Tudo acabou. Tudo mesmo
História por Lettice Little | Revisão por Letii


Eu, Parkinson, não diria que o mundo iria acabar um dia. Bom, apesar de toda aquela história do 21 de Dezembro e o povo Maia e todo aquele blábláblá. Qual é?! Só loucos davam crédito.
E então, eu enlouqueci.
Assumida de um poder que não me lembrava, enfiei o braço de uma inimiga escolar, Luma Bruce, no batente da porta e o fechei com força total. Não teria sido tão grave se antes eu não tivesse prendido uma grande lâmina afiada na base da porta, onde fica a fechadura.
O braço dela foi partido ao meio e, bem, eu gostei do que aconteceu com ela. Não entendi o porquê, afinal, nunca gostei de sangue nem nada muito carniceiro, mas gostei de ter feito aquilo. E já vinha gostando há um tempo, porque tudo foi premeditado. Aula de educação física, ninguém na sala e ela sempre aparecia por lá pra cheirar um pouco de pó escondido.
Peguei a lâmina e pus no devido lugar. Ela olhou pra mim e disse: “Isso pode machucar alguém, queridinha.” Eu a olhei e, com um sorriso dócil, a chamei para perto. Ela foi, eu a agarrei, puxei o braço dela e fechei a porta. Não precisava ter sido tão escandalosa, na minha opinião. As pessoas das salas próximas saíram assustadas e me viram com a mão na maçaneta, a roupa, a lâmina e as paredes cheias de sangue e o braço amputado no chão.
Foi assim que peguei meu passaporte para o Embril’s Center. Estou internada há 8 meses e completamente insatisfeita. Não queria acabar meus dias aqui. Qual é, o mundo vai explodir e eu vou esperar vendo pessoas acharem que bonecas são bebês num sanatório? Por favor.
No começo eu realmente não sabia muito o que fazer. Nem como me sentia em relação a isso. Sempre fui assim, nunca soube o que fazer, até ter coragem suficiente. Da última vez que isso aconteceu, já disse, arranquei o braço de uma garota.
Mas os dias estavam indo bem, acho que só porque tudo ia terminar mesmo, com a sorte que eu tenho.
Havia conhecido Brown numa das reuniões de grupo. Ele era um cara legal, forte, cheiroso, corajoso, rico e boa pinta. Ah, e nossa, fazia sexo super bem. Ele me contou que na sua vida fora daquele hospício, se é que havia uma dentro, aprendera muita coisa e presenciara muita coisa. Era por isso que estava lá dentro. Vira sua mãe trair seu pai. O relacionamento de mãe e filho já não era muito bom. Os amantes foram encontrados estraçalhados na cama com uma serra elétrica deixada no chão. Enquanto isso, Dennis estava coberto de sangue e carne humana, sentado no closet, muito satisfeito com o que tinha feito.
E então, vimos que tínhamos uma coisa em comum: a sede por justiça. E era isso que estávamos procurando agora. Queríamos justiça e liberdade. Poder aproveitar os últimos dias fora desse sanatório idiota.
Nem todo louco sabe que é louco, mas eu e tínhamos certeza. Sabíamos que o que tínhamos feito era radical, mas a também tínhamos a certeza de que era a única alternativa. Teríamos de machucar as pessoas para um bem maior. Ninguém nos entendia, por isso gostávamos tanto de conversar um com o outro.
Ficávamos escondidos, pensando em como resolver essa questão.
- A solitária tem uma janela no alto.
- Exato, , no alto. Esqueça. – Ele olhou para cima. Do nada, arregalou os olhos e se animou – Há uma maneira, mas vai ter que cuidar da tua enfermeira.
- E como vou fazer isso?
- Ataque ela. – disse e eu sorri com a ideia. – Depois vá para o meu quarto, com cuidado. Vou cuidar da minha enfermeira.,
Depois de alguns beijos e amassos, tentei arrancar os desejos dele.
- E aí, como quer aproveitar o fim do mundo?
- Só quero sair daqui, ver a praia uma última vez, brincar com um cachorro – Ele me abraçou mais forte – e estar com você. É isso o que eu quero.
Eu sorri com os desejos dele. Eram lindos, humanos e de uma mente sadia.
- E você, o que quer fazer?
Pensei um pouco. Tinha mágoas das pessoas. Meus parentes e amigos não tinham coragem de me visitar e minha mãe ia a cada seis meses. Eles eu não culpava, também tinha medo de mim. tinha diminuído essa sensação, mas eu ainda sentia. Apesar de tudo, queria terminar o que havia começado. Eram 3. Uma eu havia atingido, mas não deixaria tragédias naturais machucarem Evy Harper e Tom Clean. Não mesmo.
- Antes de dizer o que realmente quero, PRECISO fazer algo. Preciso fazer pessoas pagarem por anos de tortura. Me ajuda com isso?
- Sabe que não dispenso uma boa briga. – Eu ri e o beijei.
- É por isso que te amo.
Nos despedimos aquela noite e nos preparamos para ir embora. Peguei algumas roupas e coloquei numa sacola.
Minha enfermeira entrou com o copo de plástico e os remédios numa bandeja. Me escondi atrás da porta.
- Senhorita ?
Bati a porta e dei um murro nela. Ela caiu, batendo a cabeça com força na parede. Mesmo apagada, bati na sua cabeça com a bandeja e saí. Esgueirei-me para não ser pega e cheguei ao quarto do . Ele abriu a porta e me recepcionou com um beijo.
- Onde está a enfermeira?
- Dei um jeito, como disse que faria. – Rimos e ele me conduziu à janela, onde tinha uma escada de incêndio.
Descemos e esperamos os guardas da ronda estarem meio grogues de sono o suficiente. Sabia que não daria certo, e depois de horas para convencer , fomos procurar as latas de lixo. Foi nojento, mas e daí? Tudo para sair daquele lugar. Alguns minutos depois, o caminhão chegou e só precisamos ficar quietos dentro dos sacos. Quando retiraram o lixo do caminhão, saímos das sacolas nojentas e comemoramos a fuga. Teria sido muito bom e sexy se estivéssemos menos sujos e pudéssemos chegar perto um do outro. O cheiro era insuportável.
Invadimos um dos barracos próximos e vazios e tomamos banho.
- E então, o que faremos? – perguntou.
- Soube que o Tom continua com as mesmas manias e sai toda noite pra se encher de nicotina e cocaína.
- Ao invés de machucarmos, poderíamos pedir o endereço dos caras com quem ele arruma isso, hein?
- Muito boa ideia, mas eu ainda prefiro matá-lo.
- Ok. – Ele disse, bufando. – O que faremos?
- Se me lembro bem, ele já tá doidão lá pelas 11 da noite. A casa dele é altamente protegida, mas rodeada de esquinas. Sei exatamente por qual ele vai passar.
- Quando quer fazer isso?
- Pode ser hoje? É 18 de dezembro e se me lembro bem, ainda quer sua praia e seu cachorro.
Saímos de casa. Daríamos uma boa pisa naquele imbecil e um taco de beisebol era suficiente. Ficamos espreitando e a rua estava incrivelmente vazia quando ele finalmente deu as caras.
ficou atrás dele e eu estava esperando-o do outro lado com o taco na mão. Quando me viu ficou assustado e perturbado. Adorei tudo aquilo.
- Aonde pensa que vai, lindinho?
Ele se virou e tentou correr, mas nem deu tempo de o impedir, eu desabei o taco nele. Sua cabeça começou a sangrar e eu continuei batendo.
Não fomos vistos e ele nem abria a boca para gritar ou mesmo gemer. Fomos embora de fininho e eu estava muito satisfeita.
- Viu como ele ficou? Não sabia que uma cabeça poderia ser destruída por mim daquele jeito. – Sorri ao me lembrar e beijou minha testa.
- Você arrasou! Mas e agora, o que faremos?
- Se meus pais não venderam, tenho um apartamento perto da creche Lemen. A chave fica dentro da caixa de correio. Vamos lá.

**

Estávamos sentados no sofá, vendo televisão abraçados e tomando café.
- Costumava fazer isso na sua vida normal? – Perguntei.
- Eu nem sempre fui louco, ok? Eu tinha amigos. Acho que não eram bem amigos, não todos pelo menos.
- O que houve de verdade? Quero que me diga como era sua vida.
- Badalada. É assim que se resume tudo. Minha família vive no Upper West Side e eu me socializava com pessoas ricas e mimadas. Não eram todas, mas a maioria. Meu pai se sacrificava pela gente de maneira inimaginável. Ele chegava cansado em casa e minha mãe nem sequer lhe cumprimentava. Eu me revoltei com o tempo e aí vi aquela cena. Foi meu auge, você sabe. – Eu ri e ele empinou mais o nariz, continuando a brincadeira.
- Mas e você, , como era sua vida?
Pensei um pouco. Eu tinha uma vida na realidade?
- Não sei bem. Nunca fui popular nem tive muitos amigos. Os que tive perdi pelo medo que causei. Eles não entendiam que eu só seria capaz de fazer aquilo com os Altos. Era assim que chamavam o Tom, a Evy e a Luma. Eles eram Quarterbacks, líder de torcida e a riquinha, respectivamente.
- E o que eles faziam que os odeia tanto?
- Além de existirem, caçoavam de mim desde o 6º ano. Eu era a menina calada do fim da sala, com problemas de socialização e dislexia. Escutava músicas que ninguém nunca tinha ouvido, vestia coisas que ninguém vestia, esses detalhes. Eles me fizeram muito mal.
- Só isso? Tinha uma mente muito fraca!
- Eles me bateram e me deixaram nua na quadra de basquete. Foi humilhante quando as pessoas começaram a chegar. E o diretor que nem fez nada com eles por “falta de provas”. Qual é, aquilo é delegacia? – Respirei fundo – Mas não, agora é só a Evy! Ela era a pior. Ela que dava as ideias. Vou cuidar dela.
- Tudo bem, pode arquitetar seu plano maquiavélico depois? Agora eu tava precisando de outro lado seu. – Eu ri e ele mordeu meu lábio inferior.
- Ah, é, aquele que te faz ficar sem fôlego em cima de mim?
- Pode ser esse sim.
- É pra já!
Aproveitamos a noite e o sofá foi pequeno, posso garantir.
No outro dia, os noticiários falavam da morte de Tom. Não tinham achado nenhuma pista de quem tinha o matado, nem sabiam porquê. Nem suspeitos havia, afinal, ele era um cara legal! Or, demais!
Nenhuma testemunha, ninguém ouviu nem viu ninguém! Perfeito!
- E aí, nada?
- Nem um fio de cabelo. Tudo limpo. – Eu sorri e ele me deu um selinho.
- E então, Evy hoje? – Ele bebericou o café.
Eu andei pesquisando sobre a vida dela. Ainda mantinha as mesmas manias: saía da aula de balé, ia na casa do namorado depois da escola e ia beber. Diferente de Tom, não ficava muito doida.
- Ela não é como o Tom. Nunca toma um porre. É muito comportada pra isso. Vai ser difícil mantê-la quieta. E queria que ela sofresse mais.
- Hoje é quarta, sabe o que ela vai fazer?
- Nas quartas ela sempre vai pra boate do Nate Vill, o namoradinho dela.
- Podemos ir lá. E, bom, infelizmente você não vai poder se demorar muito.
- É, sei disso. Mas vou fazê-la pagar por tudo. Vou matá-la de uma forma que nem eu desejo pra mim. – Eu disse, levantando o álcool e os fósforos. riu, me abraçou.
Quando chegamos à boate eram umas 11 e pouco da noite. Ela tava lá dentro, dançando que nem louca. Deveria estar um pouco bêbada, afinal.
Fiquei atucalhando ela, quase caindo na tentação de me esbaldar naquele lugar com o , mas não podia. Eu queria acabar com aquilo logo. E então ela saiu andando em direção aos fundos.
Procurei , mas ele tinha ido buscar bebidas pra nós e sumiu. Fui eu mesma.
Lá fora, ela fumava seu cigarro, feliz da vida e jogando a fumaça pro ar, satisfeita.
- E aí, como tem sido sem mim? Já arrumou outra distração, vadia? – Perguntei e ela se virou. Quando me viu, a reação foi quase igual à de Tom. Pelo menos ela falou.
- O que faz aqui? Você tava no sanatório!
- Saí! – Disse rindo – To livre. Mas talvez eu volte pra lá. Se conseguirem me pegar. E se descobrirem o que fiz, vou ficar no prédio de assassinos. Por falar nisso, nem ficou triste pelo Tom?
- Ele era um idiota. Não falava com ele há uns meses.
- Humm. Mas isso não muda nada. Quer conversar um pouco comigo?
- Não, vou entrar.
- Qual é, entra não. – Estiquei a mão e empurrei a porta – Fica!
Ela deu um passo pra trás e eu avancei. Peguei seus cabelos e tapei sua boca com um pano e uma corda bem firme. Ela se debatia muito e escorregava. Por pouco não a perdi. Vendei seus olhos depois de prendê-la num dos canos do prédio.
- O que vou fazer com você? Ah, espera, tá com sede? Um momento, querida.
Peguei o álcool e comecei a jogar nela. Ela imediatamente começou a chorar, desesperada. Amei aquilo e abri um sorriso largo.
- Com medo? Fica não, logo passa. Passei por coisas piores, afinal, eu fiquei viva. Mas calma, dessa você não foge.
Depois de me certificar de que estava completamente encharcada, peguei os fósforos.
- Últimas palavras? – A olhei com uma falsa careta de tristeza – Hum, não dá pra falar? Tudo bem, não quero ouvir sua voz mesmo. Que tal seus gritos abafados? – Disse a risquei um fósforo. Cheguei perto dela e ela pôde sentir o cheiro. Chorou ainda mais e abaixou a cabeça, desesperada novamente. Amei ainda mais aquilo. Apaguei o fósforo e ouvi seus respiro de alívio. Rum. Risquei outro novamente e joguei nela. Ela começou a se debater e tentar gritar. Olhei aquilo e achei incrível! Era seu final perfeito.
- Ah, mas já? Nem pude me divertir!
- É, , valeu por me deixar só aqui. Ainda bem que não tive muito trabalho.
- Foi divertido?
- Muito. – Disse e o beijei.
- Pra mim, se você se divertiu basta!
- Você é um lindo. Agora dá esse copo pra cá.
Eu tomei um gole, olhei pra Evy com as chamas a lambuzando uma última vez. Ela gritava demais, acabaria acordando os vizinhos!
- E aí, viajamos pra onde? Ainda quer ir à praia, né?
- Sim. Consegui as passagens. Vamos pra Miami, ! – Eu gritei de alegria e pulei em cima dele, abraçando-o.
A viagem foi mais rápida do que eu pensava. Chegamos dia 20, o que dava tempo de aproveitar. Eu o observei mergulhar, brincar com a areia, correr com um cachorro no seu encalço e imaginei: tudo poderia ter sido assim. Aquele sanatório havia sugado sua jovialidade e eu podia vê-la agora. Ele estava alegre, feliz. Seu corpo estava radiante e dourado sob o sol. Lindo.
- Vem, , a água tá ótima. – Corri pra ele e tomamos banho no mar de Miami Beach. Eu não poderia querer outra coisa.
Nossa noite foi linda. Fizemos amor na praia, onde dormimos em cima de um lençol fino. Acordamos um nos braços do outro e eu me sentia viva como nunca. Me sentia normal, como nunca. Feliz. Só feliz.
- Hoje é 21.
- É, pois é. – Ele respondeu.
- Vamos apenas observar o céu um pouco, antes de amanhecer.
- ?
- Oi?
- Eu te amo, tá bom? Aconteça o que acontecer, eu te amo. Quero que se lembre disso, onde quer que você ou eu estejamos. – me olhou e sorriu, pegando minha mão.
- Eu também te amo, e sabe disso. - eu sorri - Sabe qual é meu último desejo? Sempre quis encontrar alguém que me amasse de verdade. Obrigada.
Ficamos de mãos dadas, afagando-nos com carinho, aproveitando nossos últimos momentos na Terra.
- Moça, o que faz aqui essa hora? – Um homem trajado de policial perguntou.
- Eu olhei para e ele continuava observando o mar.
- Só estou aproveitando o luar com meu namorado, policial. Tá tudo bem.
- Bom, e onde ele está? – Eu o olhei confusa e olhei para . Ele continuava olhando para o mar.
- Bem aqui do meu lado, senhor – Eu disse rindo. – O senhor está bem?
Ele me olhou como se eu estivesse louca e eu detestava aquilo.
- Moça, aqui é perigoso a essa hora, que tal ir para casa?
- Não, você não vê? Esse é o , aqui. – Eu olhei na direção dele. Mas ele não estava lá. E aí eu percebi que não segurava mais a sua mão. Eu estava sozinha, em cima do lençol, olhando para o mar e para o homem na minha frente.
- Faça o seguinte, recolha suas coisas e volte para seu quarto. Está frio essa hora, pode fica doente. – Ele disse e saiu.
Fiquei olhando ao meu redor, tentando entender tudo. Onde ele estava? Não podia ser! Então era isso, eu realmente estava louca a ponto de inventar alguém? Ele era tão perfeito, tão real. Era impossível! Meu Deus! Coloquei o rosto nas mãos e comecei a chorar.
Ouvi a risada leve de longe e olhei ao redor.
- ! ! – Esperei – , onde você tá?!
Então eu entendi. Havia imaginado ele e tudo aquilo. Eu nunca tive um parceiro. Nunca! E foi com essa revelação que eu senti o primeiro vestígio do fim do mundo naquele dia: a Terra começou a tremer.

FIM


Nota da Beta: Hey, pessoa! Só pra avisar que se você encontrar qualquer erro na fic pode entrar em contato comigo por e-mail ou pelo twitter. E não custa nada deixar um comentário pra fazer uma autora feliz, porque ela merece.
Letii

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