Tonight Is Just One Night
by: Lilah Aoki | betada por: Lara Scheffer


"A cada noite, o vício se torna maior"

Antes de ler, é recomendável assistir a este vídeo



“Brinque comigo,
você pode fazer o amor, eu farei o dinheiro
Fique comigo,
exclua o mundo, viva sob a cidade”

- The Great Shipwreck of Life (IAMX)

Paredes pintadas de branco até a altura de um metro e cinquenta. Acima disso podem ser visualizadas as sobras do papel de parede com menções art nouveau compradas há anos pelos antigos donos da casa. O cômodo é grande, tem esquadrias generosas cobertas por cortinas em tons claros: a coloração do fim da tarde as deixa charmosas, pois, em conjunto com a brisa que invade o quarto, vinda de alguma das aberturas superiores, produzem um movimento calmo e imprevisível. Tal movimento aumenta quando a porta é aberta e por ela o desconhecido serviçal adentra a passos leves, tocando o carpete com seus sapatos de couro preto. Tem os cabelos claros em fios volumosos, o rosto delicadamente desenhado e um olhar infantil e sério ao mesmo tempo. Usa uma camisa branca e calças escuras, um suspensório que dá destaque aos seus ombros não muito largos, e carrega uma bandeja prateada com copos plásticos dispostos nela. apenas o observa, ainda deitada em sua cama e coberta pelo edredom, pronta para pensar em tudo e nada em mais uma de suas noites solitárias. Não é a primeira vez que o vê, na noite anterior ele estava lá para servi-la com o coquetel de remédios receitado por seu médico. E na semana anterior também, com o mesmo propósito. Como já não tinha noção das pessoas que pisavam em sua residência, simplesmente acatava quaisquer ordens, assim como seu companheiro lhe ditara fazer: , aquele a quem ela um dia jurou amor, cuidava dela através das mãos de outros. Cuidava dela com o seu dinheiro.
Em silêncio, o serviçal acende a luz fraca do cômodo, descansando a bandeja sobre o criado mudo ao lado da cama onde repousa. Há meia hora tivera a companhia da cozinheira no jantar e estranhara ter de tomar outros medicamentos em um período tão curto de tempo. Ela o acompanha enquanto os sapatos de couro têm seu som amortecido pelo carpete e o garoto ruma até as janelas para fechar as abas elevadas das mesmas. As cortinas cessam e, ao dar meia volta, o rapaz sorri fracamente.

“Não preciso de mais comprimidos”, diz, sem desgrudar os olhos do serviçal. Acompanha-o enquanto ele caminha de volta ao outro lado da cama.

“Precisa dormir”, ele diz, “Não consegue fazer isso sem eles”.

nota a barrinha prateada no bolso da camisa do garoto e o nome dele reluz em contato com a luz artificial do quarto.

“Luhan”, ela lê e seu tom de voz causa curiosidade aos olhos dele. A garota se levanta com facilidade, pondo-se sentada com as pernas caídas na lateral da cama, as mãos apertam o lençol como se tivesse medo de cair de uma altura tão inofensiva. Ela presta atenção a tudo o que Luhan está fazendo e sabe que ele não tem permissão de dialogar com ela, assim como todos os outros empregados da casa. Apenas algumas palavras se fazem necessárias, sempre lhe avisara, impedindo-a de criar laços.
Como os laços que lhe causaram tamanho dano em seu passado.
Mas ela tem vontade de fazê-lo, ainda assim.
“Acabe com minhas noites monótonas”, ela pede. Luhan abre um pouco mais o seu sorriso, dando a impressão de que logo irá ignorá-la. Curva-se diante do criado mudo para tomar um dos copos plásticos com a mão e, de repente, despeja o conteúdo no chão. Cápsulas brancas e vermelhas são espalhadas pelo carpete em tom de bege, fazendo surpreender-se pelo ocorrido.

“O que está fazendo?”, ela questiona imediatamente, estranhando o modo como o garoto está a portar-se. Ele enfia a mão num dos bolsos da calça e tira de lá um pequeno plástico transparente com fecho. Aproxima-se, sem temer a reação dela como as outras pessoas, e esboça um sorriso ainda maior, elevando o plástico na altura dos olhos da menina.

“Estava esperando o seu pedido”, ele diz, usando as duas mãos para abrir o objeto. Tira de lá uma cápsula cor de absinto e a prende entre os dedos para melhor visualizá-la, “Eu vim para tirá-la desse marasmo”.

parece entender o recado e, sem medo ou receio algum, faz menção de pegar a pequena gota esverdeada das mãos de Luhan, mas ele a impede, afastando a mesma ligeiramente. Parece querer deixá-la ansiosa sem motivos. Ela não sabe quem ele é realmente, se é apenas fruto de sua imaginação ou se é mais um humano julgado apto a conviver livremente dentro da sociedade. Ela não o inveja por isso e não importa saber porque ele está ali ou como chegara. Nem para quê. Se o serviçal lhe estava oferecendo algo para tirar-lhe do cansaço causado pela paz extrema recomendada por muitos, ela aceitaria sem questionar.
Há muito tomara o impulso como prática de vida.

“Disse que não precisa de comprimidos”, Luhan fala, ainda mantendo as mãos longe dela.

“Mas este é bonito”, ela insiste. Ergue uma das mãos mais uma vez para tentar pegá-lo.

“Não assim”, ele pede calma com seu tom de voz sereno. Volta a aproximar-se, encarando os orbes inexpressivos de que, mesmo inquieta interiormente, não lhe passa nenhuma emoção maior. Lentamente, guia a cápsula até a própria boca, inserindo-a sobre sua língua, trancando-a. Seu rosto chega perto do rosto de , tão perto que ela é obrigada a tentar afastar-se por instinto, mas não há maneira de se mover quando uma das mãos do garoto pousa sobre uma de suas pernas. Uma invasão em seu espaço há muito conservado e isso faz com que ela tenha calafrios ao notar que os lábios de Luhan seguem em direção aos seus. Com a mão livre, ele toca o maxilar dela, fazendo-a dar-lhe passagem. E ele rompe o limite, dividindo o calor de sua boca com a dela, dando à ela a cápsula como um primeiro presente.
Luhan afasta-se e engole a gota gelatinosa sentindo o gosto doce largado em seus lábios pelo serviçal. Ele acaricia o rosto dela ainda fitando o modo como ela parece entregar-se tão facilmente.

“Vai demorar mais alguns minutos”, ele avisa, levando suas mãos até os ombros da menina para auxiliá-la a deitar-se novamente. Os cabelos caem por sobre o travesseiro e ele desliza o edredom pelo corpo dela, a fim de protegê-la do frio noturno. As mãos com dedos finos da garota tocam os braços magros dele, esperando alguma outra reação de sua parte. Mas ele estava terminando seu trabalho por ali.

“O que vai demorar?”, ela quer saber, finalmente se dando conta de que existe algo chamado consequência.

“Você vai ver”, ele responde. Dá alguns passos para trás e senta-se no carpete, assistindo enquanto os olhos de começam a pesar. Os minutos passam mais depressa que o normal e logo seu corpo começa a sentir certa leveza, estranha, mas gostosa. Ela tenta pensar em algo para dizer, mas seu cérebro parece estar sendo desconectado de tudo. Os sons já não são os mesmos, o cheiro impregnado em seu quarto já não parece familiar. Ela vira o rosto uma última vez e vê o movimento nos lábios de Luhan, escutando sua última sentença:

“Não saia da casa”.

Ela desperta com o som do telefone e pisca os olhos várias vezes, notando que está deitada sobre o divã do escritório.

“Wei?”

Ele pára de tocar, porém a voz que ecoa no cômodo não é familiar. observa as paredes em tons fortes de azul, as bordas das aberturas e o teto destacados em tinta branca, as esquadrias de madeira expondo suas marcações. não deixava que ela entrasse, então deveria ser o único local da casa onde ela sentia-se totalmente perdida. Ergue o corpo, colocando os pés no chão de mármore escurecido. O assoalho também é pintado de branco e os móveis são de madeira maciça escura, muito bem detalhados.

“Wei?”

Seus olhos buscam pela origem do som e encontram a figura de um rapaz, recostado à mesa principal. Segura o telefone com uma das mãos enquanto descansa a outra por sobre o móvel. Os dedos em contato com alguns papéis acabam por amassá-los. Veste uma camisa azul escura com detalhes prateados, uma bermuda preta e um cinto dourado. Nos pés um par de botas negras de couro. Move-se para devolver o aparelho ao gancho e o faz com uma elegância incrível.
A menina tem vontade de falar, mas espera que ele a note primeiro. Encara seu silêncio como uma alucinação: mais uma diante das muitas que a levaram a estar confinada na casa de número 1950. O garoto coloca as mãos em sua nuca, fechando os olhos enquanto solta um suspiro pesado. Parece cansado. Tem os cabelos bagunçados e jogados para a direita, e a pele clara parece ter sido pincelada em cada centímetro.
Ele abre os olhos e finalmente percebe que não está mais conscientemente sozinho. Esboça um sorriso, dando a entender que esperava o despertar de , mas ela não entende a situação. Minutos antes ela via Luhan, ouvia Luhan, sentia o gosto dele. Onde ele estava?

“No seu quarto”, o garoto responde ao seu pensamento. Caminha em sua direção lentamente, certo de que ainda pode assustá-la.

“Quem é você?”, a menina questiona, sentindo as mãos suarem depois de apertar o tecido da roupa que a veste. Então se dá conta de que usa uma de suas saias brancas rendadas. A surpresa a faz correr os dedos até a blusa rosada, cujos botões estão abertos até a terceira casa. Não usa mais a camisola e as janelas permitem a passagem da claridade. Não parece ser noite.

“Mas é”, ele diz, novamente lendo a sua mente, “esta é a minha noite. Meu nome é Lay”.

É uma surpresa para ambos ela não sentir medo, porém, o desconforto por estar descomposta parece evidente. tateia os próprios pulsos, sentindo sua pele quente em contato com os dedos frios, e olha para baixo. Percebe que Lay se aproxima quando seus ouvidos captam o som provocado pelas botas dele e logo o fita, enquanto o vê acomodar-se ao seu lado no divã. Ele tem os cantos da boca ligeiramente curvados para cima, mesmo demonstrando seriedade. Os olhos correm pelo tronco dela e as mãos completam a cena: Lay fecha cada um dos botões abertos e desliza seu cuidado para as mangas da blusa rosada, puxando-as para cobrir todo o braço da garota, cortando o interesse dela nas próprias articulações.

“Você não tem que se lembrar de nada”, ele diz, prevendo uma das dúvidas que surgiriam em breve na mente da menina, “talvez eu seja apenas mais um dos seus delírios.”

“Você é real demais pra ser somente isso.”

Um repentino amargo toma a sua garganta, espalhando-se por sua boca. pisca os olhos conforme o gosto fica mais forte. Sente as mãos de Lay tomarem seus ombros e olha para ele, esperando por respostas.

“Quanto mais dúvidas, menos tempo...”

A mesma empregada que sempre a acorda ao puxar as cortinas claras do quarto, toca seu ombro. abre os olhos e não entende o que está acontecendo. Tem a impressão de que se passaram apenas cinco minutos entre a companhia de Luhan e Lay. Mas fora uma noite inteira.
Sem dizer nada, a moça de vestes brancas lhe estende um copo d'água e espera pacientemente que tome o conteúdo, como sempre faz de manhã. Guia a paciente até o banheiro para ajudá-la a se banhar e se trocar. consegue fazer tudo sozinha, mas precisa de vigília.
Finalmente pronta, é levada para o andar inferior da casa. já está sentado à mesa do café da manhã e observa cada um de seus movimentos: desde os passos calmos até a maneira de sentar-se na cadeira à sua esquerda. Veste uma camisa branca sob um paletó azul marinho e tem os cabelos num tom de castanho que remete à cor das amêndoas dispostas num dos recipientes da mesa. Ele faz um sinal para a empregada, que se põe a observá-los num canto do cômodo: os olhos vidrados em cada movimento de , tratando-a como uma criminosa em regime semiaberto. continua a degustar dos quitutes em seu prato sem fitar os olhos da menina. Ela sabe que isso significa receio, algo que todas as pessoas parecem sentir quando estão próximas dela.
não diz nada até terminar sua refeição. Afasta a cadeira com cuidado e a devolve ao lugar, finalmente voltando-se à sua esposa. Estica uma de suas mãos e toca o rosto dela com delicadeza, sorrindo fracamente.

“Fique bem”, ele diz simplesmente e a abandona.

Uma vez por semana, deixa na companhia de seus serviçais. Sai para ver o pai, conversar sobre a empresa que mantém, falar sobre os avanços que estavam tendo dentro de suas casas. Muitas vezes ele desabafa sobre como é difícil lidar com a doença de sua esposa, mas jamais toca no assunto com . Ainda que ela tenha consciência de seus próprios problemas, aos poucos, os surtos ganham uma porcentagem maior de ocorrência.
Uma vez por semana, a faz sentir saudade dele, ainda que o silêncio dentro da residência seja o mesmo.

Caminhando pelo corredor no andar inferior da casa, depara-se com a porta do escritório. Lembra-se de Lay e toca a maçaneta, curiosa. Abre a porta devagar, os olhos procuram por alguma movimentação, afinal, a luz que entra pelas janelas são parte da noite mencionada por aquele estranho. Uma noite onde o sono não vem. Não há nada. Até mesmo os papéis bagunçados sobre a mesa não estão mais lá.

não permite que eu entre”, ela repete para si mesma, dando-se conta de que não pode ficar ali.

Luhan tem os mesmos hábitos e, ao caminhar para a lateral da cama onde repousa, um sorriso se abre em seu rosto. Ele tira do bolso mais um plástico contendo a cápsula esverdeada e senta-se na beirada do móvel, auxiliando a fazer o mesmo. Está coberta até a cintura pelo edredom, devido ao frio repentino que desce pela cidade. Por esse motivo, não eleva as mãos até o rosto aparentemente macio dele, mas o toca na cintura, com medo de quedar.

“Se sente o gosto amargo em sua garganta, quer dizer que a noite está acabando”, ele explica, colocando a cápsula em sua boca. Inclina-se e transfere a mesma para a língua de , que engole o comprimido rapidamente.

“Como faço para durar mais tempo?”, ela quer saber, lembrando-se do quão ligeiro fora o seu encontro com Lay na noite anterior. Os olhos de Luhan faíscam.

“Não faça perguntas”, ele diz e completa, “e não se preocupe”.

Está frio quando ela abre os olhos. Seus braços estão largados sobre a mesa da sala de jantar e seu rosto está colado à toalha rendada da mesma. Sente uma pequena dor em seus ombros e logo percebe que não está adequadamente vestida para suportar aquele clima. No encosto da cadeira onde está sentada, porém, há um sobretudo cinza que, de acordo com suas memórias, fora comprado em Hokkaido na sua lua de mel. ergue seu tronco e estica os braços para os lados, a fim de afugentar o mau jeito causado pela posição em que estava. Afasta a cadeira e levanta-se, pegando o casaco para vesti-lo. Sente-se melhor quando o último botão é fechado e seus olhos então correm pelo cômodo à procura de alguém. As janelas estão escuras e a luz que a permite enxergar é artificial.
De repente, escuta um barulho. Mira a passagem que dá para a cozinha e dá passos curtos até lá.

“Lay?”, sua voz ecoa e bate nos utensílios espalhados pela bancada.

A grande cozinha da casa está bagunçada: há panelas fora dos armários, copos e garrafas na pia, talheres e peneiras na mesa. O cheiro que de repente lhe invade as narinas é doce e logo se depara com a figura de um rapaz. Ele é diferente de Lay, tem menos altura e ombros mais erguidos. Usa um avental amarrado na cintura e cantarola qualquer música que seus ouvidos desconhecem. Os cabelos estão levantados e são escuros e lisos. A roupa também é escura, uma calça e blazer quase pretos e um sapato muito bem lustrado. Ele se vira, segurando uma panela com um pano em sua haste e derrama o conteúdo sobre uma bandeja onde há frutas já dispostas. O líquido marrom cai e rapidamente se espalha pelo recipiente, liberando mais do mesmo aroma doce que toma o cômodo. Nem um pouco surpreso, ele olha para e sorri.

“Que bom que você acordou”.

Leva a panela à pia e despeja água fria sobre a mesma, levantando o vapor e o som causado pela calefação.

“Quem é você?”, questiona, agora impressionada pelos traços no rosto dele. Olhos muito bem desenhados e lábios grossos que se aproximaram rápido demais. Ele usa uma das mãos para trazê-la para perto.

“Meu nome é Minseok”, ele se apresenta de forma nem um pouco cordial, “mas pode me chamar de Xiumin”.

“Xiumin”, ela repete e repara que ele não consegue não estampar um sorriso em seu rosto sempre que os olhos de ambos se cruzam. Ele a pega pela mão, levando-a até o outro lado da mesa. Há diversos pratos coloridos e decorados com chamativos confeitos - coisas que não via desde que era criança. Xiumin então mergulha uma pequena colher em um dos cremes contidos em potes menores, também distribuídos entre guardanapos brancos e espátulas metálicas, e a oferece à menina. Ela abre a boca e degusta do sabor adocicado, não evitando fechar os olhos por conta da sensação.

“Fico feliz que tenha gostado”.


Ao provar o quinto creme, de coloração amarelada e gosto ligeiramente azedo, Xiumin deixa as colheres usadas na pia. Nota que tem vontade de perguntar alguma coisa, mas sabe que isso pode antecipar o fim do delírio. A garota o vê tirar o avental da cintura e logo é tomada pelas mãos dele, puxada para um repentino beijo. Xiumin é doce como qualquer um dos outros ingredientes, tem os lábios macios como bolo, uma calma extremamente agradável ao pedir passagem para explorá-la e um toque unicamente familiar: ela se lembra de quando costumava sair em sua companhia, quando namoravam. Do modo como a fazia derreter. Xiumin tem a mesma mania, separa os lábios para fitá-la e sorrir mais uma vez.

“Ainda tem mais coisas que você precisa provar”.

O mar sem fim de guloseimas é extremamente divertido e nada enjoativo. Não havia experimentado nem um terço de tudo o que lhe fora oferecido, mas Xiumin continuava a guiá-la pela cozinha, contando-lhe sobre como passara a sua noite pensando em surpreendê-la.

“Você sabia que me encontraria?”, ela pergunta, surpresa. Xiumin balança a cabeça negativamente.

“Você já estava aqui”, ele responde e a deixa ainda mais confusa “Você sempre esteve”.

O gosto amargo de repente retorna à sua garganta e tenta não se preocupar, como Luhan havia dito. Mas Xiumin acaba de enchê-la com questões difíceis de esquecer. Sente os dedos da mão dele acariciarem seu rosto e seus olhos ficam pesados.
Ela tem a impressão de que está caindo.

Na noite seguinte, acaba indo para seus aposentos um pouco mais tarde. Para para assistir , enquanto ele lê o jornal, sentado no sofá com uma aura tranquila e silenciosa. Ela não sabia que ele havia notado a sua presença e que seus olhos agora estavam marejados enquanto ela o deixa. As escadas que levam ao segundo andar parecem muito maiores e difíceis de subir, mas ela quer ver Luhan.

E ele já está à sua espera.

Usa um colete escuro sobre uma camisa branca e calças pretas combinando com seus sapatos de couro. Está sentado na cama da menina e segura o plástico com fecho nas mãos. Ele a fita com um sorriso de aprovação, dando a entender que qualquer atraso é insignificante.
fecha a porta de seu quarto e espera que ele comece a falar. Sobre qualquer coisa.

“Ele era atencioso, não?”, Luhan pergunta, referindo-se a Xiumin. respira fundo, pensando no que dizer.

“Quem eu vou encontrar hoje?”, é a primeira coisa que lhe vem à cabeça. Luhan apenas abre o plástico e segura a cápsula entre os dedos indicador e polegar, indicando-a como sendo a resposta. Coloca a mesma dentro de sua boca e estica os braços, pedindo que vá até ele.
Com passos seguros, ela imagina que não pode haver maneira mais educada de negar o uso das palavras numa situação como aquela. Sente as mãos do garoto deslizarem por seus quadris e elas sobem até suas costas, enquanto ela se curva para beijá-lo. Rouba-lhe o comprimido e o engole como de costume.

“Mais uma vez, não saia da casa”.

Ela desperta com o som do telefone e pisca os olhos várias vezes, notando que está novamente deitada sobre o divã do escritório.

“Wei?”

A voz de Lay entra em seus ouvidos, fazendo-a sorrir por não estar sendo pega de surpresa mais uma vez. Ergue seu corpo, notando que suas roupas estão diferentes: a saia que usa agora é escura e sua blusa azul está com os botões presos cada um em sua devida casa. Nós pés uma sandália com salto médio numa cor pendente ao vinho. Os móveis estão todos no mesmo lugar e Lay está com o telefone nas mãos, encostado na mesa de madeira. Inclina-se para devolver o aparelho ao gancho e isso só faz com que preste atenção à sua vestimenta: os braços estão expostos por causa da camisa de manga curta, a calça branca ganha certo contraste com o par de botas pretas e preto também é o suspensório que ajuda no desenho de seus ombros. Ele sorri quando a vê acordada, mas, ao invés de caminhar em sua direção, como na primeira vez em que se viram, ele faz gestos, pedindo para que ela rume até ele.

“É bom nos reencontrarmos”, ele diz, assistindo aos passos desajeitados da menina, que toma cuidado com o salto no chão de mármore.

se lembra do quão repentino fora seu encontro com Xiumin na noite anterior e pergunta a si mesma o que Lay pretende fazer.
Mas ele só quer conversar e dar à ela uma atenção que há tempos ela não recebia. A vê recostar-se sobre a mesa, na mesma posição que ele. Ambos fitando os olhos um do outro enquanto trocam palavras sobre um assunto qualquer.

Até que a palavra delírio é mencionada.

“Ainda não consigo entender por que isso tudo é tão real”, ela diz e Lay sorri. Coloca uma mecha do cabelo dela para trás de sua orelha.

“Luhan não explicou?”, ele pergunta e ela nega com um aceno de cabeça. O olhar curioso repousa sobre a face calma de Lay.

“Ele quer que eu descubra sozinha”.

acha que Lay pode ajudá-la, mas tem medo de pensar em suas dúvidas e perder o tempo que tem naquele instante. O garoto toca seu rosto, carinhoso, esperando que ela consiga entender os seus gestos.

“É você quem controla tudo isso”, ele revela, mas ainda não se dá por satisfeita.

“Se é assim, por que tudo parece ser tão imprevisível?”

Lay apenas mantém seus olhos nela.

“Porque você quer que seja assim”, ele responde, “O que quer que eu faça agora? É só deixar sua imaginação me controlar...”

Ela então fecha os olhos, ainda sentindo o toque quente da mão de Lay em sua pele. Agradece mentalmente por ele estar sendo tão atencioso e logo sente os lábios dele tocarem os seus, calmamente. São macios e pacientes, e causam um arrepio diferente em seu corpo.
Lay então a coloca sentada sobre a mesa, passa as mãos por sua cintura e a faz abrir as pernas para que possa aproximar-se. A claridade que ele insiste em chamar de noite pode ser visualizada em seus olhos. Deposita um beijo no rosto dela, extremamente cuidadoso, e move suas mãos como se a massageasse. Desabotoa três casas da blusa da menina e desce os beijos por seu pescoço e seio. Ela tem vontade de vê-lo, mas não há espelhos no escritório.
Aperta os olhos, notando os sinais emitidos por ambos os corpos, mas logo o toque de Lay vai ficando mais sutil. Ele se separa e a ajuda a descer, ainda largando beijos e carícias enquanto a guia para fora do cômodo. Alcançam o corredor e ele a pega pela mão, levando-a para a sala de visitas.

Sentam-se em frente ao piano, onde uma melodia muito bonita é produzida pelo movimento dos dedos de Lay. Ele toca com o mesmo cuidado que direciona à ela através de seu olhar. Vez ou outra fecha os olhos como se sentisse a partitura ser escrita em suas veias. Ele não termina, mas é interrompido pelas mãos de que, impressionada, apenas inclina-se para beijá-lo mais uma vez.

É tão bonito quanto o som que antes entrava por seus ouvidos. Um gesto tão atencioso que nem mesmo ele entende o motivo de tanta intensidade.

“Acho que sua imaginação é mais poderosa do que esperei que fosse.”

está trancado no escritório. sempre se isola quando está preocupado demais. A enfermeira insiste para que a acompanhe até a varanda para tomar um pouco de sol.

“Dias como esse quase não são vistos”, ela diz e estende sua mão à garota que desiste de esperar pelo marido.

caminha na companhia da mulher, que lhe abre a porta, mas impede que ela saia do espaço reservado da casa. Ainda que a varanda seja aberta e que a garota sinta vontade de correr pelo gramado em frente à casa, ela apenas para no começo da escadaria e observava o movimento na rua. Sabe que as pessoas assistem à cena com maus olhos, sente os comentários rebatendo nos muros baixos... Dizem ter pena, chamam-na de louca, criticam o modo como ela é tratada.

Mas loucos são eles que pausam suas vidas para julgar os outros.

Às vezes apenas uma hora é suficiente e logo sente a necessidade de retornar para o conforto que dispunha dentro de casa. Volta a atravessar a porta, sempre admirada pelo brilho do letreiro que indica o número 1950.

E é inevitável não recordar-se da noite que passara com Lay, nos cômodos claros. No escritório iluminado naturalmente, para o qual seus olhos correm desobedientes.

Lay não está lá dentro.
não quer vê-la nesse dia.
Ela já sabe.

Algo está diferente quando Luhan adentra o quarto. Carrega a bandeja de prata consigo, mas, sobre ela, não há os habituais copos plásticos com remédios e água e sim uma garrafa de vidro escura e rótulo amarelado.

“Não posso ingerir isso”, ela diz e Luhan ri, deixando a bandeja sobre a mesinha de cabeceira. A garrafa está aberta e o garoto toma a mesma nas mãos, bebendo um grande gole de seu conteúdo. Descansa o objeto na bandeja e curva-se para , puxando-a pela nuca para beijá-la. O gosto amargo a invade, não como quando ela desperta dos delírios, mas sim acompanhado de um prazer levemente estranho. Ela não sabe se é a bebida ou o movimento dele.

Não mais um mero serviçal, Luhan separa-se e retira do bolso o plástico com a habitual cápsula verde. Entrega-a como sempre à , mas o beijo persiste até o momento em que ela sente os olhos ficarem pesados. Suas mãos, que antes seguravam a cintura de Luhan, desprendem-se e seu corpo fica leve, sendo levado pela sensação de aprazimento.

O cheiro forte de bebida entra por suas narinas e faz com que abra os olhos, notando que está relaxadamente deitada no sofá da sala de estar. Há garrafas espalhadas pelo chão e sobre a mesa de centro, bem como copos plásticos e de vidro largados nas estantes em meio a alguns livros. Cartas de baralho desenham a confusão que certamente a invade de supetão: alguém parece ter dado uma festa que acabara de terminar.
A menina passa as mãos pelos próprios cabelos, sentindo que alguns fios estão úmidos e cheirando a vinho. O vestido que usa está manchado na lateral, como se alguém tivesse jogado algo nela sem querer. Nos pés a sandália marca a sua pele como se tivesse dançado durante a noite inteira. pensa nesse detalhe e procura pelo relógio pendurado numa das paredes, constatando que já é madrugada. Ela busca por alguém no silencioso cômodo e, repentinamente, o som de uma sinfonia invade toda a casa. O volume não está muito alto, causa certa tranquilidade, e logo é surpreendida pela chegada de um rapaz. As mãos dele se movem de acordo com as notas e ele abre um grande sorriso quando encontra a menina. Sem dizer nada, caminha até o sofá. senta-se, esperando que ele fale alguma coisa, mas o garoto apenas joga seu próprio corpo ao lado dela, rindo.

“Quem é você?”, ela resolve começar. Sente o cheiro forte ser expelido da boca dele quando recebe a resposta.

“Me chame de Chen”, ele continua risonho. Demonstra estar levemente embriagado, mas não mostra exageros. Pega uma das mãos da menina e deposita nela um repentino beijo, “Você está linda hoje”.

Chen a estuda com um sorriso estupidamente sereno no rosto. Brinca com seus dedos e, ao deixá-los, passa a acariciá-la no rosto, fazendo-a fechar os olhos. A música que toca é triste e, apesar disso, ele se aproxima, colando os lábios no rosto dela, sussurrando próximo ao seu ouvido:

“Vamos dançar”.

Com passos ainda firmes, ele a puxa consigo e a leva até o meio da sala, agarra sua cintura e a prende em um único movimento. O modo como entrelaça as mãos de ambos, pondo-as no alto, como numa valsa, faz com que a menina se perca por alguns segundos. Os pés estão um pouco atrapalhados, mas logo sincronizam-se um com o outro. Lentamente, Chen a guia sobre o tapete cor de vinho, cantarolando junto com as notas da música, a sinfonia sendo absorvida pelos ouvidos e pela mente.

“Direita e esquerda, direita e esquerda”, ele brinca, afastando-a para pegá-la novamente, como se o ritmo tivesse mudado para um tango latino. Porém, os passos calmos retornam e agora é possível sentir-se um pouco mais leve. Ela é pega pelas mãos do rapaz, por seu riso e por seu carisma.

É pega de surpresa por sentir-se tão livre.

E de repente, os passos são pausados, mas as sensações continuam através do gosto agridoce de Chen. Brinca com ela como se estivessem rodeados de gente. Como se a festa ainda acontecesse. E ele ainda dança e a beija, em intervalos distintos, às vezes rindo, às vezes cantarolando. Suas mãos tateiam o corpo dela por sob o vestido, ditando o ritmo da diversão.

Cansados, os dois sentam-se novamente no sofá. Chen ri e faz menção de deitar a menina sobre o móvel, dessa vez depositando um beijo mais longo e concentrado. Não é como todos dizem, pois ele sabe muito bem o que está fazendo.
E, pelo que se lembra, Lay havia dito que era ela mesma quem controlava aquelas situações.
O que aconteceria se ela quisesse perder esse controle?

A visita de um psicólogo era obrigatória pelo menos uma vez a cada quinze dias. Nunca em local fechado, o doutor de vestes brancas costumava passear com ela pelos diferentes cômodos da casa, treinando o que ele dizia ser “a lembrança que a deixaria mais calma, caso seu quadro avançasse”. Os laços que lhe eram proibidos só poderiam ser criados com a casa e com as coisas que remetiam ao seu dia-a-dia, jamais com a vida alheia.
Nem mesmo parecia fazer parte disso.

Com a visita finalizada antes do normal, rumou para a sala de estar, onde lia algo, sem notar os seus passos. Sentado na poltrona, usando um par de óculos de aro escuro, ele apenas percebe que algo está diferente quando as mãos de tocam os seus ombros. Seu rosto recebe um calor incomum, decorrente do contato com os lábios dela que, sem mais nem menos, parecem atacá-lo. Mas ela é calma e logo o ato começa a ser provido das marcas de um passado não muito distante, onde eles costumavam entreter um ao outro daquela maneira.

chega a erguer suas mãos para tocar o rosto da menina, mas sabe que não consegue dar continuidade àquilo, pois tem medo de criar ideias erradas em sua mente já tão perturbada. Embora seu corpo não queira, ele a empurra com cuidado, separando-se.
E parece ficar irritada.

“Você não me deseja mais.”

a olha, sem acreditar no que acaba de ouvir. Deixa o livro sobre um canto qualquer e fita sua esposa nos olhos. Há tempos não a vê com tamanha confiança na fala, com tanta exatidão. Achava que essa seria a última coisa que passaria por sua cabeça.

Mas aos olhos de , ele está negando as suas carícias.

“Você precisa descansar”, ele diz e ela respira fundo uma vez. Pensa em respondê-lo ou insistir, mas desiste.

Talvez nunca devesse ter tentado.

Uma pequena brisa a atinge de modo totalmente diferente. Seu corpo inteiro parece estremecer com esse pequeno contato e abre os olhos, notando que está coberta apenas por um fino lençol branco. Ela então se levanta, segurando o tecido na altura do busto, enquanto procura por alguém. Seus olhos não estão inchados como ela achou que ficariam depois de ter chorado tanto. Luhan parecia ter chegado cedo demais e sequer conversara com ela antes de lhe entregar a cápsula.
As palavras de ainda rebatem em sua memória, mas desaparecem quando ela enfim encontra o que procura: há um rapaz caminhando no escuro, iluminado pela fraca luz do abajur posto sobre a mesinha na lateral da cama. Veste apenas um terno com um único botão fechado, calça comprida no mesmo tecido azul acinzentado e está descalço, provocando-a com passos silenciosamente calmos. não consegue não perceber a intensidade com a qual é atingida pelo olhar dele. É como se ele lesse seu corpo como um código.

“Quem é você?”, ela pergunta, incerta sobre cortar o clima com sua habitual questão. Mas ele continua a observá-la e seus lábios se curvam levemente no canto da boca, causando-lhe um frio ainda mais diferente.

Não importa se ela está ou não vestida, ela não sente vergonha perto dele.

estuda o modo como ele toma conta do espaço, antes ocupado pelo vazio, ao seu lado na cama, e não faz esforço algum para detê-lo quando o garoto a toma nos braços com facilidade. Ela pode sentir os lábios dele roçando no lóbulo de sua orelha e com uma voz sutil, ele finalmente responde:

“Me chame de Tao”.

O rubor em seu rosto é inevitável. Sente as mãos dele esquadrinhando a sua pele, por cima e por baixo do lençol.
É como uma continuidade ao desejo que a preenchera quando seu olhar rebatera em , mas era diferente porque Tao parecia querê-la.
Como quando delirava e seu corpo parecia em febre pelo aumento da temperatura, sua pele ferve aos poucos a cada sussurro. Tao faz questão de não ser silencioso, o que retira certas dúvidas sobre o que está acontecendo. Sela sua boca à dela, os olhos abertos estreitando-se lentamente, tomados pela vontade de assisti-la. Porque ele acha que deve ser uma cena inteiramente bonita.
Com suas mãos, delineia o contorno do rosto do rapaz, sentindo um tremor intenso evadir de seu corpo. Passa a tentar afugentar a fraqueza de seus músculos, agora tão controlados pela atração com o corpo alheio, tão sedentos pela aproximação. Quando se dá conta, não há mais lençol, nem ternos ou qualquer outro tecido azul acinzentado.

“Isso pode mesmo acontecer?”, ela pergunta e as palavras saem com certa dificuldade.

“Você pode tudo”, ele responde, deslizando suas mãos pela lateral do corpo dela, “Tudo o que sua mente permitir”.

Exausta como se tivesse passado a noite em claro, observa a fresta da porta, enquanto ainda está deitada em sua cama. Agarra os lençóis, achando ser possível sentir o cheiro deixado por Tao, o misterioso garoto da noite anterior, mas não há nenhum aroma diferente senão o seu próprio.

Fica assim durante todo o dia, apenas relembrando as coisas à que fora exposta e que, de alguma forma, ajudavam-na a marcar as datas corretas em seus devaneios. Está acabando, algo lhe diz, seus passos começam a ficar um pouco atordoados. A enfermeira a vigia durante o período em que finge estar lendo, ambas sentadas no sofá da sala de visitas.

“Que dia é hoje?”, de repente pergunta. Sabe que perdera a noção do tempo há anos.

“Vinte e oito de agosto”, a enfermeira responde, mirando-a de forma séria.

“E por que há latas de tinta branca no jardim?”

Os olhos das duas correm para fora da janela.

“As paredes precisam de uma nova pintura.”

para no segundo passo, encarando a esposa. Talvez ela tivesse saudade dos quadros com molduras trabalhadas, das peças de chá expostas no aparador e dos papéis de parede antigos que davam vida aos cômodos da casa. Mas o branco das paredes é necessário ao seu tratamento.

“Eu prefiro paredes azuis.”

“Vai poder colorir todas elas um dia.”

fica calado durante alguns minutos. Longos minutos que aceita como sendo um presente. Há muito ele não parece gostar de olhá-la daquela maneira. Há muito eles não ficam tanto tempo perto um do outro. Ela está quase se levantando quando o garoto engole em seco o silêncio e pede licença para levá-la até o quarto. A enfermeira deixa o local e estende um de suas mãos para auxiliar .

O coração dela parece explodir. Sente que pode dizer alguma coisa que o faça voltar a ter vontade de ficar com ela por mais tempo. Mas algo está mudando e ele sabe.
Seu medo o faz apenas fitá-la por um tempo. Inclina-se para depositar um rápido beijo na testa da menina e diz que as coisas ficarão bem.
Como sempre faz.

“É só tinta branca”, ele finaliza, tentado a permanecer ali quando sua razão o impede de fazê-lo, “Você sabe que é apenas um detalhe.”

Seus olhos estão vendados. Os dedos então correm pelo tecido que cobre parte de seu rosto e ela pondera sobre retirá-lo ou ficar à espera para que alguém o faça. Mas não parece haver ninguém: o silêncio é absurdo, nem mesmo os sons exteriores podem ser ouvidos. Lentamente, ela retira a venda, deslizando-a facilmente pelos cabelos.

Luhan lhe avisara sobre a última visita.

Está escuro, mas ela está sozinha no quarto. A porta entreaberta faz sua curiosidade aumentar quando uma luz se acende no corredor. Descalça, ela caminha pelo carpete, sentindo a camisola preta colar em seu corpo a cada passo. O corredor está vazio, mas no andar inferior, uma luz antes acesa, se apaga. desce as escadas com cuidado, sentindo um pouco de frio. As mãos agarram o corrimão enquanto seus olhos tentam concentrar-se no escuro. Uma luz pisca na sala de visitas e é pra lá que seus pés se direcionam.

Sentado numa das poltronas no canto da sala, ele segura o cordão da luminária e a puxa, chamando a atenção da menina. Tem as pernas cruzadas e veste roupas escuras em conjunto com os sapatos igualmente negros. Mas os cabelos são claros, num tom próximo ao loiro. Ele sorri e seu olhar exibe certa malícia.

“Quem é você?”, ela quer saber, pela primeira vez sentindo receio em aproximar-se.

O garoto, porém, quer que ela chegue mais perto e acena com a mão. Quer que ela se sente sobre seu colo. Embora tenha se tornado quase natural entregar-se facilmente às companhias de cada um de seus delírios, não se sente confortável. Percebendo isso, o garoto se levante e pega o casaco que estava sobre o braço da poltrona, caminha até a menina e cobre seus ombros cuidadosamente.

“Está frio”, ele diz e, sem cerimônia, começa a guiá-la.

“Ainda não me disse o seu nome”, ela avisa, cedendo ao desejo dele. Senta-se sobre as pernas do garoto, sentindo as mãos dele deslizarem por sua cintura. Segura o casaco com as mãos, esperando, e acende a luminária para poder ver o rosto dele com mais clareza.

“Kris”, ele responde e o olhar que lhe é dado remete à sombria vontade de pausar o tempo para todo o sempre, “Está com medo?”

“É a última pessoa que conhecerei até a última noite”, ela conta, lembrando-se das palavras ditas mais cedo por Luhan, “Posso confiar em você?”

Com um suspiro pesado, o garoto sorri mais uma vez.

“Confiou nos outros, não foi?”

Não havia maneira de mentir. então permite que Kris reforce o toque de suas mãos e fecha os olhos ao senti-lo apertando a sua pele. Como um bom estrategista, ele norteia seus atos de acordo com as permissões dadas involuntariamente pelo corpo dela. Seus lábios encontram a clavícula bem desenhada, sendo atrapalhados pela alça da veste em tom negro da menina.
Mas ela tem receio de que a noite seja rápida demais.

Kris não avança e a mantém atrelada a seus braços, pressionando a lateral de seu rosto contra o pescoço alvo da garota, ele inspira o cheiro dela, enquanto eleva uma das mãos para bagunçar os grossos cabelos, alguns fios colados à nuca devido ao suor.

“Sei que não quer que isso acabe”, ele fala calmamente, “E se depender de mim, serão horas longas.”

“Vai estar comigo quando eu acordar?”, ela quer saber, “Ou vai sumir como os outros?”

“Não precisa se preocupar com isso, em breve, vai ter todas as respostas.”

está quieto, sentado na mesa de jantar, enquanto observa a janela e a noite que caíra sobre a cidade. Em sua mente pairam os gestos de Kris e a forma como ele a tratara bem durante o tempo em que passaram juntos. Seus olhos se voltam ao marido, que a contempla com piedade nos olhos, as mãos seguram os talheres com fraqueza, como se a doença estivesse nele.
Ela pensa nos anos que correram e no trabalho que dera à . No modo como ele deve pensar nela quando a encara daquela maneira. Com pena, com arrependimento. Se soubesse que a vida seria assim, por que ele se casaria com alguém como ela?

respira fundo, fingindo que não se importa.
Talvez seja melhor que ele pense que não há mais volta.

“É a última cápsula.”

Luhan avisa. Fecha a porta do quarto já segurando o plástico numa das mãos. Com a outra, descansa a bandeja prateada sobre o criado mudo, quase derrubando o copo com água.
Parece nervoso. Entrega a cápsula à e se afasta, mas é surpreendido quando ela o prende pela gravata. Com a mão livre, a garota retira o comprimido da boca e o deixa na bandeja prateada.

“Hoje não”, ela diz, forçando Luhan a aproximar-se novamente. Sela seus lábios aos dele, sentindo-os mais macios do que nunca. Nesta noite, ela quer arrancar mais do que o simples remédio cor de absinto. O beijo do garoto começa a intensificar-se, mas ela tem um pedido a fazer antes que ele resolva abandoná-la como todos faziam quando ela acordava para a realidade “Luhan, faça amor comigo”.

O olhar infantil e sério que sempre cruzava-se com o olhar amedrontado da menina agora parece concentrar-se em dar-lhe algum tipo de resposta. Mas é como se ele estivesse sendo surpreendido pelas mãos pequenas que agora correm por sua camisa. Luhan afrouxa a gravata e volta beijar a menina, pausando o ato para tirar a peça de uma vez. Mais pausas ocorrem e logo não há mais tecido algum impedindo ambos de tatearem por completo o corpo alheio. Ela gosta de vê-lo enquanto os olhos dele se fecham e sua boca se abre, deixando escapar os sons que agora são melodias ousadas adentrando os seus ouvidos. Um serviçal tão bonito, não pode estar apenas desempenhando o seu trabalho, atrelado a um contrato qualquer.

De alguma forma, ele parece completá-la.
De alguma forma, ele também está ali por causa dela.

Uma das mãos dela correm pelas costas do rapaz, deixando marcas, enquanto a outra agarra-se aos cabelos de fios claros e volumosos. Como os outros, Luhan parece ler a sua mente e move-se devagar, causando nela a sensação de que até mesmo o tempo está contribuindo para que a ação perdure. E é tão bom quanto o que imaginara, tão condizente com a figura representada por esse garoto de imagem sutil e personalidade perspicaz, que lhe tirara das noites monótonas como ela havia pedido.

Parecia lhe dar a auto confiança de que precisava.

“Você sabe que esta é a última cápsula, não é?”, Luhan avisa mais uma vez, apontando para o ponto verde sobre a bandeja no criado mudo. Fecha sua camisa e anda até a poltrona próxima à parede, sentando-se nela. já está vestida e sente um frio percorrer o corpo quando escuta tais palavras, “Não continua depois dessa noite”.

Não há surpresa em sua face, porém. Ela só tem uma dúvida em mente que a leva a querer entender por que tudo aquilo havia começado.

“Cada um deles é parte dos seus desejos”, Luhan diz e descansa as mãos sobre os joelhos, “Parte das qualidades que você sempre quis ver e do prazer que quis receber de “.

Aos poucos, ela vai notando o sentido na explicação do garoto.

“Não percebeu isso?”, ele questiona e uma maré de lembranças começa a invadir a mente da menina.

A doçura e atenção de Xiumin, que preparara surpresas para ela, tratando-a como se fosse a única garota no mundo todo; o cuidado de Lay, tentando não assustá-la, oferecendo respostas às suas dúvidas; a diversão de Chen, que deixara sua auto estima em outro nível, tirando dela os risos que pensou jamais ter a capacidade de ouvir novamente; a intensidade de Tao, que lhe dera os efeitos corporais que há muito não tinha e precisava; e a atração exercida por Kris, que provocara nela uma imensa vontade de ficar para sempre em seus braços.

“Se eles são tudo o que não encontrei em , então quem é você?”, quer saber. Fita os olhos expressivos de Luhan, que sorri.

“Sou parte sua, uma parte de você que lhe era desconhecida”, ele responde tranquilamente, “Você me criou, entende? Assim como criou a todos os outros”.

Não é uma concepção tão simples, mas reflete por alguns instantes. Luhan continua imóvel, à espera. Sabe que a compreensão existe por sentir-se ainda mais parte dela depois de terem feito tudo aquilo parecer real. Mas era diferente, um tom de realidade único e natural, que fora pincelado sobre uma paz extremamente cansativa.
olha para a bandeja e para a cápsula.

“Se é isso o que você quer, então faça”, Luhan indica a caixinha de madeira usada como enfeite na mesinha de cabeceira, ao lado da bandeja prateada e vê a menina destampar o objeto, tirando de lá os comprimidos que escondera durante todos aqueles dias. Lentamente, ela deposita cada um deles no copo plástico com água. São fortes, pequenos e ficam muito bonitos juntos.

“Parece que finalmente encontrei o que precisava”.

Enfim o corredor termina e ela pára à frente da porta do quarto de . O copo com os comprimidos é segurado por uma de suas mãos trêmulas e elevado aos poucos. A água fria logo entra em contato com seus lábios e ela começa a engolir pílula por pílula. Engasga com algumas delas, controlando a vontade de cessar o ato, mas sabe que não pode mais voltar atrás. São comprimidos demais e nem todos conseguem ser postos para dentro. Já é suficiente, ela pensa e derruba o restante do conteúdo no chão. O som é leve e quase imperceptível. abre a porta com cuidado, enfrentando a escuridão do cômodo, mas ela ainda se lembra de como ele é. Grande, limpo e com poucos móveis. Alcança a cama com facilidade.
Sem medo de que acorde, ela ergue o cobertor que o protege e deita-se ao lado dele, aninhando-se no calor ali conservado. Isso cria uma espécie de choque, já que seu corpo começa a suar frio. desliza suas mãos pela cintura do garoto, sabendo que ele tem conhecimento sobre sua presença, uma vez que as mãos dele também a tocam com curiosidade. Ela respira fundo, descobrindo que os remédios já começaram a fazer efeito.

...”, sussurra, apertando os dedos no tecido do pijama que ele veste.

E então curva-se sonolento e deposita um beijo em sua testa, despertando as lágrimas que estavam guardadas até aquele momento.
Pela primeira vez, ela sente-se completa. Entende que o amor que ele um dia jurou sentir ainda está ali, escondido por trás de uma manta denominada medo. Durante todos aqueles anos, diante de todo aquele silêncio, tudo o que ela mesma deveria ter repetido era o pedido feito por sua consciência naquele exato momento.
deveria libertar-se.
E para isso, deveria libertar-se primeiro.

Os minutos se passam e o fato de estar deitada ao lado do marido, depois de tanto tempo sem esse tipo de contato, a faz esquecer dos sintomas que logo começam a tomá-la com mais violência. Aos poucos, sua garganta começa a ficar seca e a dor abdominal surge em pontadas cuja intensidade aumenta cada vez mais. Ela não tem mais forças para mover-se e sente certa dificuldade em respirar. Ainda assim, está consciente.

, ainda gosta de mim?”, a voz falha e ela sente as mãos deles procurarem pelas suas. Vê o rosto dele uma última vez.

E escuta sua última sentença:

“Eu te amo”.

Parece tão claro e tão novo que não consegue impedir seus passos em direção àquela luz. É tão forte que ela fecha os olhos, mas ainda sente, e enxerga através destas sensações que agora a invadem.

, não saia da casa”.

Ela sabe que é Luhan quem a chama e sente segurança para abrir novamente os olhos. Tudo o que enxerga é a porta com o número 1950. Ela sorri ao nada, sabendo que desobedeceu o pedido. Decide pedir desculpas. Caminha de volta à casa e entra, procurando pelo garoto.

Mas o que ela vê são as seis figuras que ilustraram as suas melhores noites, na sala de visitas.

Não há cápsulas.
Não há dúvidas.
E ela tem certeza de que aquela não será somente mais um noite.

fim.



nota da autora: Já podem me matar por essa fic estranha e confusa, mas eu fiquei morrendo de vontade de escrever algo assim quando vi esse ensaio fotográfico do EXO M para a revista Céci. Eu tirei um pouco da inspiração da história da dona Yayá, já que meu professor de restauro vive usando ela como exemplo e coisa e tal. Então, pra quem não entendeu, a mocinha na fic sofria de esquizofrenia ou coisa assim. Basicamente ela tinha alucinações e que belas alucinações, hein? Eu também escolheria um final desses se fosse pra ficar eternamente presa numa casa com todo o EXO M hohoho
Não ficou grande coisa, mas me digam o que acharam... Me senti como em 2007 enquanto escrevia 15 Canções... Igualmente confusa. Obrigada a quem leu o/


Nota da Beta: Qualquer erro nessa fanfic é meu, então me avise por email ou mesmo no twitter. Obrigada. Xx.

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