu celular. Caminhei até ele e vi o nome "" reluzindo no visor. Bufei e atendi.
- ? - ela fazia a mesma voz grude de sempre.
- Fala. - Não estava com o mínimo ânimo de conversar com ela.
- Você tá muito ocupado?
- Tô, por quê? - Foda- se se eu fui grosso, eu não queria prolongar nenhuma conversa.
- Poxa, eu estava querendo ir te dar uma visitinha. - Ela mastigava as palavras com voz de choro e isso era extremamente patético.
- , você já olhou que horas são? - Vi levantar a cabeça para me observar logo depois de pronunciar o nome dela.
- Nossa, , mas eu poderia dormir agarradinha contigo, não seria problema.
- Não, , não podia. Minha mãe chega do plantão daqui a pouco, e eu não quero confusão. Até amanhã. - Desliguei o telefone meio rude, sim, mas eu realmente não estava querendo encrenca nesse momento, apenas precisava aproveitar. Caminhei até , que já se levantava e ia subindo as escadas, mas eu a impedi.
- Aonde você vai? - Ela rolou os olhos e fez cara de óbvio.
- Eu vou pro meu quarto. Sua namorada tá chegando, e eu não vou ficar de vela. - Bufou.
- Ei, ela não é minha namorada e não está vindo. - Soltei o braço dela, que, meio contrariada, dirigiu-se novamente até o DVD.
Enquanto ela arrumava a sala e ligava o DVD, eu fui fazer o pipoca e pegar a Coca-Cola. Estava de frente para o fogão segurando a tampa da panela evitando que as pipocas voassem, até que senti uma mão de cada lado da minha cintura me apertar, fazendo-me sentir cócegas. Joguei longe a tampa e, consequentemente, as pipocas começaram a voar para fora da panela. Virei-me para trás e vi jogada ao chão de tanto rir da minha cara desesperada. Corri até a tampa e coloquei-a de volta, apaguei o fogo. Virei para ela, que no momento cessou a risada ao ver meu riso maléfico e começou a correr pela casa, fugindo de mim.
- Agora você foge, né, espertinha - gritei enquanto subia as escadas correndo atrás dela.
- Não, não, não, por favor, me desculpa, sem cócegas. - Ela estava de frente pra mim e recuava aos poucos com as mãos lhe servindo de escudo.
- Ih, mas já tá com medo. - Comecei a andar passo por passo até ela e sorria sacana. Sem aviso prévio, corri até ela e mobilizei-a em meu colo, ela apenas se debatia incansavelmente.
- Me põe no chão, ! - Ela batia as pernas em meus braços.
- Eu já te poupei das cócegas porque eu sou um garoto muito piedoso, então poupe meus braços e pare de me chutar. - Comecei a descer as escadas e coloquei-a no sofá. Caminhei até a cozinha, e a teimosia me seguiu.
- Não adianta, né. – Apoiei-me na mesa e olhei-a. Ela continuava vestida com meu moletom comprido.
- Vim te ajudar, quero assistir logo porque daqui a pouco eu já quero dormir. - Ela pegou a bacia de pipoca que eu havia acabado de colocar em cima da mesa e voltou para a sala. Fui atrás com a Coca-Cola e os salgadinhos. Olhei para a TV e vi que o filme era "Um amor para recordar" não sei por que, mas eu já suspeitava de que seria romance. Ela deu o play e se sentou no meio do sofá com a bacia de pipoca ao lado, caminhei e me acomodei à sua direita.

O filme já estava quase ao fim e já estava esparramada pelo sofá com os olhos fechado. Era quase duas da manhã. Virei meu corpo e fiquei observando-a novamente, isso por mim poderia se transformar em um costume sem problema algum. Lentamente ela se moveu e abriu um pouco seus olhos, reclamando da presença da bacia de pipoca em meu colo. Ela resmungou mais uma vez e pegou-a para deixar em cima da mesinha, podendo assim se acomodar em meu colo. Em qualquer outra situação, eu acharia aquilo um ato um tanto quanto folgado, mas hoje não. Ela poderia ser a exceção. Ela subiu um pouco mais, ficando rente ao meu peito, afundando o rosto ali e respirando o pouco perfume que me restava. Eu lutava contra minha vontade de descobrir o final do filme ou acariciá-la. Julgue-me, mas eu nunca gostei de coisas melosas, tá aí porque eu nunca assisti.
Fiquei mais alguns longos minutos assistindo o final do filme e, agora, já dormia como uma pedra. Pensei em uma maneira de subir com ela ou de dormir aqui mesmo. Eu teria duas tentadoras opções e optei pela primeira.
Subi com ela em meus braços e coloquei seu corpo desfalecido na cama levemente desarrumada. Puxei o cobertor cobrindo-a até o pescoço, já que o frio não dera trégua até agora, e a chuva fina começara a engrossar. se moveu lentamente, provavelmente se ajeitando por ali, mas ainda sem abrir os olhos. Caminhei até a janela de vidro do quarto, que estava coberta por uma fina cortina roxa toda trabalhada em bordados e desenhos, um pouco infantil até. As gotas de chuva agora caíam em um ritmo constante e acelerado. As árvores da vizinhança balançavam-se como se fosse uma dança e a escuridão da madrugada escurecia o céu. Virei meu corpo pra sair do quarto e levei um breve susto quando eu a vi apoiada pelos dois cotovelos com apenas um dos olhos abertos me encarando com uma cara de zumbi. Nem tão mal assim. Dei uma última observada nela e saí do quarto a fim de dormir também.

Acordei com um barulho estranho vindo do quarto de , alguns gemidos apavorados, talvez um choro ou um grito abafado. Eu não sabia ao certo distinguir aqueles sons. Confesso que me apavorei um pouco e comecei a me preparar psicologicamente. Levantei da cama em um pulo e caminhei até a porta dela levemente encostada, e percebi que ela se remexia com uma frequência assustadora. Os gemidos saíam de sua garganta igualmente abafados devido a boca apenas meio aberta. Definitivamente ela estava tendo um pesadelo. Adentrei o quarto devagar para não assustá-la e causar um impacto maior naquilo tudo. Encostei-me rente a cama e chacoalhei-a devagar, o que a fez abrir os olhos espantados e passar a mão pela testa, que estava um pouco suada.
- Um pesadelo? – Curvei-me um pouco, tirando alguns dos fios que ficaram grudados em seu rosto.
- Uhum - ela concordou com um meio gemido e me puxou para a cama junto a ela. - Será que papai vai ficar melhor? - O olhar dela era ainda um tanto quanto assustado, e aquilo era de partir o coração. Eu conseguia entender toda aquela preocupação que ela sentia nesse instante pelo pai.
- Claro que vai, minha mãe me garantiu aquele dia. - Sorri de lado, talvez para passar confiança, enquanto eu me ajeitava na cama dela. Sem mais nem menos, ela se deitou sobre meu peito e passou o cobertor por sobre nossos corpos.
Cochilei algumas vezes, mas algo sempre me acordava, estava com sono leve. ainda continuava deitada em cima de mim com um das pernas em cima da minha e dormindo como um anjo. Ops. Um anjo? Para com isso, ! Ela era apenas aquela irmã caçula que você nunca teve e aquela que você sempre quis ter. Mas isso era tão diferente, era absolutamente ao contrário, não tínhamos convivência e jamais poderia mandar na vida pessoal nela, ela já era bem crescida pra isso. Apesar de não aparentar. Adormeci novamente cercado de pensamentos.

- ACORDA! - ouvi um grito e abri de leve o olho com o cenho franzido, enquanto levava travesseiradas constantes.
- Tá cedo! Me deixa dormir - reclamei me virando do lado oposto em que ela me atingia.
- Nem pense! Eu tô com fome, , e quero passar no hospital. – Jogou-se pra fora da cama.
- Tá bom, tá bom. Só vou tomar um banho pra te levar. - Levantei e fui até meu quarto arrumar tudo que eu precisava antes de sair dali.

POV
Abri a porta do quarto de e observei o quarto vazio, mas o barulho do banheiro preenchia o local.
- , anda logo! - gritei me sentando na cama totalmente desarrumada dele e ouvindo o barulho do chuveiro cessar.
- Mais apressada impossível. - apareceu apenas de calça jeans, secando o cabelo encharcado enquanto algumas pequenas gotas de água escorriam sobre seu peito nu. Engoli seco e fechei fortemente os olhos, deixando claro meu desconforto.
- Também, né, demora mais que noiva. Vou te esperar lá na sala. – Levantei-me e desci as escadas correndo, joguei-me no sofá, decidida a assistir qualquer desenho que estivesse passando. Inutilmente quis fingir pra mim mesma que aquilo não me importou, que não mexeu comigo, mas como? Que droga aquilo ter acontecido. Por que ser tão perfeito? Cala boca, cérebro. era meu irmão agora e isso não podia acontecer e nem sequer tinha como. Chacoalhei minha cabeça com força, fechando meus olhos com a mesma intensidade. Abri-os fazendo movimentos circulares ao lado da minha cabeça e vi à minha frente guardando a carteira em um dos bolsos e pegando a chave do carro de cima da mesa de centro.
- Dor de cabeça? - perguntou me encarando enquanto desligava a TV e vestia seu moletom da Vans.
- Não... Eu só tô pensando. - O que não era uma grande mentira. Avaliei a roupa que ele vestia, na qual era um tanto quanto frustrante. Não que ela fosse feia, muito pelo contrário, só que sem aquele monte de pano ali era bem melhor. Levantei e segui-o até o carro logo após fechar a porta. Entrei no carona, e arrancou um pouco apressado demais.
- Vou te levar a um restaurante primeiro antes que acabe a hora do almoço. - virou o tronco para me encarar, enquanto eu apenas assenti. - Você não é vegetariana, não né? - Olhei para ele, que possuía desespero nos olhos, e ri.
- Claro que não. - Ele me acompanhou no riso.
- Sei lá, né, vai saber. - Ele sorriu e estacionou em frente a um restaurante que me pareceu extremamente convidativo. A grande placa do letreiro marcava Nando's.
Sentamos em qualquer mesa e deixei que escolhesse o que comeríamos, já que eu não conhecia os pratos. Logo que chegou, começamos a comer. O prato era basicamente frango com batata, altamente saboroso, por sinal. Olhei a minha frente, que sacou o celular do bolso e bufou encarando à tela.
- O que foi? - deixei meu lado intrometido falar mais alto.
- . Ela não desiste. - Revirou os olhos enquanto guardava o celular de volta no bolso.
- Ela quer te ver? - não me aguentei de novo. Curiosidade, aí vou eu!
- Quer que eu vá buscá-la na saída do colégio. Ela acha que estou sempre ao dispor dela, mas eu tô é de saco cheio - ele finalizou e colocou mais um garfada na boca.
- Entendo. - Sorri por dentro pra não deixar tão óbvio. Sei lá o que se passava dentro de mim naquele momento, ou melhor, ultimamente. Estar ao lado de já não era mais um sacrifício, além de estar se tornando cada vez mais agradável.
Perdi-me em pensamentos enquanto finalizava meu prato e via pedir a conta, deixando-me pra trás, e ir pagar tudo. E, além de tudo, ele andava gentil e extremamente cavalheiro. Não demorou muito até ele voltar e nos dirigirmos até o veículo, rumo ao hospital.
Eu tentei de todas as maneiras possíveis engolir o excesso de preocupação com meu pai, porém sempre me dava aquele embrulho no estomago e um certo friozinho na barriga. Fiquei parada observando a rua através do vidro do carro enquanto relutava para prestar atenção na estação da rádio que tocava. parecia um tanto quanto desconfortável, alternava seus olhares entre a sua frente e me encarar, era inevitável não perceber o seu olhar sobre mim. Era como se eu pudesse ver em seus olhos que ele queria me reconfortar e ao mesmo tempo se sentia completamente inseguro. Relutei contra as lágrimas que se formavam em meus olhos e suspirei, foquei na melodia animada que ecoava pelo carro levemente aquecido. Não demorou muito até parar o carro e sorrir de lado, como um aviso. Desci e andei até a entrada levemente agitada do hospital, apertando minhas próprias mãos conforme a ansiedade aumentava. passou seu braço esquerdo ao redor de meus ombros e não perdi tempo de encostar minha cabeça em seu peito. Tudo naquele momento estava uma confusão. Uma confusão de sentimentos e de momentos que nem sequer tive o luxo de poder examinar.
Ouvi a conversa de e da recepcionista, meio distante em pensamentos, apenas sorri para a gentil senhora quando vi que já me arrastava para dentro do hospital.
- Entra aqui. - desfez do abraço de lado comigo e apontou para a porta de madeira a minha frente. Suei e senti meu coração acelerar de medo. Fechei meus olhos com força e soltei todo o ar que eu prendia em meus pulmões.
- Entra comigo? - foi inevitável evitar que a vontade de tê-lo por perto falasse mais alto. Eu queria-o ali comigo, mesmo que calado. nada fez, apenas acenou a cabeça e passou a minha frente, abrindo a porta com calma.
A sala era revestida pela tinta branca, o que era simplesmente agoniante; ao canto, duas poltronas confortáveis ocupavam o espaço, e em uma delas Ester dormia. Ela devia estar tão acabada quanto eu, fazer o serviço dela e ver alguém que ama naquele estado era impactante. dirigiu-se até a mãe, enquanto eu fiquei de longe observando meu pai deitado na maca ao centro daquele maldito quarto. Passei uma das minhas mãos na minha franja em sinal de nervosismo e comecei a caminhar mais perto dele. Depositei minhas mãos nas pernas cobertas de papai e levantei meu olhar para Ester, que agora me encarava com cara de sono devido ter a acordado.
- Ele está dormindo? - Encarei , que mantinha as mãos no bolso do moletom com sua expressão de quem quer ajudar, mas nada pode fazer.
- Está sim. A anestesia e o remédio fizeram um grande efeito nele, e é extremamente importante que ele descanse agora, já que o pior já passou. – Inevitavelmente, sorri e passei minha mão pela lágrima que escorria em minha bochecha, um grande alívio escapara de meus olhos naquele momento. Cruzei meus braços na intenção de me auto confortar e evitando que o frio me arrepiasse. mandou-me mais um de seus olhares significativos, que estranhamente era como se eu conseguisse lê-los. Suspirei mandando um leve sorriso para Ester, dirigindo-me até a saída daquele quarto silencioso e claustrofóbico. não saía da minha cola, assim como uma sombra; eu até preferia chamar de anjo. Quem disse que irmãos não são anjos? Acho que ninguém poderia discordar.

O silêncio no carro de era um pouco incômodo, já que nossas conversas começaram a fluir de maneira natural, mas acho que a falta de intimidade causava um clima de receio. Os rastros amarelados que se via da janela eram quase que nauseante, o lugar já me parecia vagamente familiar, o que no caso era um tanto quanto necessário. , como sempre, olhava para frente, como se o caminho fosse valioso, ora ou outra batucava de leve os dedos no volante, parecendo impaciente. Desci do carro logo depois de pará-lo em frente de casa mesmo, sem fazer questão de guardá-lo. Tinha uma leve impressão de que ele não ficaria em casa, e assim que ele acelerou sem dizer sequer uma palavra, eu tive absoluta certeza de que ele iria sair.
Subi as escadas melancolicamente, sem resquícios de pressa, algo ruim girava dentro do meu estômago e causava-me um coração acelerado e angustiado. Não nego que fiquei com medo dos sintomas, já que isso não me parecia nada agradável nem de longe. De começo, estranhei o que poderia ter me causado esse desconforto enjoativo, como que se meu peito estivesse dentro de um liquidificador, mas assim que eu me permiti lamentar não estar em casa e sequer se preocupar em me avisar, a conclusão que isso me levava era extremamente pior do que eu cheguei imaginar que seria. Joguei-me na cama de qualquer jeito, como se eu fosse apenas uma bonequinha mole, meus lençóis perfeitamente embolados e desarrumados por cima do colchão ainda exalava o perfume amadeirado de ; inalar aquele cheiro viciante, era como uma droga que viciava de suas narinas até seu pulmão, como que se tornasse parte de seu oxigênio. Puxei meu celular de cima do criado mudo e vi dezenas de mensagem de , aquilo não era de se estranhar, já que eu sumi temporariamente da escola sendo que nem suspensão eu havia levado da diretora, achei justo telefonar.
- Como você some desse jeito e não me telefona? Nem sequer depois daquele dia me explicou aquela história do ! - ela disparou do outro lado da linha como se fosse o fim do mundo, e ao mesmo tempo com vestígios de preocupação. A confiança que se podia ter naquela garota era extremamente admirável.
- Vai com calma que eu vou te explicar e, aliás, estava com saudade também - ironizei.
- Você sabe e isso não é novidade. E eu acho bom se explicar, mesmo.
- Pra falar a verdade, você não prefere vir aqui pra até me dar um consolo? - minha voz saiu levemente manhosa, o que fez suspirar do outro lado da linha.
- Consolo? Pelo amor de Deus, para de enrolar e me conta, tá me deixando preocupada. E outra, não quero ver a cara o , por favor, , será constrangedor! - Ela era um tanto quanto impaciente.
- Só venha que eu te conto tudo, , e não se preocupe, ele não está em casa.
- Onde fica sua casa? - Expliquei o caminho, já que saberia qualquer lugar dessa cidade, pois ela já era nativa daqui.
Desliguei o celular e me preparei para arrumar a cama de uma maneira apresentável, jogando uma colcha por cima para evitar que aquele cheiro reconfortante saísse dali. Peguei o notebook, que até então eu não havia demonstrado interesse algum, e me sentei na cama com ele em minhas pernas, e enquanto a máquina se ligava, eu aproveitei para abrir as cortinas, permitindo que o pouco sol que se formava dominasse meu quarto. Abri todas minhas redes sociais e não pude evitar que meus olhos lacrimejassem ao ler as mensagens de meus amigos, eu sentia tanta falta quanto eles. O nome de minha mãe ocupava a maior parte das notificações, o que fez meu coração se apertar por dentro do peito, como se mais uma vez ele estivesse dentro daquele maldito liquidificador que não cessava tão cedo. Comecei a responder um a um até o barulho da campainha invadir a casa inteira, . Levantei secando as lágrimas frias de minha bochecha e desci as escadas, agora com uma pressa absurda. Abri a porta e vi-a com um sorriso radiante, abrindo os braços para um abraço.
- Entra aí. - se pareceu comigo ao pisar naquela sala pela primeira vez, olhava para os lado incansavelmente, observando cada um dos mínimos detalhes. Passei na frente dela, impedindo que ela comentasse ou disparasse qualquer pergunta antes que eu as explicasse, e com um aceno de cabeça, ela me seguiu até o quarto.
- Vai ficar babando aí ou vai se sentar? - mandou uma cara de "af" e fechou a porta antes de se jogar na minha cama, pouco se preocupando.
- Pronto, agora sem enrolação, me explica tudo porque minha curiosidade não suporta tanto. - Ela esfregou uma mão na outra, demonstrando entusiasmo.
- A história do creio que Jhon já tenha te contado e, bom, é aquilo mesmo nada a acrescentar. E devido ao meu sumiço, é que meu pai sofreu um acidente. - se levantou num pulo, apoiando-se apenas em um de seus braços, com a face perplexa de espanto. Ameaçou abrir a boca algumas vezes, mas nada além de alguns leves gemidos saíam dali.
- E você não me liga pra pedir um ombro amigo? Como seu pai está agora, aliás, como você está?
- Uma pergunta de cada vez, apressada. – Ri. - Meu pai está melhorando melhor do que o esperado, e é por isso que eu estou bem, apesar de ainda estar preocupada, sei que ele está em boas condições e que logo se recuperará. Eu não te liguei porque quando eu fiquei sabendo eu mal tinha forças para me segurar em pé sozinha, imagine lembrar de dar um telefonema de aviso, e, bom, estava comigo o tempo todo, o que me deixou, digamos que, reconfortada, entende? - voltou a franzir o rosto inteiro como sinal de que havia uma interrogação gigante ali, já era de se esperar aquilo, lerda como sempre.
- Huh, o , ? Você espera que eu acredite nisso? Ele só tem olhos para o próprio umbigo!
- Eu não tenho porque mentir para você e não te culpo se não quiser acreditar, já que isso é um tanto quanto estranho até para mim. No começo ele foi todo arrogante e mauricinho, eu admito, mas de repente ele pareceu se importar. Ele é como um mistério, é difícil definir a expressão dele em determinados momentos, às vezes eu chego a achar que ele é daquele jeito apenas para se mostrar intocável ou até mesmo para mostrar para os amigos que ele é tão bom quanto todos os outros populares. - Abaixei meu olhar para minhas unhas, descascando o esmalte preto já envelhecido, tentando disfarçar a vergonha que eu estava ao pronunciar aquilo em voz alta, em admitir que eu reparava tanto em até chegar a perceber que ele não era tão mal quanto aparentava ser.
- Então o muda quando está longe de todo mundo? - Pude sentir o olha dela em cima de mim.
- É, isso mesmo. - Levantei minha cabeça até poder encarar os olhos brilhantes de .
- , eu não sei se isso é bom ou se é ruim.
- ! Definitivamente é ruim, ok? - Eu realmente não conseguia imaginar onde via um lado bom em tudo isso. Às vezes ela era um tanto quanto estranha e não a culpava por isso.
- , não se finja de desentendida, não esconda seus sentimentos, não de mim. - Ela carregava em seu semblante uma cara sapeca como quem pudesse ler mentes e acabara de descobrir algo que a pessoa não se permitia enxergar.
- Por Deus, ! Com certeza você não está raciocinando muito bem hoje, mas eu vou te explicar certinho. Ele é meu meio irmão agora, e o que teremos não será nada mais do que convivência, captou? - Ela apenas entortou de leve os lábios como quem se rendera, mas mantera a mesma teoria. Gênio forte dá nisso. Peguei novamente o notebook que estava ao meu lado para tentar desviar a conversa, o que eu consegui com sucesso. era o tipo de companhia agradável e bastante confiável. Apesar de ser bastante desmiolada em alguns quesitos, eu realmente apreciava-a.
Respondemos todos os e- mail que eu havia recebido, e contei a ela sobre cada um daqueles que os enviaram. A tarde realmente não tardou em ser acelerada, o que fez o dia escurecer como um pisque de olhos, já que nos distraíamos com qualquer besteira que víamos na internet; Clipes, fofocas e vídeos fizeram parte do roteiro daquela tarde.
- , já tá bastante tarde e minha casa não é muito perto daqui, então é melhor eu ir indo, amanhã tem aula. - rolou os olhos, e eu ri do sofrimento que ela carregava ao pensar no colégio.
- Eu realmente gostaria de ter um carro para te dar uma carona, mas ao que parece nem está em casa ainda. - Fiz cara triste, demonstrando que eu queria mesmo poder poupá-la de andar sozinha pelas ruas mal iluminadas, pelos postes elétricos e acompanhada de um frio mórbido.
- Não se preocupa, eu sei disso. - Ela andou até mim e me deu um abraço de despedida, logo em seguida me seguiu até a escada.
Eu estava relativamente bem melhor depois de ter passado a tarde distraindo tudo de mal que havia acontecido nesses poucos dias, mas só até aquele momento. Parei na ponta da escada assim que vi a cena. deitado no sofá totalmente nu com sentada em seu colo, igualmente à ele, movimentando-se devagar. Senti a mão de tocar meu ombro como quem pede para voltarmos a subir as escadas, mas não o fiz, era tarde, já havia me visto parada e totalmente perplexa encarando-os, e a essa altura ambos já se vestiam as pressas. Confesso que o corpo de havia mexido comigo, como que se eu fosse um ninguém ao lado dela, aquelas curvas delineadas e peitos fartos parecendo uma verdadeira boneca com longos cabelos escuros e bem hidratados. Inevitavelmente, isso me fez viajar em pensamentos e voltar a pensar na época em que eu era bulímica, sim, eu era gorda e agora meu corpo era um tanto quanto satisfatório devido a nada mais ter parado em meu estômago depois que aquilo começou a acontecer; e eu mal sei como que eu consegui sair viva daquela doença, mas não me sentia culpada, eu tinha meus motivos.
Peguei o braço de com calma e a levei até a porta, enquanto os dois nos encaravam com expressões distintas, fechei a porta, porém, fui interrompida pelo , que a manteve aberta, dando espaço para deixar o lugar. Passei ao lado dele tentando manter a naturalidade e de canto consegui vê-lo passando a mão pelos cabelos freneticamente e bufando.
- , espera. - Parei ao terceiro degrau e levantei uma das sobrancelhas, indicando para ele prosseguir. - Me desculpe por isso, eu nem tinha lembrado que agora você também morava aqui.
Ótimo, ele não lembrava da minha existência, aliás, qual a surpresa nisso tudo, mesmo? Como eu era ingênua ao pensar no com outros olhos, ou até por alimentar possíveis sentimentos. Ele era o garoto perfeito e disputado do colégio, e eu estava mais para a nerd gorda que não pegava ninguém e que estava envergonhada por levar o primeiro fora. Ridículo. Fechei meus olhos com uma força maior que a necessária, já que eu conseguia ver galáxias devido à pressão que ocorria ali.
- Já era de se esperar - foi a única coisa que eu disse enquanto ele continuava imóvel observando o espaço onde antes eu ocupava, com cara de arrependimento.

Fechei a porta do eu quarto e passei a chave, a última coisa que eu queria agora era olhar para o , isso definitivamente estava fora de cogitação. Tirei o casaco que desde cedo eu ainda não havia se livrado e o joguei em cima da cadeira da escrivaninha; em seguida, entrei no banheiro, onde eu me despi por completo. Abri bem pouco o chuveiro deixando a água ardentemente quente cair por sobre meu corpo arrepiado devido à falta de roupa. Fechei meus olhos e deixei que a água lavasse meus cabelos também, já que manter a cabeça fora da água impedia que meu corpo todo se aquecesse. Olhei para baixo e me permiti pensar em tudo aquilo, na feição de , no corpo de , e em meu próprio corpo, encarei minha barriga levemente vermelha devido a temperatura da água que caía ali, um pneu podia ser visto, a única coisa que me causava desgosto juntamente com a falta de seios. Tudo estava tão errado, tão deslocado, como se fosse apenas a zebra em meio aos leões. Peguei o sabão e cobri de espuma tudo aquilo que me incomodava em meu corpo, como que se em uma lavagem tudo aquilo pudesse sair ralo abaixo. O vidro do box já estava completamente embaçado e algumas gotículas de água escorregavam por ali, parecendo lágrimas. O shampoo fazia com que meus olhos ardessem, mas pouco me importava isso agora, fechar os olhos e ver a escuridão parecia assustador naquele momento, estar sozinha era a única coisa que eu precisava agora, e o banheiro não me parecia nada mal. Pensar em baixo do chuveiro era algo que eu fazia sempre, que me sentia melancólica ou nostálgica, era como uma terapia secreta, como se tão pouco adiantasse tanto, e logo uma brisa fria que adentrou da janela, tocando meu corpo quente, me fez chegar à conclusão que já era hora de sair dali.
Sai do box e me sequei rapidamente, por fim, enrolando a toalha em meu corpo até chegar ao guarda roupa e colocar um pijama comprido qualquer, já que o clima parecia sempre constante. Deitei-me e passei por baixo da colcha, aconchegando-me nos lençóis, malditos lençóis que me lembravam de tudo o que eu lutava para esquecer por alguns míseros segundos. E novamente me peguei pensando em tudo aquilo, era como uma maldição ou algo inapagável, não sei por quanto tempo me perdi em devaneios ou quantas vezes rolei de um lado para o outro sem encontrar uma posição favorável, só sei que adormeci.

O som estridente do despertador invadiu o quarto e eu mal conseguia me lembrar de quando eu o programei para despertar. Minha cabeça doía como se eu mal tivesse dormido, o que dificultou minha vontade de levantar do meu aconchego. Com muito esforço e com toda a calma possível, entrei no banheiro para fazer as higienes de sempre e me trocar para o colégio. Terminei tudo em pouco tempo já que não tinha muito que fazer, apenas colocar o uniforme e pentear o cabelo. O relógio ainda marcava 6:30, o que indicava que eu não precisaria de pressa para chegar ao colégio, peguei minha mochila e carreguei-a sobre um ombro só enquanto descia as escadas para poder sair daquele ambiente pesado. E, para minha surpresa, estava sentado no sofá encarando a estante à sua frente, enquanto balançava a chave do carro com seus dedos. Ao notar minha presença, ele se levantou e colocou as mãos nos bolsos da calça.
- Precisa de uma carona? - Seus olhos brilhavam implorando para que eu não recusasse.
- Hoje você lembrou que eu também moro aqui, huh? - Levantei uma das sobrancelhas e segurei a maçaneta da porta, pronta para girá-la.
- , para com esse drama, não é o fim do mundo! Aliás, eu nem sei o que eu tô fazendo aqui te esperando para ser gentil, eu não devo explicações da minha vida pessoal pra ninguém, muito menos pra uma mimada que ficou ofendida por eu ter dito a verdade, e outra, a gente mal se conhece. - se alterou e, por impulso, agiu como um ignorante. Eu realmente não podia me chatear com isso, não podia passar de convivência, afinal, onde eu queria chegar com esse sentimento quase de incesto? Mas como? Como se livrar dessa melancolia ao ouvi-lo se dirigir a mim com tanto desprezo?
- Tudo bem, , se você acha isso, que assim seja, e muito obrigada, mas não preciso da sua carona. - Entortei a boca enquanto falava e sai dali em passos largos, antes que as lágrimas ameaçassem sair de minhas pálpebras, antes que minhas pernas perdessem o foco e eu voltasse correndo de volta para debaixo das cobertas.
- ! Espera aí. - Fechei meus olhos com força, reprimindo-me de qualquer ato seguinte, e só então virei para encará-lo, levemente próximo a mim e com as mãos na nuca. Sua boca se abria e alguns sons podiam ser ouvidos, mas nada complexo saía dali, era evidente o seu nervosismo. - Droga, me desculpa, eu não quis dizer naquele contexto, eu só bom, sei lá.
- Não se preocupe, , está tudo bem. - O que uma mentirinha pequena poderia fazer de tão mal?
- Então, vem comigo? - Seus olhos eram esperançosos.
- Não precisa, , vou caminhando, mesmo. - Sorri e recomecei meu caminho.

A extensa rua extremamente calma deixava no ar um clima levemente melancólico, tudo estava silencioso, exceto pela arrancada de com o amado Civic, eu mal entendia a necessidade de usá-lo para ir até o colégio, duas quadras não era grande coisa. Não encontrei Jhon pelo caminho, o que fez parecer mais demorado. De longe, uma grande faixa pendurada na entrada do colégio anunciava que o baile de fim de ano começaria a um mês. Confesso que não estava nem um pouco interessada, mal cheguei à cidade, mal tinha amizades, e é lógico que eu faria de tudo pra juntar Jhon e , seria o casal do ano, mal podia esperar por isso, o que me deixava sem opção de acompanhantes, mas talvez eu poderia ir sozinha, apenas pra aproveitar a festa, realmente parecia uma opção tentadora.

Adentrei a sala agitada e um tanto quanto tumultuada sem razão aparente, já havia me esquecido como as coisas eram por aqui. , como sempre, estava sentado em sua cadeira ao fundo da sala em uma posição aparentemente sexy, cercado por uma garota em especial, . Isso era também uma das coisas que já não me surpreendiam mais. Olhei para o lado e vi Jhon sentado de lado conversando com uma menina que possuía um jeito de nerd e uma expressão extremamente adorável, sorri de lado para os dois e voltei a me focar em meus cadernos. Por incrível que pareça, as três primeiras aulas passaram rápidas ou eu que não me importei em prestar atenção, mesmo. Levantei-me e segui Jhon até o refeitório, mas focando minha atenção completamente no meu celular. Passar perto das caras de putas me causava um incômodo arrepiante. sorria abertamente, e eu estranhei de primeira vista até eu observá-los se cumprimentando com um selinho. O que eu perdi mesmo?
- Ah claro, agora eu vou ser vela ambulante? - Curvei minhas sobrancelhas, um pouco espantada com a notícia repentina em que ambos nem sequer haviam me avisado.
- Claro que não, , eu paro. - sorriu de lado encostando a cabeça no ombro de Jhon, que possuía um brilho extra nos olhos verdes água.
- Eu realmente fico me perguntando quando vocês pensariam em me contar. – Sentei-me na frente dos dois abaixando meu olhar até as mensagens do meu celular.
Definitivamente, a melação dos dois me dava diabetes, e eu não os culpava, só preferia não assistir. Fui até a cantina comprar um suco natural só pra ter algo para fazer enquanto aquela tortura não acabava. Estava sozinha já que todos estavam devidamente ocupados, dirigi-me para o jardim atrás da quadra onde era bastante calmo. Um pequeno lago com uma cachoeirinha causava um som sereno e tranquilizador. De onde estava conseguia ver a parede onde ficava junto com seus amigos rotineiros, no qual fazia-o mudar na presença dos mesmos. A discussão com rodava pela minha cabeça, causando-me um enjoo no estômago, por mais que no fim nos resolvêssemos, ficava aquele desconforto rondando meu espírito. O sinal soou alto, fazendo minha cabeça pesar. Levantei-me devagar jogando o suco intocado no lixo, fome não era um problema pra mim. Segui até minha classe e vi no maior amasso com antes do professor adentrar a sala de aula. Abri meu caderno nas últimas folhas para poder rabiscar ou escrever qualquer coisa que me viesse à mente. Escrever era uma das coisas que eu gostava de fazer para extravasar sentimentos, bons e ruins. A voz do professor parecia distante nos meus ouvidos e o silêncio tedioso do ambiente era angustiante, rabisquei a folha devagar e quando dei por mim, a inicial dele tomava conta da folha, maldição! Transformei-me em tudo aquilo que eu prometi para mim mesmo que eu jamais seria, "a garota bobinha e apaixonada". Fala sério, tá fora dos padrões.
Fechei meu caderno, já que aquilo só ajudou a piorar a situação, e saquei meu celular, escondendo-o pelos livros e estojo, o professor com aparecia acabada já havia cessado a explicação e como estava sentado, dificultava-o de ver o aparelho. Entrei nas minhas redes sociais para desprender minha atenção em outros assuntos até conseguir esquecer completamente, mas tudo parecia estar ligado, tudo parecia perfeitamente calculado para dar caminhos que me ligasse até ele. Bufei baixinho e desliguei o aparelho, guardando-o no bolso do meu moletom. Deitei a cabeça em meus braços e fiquei curtindo o escuro, sentindo sensação de sono me invadir.

- ? - Levantei a cabeça devagar, estranhando a claridade em meu rosto. ? Olhei em volta e percebi que a sala já estava completamente vazia a não ser por nós dois, era para ser apenas um cochilo.
- Vamos, já acabou as aulas de hoje. A não ser que você queira ficar aí. - Estava demorando para chegar a ignorância do rei . Juntei às pressas meu material e o joguei na mochila, observando com as mãos no bolso parado ao meu lado. deixou a sala, e eu fui seguindo-o com alguns passos atrás. O clima continuava nublado e frio, como sempre, e, por incrível que pareça, eu já estava acostumada com ele, era como uma terapia observar aquelas nuvens acinzentadas carregadas de frio e mistério. Sai do meu devaneio quando começara a adentrar seu próprio carro, mantendo a porta aberta e me encarando.
- Entra aí. - Ele se esticou e abriu a porta do outro lado para que eu pudesse entrar. - E nem vem com graça, vamos. - Não custava nada ceder, não é mesmo? E fui isso que eu fiz. Adentrei o carro completamente fechado, devido ao frio, que prendia ali todos os vestígios de perfume dele, aquele cheiro gostoso e amadeirado na medida certa. Fechei meus olhos e encostei minha cabeça na janela preta do carro, permitindo-me pensar em nada e em tudo ao mesmo tempo. Mesmo que não falasse nada, que eu apenas sentisse a presença dele ali, já era perfeitamente satisfatório.
Desci do carro logo após dele estacionar e subi para meu quarto pronta para descansar, não havia ficado em casa novamente e, pelo jeito, ele estava evitando trazer a aguada para cá depois do acontecido. Fui até meu guarda roupa e me troquei já que queria passar lá no hospital ver meu pai.


Nota da Beta: Qualquer erro encontrado, me avise pelo e-mail.

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