Escrita por: Flávia C.
Betada por: Flávia C.



A vida estava sendo muito boa com ela. é uma pessoa tranquila e geralmente otimista, mas é inegável que tudo está ocorrendo melhor do que esperado. Em alguns meses, ela estará formada e pronta para atuar como advogada. Ela e Michael estão mais firmes do que nunca e, para completar, sua melhor amiga está de volta em sua vida.

olha para , que está organizando a mesa, algo que deveria ter feito horas antes, mas acabou se esquecendo; já se ofereceu para ajudar, mas foi rejeitada diversas vezes. está celebrando vinte e cinco anos, não é uma idade qualquer e, por insistência dos amigos, acaba fazendo uma pequena reunião em sua casa. Josh e Stephen, com quem já se encontrara diversas vezes, ainda não chegaram, portanto sente-se um pouco deslocada naquele ambiente. Kimberly e o marido estão no sofá, é a primeira vez que visitam San Francisco e estão acompanhados do bebê de sete meses. foi visitá-los em Nova York duas vezes já desde o nascimento, mas parece não se cansar de pegar o bebê no colo. sente seus instintos maternais aflorarem e se pergunta como seus filhos com Mike vão se parecer.

Michael não vai à festa, apesar de ter sido convidado. Ele e estão aprendendo a conviver melhor agora, ainda existe um certo desconforto quando são deixados sozinhos, mas está na casa deles tão frequentemente que a estranheza está fadada a desaparecer algum dia. Pelo menos, é o que espera.

- ! Atende a porta para mim – grita quando a campainha toca. São três amigos da companhia da nova companhia de balé.

Era engraçado como elas duas tinham caído em uma rotina de tanta familiaridade em tão pouco tempo. Nos primeiros meses, havia sido bastante estranho estarem juntas de novo. Combinavam de se encontrar para jantar às vezes, tentando encontrar tempo entre os estudos de , ensaios de , Michael, e amigos. Mas cada vez tudo se tornava mais fácil, antigos hábitos e piadas internas ressurgiam como se nunca tivessem ido embora. É claro que elas estavam mudadas, as duas estavam mais adultas, mais maduras; de alguma forma, porém, elas ainda tinham uma conexão perfeita.

Às vezes, precisa resistir à vontade de abraçá-la e beijá-la. suspira e se aproxima da amiga, passando a mão por sua cintura e ajudando-a a terminar de arrumar tudo. É muito fácil, para ela, pensar no tempo que passou com como um erro, deixar para trás e se focar no seu relacionamento com Michael. Não é à toa que eles estão juntos há quase sete anos, realmente o ama. Mesmo assim, tem dias que não consegue ignorar que talvez seja sua alma gêmea e elas conseguiram arruinar tudo, de alguma forma.

~*~




No dia da formatura de , todos seus amigos comparecem. Ela ainda vai ter que esperar meses até sair o resultado do exame que a qualifica como advogada, mas isso não a impede de já comemorar. Michael está sentado ao lado de seus pais, está algumas fileiras atrás, acompanhada de Josh, de quem havia se tornado amiga nos últimos meses, e alguns de seus outros amigos que havia feito na faculdade.

Seus pais parecem surpresos ao encontrar , apesar de já ter contado sobre seu reencontro há meses. A conversa entre eles não dura muito tempo, porque logo ela está se despedindo de e indo jantar com sua família.

Faz tempo que não vê seus pais, mas depois de uma semana deles ali, ela já está cansada. Ao longo dos anos, eles já vieram tantas vezes a San Francisco que não têm mais o que visitar, por isso passam a maior parte do tempo em seu apartamento. Quando eles finalmente voltam para casa, só quer se jogar no sofá, ler um livro e relaxar.

Está já quase acabando seu livro quando Michael chega do trabalho, trazendo comida chinesa de seu restaurante preferido para viagem. Eles jantam juntos no sofá, Mike fala sobre seu dia e confessa sobre como está aliviada por seus pais terem ido embora. É um programa típico deles, por isso ela não desconfia nem um pouco de que algo que está para acontecer. Michael se levanta para jogar fora as embalagens e restos, nem percebe que ele discretamente vai até o quarto, ela já está de novo com seu livro, preparada para voltar a ler.

Michael retorna, deixando seu nervosismo transparecer pela primeira vez, e já está ajoelhado ao lado de quando ela finalmente percebe o que está acontecendo. encara o anel com os olhos brilhando, não é completamente inesperado que ele a peça em casamento, eles estão namorando há tempo suficiente para saber que caminho vão seguir. Ela sorri enquanto aceita o pedido e passa o resto da semana se sentindo a pessoa mais feliz do mundo.

No dia seguinte, a primeira pessoa para quem ela liga para contar as notícias é . Ela está tão feliz que reencontrou a amiga antes do casamento, imagina se Michael tivesse a pedido no ano anterior? apenas ri do outro lado e diz que ela teria arranjado de aparecer no casamento de qualquer forma. A voz de não parece tão alegre, mas está inserida demais em sua bolha de felicidade para perceber, então apenas continua tagarelando sobre seus planos e como tem que ser a madrinha. Ela não consegue pensar em nada melhor do que entrar na igreja, com seus pais do lado, casando-se com Michael, o homem que ela mais amou em toda sua vida e, ainda por cima, acompanhada de sua melhor amiga.

Alguns de seus amigos não entendem como ela poderia continuar amiga de assim, como elas podiam ter passado tantos anos sem ao menos se falar e agora agirem como se não conseguissem se separar. Para falar a verdade, muitas vezes também não entende, a única coisa que sabe é que os anos sem foram como se faltasse uma parte dela.

Não é mais nada romântico, por mais que muitos gostem de insinuar isso, havia deixado essa parte do relacionamento no passado. Ela é feliz com Michael, tão feliz quanto poderia sonhar, nunca pensaria em traí-lo ou terminar com ele. Por mais que às vezes pense com nostalgia sobre seu namoro com , ela sabe que seu lugar é ao lado de Michael. Não porque ele um é homem, está confortável o suficiente com sua sexualidade e não se importa com o gênero de ninguém, a questão é Michael por si só. Ele é a pessoa mais tranquila que conhece, gosta de escutá-la falar e passar a tarde em casa, só os dois.

A única grande briga que tiveram foi antes de sua viagem para Nova York, movida por insegurança e ciúmes. Já tinham se passado muitos anos desde então, e agora Michael está seguro o suficiente em seu relacionamento, inclusive incentivando a amizade entre ela e .

suspira olhando para seu anel de noivado e sorri.

~*~




vai com ela experimentar o vestido de noiva. Sua mãe deveria ir com elas, mas por um imprevisto acabou não podendo viajar até a cidade, então as duas vão sozinhas. veste pelo menos cinco vestidos antes de encontrar o ideal, ela sabe que acertou dessa vez pelo brilho nos olhos de . sorri, mas seu olhar triste não escapa a atenção da amiga. não quer pensar no que isso significa, então simplesmente ignora, comentando sobre seu casamento.

- Você pensa sobre a gente às vezes? – pergunta mais tarde, em seu apartamento.

não responde. As duas estão sentadas no sofá, as pernas de por cima das suas, a TV ligada no plano de fundo, mas sem ninguém assistir. sabe o que a pergunta significa, não importa se ela pensa ou não, pensa. O coração de dá um pulo. Ela vai se casar em alguns meses, não pode entrar em conflitos com seus sentimentos agora.

- Ver você naquele vestido de noiva... – completou – De algum modo, sempre pensei que nós acabaríamos juntas.

Não é uma declaração, não exatamente. entende o que está por trás da frase, ela não está só falando do passado. Mas ela não pode pensar assim, a amizade de é muito importante para ela e deve ser protegida. Se ela aprendeu algo nesse um ano em que elas haviam se reencontrado, é que não poderia voltar a viver sem . E para isso, elas precisavam ter os limites de amizade bem estabelecidos.

- É – ela murmura depois de um tempo – Nós perdemos nossa oportunidade.

Os sentimentos de são tão claros quanto a luz do dia. Ela pode tentar esconder, mas sabe. Uma parte de si gosta disso, por mais que seja egoísta, gosta de saber que continua sendo dela. Mas, em geral, só quer que siga em frente, que arranje alguém para amar, assim como ela achou Michael. Ela ama a amiga e quer que ela seja tão feliz quanto possível, e sabe que isso não poderá acontecer ao seu lado.

~*~




tenta superar seus sentimentos por . Ela tenta não pensar em em um vestido de noiva, muito menos pensar nela mesma com um. Elas são melhores amigas e ela não poderia ser mais grata por ter de novo em sua vida, por mais que todos seus anos em Nova York tivessem sido maravilhosos, só agora ela está completa. Não precisa de nada romântico ou sexual com , só estar ao seu lado já é o suficiente.

Mas ela quer uma família também. Ela quer encontrar alguém que olhe para ela como olha para Michael. Como ela olha para . Para isso, precisa deixar o que sente de lado e seguir em frente.

sobe nas pontas dos pés de novo, pronta para interpretar esse novo papel. Faz anos que ela havia deixado as coreografias para o palco, mas às vezes ainda precisa fingir. Se sua adolescência serviu para uma coisa foi para treiná-la a esconder seus sentimentos, não demonstrá-los.

Imagens de seu namoro com Liam aparecem na sua mente e ela se sente enjoar. Não é a mesma coisa, ela não tem mais a família ou o colégio atrás dela, não é mais obrigada a namorar garotos para se esconder. Mas não deixa de doer.

Os passos podem ter mudado, mas continuavam sendo ensaiados.

~*~




Falta uma semana para o casamento. Entre seu trabalho como recém-formada e todo o planejamento, mal vê o tempo passar. Por mais ansiosa que esteja para a cerimônia, está ainda mais para já estar casada. Ela quer voltar a sua rotina normal, descansar ao lado de seu marido. Ela vê suas amigas conversando e bebendo na despedida de solteiro. São duas amigas de seu trabalho, quatro da faculdade e , todas já se conhecem de outros eventos sociais e a mais excluída no momento é ela mesma.

Uma delas chama sua atenção, dizendo que ela está muito calada. Ela observa conversando com uma de suas amigas da faculdade, quem ela chamou exatamente por esse motivo. Sabia que Courtney era o par ideal para a amiga, mas agora que de fato via as duas juntas não pode evitar sentir um pouco de ciúmes. O que é ridículo, é claro, considerando que estava na sua própria despedida de solteiro, ela não tem direito nenhum de sentir ciúmes de ninguém além de Michael. Ela observa a bebida intocada na sua mão e suspira, levantando-se e indo em direção a suas amigas, deixando-se envolver na atmosfera de festa.

À medida que as horas passam, suas amigas vão se despedindo, até sobrar apenas Courtney, e ela. Courtney parece esperar voltar para casa com , mas é quem volta.

O quarto-sala está meticulosamente arrumado e se esparrama pelo sofá, senta ao seu lado.

- Você não parecia estar muito feliz na festa – comenta, erguendo as sobrancelhas – Está ficando nervosa pelo casamento?

- Só estou cansada com todos os preparativos, estou quase jogando tudo para o ar e só indo com Michael até o cartório – ela ri e elas ficam em silêncio por alguns minutos – Você e Court pareceram se dar bem.

- É, acho que sim, ela é legal. Você está tentando nos juntar? – a pergunta é para ser uma brincadeira, mas assim que sai de seus lábios sabe que provavelmente é verdade.

- Eu vou me casar – responde.

pensa em contestar a resposta, dizer que não foi isso que ela perguntou. Mas, no fundo, havia sido. sabe de seus sentimentos – como não saberia? Ela consegue a ler como um livro aberto e não é uma atriz tão boa quanto gosta de imaginar. Não consegue enganar nem a si mesma.

vai se casar e não tem volta. Ela e Michael estão juntos há anos e duvida muito que eles se divorciem um dia, ela já viu os dois juntos o suficiente para saber que isso é sério. Por mais que queira declarar seus sentimentos, implorar para abandonasse tudo e ficasse com ela, fugissem juntas ao pôr-do-sol, ela sabe que ama o noivo e não fará isso, consegue ver em seus olhos. Também consegue ver que a ama, o suficiente para ficar em dúvida caso fizesse uma dessas coisas.

É por isso que não pede. Ela se aproxima de e encosta seus lábios nos dela, nenhuma das duas aprofunda o beijo. É quem se afasta primeiro.

- Eu sei – ela murmura – Por isso que eu peguei o telefone de Courtney e vou ligar para sair com ela.

apenas assente, não consegue dizer nada. Ainda sente os lábios de sobre os seus e uma parte dela quer puxar para si e beijá-la até se esquecer de todos seus problemas. , porém, é uma pessoa pragmática e sabe que isso não seria certo. Sabe também que não deveria se casar se tem esses pensamentos sobre a melhor amiga, mas outras cartas estão em jogo.

- Eu estou grávida – ela confessa – Poucas semanas, não o suficiente para fazer qualquer ajuste no vestido, mas...

- Uau.

- Não contamos para ninguém, nem para nossos pais. Queríamos esperar até depois do casamento.

não fala nada, só concorda com a cabeça. Ela leva alguns segundos para absorver a informação, em uma semana estaria casada com Michael. Em nove meses, eles seriam uma família completa. A mudança demora instantes, ela coloca o sorriso no rosto, sempre pronto para aparecer, e fala sobre como está feliz e como quer ser a madrinha.

Esse é o espaço destinado a ela na vida de .

~*~




Ela está feliz. O dia está um pouco mais frio do que ela gostaria e ela está um pouco mais enjoada do que o planejado, mas ainda assim ela está feliz. é a madrinha do casamento e a acompanha até alguns minutos antes da cerimônia, ela segura sua mão e a assegura de que tudo vai dar certo. Dois minutos para seu casamento e seus olhos se enchem de lágrimas, ela quer sair correndo dali, tirar esse vestido apertado e finalmente conseguir respirar. Ela quer ficar um tempo sozinha e descobrir como é ter uma vida sem Michael e sem , só com ela mesma.

O que ela faz, entretanto, é limpar as lágrimas e colocar um sorriso no rosto, encontrar seu pai no lado de fora do quarto e caminhar até o altar. Ela vê Michael do outro lado do salão e não precisa mais fingir o sorriso.

As lágrimas que caem no meio da cerimônia são de felicidade, e ela coloca a culpa de qualquer sentimento de dúvida nos hormônios da gravidez.

Talvez ela ainda tivesse algumas dúvidas e talvez ela não devesse ter se casado assim, mas a vida não é perfeita. Ela precisa fazer o melhor com o que lhe é dado. Michael será um ótimo marido, assim como ele havia sido um ótimo namorado.

Não é em que pensa ao dizer seus votos, nem no bebê que está em seu ventre. Ela pensa em todos os anos que passou ao lado de Michael, pensa em por que aceitou se casar com ele em primeiro lugar e todos seus medos desaparecem. Ela está onde deveria.

e Michael se casam em uma noite estrelada no final de fevereiro de 2008.

Em outubro do mesmo ano, o casal anuncia a chegada de seu primeiro filho, Aaron.

~*~




não desce das pontas dos pés por alguns meses. Ela se torna a bailarina mais bem paga da companhia e compra um novo apartamento, com uma varanda. Ela observa San Francisco, tão diferente da cidade pequena que ela cresceu, enquanto ensaia os passos para sua próxima coreografia e se pergunta se alguma coisa mudou. Dez anos se passaram e ela continua no mesmo lugar, apaixonada por uma garota que não pode ter, repetindo os mesmos passos em ordens diferentes. Vendo todos encontrarem o seu lugar, mas nunca pertencendo a nenhum.

Ela passa dias com , passeando com ela e Aaron, almoçando com a família deles. Ela sai com Court e com outras diversas mulheres, tentando esquecer a quem seu coração pertence. Às vezes ela consegue. Ela ajuda Josh a terminar de montar sua escola, conversa com seus colegas e procura possíveis professores que queiram se juntar ao time. Ela não sabe se está pronta para abandonar a companhia, se aventurar em outros ramos da profissão.

Josh encontra o local perfeito para a escola de dança, aluga a casa e começa a planejar a reforma. sente seu estômago formigar com as mudanças.

Ela visita Kimberly em Nova York, só para descobrir que também já não pertence mais ali. O filho de Kim e Brian está fazendo três anos, eles estão voltados para a família e com amigos completamente diferentes. Kim fala sobre como seu trabalho de professora a deixa com mais tempo para cuidar do filho e como ela e Brian estão pensando se devem ter um segundo ou não.

A cidade está diferente, apesar de quase tudo continuar no mesmo lugar. Ela passa pelos lugares que conhecia e se sente uma turista novamente.

Ela volta para San Francisco uma semana depois, mas só se sente em casa quando bate à sua porta, querendo saber tudo sobre a viagem.

~*~




Casamento é mais fácil para do que ela imaginaria. Tudo se encaixa na sua vida e ela consegue alcançar uma harmonia perfeita. Michael trabalha bastante, mas continua sendo um marido atencioso e um pai ainda melhor. O nascimento de Aaron apenas aproxima os dois, e não tem dúvidas que tomou a decisão certa ao se casar.

Ela ama sua família e não trocaria por nada no mundo.

Talvez às vezes ela feche os olhos e pense sobre uma realidade alternativa, onde ela e nunca tenham se separado. Onde ela e Michael nunca ficaram juntos pela primeira vez, ficassem apenas como conhecidos, ele teria se casado com outra mulher, provavelmente teria sido tão feliz quanto agora. iria para San Francisco com ela desde o início, elas dividiriam um apartamento perto de Stanford e se casado assim que se tornasse legal na Califórnia. Elas morariam em uma casa agora, estudaria seus casos observando ensaiar. Elas falariam sobre adotar uma criança ou inseminação artificial.

Aaron nunca teria existido.

Não se pode ter tudo o que quer. Mas ela está bem perto disso, pensa ao olhar o teste de gravidez em sua mão. Ela sorri, passando uma mão pela sua barriga, Aaron já está com mais de dois anos, ela e Michael vinham tentando outra gravidez.

Seu futuro bebê nunca teria existido.

~*~




está acompanhada quando liga com a notícia. Dessa vez, ela não sente um buraco se abrindo em seu peito. Não é assombrada por imagens de com o bebê de Michael nos braços, ela já conhece muito bem essa cena, vê toda vez que sai com a amiga. Ela é surpreendida ao notar que está feliz pela amiga, por conseguir a família que ela queria. O casamento feliz que gerou dois filhos perfeitos, esse sempre foi o destino de .

- Quem era no telefone a essa hora? – a mulher esparramada na cama pergunta, virando-se para seu lado.

- Só uma amiga minha – diz – Ela está grávida.

- Bom, pelo menos com isso não precisamos nos preocupar – ela ri, rolando por cima de e a beijando.

Não é a primeira vez que ela acorda ao lado de Lauren e espera que não seja a última. Ela trabalha como arquiteta da escola de dança, tem um senso de humor carregado e consegue se imaginar ao seu lado por um bom tempo. Olhando para Lauren, ela sabe que está pronta para deixar no passado.

A escola inaugura um pouco depois do seu aniversário de vinte e nove anos, Josh e Stephen fazem uma festa para celebrar, mais eufóricos do que nunca. Todos os funcionários já estão contratados e comparecem ao evento que acaba sendo maior do que Josh poderia prever. Lauren está ao lado de o tempo todo, as mãos entrelaçadas e sente que talvez tenha encontrado seu novo lar.

passa apenas para dar um oi, depois do trabalho e antes de voltar para casa. Aos seis meses de gravidez, sua barriga aumenta cada dia mais e ela está cansada demais para ficar em festas. Ela sabe que está perdendo cada vez mais o lugar na vida de , ela vê como Lauren conhece todos ali, se encaixa perfeitamente, e sai discretamente do local.

~*~




A bolsa d’água de estoura em um dos dias mais quentes de julho, o dia mais longo da vida dela. Ela passa horas em trabalho de parto e o nascimento é complicado. Harper nasce silenciosamente, é a única que chora na sala. As duas passam semanas no hospital depois, Harper precisa ficar na UTI neonatal.

A volta para casa não é tão reconfortante quando espera. Harper é um bebê que precisa de mais cuidados do que o normal, atenção o tempo todo. Aaron, ainda com menos de três anos, não entende por que a mãe ficou afastada por tanto tempo e não aprecia ter a atenção desviada dele. Michael está estressado por causa das crianças e do trabalho, precisando trabalhar ainda mais agora que está de licença não remunerada.

começa a entender o que as pessoas queriam dizer quando falavam sobre como era difícil manter um casamento. Cada vez que as duas crianças começam a chorar ao mesmo tempo, ela sente que vai explodir. Não que ela não ame seus filhos, ela só precisa de umas férias.

Sua casa está sempre lotada, com crianças, seus pais, seus sogros e cunhados, todos visitando para ver como Harper está. Ela pensa em correr para a casa de , ficar algumas horas com seus filhos aos cuidados de outros. Mas sabe que está ocupada, com os ensaios, a escola e Lauren. Não que elas tenham parado de ser amigas, tinha a visitado no hospital e em casa várias vezes, mas talvez elas finalmente tenham chegado a um ponto em que suas vidas fossem muito diferentes.

~*~




decide sair da companhia logo depois de seu aniversário de trinta anos. Sabe que poderia continuar por mais tempo lá, ainda é uma ótima bailarina, uma das melhores ali sem dúvida alguma, mas prefere priorizar a escola, que, em um ano, vem ganhando notoriedade e já é o suficiente para sustentá-la, principalmente sendo sócia de Josh como uma das donas.

Ela nunca imaginou que poderia se divertir tanto sendo professora, criando e adaptando coreografias, sendo um modelo a ser seguido. Na maior parte do tempo, ela ensina turmas avançadas, mas havia assumido um cargo como professora infantil depois que uma das funcionárias precisou sair de licença médica. Talvez seja a idade falando, mas se sente cada vez mais apegada às crianças. Ela pensa em e seus dois filhos, na pequena Harper de oito meses, que deu um susto tão grande nos pais quando nasceu, mas é o bebê mais adorável que já viu.

Ela suspira, tentando desviar seus pensamentos, ela mal vê hoje em dia.

tem Lauren e está tão feliz quanto poderia estar. Seus sentimentos não são exatamente iguais ao que sentia por , nem ao que sentia por Amber. Mas ela imagina que o amor possa se manifestar de diferentes formas, isso não o torna mais ou menos verdadeiro. Ela imagina se também se sente assim em relação a ela e Michael. Tudo o que ela sabe é que gosta – talvez até ame – Lauren, e dessa vez não deixará seus sentimentos por interferirem.

Ela está prestes a ligar para a namorada para perguntar se elas podem almoçar juntas quando sente a presença de alguém atrás dela. Uma de suas turmas acabou de sair, então imagina que seja apenas uma de suas alunas voltando.

- ? – a pessoa pergunta e sente seu corpo congelar na hora.

Ela precisa de alguns segundos até conseguir se virar na direção da voz e, quando o faz, não sabe como reagir. Uma mulher está parada a alguns metros de distância, se não fosse a voz não tem certeza se reconheceria seu rosto. Não depois de tantos anos.

- Sienna – ela murmura, franzindo a testa.

Faz mais de dez anos desde que ela viu a irmã pela última vez, em seu aniversário de quinze anos. Sienna não tem mais a mesma cara de criança que tinha quando ela deixou a cidade, quando ela pensou que nunca mais veria sua família novamente. E, de alguma forma, estava certa. Nenhum deles tentara a contatar durante todos esses anos. Até esse momento.

- O que você está fazendo aqui? – sua voz soa mais ríspida do que ela intenciona, toda a mágoa e raiva acumulada aparecendo.

Sienna não fica assustada com o tom de voz e, por um momento, parece realmente envergonhada de ter aparecido assim. imagina que talvez esteja interpretando demais as reações de Sienna, porque não consegue combinar a imagem da irmã, tão egocêntrica a ponto de gritar com ela por ter arruinado seu aniversário no pior momento de sua vida, com o que está vendo agora.

- Eu estava em San Francisco e resolvi passar para dar um oi – Sienna diz, depois de um tempo em silêncio. apenas ergue as sobrancelhas para essa resposta, ninguém simplesmente resolve dar um oi depois de dez anos – Desculpa – ela completa, fechando os olhos e balançando a cabeça – Eu me mantive atualizada sobre você, , o máximo que eu pude. Suas apresentações em Nova York, quando você se mudou para a Califórnia e, depois, abriu essa escola. Eu pensei em vir te ver várias vezes ao longo dos anos, principalmente depois que eu fui para a faculdade, mas eu nunca tive coragem. Não depois do que aconteceu.

não interrompe o discurso. Ela pensa que pode começar a chorar a qualquer minuto, mas consegue conter suas lágrimas, não dará o luxo de chorar por isso, de mostrar o quanto toda essa história com sua família havia a impactado. Ela gosta de fingir que era superior a isso, que estava bem mesmo depois de ter sido abandonada, e agora isso era quase verdade, ela tinha conseguido se virar, encontrar sua própria família junto a seus amigos. Mas era óbvio que aquilo tinha a impactado, não tinha como.

Ela não diz nada, mesmo depois que Sienna para de falar e se aproxima até ficar ao seu lado, quase a tocando.

- Eu sinto muito, – Sienna continua – Eu devia ter feito alguma coisa quando papai e mamãe brigaram com você, quando eles não ligaram mais. Eu devia ter ficado do seu lado. Eu levei alguns anos para perceber isso, e mais alguns para criar coragem de vir falar com você. Mas nós somos irmãs, devemos ficar juntas. Eu sei que não é tão fácil assim, que eu sou praticamente uma estranha agora, mas eu quero você de volta na minha vida.

Definitivamente, ela não soa nem um pouco como a menina que tinha visto pela última vez. Mas as pessoas mudam e estaria mentindo se dissesse que a ideia de ter sua família de volta não parecia atraente a seus olhos.

- Por que agora? – ela finalmente consegue perguntar – Aconteceu alguma coisa? Eles sabem que você está aqui? Eles- - ela não continua a pergunta.

Não precisa, assim como não precisa especificar a quem se refere.

- Os dois estão bem – Sienna responde – Eles sabem que eu estou em San Francisco, mas aqui, aqui, não acho que saibam. Para ser honesta, não acredito que eles saibam nem que você está aqui.

É mais do que pergunta, mas ela precisava saber. Seus pais não sabem que ela está ali, provavelmente não ligam. A mensagem é bastante clara: Sienna é a única com interesse em se reconectar com . Seus pais estão felizes em deixar as coisas do jeito que estão.

- Então por quê?

- Eu vou me casar – Sienna sorri e abre a bolsa, tirando um envelope de dentro – Faltam alguns meses, dá tempo de você se planejar para ir até lá.

não sabe nem o que dizer sobre isso. Ela segura o envelope e encara por alguns segundos, boquiaberta, sem acreditar no que vê.

- Você está brincando? – ela fala, confusa – Você quer que eu vá no seu casamento? Onde nossa família inteira deve estar?

Sienna parece pega meio de surpresa, como se só então percebesse o que isso significaria. quase ri ao perceber que, por mais mudada que estivesse, Sienna ainda continuava presa no seu próprio ponto de vista, incapaz de tirar sua mente dela mesma por muito tempo.

- Você não precisa falar com eles. Vai ser uma festa grande, talvez eles nem vejam você. Ou mesmo que vejam, o mais provável é que te ignorem – ela disse e depois fecha os olhos, se arrependendo – Desculpa, isso soou meio malvado, não é? Mas é sério, , pelo menos pense no assunto. Você pode levar quem você quiser para te acompanhar. Significaria muito para mim ter sua presença lá.

fica calada, ainda observando a irmã, sem saber exatamente como agir.

- Eu vou pensar – ela diz, depois de algum tempo.

- Obrigada – Sienna abre um sorriso. Ela tira um papel e uma caneta da bolsa e escreve algo rapidamente, entregando-o a – Aqui está o meu telefone e o hotel em que estou hospedada agora. Vou ficar mais uma semana na cidade, se você quiser podemos marcar de nos encontrar. Colocar a conversa em dia.

Sienna faz menção de abraçar a irmã, mas desiste no meio do caminho e se vira, pronta para ir embora. Ela já está na porta quando ouve a chamar.

- Sienna. Obrigada por isso. Eu só preciso de um tempo, ok?

A irmã sorri e sai da sala, deixando sozinha com seus pensamentos.

~*~




O aniversário de um ano de Harper é celebrado apenas com os mais próximos da família. Os pais de vão até San Francisco, mas para a felicidade da filha aceitam se hospedar em um hotel, junto com os pais de Michael. Apenas um dos irmãos de Mike vem, trazendo seus três filhos com ele. Só isso já seria o suficiente para encher a pequena casa que eles habitam, mas de alguma forma ainda cabem vários de seus amigos.

sente que vai explodir durante a maior parte do tempo. Apesar de ser seu aniversário, Harper está em um mau-humor terrível, fazendo birra e chorando não importando o que ela fizesse; Aaron não está ajudando em nada, insistindo que quer sair para brincar e correndo pela casa, esbarrando nos convidados. Michael está tão cansado quanto ela, só que ao invés de dividirem as tarefas, ele simplesmente se juntou em um canto com seus colegas de trabalho enquanto ignora a família.

Ela se enfia no quarto junto com Harper, com a desculpa que precisava trocar a fralda da filha. Ela só precisa de alguns minutos, cogita deitar um pouco, mas fica com medo de algum dos convidados resolver procurá-la. Foi uma boa pedida, porque em menos de dois minutos, a porta se abre e entra sorrindo e trazendo um presente na mão.

- Hey, ouvi dizer que vocês duas estavam aqui – ela se senta no chão para conversar com Harper e entregar o presente, e então desvia a atenção de volta para – Desculpa pelo atraso, a escola está uma loucura agora na época de férias, e vou ter que parar daqui algumas semanas para o casamento, então estou tendo que me organizar... – ela começa a explicar, antes de perceber que não está prestando muita atenção, com a cabeça enfiada nas mãos – O que houve?

- Nada – ela suspira – Só estou cansada. Deveria voltar para a sala antes que alguém venha aqui nos procurar – faz menção de se levantar, mas a segura pelo braço e ergue as sobrancelhas – É sério, , não é nada demais, você sabe como ter toda a família aqui me deixa... E Michael e as crianças não estão ajudando em nada também.

- Mas o que essa coisa fofa pode ter feito para atrapalhar? – pergunta brincando, enquanto pega Harper no colo, mas logo fica mais séria – Eu sei que as coisas estão complicadas, , mas tudo vai melhorar, você vai ver. É só um dia ruim.

- Um ano ruim, isso sim.

não elabora seus pensamentos em voz alta. Uma parte dela quer continuar sentada ali e derramar todas suas lágrimas em cima de , mas não vai fazer isso, ela precisa se recompor e voltar para a festa. ainda parece um pouco preocupada, então se força a sorrir.

- Eu vou ficar bem – ela afirma, levantando-se e pegando a própria filha no colo de volta – Estou pensando em sugerir uma viagem para Michael, só a gente, sem as crianças por um final de semana inteiro. Talvez uma viagem romântica nos faça bem.

- É uma ótima ideia! – sorri – E por falar em romance, Lauren vai se mudar para meu apartamento. Não estamos namorando há tanto tempo, mas eu acho que estamos prontas.

não diz nada, apenas abraça a amiga em resposta. Pelo menos uma das duas estava feliz.

~*~




imagina o reencontro com sua família de muitas maneiras ao longo dos anos, mas o que realmente acontece é bastante diferente. Ela pensava que talvez fosse um dos seus pais doentes, ligando para encontrá-la uma última vez, mas ao invés disso é apenas Sienna, dez anos mais velha e com um convite nas mãos. Agora ela está parada na frente da igreja, Lauren ao seu lado, sem saber como entrar e encarar todos seus parentes. Ela tem certeza que já passou por todas possibilidades mentalmente, sobre quem de sua família poderia reconhecê-la, quem falaria com ela, quem nem ao menos saberia sobre o que aconteceu. Seus pais falariam com ela ou a ignorariam? Eles brigariam de novo ou fariam as pazes?

Ela e Sienna conversaram algumas vezes depois do reencontro, então sabe muito bem quem está convidado para o casamento. Também sabe que seus pais não fazem ideia de que ela estará lá.

- Vai dar tudo certo – Lauren murmura em seu ouvido, puxando-a para entrar.

se enfia em uma das fileiras do meio, sem nem se dar o trabalho de descobrir se era o lado do noivo ou da noiva. Ela ouve algumas vozes familiares e abaixa seus olhos, só levantando novamente quando a música começa. Sua respiração para ao ver sua mãe entrando. Mesmo com toda arrumação para o casamento, ela está muito mais envelhecida, o cabelo pintado de uma cor mais clara e mais curto, a maquiagem não conseguindo esconder todas as marcas da idade. morde o interior da bochecha para impedir as lágrimas de virem. Mal consegue prestar atenção enquanto o noivo e os padrinhos entram, ela não conhece nenhum de qualquer forma.

Sua atenção só retorna quando Sienna entra, braços dados com seu pai. Ela está com um vestido estilo de princesa, com renda na parte de cima e uma saia grande e chamativa, exatamente o tipo de vestido que a imaginaria usando. O sorriso no seu rosto a deixa ainda mais bonita, e consegue por um momento deixar de lado seus próprios conflitos e se focar em sua irmã. Mesmo depois de todas as mágoas, a imagem que vinha em sua mente agora não era de sua irmã brigando com ela, mas sim de todos os bons momentos que tiveram durante sua infância.

É só depois que Sienna já está no altar e a cerimônia começa que deixa sua atenção repousar em seus pais novamente. Ela olha para Lauren ao seu lado, pensa em como talvez queira casar com ela e, caso esse dia venha a chegar, ela sabe que não terá nenhum pai a levando ao altar. Ela sabe que mesmo se eles resolvessem vir falar com ela agora, nunca compareceriam ao seu casamento. observa sua mãe na primeira fileira, limpando as lágrimas, emocionada.

Seus pais podem até chorar por ela, mas nunca será por felicidade.

Ela consegue passar despercebida por toda cerimônia, e vai direto para a festa. Lauren está animada, segura sua mão o tempo todo em sinal de apoio e tenta convencê-la que nada de ruim vai acontecer, mas isso não para a taquicardia de .

Duas amigas de infância de Sienna a reconhecem, param para dar oi, mas não aprofundam o assunto. agradece por isso. Ela evita qualquer um de sua família e quase consegue, se não fosse interceptada por uma de suas primas, já fazendo bom proveito do open bar. Ela pergunta se ainda está morando em Nova York e se Lauren é sua namorada, porque ela não vê motivo para mentir, responde às perguntas e recebe apenas um “legal” como resposta. A prima vai embora tão de repente quanto chegou, mas não sem antes declarar que ela deveria aparecer nos eventos familiares de novo, só para animar as conversas. se sente estranha ao receber a confirmação de que sua família definitivamente conversou sobre ela e, caso se lembre no dia seguinte, sua prima com certeza irá contar para o resto da família sobre sua presença no casamento.

Sienna leva mais tempo do que ela imaginava para aparecer. Mas chega com um enorme sorriso no rosto, arrastando o marido pela mão.

- , você veio! – mesmo tendo recebido a confirmação há meses, Sienna parece surpresa, puxando a irmã para um abraço – Fiquei com medo de você desistir. Mas ainda bem que não, estou tão feliz que você esteja aqui! – ela quase grita de felicidade – Vamos tirar uma foto juntas!

Antes que possa protestar, um fotógrafo aparece, posicionando as duas para uma foto, e depois tirando outra incluindo o marido e Lauren.

- Essa é sua namorada? Lauren, certo? – Sienna pergunta, liberando o fotógrafo para tirar outras fotos. apenas confirma com a cabeça – O que você achou do casamento? Gostou do meu vestido? Eu mandei fazer especialmente para mim, mamãe achou que era um pouco extravagante demais, mas esse é todo o objetivo de se casar, não concorda? Ah! Por falar nisso, você encontrou alguém da família? Eu não avisei que você viria, como você pediu, mas, , realmente acho que é uma ótima oportunidade... Não tem como alguém ficar chateado com você hoje, todos estão tão felizes por eu estar me casando!

- E eu não quero tirar a atenção de você – a corta, sabendo que se deixasse Sienna iria continuar falando ininterruptamente e esse seria o argumento mais convincente para impedi-la de avisar seus pais de sua presença.

- Mas eles vão saber um dia, , tia Celeste, tio George e Marion já me perguntaram se era você que tinham visto... E você sabe que eu não sei mentir.

- É, Marion já veio falar comigo – afirma, referindo-se à prima – Não tem problema, Sienna, não me importo que eles saibam que eu estive aqui.

Sienna parece prestes a dizer alguma coisa, mas seu marido sussurra alguma coisa em seu ouvido e ela desiste. Ela puxa para outro abraço, agradecendo por ela ter vindo e, depois, abraça Lauren também, dizendo que espera encontrá-la mais vezes. O marido de Sienna abraça também, dizendo brevemente que foi um prazer conhece-la – a primeira vez que o ouve falar – e então os dois somem na multidão.

- Podemos ir agora? – pergunta para Lauren, suspirando de alívio.

- Você tem certeza que não quer falar com mais ninguém?

olha em sua volta, vendo vários rostos desconhecido, Sienna estava certa quando disse que seria uma grande festa e talvez ela nem encontrasse sua família. Ela vê alguns de seus primos mais distantes dançando longe dela, assim como algumas tias sentadas na mesa. Mordendo seu lábio inferior, ela faz um esforço e consegue ver, quase do lado oposto do salão, seus pais sentados na mesa. Sua mãe está olhando para o outro lado, mas seu pai olha em sua direção. Ela não tem como saber se ele está a enxergando ali, decidindo se fala alguma coisa ou se apenas olha para frente sem prestar atenção. está a alguns passos deles, pode se aproximar e quebrar o silêncio de anos.

Seus pais a abandonaram anos antes. Ela era filha deles e eles a expulsaram de casa, mandaram suas coisas e nunca mais a procuraram. Sienna era nova quando aconteceu, se arrependeu e veio pedir desculpas, por isso poderia deixar de lado. Mas seus pais? Ela não tinha obrigação nenhuma de perdoá-los.

- Não tem mais nada aqui para mim – ela responde – Vamos embora.

~*~




- O que você acha de comemorar o natal aqui em casa mesmo? – sugere para Michael.

Eles estão deitados na cama, lendo seu livro, enquanto Michael lê o jornal no seu iPad. Harper e Aaron já dormem em seus respectivos quartos, os dois exaustos depois de terem passado o dia brincando no parquinho. se sente em paz, ela olha para Michael e é como se o último ano de distância e constantes brigas nunca tivesse existido. O final de semana que tinham tirado para viajar dois meses antes serviu como um impulso para eles resgatarem o relacionamento. pôde relembrar por que, afinal, namorava com ele há tantos anos.

- Quer chamar meus pais? E os seus? – ele franze a testa, confuso, já que odeia quando todos eles visitam ao mesmo tempo – Tem certeza que está bem, amor? – ela apenas ri e revira os olhos com o comentário.

- Não, sem nenhum deles. Seus pais podem ficar na cidade, comemorar com seus irmãos. E posso tentar convencer os meus a viajar, sei lá. Só acho que seria legal as crianças ficarem em casa, Aaron já está com quatro anos então talvez esse seja o primeiro natal que ele lembre quando crescer. Isso é importante, não? E também vai ser o primeiro natal que Harper vai poder participar de verdade – ela divaga sobre o assunto, pensando sobre suas próprias memórias – Pensei que talvez pudéssemos chamar a , se ela não for passar com a família da Lauren, podemos chamar o Mark também – ela fala sobre um dos amigos de Michael – Só chamamos os amigos mais próximos para um jantar, e então depois vamos ser só nós quatro. O que acha?

Michael pensa um pouco sobre o assunto, averiguando as possibilidades. Eles sempre vão até a cidade dos pais para passar o Natal, já que assim podem reunir as duas famílias. Mas esse havia sido um ano complicado para o casamento deles, ao ponto que Michael honestamente cogitara se talvez os dois devessem se divorciar. Com todo o trabalho que eles tinham em seus empregos e em casa com as crianças, eles mal tinham tempo para passar só os dois. Passar mais tempo com sua família não ajudaria seu casamento.

- Acho uma boa ideia. Eu já tinha pedido férias no trabalho para caso a gente fosse viajar, mas posso passar mais tempo aqui em casa.

- Isso ia ser ótimo, Mike – ela se aproxima do marido, beijando-o – Eu sinto falta de passar tempo só com você – ela diz, aconchegando-se perto do marido.

- Então o que me diz de colocar esse livro de lado e passar um tempo com seu marido? – ele sugere, fazendo sorrir – Que tal assistir um filme? Algum que não seja desenho animado?

- Hmmm, uma ideia tentadora. Mas Aaron comeu toda a pipoca ontem, assistindo Carros 2 pela milésima vez – ela revira os olhos e Michael ri, sabendo como o filho está viciado nesse filme.

- Então por que você não vai escolhendo o filme que vamos assistir enquanto eu vou ali comprar alguma coisa para a gente comer? – ele diz.

Dando um beijo na testa de , ele se levanta, vestindo o casaco e pegando a chave e carteira. o observa, sorrindo. Ela vai fazer seu casamento funcionar.

- Posso escolher uma comédia romântica? – ela pergunta, passando pelos filmes disponíveis no Netflix.

- O que eu não faço por você? – ele responde, dando de ombros.

Antes que ele possa sair do quarto, o puxa para um beijo, passando a mão por seu cabelo.

- Eu te amo, vai rápido – pede, sentando-se de volta na cama e voltando sua atenção para os filmes.

- Eu volto daqui a pouco.

Ele não volta.

~*~




Michael é atingido por um carro em alta velocidade a duas ruas de distância de sua casa, às onze horas em uma fria noite de dezembro. A ambulância chega em menos de dez minutos, levando-o para um hospital. A sacola do mercado, contendo dois pacotes de pipoca de microondas, um vinho barato e um cartão para sua esposa, é esquecida na rua.

é notificada às 23:35 e precisa ligar correndo para para que ela possa cuidar de Harper e Aaron enquanto ela vai para o hospital. Correndo o máximo possível, sem saber o estado do marido, somente que ele está em cirurgia.

Michael é declarado morto às 00:13 do dia oito de dezembro de 2012, quinze minutos depois de sua esposa chegar ao hospital, enquanto seus dois filhos dormem em casa, sem saber o que os aguarda.

~*~




se vê em um espelho, vestida de preto, os olhos inchados. Ela se vê sentada com duas crianças pequenas, uma de cada lado, o corpo do seu marido deitado no centro. Morto. Ela sente como se estivesse fora do seu próprio corpo, vendo tudo isso de fora. Ela não consegue entender como isso se tornou sua vida. Ela estava feliz, positiva e esperançosa em relação ao seu casamento e, em um espaço de poucas horas, ela tinha se tornado viúva.

A família de Michael chora e a abraça. Seus pais, com as mãos nas suas costas, dizem que eles estão ali para o que ela precisar, caso ela queira voltar para casa ou se quiser que eles se mudem para San Francisco. Aaron não para de perguntar sobre o pai, mesmo que ela já tenha sentado e conversado com ele pelo menos três vezes. Harper murmura “papá” de vez em quando, mas o único resultado disso é fazer a mãe começar a chorar.

imagina que vá doer ainda mais quando eles pararem de perguntar, pararem de sentir falta. Quando eles não se lembrarem mais do próprio pai.

Ela cria o hábito de se trancar no banheiro e chorar, o único lugar onde ninguém fica a perguntando como ela está. Ela só quer se deixada sozinha, tentar voltar a sua rotina normal. Há mais de dez anos, ela acorda e vai dormir ao lado de Michael todo dia. Sua vida nunca mais será a mesma.

De uma forma totalmente distorcida, seu desejo se realiza. Ela passa o natal em casa, as crianças confusas, ainda ser entender muito sobre o que está acontecendo. A família inteira ali, ocupando espaço, não confiando em nenhuma de suas decisões por causa de “seu estado emocional”. Ela agradece quando todos eles vão embora no final de dezembro, deixando-a sozinha com as crianças.

Mas a verdade é que é ainda pior quando a casa fica vazia, quando só tem ela para olhar os filhos e ela precisa reconhecer a solidão de sua vida sem Michael nela. Aos poucos, as crianças vão se acostumando a nova rotina, Aaron para de perguntar. Harper aprende outras palavras.

precisa aprender a andar com seus próprios passos.

~*~




observa a vista da janela. De longe, ela consegue ver a iluminação na ponte. Ela não mora perto o suficiente para enxergar completamente, mas por causa do relevo de San Francisco ela consegue ver os indícios dos fogos de artificio no céu. Prova de que tinha passado da meia noite e já estavam em um novo ano. Ela suspira, bebendo um pouco do champanhe em sua mão.

- Feliz ano novo – murmura para si mesma, uma lágrima solitária escorrendo por seu rosto.

Ela escuta o barulho da festa na casa vizinha, vê as pessoas passando e rindo alto, sem se preocupar com a hora. Sua própria casa está silenciosa. Tanto seus pais quanto seus sogros concordaram em deixá-la sozinha para o ano novo, seus amigos estavam todos em festas e ela não estava no clima para comemoração.

- Mamãe? – Aaron aparece atrás dela – O barulho me acordou.

não fala nada, apenas chama o filho para sentar ao lado dela e aponta para os fogos, mostrando para o filho. O ano novo é uma época de recomeços, só não sabe se está preparada para recomeçar sua vida. Ela fica ali até o filho adormecer em seus braços, então levando-o para o quarto. Harper dorme profundamente, alheia a toda confusão no resto da cidade.

Os fogos terminam e está pronta para ir dormir quando seu celular toca. parece animada do outro lado, desejando um feliz ano novo. consegue ouvir o barulho no outro lado da linha, sabe que a amiga foi em alguma festa com Lauren, Josh e Stephen. Ela pensa que talvez tivesse sido mais saudável ir até uma festa, tentar desviar seus pensamentos da tragédia que era sua vida. Mas era tarde demais para isso, ela estava começando o ano sozinha. Ela desliga o telefone depois de responder o feliz ano novo, dizendo que está cansada e precisa ir dormir.

Ela deita na cama, mas não prega os olhos. O buraco em seu peito só parece aumentar à medida que os segundos passam, ela se sente mais solitária do que nunca.

A campainha tocando a pega de surpresa. Ela levanta confusa e abre a porta, apenas para encontrar , sozinha, do outro lado. A amiga a abraça antes que ela possa perguntar o que ela está fazendo ali.

- Eu vim ver como você estava – explica, antes mesmo da pergunta ser feita.

- E Lauren?

- Ela tem companhia – ela dá de ombros – E você precisa mais de mim agora. Ninguém deveria passar o ano novo sozinho.

Isso é o que basta para começar a chorar de verdade. Ela deixa a amiga entrar e as duas se sentam no sofá da sala. não diz uma palavra, apenas segura a mão da amiga enquanto ela derrama todas as lágrimas que precisa.

- O que eu vou fazer, ? – diz quando consegue controlar o choro o suficiente para respirar – Como eu vou cuidar de Aaron e Harper? Como eu vou ficar sem Michael?

Não é uma pergunta que exija uma resposta, por isso apenas continua segurando sua mão, passando a outra por seu braço em um gesto de reconforto. balança a cabeça, sendo confrontada com todos seus medos e inseguranças. Ela precisa pensar no futuro, no que vai acontecer com ela e com seus filhos, e não tem certeza se aguenta.

- Nós passamos o ano passado inteiro brigando – ela fala por fim, o fato a consumindo por dentro – Eu pensei que nós fôssemos nos divorciar e tenho certeza que ele pensou também. Mais de um ano afastados, estressados por qualquer motivo e ele morreu antes que eu pudesse salvar nosso casamento.

continua calada, apenas assente, demonstrando que ela está escutando. Ela é a única pessoa para quem pode contar sobre isso, para todo o resto eles eram apenas o casal perfeito, sem problemas, a esposa perfeita agora viúva.

- Aquele tinha sido um ótimo dia – murmura – Eu achei que tudo fosse dar certo, sabe? Ele me olhou como olhava antigamente... Íamos assistir um filme e ele saiu para comprar pipoca. É um motivo tão idiota para sair de casa, se ele tivesse ficado nada disso teria acontecido – ela para por uns segundos refletindo – Eu pensei que eu ia conseguir fazer isso, ia conseguir fazer nosso casamento funcionar, ele voltaria para casa, eu o beijaria e seria como se o último ano nunca tivesse acontecido. E então eu recebo a ligação dizendo que ele está no hospital... Isso não é justo. Ele morreu em um casamento ruim.

- Claro que não, resolve finalmente se pronunciar quando fica calada por mais de alguns segundos – Vocês estiveram juntos por doze anos, talvez o último não tenha sido o melhor, mas isso não significa que o casamento de vocês tenha sido ruim. Michael te amava e sabia que você o amava, isso que importa no fim. Pelo o que você está dizendo, me parece que ele morreu feliz, pensando que tudo daria certo entre vocês – assente com esse comentário – Não é justo que vocês não tenham tido a chance de descobrir se daria ou não, mas não há justiça na morte.

fica em silêncio, apenas concordando com a cabeça. Pelo menos Michael não morreu brigado com ela, poderia ser pior.

- Eu não sei como fazer isso sozinha – ela diz depois de um tempo.

- Você não está sozinha – responde, abraçando-a – Eu estarei aqui para você, assim como sua família e muitas outras pessoas. Você pode estar sem Michael, mas você nunca vai estar sozinha.

- Que bom, porque eu preciso de você do meu lado, . Não me abandone.

sabe que as palavras são em vão. não pode prometer não deixá-la sozinha mais do que Michael poderia, mas ela precisa daquela promessa, mesmo que só por aquela noite.

~*~




Não é fácil, mas consegue se erguer no ano seguinte. Ela volta ao seu trabalho assim que as crianças voltam para a escola. Ela aprende a olhar para as fotos do marido sem sentir seu peito apertar e a contar histórias de Michael para os filhos sem derramar uma lágrima. Ela aceita o que aconteceu e consegue seguir com sua vida, talvez seu casamento com Michael não tivesse sido tão perfeito quanto ela gostaria, mas estava certa, eles tinham uma década de boas memórias, que ela poderia lembrar com carinho sempre que quisesse.

Mas, mais importante do que isso, ela ainda era jovem. Com um pouco mais de trinta anos, ainda tem muitos anos de vida a sua frente. Ela precisa cuidar das duas crianças, e também dela mesma. O final da vida de Michael não precisa ser o final da sua.

À medida que os meses passam, ela vai se acostumando a sua nova vida. A casa não parece tão solitária quando se tem duas crianças falando e correndo 24 horas por dia. Ela volta a sair com seus amigos, a convidá-los para sua casa e aceitar convites para as deles. Ela passa a agradecer pelas visitas constantes dos pais e dos sogros, que podem cuidar das crianças o suficiente para ela sair por algumas horas.

É difícil quando chega o dia dos pais e Aaron quer mandar um para Michael de alguma forma ou quando Harper completa dois anos sem o pai ao seu lado.

Um ano se passa e está feliz novamente.

Ela entra em 2014 acompanhada por vários de seus amigos. A festa na casa de Josh e Stephen é grande, e cheia de crianças – filhas de amigos –, muitas delas amigas de Aaron e Harper. está lá com Lauren, as duas andando sempre juntas agora.

Todos os casais se beijam à meia-noite e se sente sozinha por um momento. Ela não beija ninguém há mais de um ano, ela não pretende ficar solteira pelo resto da vida e sabe que Michael nunca esperaria isso dela, mas é difícil encontrar alguém quando se têm dois filhos pequenos para cuidar. Ela suspira e deixa esse pensamento de lado.

~*~




- Você não pensa em namorar de novo? – a pergunta um dia.

Elas estão sentadas na sala de e as crianças estão distraídas demais assistindo televisão no momento, então não se preocupa com elas escutarem a conversa.

- Não sei se estou preparada – ela admite – Ainda faz só um pouco mais de um ano – ela gira sua aliança no dedo – Mas talvez seja hora de seguir em frente.

- Eu posso te ajudar a encontrar alguém! – sorri com a proposta – Fui em um jantar de um amigo da Lauren outro dia, ele é solteiro, arquiteto e bonitinho, talvez a gente possa arranjar um jeito de vocês se encontrarem – ela sugere – Ou também entrou uma professora nova lá na escola, tenho quase certeza que ela gosta de mulheres...

- Vou precisar de um pouco mais de tempo para pensar – ela dispensa o assunto.

A verdade é que a única pessoa que pensa em namorar que não seja Michael é . Ela nunca pensou que chegaria um momento que ela ficaria sem os dois. Não que ousaria mencionar isso para , ela sabe que a amiga está feliz no relacionamento com Lauren já há mais de três anos, nunca interferiria nisso.

Seu tempo com havia passado há muitos anos. No outro lado do país, em uma cidade pequena quando ainda sonhava com o palco e Nova York, e ela pensava na universidade e a Califórnia. Uma vida atrás, antes de filhos, casamento, mudanças e brigas familiares, quando elas ainda eram apenas garotas inocentes e apaixonadas.

Aquele era o momento que ela poderia ter escolhido .

Agora? Elas são outras pessoas. é sua melhor amiga, madrinha do seu filho, um apoio depois da morte de seu marido e provavelmente futura conselheira amorosa. sabe que papéis deve seguir.

~*~




é uma ótima babá, ou pelo menos é o que descobre ao passar a cuidar de Aaron e Harper frequentemente depois que começa a sair. Depois de alguns meses de insistência, resolve aceitar a dica de encontros, deixando a melhor amiga encarregada de cuidar das crianças pela noite. Não que se importasse, ela era ótima com crianças – um talento descoberto após começar a dar aula para elas - e amava os filhos de mais do que qualquer coisa e ficaria com eles para sempre se a amiga deixasse. Passar o tempo com as crianças já se tornou uma atividade corriqueira para ela, de forma que até sente falta quando passa a semana inteira em casa sem sair.

Quando Lauren chega em casa do trabalho, é para encontrar sentada no chão, desenhando em um papel junto com Aaron, enquanto os dois cantam as músicas de Frozen, sem nem ao menos olhar para a televisão, onde o filme está sendo assistido por Harper, completamente envolvida em seu filme preferido. Lauren não é tão próxima de ou de seus filhos assim, elas são amigáveis por passarem tanto tempo juntos, mas não chegam a ser amigas, mas ela já está acostumada a receber as crianças em sua casa. Ela suspira, dando um oi para todos e se senta do lado de Harper no sofá. Pelo menos ela está em um dia Frozen, desde que completou três anos, a menina está mais falante do que nunca e alterna entre assistir filmes e falar sem parar, enchendo o adulto mais próximos de perguntas.

- Eu quero um gatinho de aniversário, mas mamãe não quer – Aaron conta para , enquanto os dois fazem desenhos juntos – Fala com ela, tia !

- Ah não, não posso me envolver nisso – ela ri – É só você prometer ser responsável que sua mãe vai concordar.

- Quero um Olaf, não gato! – Harper grita do sofá, aparentemente atenta o suficiente na conversa para dar sua opinião.

As duas crianças começam uma discussão sobre animais versus boneco de neve que não vai chegar a lugar nenhum tão cedo, e apenas revira os olhos e levanta para cumprimentar a namorada. Algumas horas depois, os dois estão dormindo na cama de casal delas, esperando pela chegada da mãe, que demora mais do que o normal naquela noite.

- Você poderia me avisar quando Aaron e Harper forem estar aqui – Lauren fala, um pouco mal-humorada.

- O quê? – pergunta meio confusa – Eles sempre vêm para cá e você nunca se incomodou, não achei que precisasse avisar.

- É só que estou cansada, queria dormir e não posso com eles aqui – ela solta um suspiro exasperado – Não tenho problema com você ficar com eles aqui, só me avise para eu me preparar, nunca me voluntariei para ser babá da – ela resmunga – Graças a deus nós não podemos ter filhos, eu não aguentaria isso na minha casa todo dia.

Não é a primeira vez que Lauren expressa sua opinião sobre filhos, então não está surpresa. Mas uma parte de si fica um pouco chateada, ela nunca levou muito a sério a ideia de ter filhos, porém passando todo esse tempo com os de , ela não pode deixar de sentir um aperto no coração ao imaginar que nunca terá isso.

chega algumas horas depois, pedindo desculpas pela demora e contando para sobre como o cara com quem tinha saído era legal. De todos os encontros que teve até o momento, ele era o melhor, eles tinham combinado de sair de novo e ele queria conhecer Aaron e Harper! O estômago de revira ao pensar em com esse outro homem, saindo com as crianças e se tornando uma família perfeita.

É quem vem arrumando a maioria dos encontros do , então não sabe porque está frustrada que teve uma noite boa. Mas algo na ideia de namorar de novo a incomoda bastante, ela poderia fingir que não sabe que sentimento é esse, mas sabe muito bem. Ela se sente suspirar quando sai levando uma Harper adormecida no colo e puxando Aaron, recém acordado, pelo braço. Isso não pode estar acontecendo de novo.

Ela procura o possível futuro namorado de no Facebook, tentando imaginá-la com ele. Quase revira os olhos com sua própria atitude.

- Foi com ele que saiu? – Lauren pergunta, olhando para seu computador.

- Aham – ela confirma, muito perdida em seus pensamentos para avaliar suas respostas – Não acredito que gostou dele, eles não tem nada a ver...

Lauren apenas franze a testa enquanto ouve falar sobre o que descobriu no perfil desse desconhecido.

- Ai meu deus – Lauren interrompe finalmente – Você está com ciúmes da ?!

- O quê? Isso é ridículo, é claro que não. e eu somos só amigas.

- Amiga por quem você foi apaixonada por anos! – Lauren exclama – Pelo amor de deus, , você ainda gosta da ?

não responde. Ela mesma não tinha parado para pensar sobre isso há muito tempo, será que tinha voltado a se apaixonar por ? Ou, para falar a verdade, será que algum dia ela não esteve apaixonada por ela?

Por mais que tente desviar do assunto tanto ela quanto Lauren sabem da verdade. Em algumas semanas, elas estão terminando oficialmente e está procurando por outro apartamento. Anos se passaram e lá está ela, terminando outro relacionamento por causa de , enquanto segue com sua própria vida sem se abalar.

Talvez esse seja seu destino.

~*~




fica hospedada na casa de enquanto não arranja outro lugar para ficar. diz que ela pode ficar por quanto tempo quiser, que ela gosta de ter companhia, mas não vê a hora de encontrar outro lugar para morar. O motivo é bastante simples, ela não vai conseguir controlar seus sentimentos vendo todo dia.

Há metade de sua vida, é apaixonada por . E agora ela está ali, saindo em encontros, deixando o passado para trás. sabe que essa é sua última chance com . E, ainda assim, ela não se mexe. Ela conta tudo para a amiga, menos sobre seus sentimentos.

Ela quer declarar seu amor quando volta para casa de um encontro mal sucedido. Quando as duas acabaram o expediente e estão cansadas. Quando Harper e Aaron estão brincando na sala e insistem para as duas participarem.

quer sair daquela casa o mais rápido possível porque não consegue suportar o quanto deseja que aquele seja seu lar.

~*~




passa dezembro viajando. Ela aproveita a desculpa de que os filhos precisam passar um tempo com os avós e tira férias pelo mês. Se passaram dois anos desde a morte de Michael e finalmente sente que está seguindo em frente. Nenhum dos encontros que ela tivera dera muito certo, por mais interessante que as pessoas fossem, ela simplesmente não conseguia se imaginar em um relacionamento com elas.

Ela pensa em , morando em sua casa há alguns meses. Pensa em como elas haviam caído em uma rotina e o quanto ela gostava de ter ali com ela, fazendo parte de sua pequena família.

se questiona se é justo com Michael ela voltar a ficar com . Se, de certa forma, não pareceria que ela estivera sempre apaixonada por e foi só o marido morrer que seus sentimentos voltaram. Mas não é isso. Ela sempre amou , assim como amou Michael. Quando ela era adolescente, não era o tempo certo para estar com , por isso ela escolheu Michael. Elas eram jovens, estavam brigadas, tinha seus próprios assuntos para resolver com a família, cada uma queria seguir seu caminho.

Ela teve seu tempo com Michael. Uma ótima década juntos, que ela sempre pensaria com certa nostalgia. Michael morreu sendo amado por ela e ela sempre o amaria. Mas ela estava viva.

e estavam finalmente na mesma página agora. As duas estavam solteiras e não havia nenhum motivo para que elas não pudessem seguir em frente.

~*~




volta para casa no final do ano, deixando Aaron e Harper para passar o ano novo com os sogros, que depois trariam os netos de volta para San Francisco. não toma nenhuma iniciativa em relação à , elas apenas continuam agindo na mesma forma de sempre. Mesmo que agora já tenha consciência de seus sentimentos, não existe nenhum clima estranho com . Conversar com ela é tão fácil quanto sempre foi.

As duas estão sentadas no sofá na noite de ano novo. O champanhe aberto na mesa, cada uma com um copo, enquanto assistem um especial na televisão. apoia a cabeça no ombro de , completamente relaxada.

- Eu te amo – declara, fazendo com que levante a cabeça para olhá-la.

Não é nenhuma novidade. As duas sabem que se amam, mas dizer em voz alta é o que basta para quebrar o feitiço que a impede de ficar juntos. a olha com a mais completa admiração e nunca quis nada mais do que beijá-la.

Elas estão a poucos centímetros e não leva mais de um segundo para encostar seus lábios nos de . passa os braços pelas costas da amiga, trazendo-a para seu colo. não precisa responder o “eu te amo”, não agora. Nenhuma das duas precisa explicar o que mudou ou quando perceberam que estavam apaixonadas.

Elas sempre estiveram e agora estavam prontas.

As duas estão tão imersas uma da outra que não notam quando o relógio marca meia-noite. Da janela da sala, pode-se ver os fogos iluminando San Francisco, mas elas estão ocupadas demais para perceber.

~*~




olha para o lado, vendo adormecida, ainda com o braço em volta de sua cintura, a prendendo na cama. Ela ouve uma agitação vinda do outro quarto e sabe que Aaron e Harper já estão acordados.

1, 2, 3, 4.

5, 6, 7, 8.

Ela sorri e se levanta, pronta para começar o dia.

Ela prepara o café-da-manhã e acorda bem a tempo de comer com o resto da família. dá um beijo nela antes de sair para deixar as crianças no colégio e ir para o escritório. pega suas sapatilhas e roupa de balé, indo em direção para a escola.

Sua vida não era feita de passos decorados, mas sim de um grande conjunto de improvisações. Ela poderia deixar as coreografias para o palco e descer das pontas dos pés.

Em sua casa, com sua família, ela está finalmente livre.


Fim.



Nota da autora (28/03/15): Oláaa! Prometi que essa fic sairia até o fim de 2014, então - como podem ver - estou levemente atrasada... Mas pelo menos ela saiu! Algumas considerações que quero fazer agora: quando eu primeiramente tive a ideia de escrever Tiptoe, ia ser sobre uma personagem que percebia que estava apaixonada pela melhor amiga quando a vê se casando com um homem, e então ela amiga ficaria casada até que o marido morre, e então eu focaria em como essa outra amiga se apaixonaria também por ela depois da morte do marido. Mas aí eu comecei a pensar em como essas amigas se conheceram e tudo antes, e obviamente a história saiu totalmente do meu controle, tanto que a parte 1 e 2 da fic não tiveram absolutamente nada a ver com isso. E então cheguei na parte 3 que era o que eu *realmente* queria escrever, finalmente seriam as cenas que eu tinha idealizado desde o início, mas confesso que não ficou nem um pouco parecido como eu tinha pensado. Mas também gostei do resultado.
Fiquei muuuuito em dúvida em relação a matar o Michael. Eu pensei em fazê-los se divorciar, porque às vezes isso acontece, mas essa era uma das premissas básicas da fic e eu pensei que mudar isso, ia mudar coisa demais. Eu espero que tenha conseguido fazer vocês entenderem os sentimentos da pp2. Eu não queria fazer nada do tipo "ahh, ela se casou com um homem, e só depois que teve filhos e ele morreu que ela pôde ficar com uma mulher", porque não foi isso o que aconteceu. A pp2 amava os dois, de maneiras diferentes em momentos diferentes.
Eu escrever essa fic na perspectiva da pp2, mas a primeira acabou aparecendo de vez em quando, não consegui evitar, já me apeguei a escrever as coisas do jeito dela. Eu realmente tenho muito carinho por essa fic, e por todos os personagens dela, vocês não tem noção de quanto tempo fico pensando em cada um deles, em como todos - Kimberly, Sienna, Lauren, Michael - têm uma personalidade específica para mim. Não sei se consegui transpassar isso na fic para vocês, até mesmo por ser short (bom, mais ou menos, porque teoricamente ela é longa demais para ser considerada short) e se passar em um intervalo de tempo muito espaçado, não dá para aprofundar os personagens tanto quanto poderiam. Porque juro que poderia escrever 100k palavras sobre todas essas pessoas.
Originalmente, eu iria explorar um pouco mais o início do relacionamento delas, sobre a adaptação das crianças ao novo status, contando para os pais da pp2 e até mesmo como os pais de Michael reagiriam. Tudo isso estava planejado, mas depois eu me alonguei em /como/ elas chegaram até lá, e resolvi que preferia terminar a fic aí. Porque o que realmente importa é que ela ficaram juntas, ficaram felizes e o resto é plano de fundo.
Bom, agora vou parar de falar. Agradeço muito por todas que leram e comentaram, vocês foram o que me incentiveram a continuar escrevendo essa fic! Por favor, me digam o que acharam, se vocês acharam que o final foi bom, se sentiram falta de alguma coisa. Amo ouvir a opinião de vocês, sério, receber comentários nessa fic faz o meu dia!
Caso queiram falar comigo diretamente (apesar de que eu leio sempre a caixinha de comentários!) ou ficar sabendo caso eu poste mais fics, entrem no grupo do facebook, que eu aviso por lá!
Beijos,
Flávia.

Minhas outras fics:
Little Star (Restritas - Finalizadas)
Escolhas (Restritas - Finalizadas) - shortfic
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Laços de Sangue (Outros - Finalizadas)
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Tiptoe 2 (Slash - Finalizadas)


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