Always And Never – Parte V

by Ali


“Eu quero que você morra, !”

Foi isso que ela falou antes de desligar o telefone na minha cara.
Eu conheço ela e sei que ela não quer que eu morra; ela sempre fala esse tipo de coisa quando fica puta com alguma coisa e nem precisa ser muito puta; pouca coisa já faz ela falar isso. Coisas como quando um casal senta na sua frente no cinema e não pára de falar. Vou te contar, achei que ela fosse bater neles, mas ela só ficava jogando skitles mastigados neles e falando:
“Quero que eles morram!”

Mas eu também sei que agora ela está realmente brava e eu também sei que ela tem um pouco de razão.

Eu não vejo a há exatos 62 dias. Sim, eu conto. 62 dias que pareceram 62 anos.
Ela realmente foi para Paris. Bem, ela não foi para Paris; ela foi despachada para Paris porque os pais dela são totalmente psicóticos. Agora ela está nessa escola que pra mim mais parece uma grande putaria.
Certo, a escola não é uma putaria. É uma escola normal, até onde uma escola particular em Paris pode ser normal. O problema é que ela mora na escola, numa residência estudantil. Ou seja, festa todo dia e não sei quantas centenas de babacas franceses livres para andar pelo dormitório da minha namorada!

Isso está me dando pedras nos rins.
A acaba com a minha saúde.
Porque, quando eu estou acordado, eu estou sempre imaginando o que ela está fazendo e com quem ela está fazendo; quando eu estou dormindo eu sonho com o que ela está fazendo e com quem ela está fazendo!
Isso não é saudável, não é mesmo. O meu maço de cigarro diário que o diga.

Mas eu confio nela. Confio mesmo, mas quando eu ligo pra ela e escuto barulho de festa atrás, eu esqueço que eu confio nela. Eu só lembro que eu a amo e não a vejo há tanto tempo e lembro que ela é gostosa e que os franceses são tarados.

Essa é a hora que você fala que eu sou paranóico.

Eu sei.
A falou a mesma coisa depois que eu liguei pro celular dela e ouvir aquele puta barulho de festa e gente bêbada. Foi ai que eu comecei a gritar e falar um monte de besteira porque eu fico cego, eu perco a razão quando eu sinto ciúmes; quando eu sinto que posso estar perdendo ela. Depois eu me arrependo. Eu me arrependo porque ela começa a gritar e falar aquele bando de coisas que eu não gosto de ouvir. Eu me arrependo porque depois que me acalmo, consigo ver que ela está certa e que o fato dela ter ido a uma festa não significa que ela me traiu.
Eu me arrependo porque eu sei que cada vez que eu duvido dela ela confia menos em mim.

E ai eu fico nesse estado. Encarando o telefone com um cigarro na mão; tragando a cada segundo; querendo que se foda o meu quarto, o cheiro que o cigarro vai deixar nele e os meus pais. Eles já sabem que eu vou morrer de câncer no pulmão e meio que já desistiram.

Obviamente eles não sabem que eu e a continuamos juntos. Até onde eles sabem, eu voltei a minha velha forma: sou o cara mais galinha do colégio. Isso acontece porque, apesar de eu ser um namorado fiel que não encosta em mulher alguma há 62 dias (só eu sei o quanto isso é difícil), eu também sou o cara mais gostoso da escola e eu não sei como todas essas garotas conseguem o telefone de casa e ficam ligando pra cá.

Só sei que isso é bom. Assim meus pais não desconfiam e a minha reputação continua intacta. Sim, eu me preocupo com a minha reputação.

Meus pais?
Eles não me mandaram para a escola militar. Eles não fizeram nada, na verdade. Eles acreditam que eu fui seduzido pela , que fui apenas um tolo e a única coisa que fazem agora é ter certeza de que nosso relacionamento acabou.
Eles são péssimos nisso.

Desisti de olhar para o telefone. Ela não ligaria. É orgulhosa demais pra isso.
A sorte desse relacionamento sou eu. Eu não sou orgulhoso e eu ligo. Mas também sou sempre eu quem fode as coisas...

Apertei o send. É claro que o número dela tinha sido o último discado. Caiu direto na secretária eletrônica.
“Oi, aqui é a e eu não vou retornar a sua ligação porque eu não sei como escutar os recados.”
Ela não sabia mesmo, mas ela ia escutar esse.
- , sou eu... – Falei num suspiro e me sentei na cama. Essas brigas acabavam comigo. Parecia o fim do mundo. – Atende, por favor. Eu sei que você está em casa, . Atende. – Suspirei de novo; fiquei em silêncio; acendi outro cigarro; esperei. – Tudo bem. – Me dei por vencido. – Você não vai atender, eu vou falar do mesmo jeito porque eu sei que você tá me ouvindo. – Dei uma tragada e soltei a fumaça devagar; organizando meus pensamentos pra não falar mais besteiras. – Desculpa, eu não tinha o direito de começar a gritar com você daquele jeito e eu sei que você não tá me traindo, mas eu não consigo controlar. Eu passo o dia todo imaginando se você não está conhecendo o cara que vai fazer você se afastar de mim! Não é uma coisa que eu queira ficar pensando, acredite... – Ri sozinho da minha própria desgraça. - Eu tenho náuseas junto com esses pensamentos e fico com o peito apertado, mas eu simplesmente penso essas coisas e isso me dá medo porque eu não posso te perder e...
Balançava a cabeça me perguntando como eu tinha me tornado esse cara patético quando ela pegou o telefone.
- . – Sorri instantaneamente.
- , desculpa.
- , eu quero você. – Ela falou com a voz triste.

Deitei na cama e fechei os olhos. Aquilo era maravilhoso e horroroso de se ouvir. Ela tinha me perdoado; ela me amava; ela me queria mas ela estava tão longe.

- Eu preciso de você, .

A raiva, a angústia, o ciúme todas aquelas emoções que eu sentia minutos atrás se transformaram em saudades. Simplesmente saudades dela. Queria observá-la colocar o cabelo atrás da orelha de novo; queria ficar analisando o seu sorriso de novo; queria sentir o seu perfume e sua presença do meu lado.

- Mas você precisa parar de pensar nessas coisas, . – Ela falou e eu concordei com a certeza de que nunca mais duvidaria dela. – Eu sei que estando longe é difícil não pensar nessas coisas, mas eu confio em você e em mim mesma o suficiente pra ter certeza de que você não vai me trocar por outra... – Senti uma certa vaidade nesse “confio em mim mesma”. – Você também tem que confiar em mim e saber que eu nunca te trocaria, nunca faria nada que pudesse te magoar.

Tenho que perguntar pra onde ela compra tanta confiança e tranqüilidade. Eu pagaria muito dinheiro pra ter a confiança que ela tem.

- Você tá certa e eu te prometo que isso não vai acontecer mais.
Eu estava sendo sincero.
Fechei meus olhos e tentei imaginar que ela estava ali comigo. Não consegui.
- Você anda saindo, ? – Ela perguntou.
- Claro.
Mentira.
Eu ia pra escola, ensaiava com os caras, tomava umas cervejas e era isso.
- Você tem que se distrair, você sabe, né? – Ela sabia que eu estava mentindo. – A gente está longe mas a gente precisa se divertir, se não vai ser muito mais difícil.
Odiava o fato dela ter razão. Odiava o fato de que eu não me divertia sem ela. Odiava o fato dela se divertir sem mim.
- Pode deixar, , e eu também quero que você se divirta.
Mentira, mentira.
Sim, eu queria que ela se divertisse, mas eu tinha medo daquela diversão. Como já disse, confiava nela, mas sabia que tem coisas que acontecem espontaneamente. Principalmente quando você freqüenta festinhas e fica bêbada todo dia.

Ela me perguntou do meu dia; eu perguntei do dela e só desligamos o telefone quando o cansaço superou a saudade. Demorou bastante.

A briga do dia 62 não foi a primeira nem a última briga que nós tivemos por minha culpa, por culpa da distância, por culpa de eu saber o quanto ela é atraente pra qualquer homem.

Estava entediado; estava preocupado. Há mais de vinte minutos assistia o vasculhar a sessão rock-pop de da HMV. Mas tinha algo na minha cabeça. Algo que não saia da minha cabeça. Algo que atazanava minha cabeça.

Era sempre eu que ligava.

Fazia 75 dias que a tinha ido pra Paris e eu me dei conta de que era sempre eu quem tentava entrar em contato. Se ela tivesse me ligado duas vezes tinha sido muito.
Falava a mim mesmo que aquilo não significava nada. Ela era daquele jeito mesmo. Ela nunca foi o tipo de garota melosa, que corre atrás, que mima. Na verdade, a é a pessoa menos romântica que eu conheço.

Precisava de um cigarro.

- Vou te esperar lá fora, . – Avisei e o vi concordar com a cabeça. Aposto que nem escutou.

Sai de lá para ir parar no inferno em forma de rua.
Certo, estou exagerando.
Mas é isso que acontece quando você se está em uma das ruas de acesso da Picadilly Circus. Você é atropelado por um bando de gente que fala uma língua estranha.
Andei alguns metros até a Leicester Square e me sentei em uma muretinha ali. Acendi meu cigarro e me senti melhor no mesmo instante. Observei toda a agitação do lugar: aquele monte de gente com roupa de sexta-feira, com cara de sexta-feira, com ânimo de sexta-feira. A maioria tinha uma cerveja na mão.

O que estava acontecendo comigo?
Era uma sexta-feira e até um minuto atrás eu estava preso numa loja de cds com o meu amigo.
Decadência. Sério. Nós costumávamos ser os festeiros pegadores.
Não que eu quisesse pegar alguém. Quer dizer, eu queria e queria muito, mas um alguém em especial..

Lembrei da , lembrei que não conseguia falar com ela há alguns dias (1,5 dias, na verdade), lembrei que precisava ouvir a voz dela naquele instante.
Apertei o send (o número dela é sempre o último discado), torci como uma criança para que ela atendesse dessa vez, para que não estivesse ocupado.
Tocou uma vez, tocou duas vezes.

- Oui! – Uma voz masculina atendeu.

Se eu tivesse discado o número eu teria a esperança de ter digitado o número errado. Mas nem isso eu tinha.
Quase engasguei com a fumaça do cigarro na minha boca. De repente eu esqueci como se tragava.

- Quem é? – Não sei como consegui que palavras saíssem da minha boca.
Ninguém respondeu, ouvi movimentação; lembrei-me de como se tragar e dei uma profunda. Vi o cigarro tremer na minha mão.
- Alô! – A voz dela. Estava bêbada. Eu sabia reconhecer assim, com apenas uma palavra. Não sei como.
- Quem atendeu o telefone, ?
Ela demorou pra responder, ela gaguejou.
- Foi um amigo “ume”
“Ume”
Ela estava mais do que bêbada.
A invertia as sílabas das palavras quando ficava bêbada.
Ume quer dizer meu.
- Você tá bêbada e quem é esse amigo?
Eu já imaginava tudo. Eu podia ver aquelas mãos francesas nela, eu podia vê-los na cama e eu queria vomitar.
Achava que ia desmaiar.
- Não tô bêbada... – Ela falou num tom fingindo de sobriedade. - E é o Fabien.
“Fabien”
Que tipo de nome é esse?
E essa pronúncia francesa...aquilo me irritava.
Fabían
Fala direito, merda.
E ela ainda falava como quem fala “foi o meu cachorro”.
- Que porra, ! Você tá vendo? Era disso que eu tinha medo! Eu sabia eu isso ia acontecer... – Eu gritava, não que eu estivesse me dando conta do quanto realmente alta estava a minha voz.
- Eu que digo que porra, ! Cala a boca! Tô cansada de ouvir os seus gritos, cansada do seu ciúmes infantil...
- Ciúmes infantil, ? – Eu estava puto com ela; queria que ela morresse. – Toda vez que eu te ligo você tá em alguma festa, você tá caindo de bêbada e um cara atende seu telefone! Você é uma vagabunda! – Assim que falei aquilo me arrependi. Ouvi ela prender a respiração do outro lado da linha; vi as pessoas em volta me encararem. Ouvi a voz do tal de Fabien ao fundo falando qualquer bosta em francês e me arrependi por ter me arrependido. Ainda tinha muito o que falar. – Você continua a mesma manipuladora sem coração que você era meses atrás, você continua tratando os homens como se eles fossem seu animalzinho de estimação e você continua me fazendo de palhaço!
Ela riu. Queria se fingir de indiferente mas ela não estava indiferente. Eu já estava arrependido porque sabia que tinha magoado ela. Mas o arrependimento era bem menor que a raiva que eu sentia naquele momento. Eu queria que ela e a porra do francês fossem à merda.
- Sabe de uma coisa, ? – Ela me perguntou mas, é claro, não me deu tempo de responder. – Eu ainda não te botei chifre nenhum, mas você merece um.
Ela falou determinada, firme e depois desligou o telefone.

Eu queria que ela morresse.

Odeio o fato de eu pegar as manias dela.

Fechei o celular e joguei ele no meio do jardinzinho enquanto gritava todos os palavrões que eu conhecia. Sentei no chão e coloquei a cabeça entre os braços. Encarei o chão. Odiava aquele chão. Se eu pudesse, eu arrebentava aquele chão.

Aquilo que eu temia realmente tinha acontecido. Ela não tinha como negar; ela com certeza estava me chifrando!
Eu fiquei com raiva, eu fiquei triste, eu fiquei magoado eu fiquei arrasado porque eu ainda a queria mais do que tudo.

Levantei a cabeça e vi que todas aquelas pessoas tinham parado de tomar suas cervejas para me observar. Senti vergonha. Levantei fingindo que eles não me incomodavam; pulei a pequena cerca que me separava do jardinzinho e, consequentemente, do meu celular. Tirei da terra meu aparelho que por algum milagre estava intacto, mas tinha cheiro de adubo.
Eu ia fazer a me pagar um celular novo. Ele era novo, ok? Ela fez eu estragar um aparelho perfeitamente novo e legal! Tinha até bluetooth! Ela ia ver, eu ia obrigar ela a comprar um bem melhor.

Abri ele, apesar do adubo, e estava pronto para ligar de novo pra ela. Queria mais explicações; queria saber o que realmente tinha acontecido e queria ouvir a voz dela de novo, sentir sua presença...
Fiquei puto comigo mesmo. Estava parecendo aquelas garotas ridículas de filme adolescente que mesmo tendo galhos na cabeça continuam apaixonadas.
Ótimo. Sou uma garota de filme adolescente. Antes eu era o pegador, o cara que as meninas queriam e que os caras queriam ser. Agora eu sou uma garota de filme adolescente.

Não liguei pra ela.
Me dei conta de que estava bravo demais para o telefone e que essa ligação só pioraria tudo.
Eu precisava de mais do que isso. Nós precisávamos de mais do que isso.


O táxi me deixou em frente a esse prédio grande e com cara de centenário. Desci dele e senti um vento gelado apesar de ser primavera.
Depois falam que o clima de Londres é ruim.
O clima de Paris é bem pior.
Porque há uma hora atrás eu estava em Londres e estava perfeitamente quente lá.
Mas agora eu estava em Paris. Estava em frente ao dormitório dela. Estava com as mãos suadas e geladas. Meu coração parecia estar no mesmo estado dentro do meu peito. A expectativa de vê-la me causava emoções antagônicas. Eu estava bravo, magoado e também estava com aquela sensação deliciosa no estômago que sinto toda vez que sei que vou vê-la.

Abri a pesada porta de vidro da entrada e me vi num lugar que me lembrava uma recepção. Atrás dum grande balcão estava um segurança usando uniforme preto. Havia murais cobrindo todas as paredes. Não entendia nada; era tudo em francês.
Também não entendi quando o segurança falou comigo.
- English? – Perguntei torcendo para que ele me entendesse.
- Yes. – Ele virou o olho e fez cara de nojo.
Os franceses são um nojo.
- Eu quero ir ao dormitório 28; .
Ele me deu uma prancheta e mandou que eu assinasse meu nome.
Estava tudo em francês, mas imaginei que fosse algo do tipo: “Se algum crime acontecer, a culpa é minha.”
Ele pegou um mapinha, fez um círculo no lugar que estávamos e outro no lugar que eu queria ir. Tudo com muita boa vontade, é claro. Me entregou o papel e começou a assistir a um jogo de futebol em sua tevezinha.
Cara legal, aposto que seremos grandes amigos algum dia.


Cruzei os braços e encarei a porta com o número 28 pendurado bem grande. Ela era branca; o número, preto. A parede de todo o corredor tinha esse tom de areia. Havia uma janela grande no fim dele. Pude ver as luzes e ouvir os barulhos do lado de fora. Mas essas coisas não importavam.
Descruzei os braços, coloquei as mãos nos bolsos. Não sabia o que fazer com elas nem com meus pés. Fiquei ali por alguns segundos, sem saber o que fazer com a minha cabeça também. odiava não saber o que fazer com as partes do meu corpo. Tirei a mão direita do bolso e bati na porta. Odiei o jeito que a minha batida soou. Daquele jeito todos do andar saberiam que eu era um corno.

Isso ai, eu era um corno. Isso nunca tinha me acontecido. Bem, na verdade já tinha, mas era na época que eu “namorava” a Becky e eu realmente não ligava a mínima que ela estivesse dando uns pegas naquele aluno de intercâmbio. Eu queria que eles morressem porque nessa época, a vida era simples e doce e a era apenas a minha prima gostosa que eu comia no natal.

A porta se abriu. Minha respiração parou. Mas não parou porque eu a vi (como geralmente acontecia) parou porque eu o vi.

Não, eu não sou gay. E eu quero que você morra.

Esse cara alto, com o cabelo a la Strokes e apenas uma calça jeans estava no dormitório da minha namorada. Veja bem, minha namorada. Ele era, ele era... ele era o que algumas pessoas chamam de gostoso. Eu não concordo, afinal eu sou um cara e eu não sei falar se outro cara é gostoso ou não. Pra mim é tudo igual, mas eu acho que se eu perguntasse isso pra alguma garota, ela falaria que ele era gostoso.
Só quero deixar bem claro que eu poderia ser muito mais gostoso do que ele. Não sou porque não quero. Não sou porque sou preguiçoso e não pratico esportes. Se eu praticasse, esse cara ia fiar parecendo o Pato Donald perto de mim.

Eu já comentei que os meus gens são muito bons, né?

Eu não sabia nem meu nome aquela hora. Como ele tinha a cara de pau de estar no dormitório dela?
- Você deve ser o ! – Ele falou com um sotaque carregado e de um jeito que me deixou chocado. Ele estava sendo legal comigo.
Falso.
Mas aquilo me perturbou de uma maneira traumatizante. O cara que estava comendo a minha namorada sabia meu nome e estava sendo legal.
Queria que ele morresse.
Mas estava chocado demais pra socá-lo ou então armar um barraco, então, só respondi:
- Sou...hum... – Eu tinha desaprendido ingês. Super. – A está?
Puta que pariu, . Seja macho e bata nele!
Mas eu estava mesmo paralisado.
- Ela saiu essa noite... – Ele assoprou seu cabelo que caía em seu olho. Quem ele achava que era? Julian Casablancas? De uma hora para outra eu percebi porque sempre odiei Strokes. – Mas já deve estar voltando. – Calma, esse não era o tal do Fabien? – Entra aí, cara.
Ele abriu espaço para que eu passasse e encontrasse essa sala grande e branca; um sofá imenso e imundo num lado, uma teve imensa e super legal do outro. Algumas caixas de pizza; garrafas de cerveja; livros; um laptop em cima de uma mesinha que ficava entre a tv e o sofá.

- Quem é você? – Pulou da minha boca.
- Ah sim, eu sou Nicolas, colega de quarto da .

Tá me tirando né?
Além do Fabian tem o Nicolas; e o tal do Nicolas (que, aliás, se pronuncia Nicolá – cara, a França é patética) mora com ela. Que tipo de escola é essa onde homem e mulher dividem o mesmo dormitório?
A França é uma putaria.
Ok, não era culpa da França, mas eu queria que o país todo morresse.

- Colega de quarto?
- Isso. – Ele se virou de costas pra mim, andou até uma geladeira que tinha do outro lado da sala e de lá tirou duas garrafas de alguma estranha cerveja francesa. Entregou uma pra mim e se sentou no sofá. A tv estava ligada ele estava assistindo ao mesmo jogo que o segurança. Isso não podia ser um bom sinal. Qualquer cara que se chama Nicolas e compartilha o mesmo gosto televisivo que o segurança escroto não pode ser legal. – Senta ai. – Ele falou me tirando do meu próprio mundo onde só existiam dúvidas, s e franceses.
Sentei ao lado dele e meus pés começaram a se bater no chão ansiosamente.
Estava cada vez mais confuso. Cada vez com mais medo.

- A não me falou que você vinha. – Ele tentava puxar papo e ser legal. Sério. Ele queria me perturbar mais ainda?
- Ela não sabe que eu to aqui.
- Ah! – Ele exclamou todo animado enquanto eu ainda me perguntava o porquê deu não ter batido nele. – É uma surpresa!
Cínico.
- Hum, mais ou menos.

Um barulho na porta fez com que nós dois olhássemos para ela. Alguém estava tendo dificuldades para acertar a chave na fechadura.
Alguém.
- Putain!
Ouvi a voz dela naquele tom bêbado xingar em francês.
- Ela tá bêbada. – Nicolas falou rindo. Ele a conhecia bem. Tentei não pensar no que isso pudia significar. Eu já previa que ia precisar dar comida e café pra ela se quisesse ter qualquer tipo de conversa; comida e café a deixavam sóbria. – Vou ver se tem café e alguma coisa pra ela comer. – Ele falou levantando do sofá e me deixando mais nervoso ainda. Ele realmente conhecia ela bem. Bem demais. E eu não sabia o que pensar.

A porta finalmente se abriu e uma com o cabelo mais comprido do que nunca (suas pontas já passavam do meio de suas costas) apareceu. Ela estava mais do que bêbada. Nem reparou que eu estava lá, ainda tentava trancar a porta.
Meu coração estava acelerado e eu podia secar a minha mão com uma toalhinha que acabaria congelada com o meu suor frio. Ela estava ali, na minha frente. Depois de tanto tempo, ela estava ali, a poucos metros. Eu esqueci que estava tão puto, eu só conseguia olhar pra ela, pro vestido preto largo e justo ao mesmo tempo, pras botas que pareciam de cowboy, pras suas pernas, pros seus braços, pra cada parte de seu corpo que eu conhecia tão bem.
Ela conseguiu trancar a porta e se virou. Ela me viu. Seu rosto era o mesmo: a boca carnuda, o nariz empinado a bochechas naturalmente rosadas. Linda. Mas sua expressão era uma totalmente nova.

- Que porra você tá fazendo aqui, ? – Ela gritou. Eu já tinha visto ela brava, mas nunca tão brava.
As palavras me faltaram de novo. Eu lembrei porque estava ali.
- Acho que eu vou dar uma volta. – Ouvi Nicolas falar antes de se esgueirar pra fora do dormitório como uma raposa ou coisa parecida. Ele deve ter previsto o barraco. Aposto que ele tinha entendido a surpresa agora.
- Que porra eu tô fazendo aqui? – Ela ficou sóbria de uma hora pra outra. Nem foi preciso o café. – Eu tava conhecendo o seu colega de quarto! Por que você nunca me falou nada dele?
Ela bufou e virou os olhos.
- Porque eu sabia que você ia ter essa reação patética, ! – Eu queria falar que patética era ela, mas ela recomeçou a falar. – Mas você não veio aqui por causa do Nicolas, você veio aqui porque você tem certeza que eu estou te traindo e que eu já dei pra metade da cidade, né?
Ela me desafiava com os olhos e ouvi-la falar daquela maneira fazia tudo parecer ainda pior do que realmente era.
- É isso mesmo! Eu quero uma explicação do porquê você tá me fazendo de palhaço há 75 dias.
Não sei se era porque estávamos brigando ou se era porque tínhamos passado tanto tempo separados, mas eu não conseguia mais ler seus pensamentos.
Aquilo me incomodou.
- Olha, , eu podia falar que é porque eu me senti carente e sozinha aqui, eu podia falar que é porque eu não consigo me satisfazer com um homem só... – Ela fez cara de pervertida e aquilo fez com que eu esquecesse que estava bravo por alguns segundos. – Eu podia falar que é porque você não consegue dar conta de mim... – Ela estava me provocando! Eu poderia dar conta até da Pamela Anderson, ok? – Mas eu não vou falar nada disso porque, infelizmente, eu não te trai nenhuma vez sequer! – Ela olhava nos meus olhos, mas parecia incomodada ao fazer aquilo. Ela estava brava e magoada. Ela estava falando a verdade. Dessa vez eu li seus pensamentos como antes. E eu me senti um imbecil, o pior de todos humanos porque eu lembrei de tudo o que tinha falado pra ela. – E eu realmente me arrependo disso agora.
Ela virou as costas e entrou numa porta. Era seu quarto. A segui sem saber o que falar. Estava desesperado porque eu a tinha magoado. Estava desesperado porque eu tinha fodido tudo de novo e talvez dessa vez fosse pra sempre.
Eu queria que eu morresse.

Antes que eu pudesse entrar ali e suplicar por perdão a porta se fechou com violência na minha cara, fazendo com que eu tomasse um pequeno susto.

- , deixa eu entrar, por favor! - Falei na minha melhor voz de cachorrinho abandonado mas fui ignorado. Ela não fazia barulho algum, e pela fresta da porta não conseguia ver luz alguma também.
Resolvi abrir a porta já que não tinha tido resposta. Abri bem devagar e meio que me escondendo atrás dela. Eu não queria que ela acertasse um vaso em mim ou coisa parecida.
Ela tinha motivos para me jogar um vaso na cabeça. Nós já brigamos dezenas de vezes por causa desse meu ciúmes incontrolável, sendo que ela nunca me traiu; eu chamei ela de vadia...
Bem que eu merecia um vaso na cabeça. Eu mesmo jogaria um vaso em mim.

A vi deitada na cama. Apenas a luz de trás de mim que iluminava o quarto, além de uma fraca claridade que entrava pela janela.
Seu corpo parecia esgotado com o excesso de bebida e o excesso de canalhice que teve que agüentar. Seus olhos estava fechados, mostrando a maquiagem borrada depois de uma noite de festa. Suas botas estavam na cama e ela não ligava a mínima. Sua pele parecia ter a mesma textura da colcha embaixo dela: seda; e eu queria tocá-la.

Fechei a porta. O cômodo ficou escuro e precisei de alguns segundos para que meus olhos se acostumassem a escuridão e eu conseguisse enxergar meu caminho até a cama; meu caminho até a .
Me sentei ao seu lado; ela não se mexeu. Passei minha mão pelo seu braço; ela deu um tapa ardido nela.

- , vamos conversar. – Falei enquanto tentava aproximar minha mão de sua pele mais uma vez e mais uma vez, recebia um tapa.
Suspirei. Me sentia derrotado, sentia que tudo estava acabado.
Toquei suas bochechas com as costas da minha mão e recebi outro tapa, mas dessa vez, segurei sua mão. Ela não esperava que eu fizesse isso e abriu os olhos surpresa; tentou se soltar, não conseguiu; usou a outra mão para tentar me bater; eu a segurei.

- Me solta, ! – Ela falou irritada e se mexendo o máximo possível para tentar me machucar. Não conseguiu e se conseguiu, nem senti.

Acho que pela primeira vez, me vi no controle.
Vou ser sincero, gostei da sensação.

- Não quero te soltar. – Falei e a trouxe para mais perto de mim. Ela estava entre as minhas pernas e seu rosto estava a poucos centímetros do meu. Eu conseguia sentir sua pele que tinha a mesma textura que sempre teve, a mesma textura da colcha de seda e aquela textura que eu queria sentir para sempre. Senti seu perfume de sempre, o cheiro de seu xampu com o cheiro de seu perfume e algum cheiro que era só dela e que fazia eu me sentir zonzo de um jeito bom. Mantive seus braços presos em cima de sua cabeça até que eles não tentassem mais se soltar, até que seu olhar de ódio tivesse se transformado em desejo.
Ela moveu sua cabeça os poucos centímetros que nos separavam; senti sua boca e só não pensei que aquele era o momento mais feliz da minha vida porque não deu tempo.

O fato de todo esse tempo que ficamos sem um ao outro, sem ninguém, na verdade, fez com que nossos beijos fossem intensos, rápidos e demorados ao mesmo tempo; fez com que o gosto da boca dela parecesse melhor do que eu lembrava; fez com que minhas mãos não parassem nem por um segundo, tentando ter certeza de que aquilo estava mesmo acontecendo; fez com que eu tivesse pressa para puxar seu vestido que em menos de um segundo estava no chão; fez com que eu a ajudasse a tirar suas botas e a tirar as minhas próprias roupas; fez com que eu afundasse meu rosto em seu pescoço, beijando-a no lugar em que sua pele era mais macia; fez com que eu sentisse aquele arrepio de sempre quando ela passou a mão pela minha barriga; fez com que nossas roupas de baixo sumissem sem que nós nem tivéssemos consciência disso; fez com que ela passasse os braços pelo meu pescoço e as pernas pelo meu quadril; fez com que nós nos aproximássemos, nos aproximássemos, nos aproximássemos, até que fosse impossível ir mais adiante; fez com que eu fechasse meus olhos e apoiasse minha cabeça em seu ombro, totalmente chapado por causa dessa droga que eu chamo de , da qual eu era totalmente dependente.

Sempre que eu acordo numa cama que não é minha, eu acordo perdido. Nunca sei onde estou. Mas daquela vez, eu sabia exatamente onde estava e por isso, eu sorri inconscientemente.
Estiquei meu braço esperando encostar em suas costas nuas, mas minha mão encontrou apenas o lençol.
Ainda sem abrir os olhos, estiquei o outro braço e chequei o outro lado da cama. Também estava vazio.
Abri meus olhos e a vi sentada naquela espécie de sofá sob a janela. Ela vestia apenas uma larga camiseta vermelha do New Found que era minha.

Passei meses xingando o , falando que ele a tinha roubado. Mas o sempre rouba as minhas coisas, de qualquer maneira...
Além disso, a ficava melhor na camiseta do que eu ou o ou nós dois juntos, na verdade.

O sol fraco da manhã fazia seu cabelo ficar vermelho, fazia a fumaça de seu cigarro formar desenhos engraçados.
A claridade permitia que eu visse o que não pude ver, apenas sentir na noite anterior. Sua pele estava mais bronzeada, atingindo um tom quase, veja bem, quase dourado, suas unhas do pé estavam pintadas de azul e eu ri sozinho. Amava essas coisas inesperadas da ; essas coisas que ela fazia e ninguém mais fazia.

Ela deu uma última tragada no Marlboro light que ela tinha roubado do bolso da minha calça e apagou o cigarro no cinzeiro em forma de gota que ficava no batente da janela. Me levantei o mais silenciosamente possível e passei meus braços pela sua barriga. Ela se assustou e colocou seus braços sobre os meus. Ela os apertou forte e suspirou. Afastei seus cabelos de seu pescoço e estava prestes a beijá-lo quando ela se levantou bruscamente.

Ela estava com o olhar decidido e controlador e eu previ que teria problemas. Uma sensação estranha se instalou na minha barriga e foi agravada depois que ela falou:
- A gente precisa conversar, .
Todo mundo sabe que quando alguém fala “a gente precisa conversar”, é porque esta tudo terminado. Me lembrei que ela ainda não tinha me perdoado, pelo menos não oficialmente.

Sentei ali no sofázinho que era ocupado por ela antes e apenas esperei, esperei enquanto meu coração se disparava e a sensação de vazio na barriga piorava.

- Não dá mais. – Ela falou sentando-se na cama, de frente pra mim. Nossos joelhos se encostavam, nossas mãos se encostavam, seus cabelos longos pareciam estar por toda parte e eu queria apenas sentir seu perfume e ficar tonto, como sempre fazia, mas eu sabia que não podia. Nossos olhares estavam perdidos um no outro; no entanto, nunca a senti tão distante.

Aquilo era pior do que ser tratado como cachorrinho.

- Não fala isso. – Eu tentei falar, mas acho que ela nem entendeu porque as palavras tinham saído num soluço.
Ela não mostrava emoção alguma. Me lembrei do dia do casamento da nossa tia. Ela estava igualzinha àquele dia.

Eu não conseguia ler seus pensamentos. Mais uma vez, a habilidade que eu mais me orgulhava de ter adquirido tinha sumido.

- , a gente tá atrasando as nossas vidas.
- Você não atrasa a minha vida.

Eu sabia que ela estava certa, mas eu não concordava. Sabia que nós não aproveitávamos a vida como outras pessoas da nossa idade. Elas geralmente se encaixam em duas categorias: 1) As que namoram e por isso têm sempre alguém por perto; 2) As que não namoram, apenas galinham por ai (era o meu caso antigamente) e sempre têm alguém por perto, mesmo que cada dia seja uma pessoa diferente. Eu e a não nos encaixávamos em nenhuma das categorias. Nós estávamos sempre sozinhos. Mas eu nunca falaria que ela atrasa a minha vida. A minha vida é ela, como eu poderia falar que a minha vida atrasa a minha vida? Hein? Hein? Nem sentido faz.

- Atraso, . – Ela afastou suas mãos e cruzou seus braços. – Essa história de relacionamento a distancia já é difícil pra um casal normal. Pra gente é pior ainda.
- Por que você tá falando isso? – Eu estava perdendo o controle de novo, eu estava levantando a voz de novo, mas eu não conseguia evitar. Encarei aquilo que ela falou como uma crítica e não como a realidade.
- Porque além de você ser meu primo... – Era sempre muito estranho quando alguém me lembrava disso, já que nós nunca nos vimos dessa maneira. - você é extremamente ciumento e fez desses últimos meses um inferno pra mim! – Eu não era o único que gritava, mas ela tinha uma certa razão na parte do ciumento e tal. Mas isso não era motivo para terminar tudo!
- Eu sei de tudo isso! Mas... mas.. – Eu não sabia o que falar. Essa era a verdade, eu simplesmente não sabia o que poderia falar para consertar tudo aquilo. A única coisa que queria era consertar aquilo. – A gente se entendeu, a gente se entendeu ontem a noite!
Certo, eu estava desesperado.
Ela deu uma meia risada sarcástica e virou os olhos.
Cínica.
Eu lembro muito bem daqueles barulhos que ela tinha feito noite passada e acredite, esses barulhos só são emitidos quando se está com o . Eu sou realmente foda nessa parte. Ninguém pode negar, muito menos ela.

- A gente sempre se entende na cama, . – O robô sem emoções tinha tomado conta do corpo da minha namorada. – Mas isso não é o suficiente! Eu não quero desperdiçar tanto tempo em algo que eu sei que é impossível.
O robô tinha passado dos limites.
- Eu sei o que você tá fazendo! Você já fez isso antes...Você fala esse monte de besteiras pra me magoar e me afastar, mas você sabe melhor do que eu que você não sente isso!
Ela estava perdendo a paciência. Estava perdendo a paciência porque ela não estava conseguindo controlar tudo perfeitamente, ela não estava me controlando porque eu sabia que era tudo mentira.
Ela bufou fazendo sua franja voar; se levantou e cruzou os braços.
- , já passou pela sua cabeça que você não me conhece tão bem assim? – Ela estava me desafiando. De novo. Mas não estava funcionando. Não funcionava porque em vez de eu ficar nervoso, eu estava ficando desesperado. Estava desesperado porque é óbvio para todos que um relacionamento só existe se os dois querem que ele exista.

Não importava o motivo, o fato era que ela não queria mais.

Eu me decepcionei, eu me decepcionei porque eu achei que nós éramos para sempre e eu achei que ela concordasse comigo. Eu me decepcionei porque ela tinha desistido de nós. Ela tinha desistido enquanto eu ainda estava disposto a absolutamente tudo.
Foi ai que eu também desisti.

Eu fiquei ali em silêncio; esse conflito interno crescendo dentro de mim: eu não sabia o que doía mais a minha desistência ou a dela.
Ela se sentou do outro lado da cama, de costas para mim e eu procurei minhas roupas pelo chão para poder ir embora o mais rápido possível. Aquele quarto me sufocava, aquele país me sufocava.
Eu sabia que ela estava sentindo a mesma coisa que eu. Porque nós nos amávamos e nós tínhamos desistido.
Eu podia ter tentado alguma coisa, eu podia ter implorado, eu podia tê-la beijado, afinal nossa sintonia física sempre foi mais forte do que tudo, mas eu não tentei nada. Eu não tentei nada porque eu tinha desistido, porque ela tinha desistido.
Sai de lá sem olhar para trás.
Um mundo de novas possibilidades se abriu para mim.
E eu não queria nenhuma delas.

Fazia 223 dias que a tinha terminado comigo e eu continuava fazendo contas idiotas sobre coisas inúteis.
Não podia evitar.

Eu fui para Paris duas vezes depois daquilo. Nas duas, não tive coragem de sair do parque do outro lado da rua e ir bater na porta dela. Nas duas, o medo de ser rejeitado, o medo de encontrá-la feliz com outro foram maiores do que tudo.
Eu sou um fraco e eu sou o pior Romeu que já existiu.

Mas ela que tinha terminado, ela não queria mais e eu não seria aquele namorado perseguidor que não se conforma com o fim do relacionamento. Bem, eu não me conformava com o fim do relacionamento, mas eu não ia ficar perseguindo a . Eu tinha um mísero orgulho próprio e uma vida própria.
Falando em vida, a minha tinha mudado radicalmente nesses últimos 113 dias. Não só por causa da . Quer dizer, por causa dela, ou melhor dizendo, da falta dela, as coisas ficaram mais difíceis, menos divertidas, mais tristes.
Eu sei que estou soando como uma adolescente de filme tosco de novo. Acredite, isso me incomoda muito.
, e falaram que iam me expulsar da banda porque eu só estava escrevendo letras para depressivos chutados. Segundo eles, eu deveria procurar por uma vaga de no Boys Like Girls. Eu mandei eles a merda e falei que os caras do Boys Like Girls eram muito melhor do que eles. Eles riram da minha cara.

Mas com o tempo, eu fui me adaptando a minha nova vida, a minha vida sem a e tudo ficou mais fácil depois que a minha banda assinou contrato com uma gravadora grande.
Tudo foi muito rápido. Um dia, eu estava tocando nessa festa tosca de alguém da escola, no outro, eu acordei com duas garotas na minha cama. Foi assim mesmo, literalmente.

O que aconteceu foi, o filho de um cara da gravadora estava na festa, filmou a gente tocando (já que nós somos fodas) e mandou para o pai. Nós assinamos contrato no dia seguinte, a gravadora nos deu uma festa e ai, eu acordei com as duas garotas na minha cama.
O pior é que eu nem lembro de nada. Eu estava bêbado demais.

Mas isso não interessa, o que interessa é que eu larguei a escola, larguei a casa dos meus pais (agora, eu, , e dividimos uma casa no centro da cidade, mais perto dos nossos compromissos, e a melhor parte é que a gravadora paga tudo), gravei um cd, gravei clipes, apareci na televisão e não posso mais ir em lugares movimentados.
Ah sim, eu também tenho um estoque inacabável de mulheres. Se quando eu não era famoso elas já não resistiam a mim, agora que eu sou famoso é um negócio fora de controle. Elas simplesmente brotam do chão.
Veja bem, não estou reclamando, longe de mim!

Apesar de eu estar vivendo o meu sonho, eu acordo todo dia; olho para garota que está do meu lado; vejo que ela não é a e sinto que tem alguma coisa faltando.

Nós nunca mais nos vimos ou nos falamos. Eu fiquei esperando a sua ligação. Eu tinha certeza que ela me ligaria assim que ela soubesse que McFly tinha conseguido. Eu esperei. Nos primeiros dias o telefone não parava de tocar, mas nunca era ela.

As minhas tão merecidas férias tinham chegado. A gente não tinha parado desde que tinha sido contratado e eu precisava vegetar em casa urgentemente. Tudo o que eu queria era comer pizza no café da manhã, no almoço e no jantar; fazer campeonato de videogame com os caras a tarde toda e ir para alguma festa à noite, onde eu conheceria a pessoa que me faria companhia naquela madrugada.
Utopia.
Utopia que teria que ser adiada, já que eu tinha recebido um telefonema dos meus avós uma semana atrás e eles tinham marcado um jantar bem para o primeiro dia das minhas férias.
Minha família me sabota, é impressionante!

Depois de ganhar dos losers dos meus amigos no videogame, peguei meu carro...Sim, carro. Sim, estou motorizado. Sim, eu não estou apenas motorizado, eu tenho um Peugeot azul marinho conversível que segundo uma mina que eu peguei outro dia, combina com os meus olhos.
Eu tenho que ouvir cada bosta.
A única coisa que faz eu gostar menos do meu carro é que ele é francês.

Enfim, peguei o meu carro e dirigi os 40 minutos que me separavam de Kent, onde meus avós moravam.
A casa deles era esse negócio imenso de pedra que devia ser mais velho que a Tower Bridge. Na frente dela tinha jardins, fontes e o caralho a quatro. Estacionei o meu bebê entre a escadaria de entrada e uma das fonte.
Saí do carro carregando minha mochila. Sempre passava a noite lá quando os visitava já que eles nunca deixavam eu dirigir até Londres tarde da noite. Era mais fácil levar as minhas próprias roupas para não acabar vestindo o pijama de flanela do meu avô. Um vento gelado de outono soprava e fazia eu sentir saudades do verão. Não exatamente do verão porque o verão tinha sido uma bosta porque foi na época que a me chutou, mas do clima... Ah, você me entendeu...
Tirei meu maço de cigarros do bolso e acendi um cigarro. Sabia que não fumaria lá dentro, a não ser que eu quisesse que a minha avó tivesse uma isquemia cerebral ou coisa parecida.
Aproveitei meu cigarro me lamentando por estar longe da minha rotina fútil e insignificante. Fútil e insignificante, mas era a minha rotina e ela dava certo para mim apesar dos momentos crise-de-abstinência-da- que estavam praticamente superados.
Também não é que eu não goste dos meus avós. Eles são velhinhos legais, cara. Sempre me deram os presentes que eu pedi e sempre tiveram um papo legal. Muito melhor do que o dos meus pais.
Eles são aquele casal tipicamente inglês, que tem o sotaque igual ao da rainha, caça nos finais de semana e toma chá todos os dias às cinco em ponto.
O que acontecia era que eu simplesmente não queria vê-los porque eu sabia que eles fariam eu me lembrar da e o que eu mais fazia era tentar esquecê-la. Eu nunca pensava nela, mas ela sempre estava na minha mente.
Mas, sim, ela também é neta deles.
Mas, não, eles não sabem de todo o episódio incesto.
Até parece que se eles soubessem eles estariam me convidando para o jantar...

O gosto amargo do filtro do cigarro fez com que eu parasse de não pensar na e percebesse que estava na hora de entrar. Joguei a bituca no chão, a apaguei com o pé e a escondi da melhor maneira possível, jogando pedrinhas em cima.
Subi as escadas e toquei a campainha da imensa porta da imensa casa dos meus avós.
Pelo vidro no alto da porta, vi a empregada se aproximando. Ela abriu a porta, fez sinal para que eu entrasse e depois ficou parada como um daqueles soldados que fazem a guarda da rainha. Até que o uniforme dela me lembrava um pouco o uniforme deles...
Ela fechou a porta logo depois que eu entrei e falou num tom sério e rápido:
- Seus avós o esperam na sala de visitas. Posso levar a sua mala? – Ela perguntou e antes que eu pudesse responder qualquer coisa, ela arrancou a mochila das minhas costas com um movimento ninja.
Se eu não soubesse onde era a sala de visitas, eu estaria fodido, já que a soldada sumiu de vista em poucos segundos levando a minha mochila junto.
A minha sorte era que eu já tinha estado ali dezenas de vezes.

Entrei na sala de jantar e de lá já ouvi vozes. Nada que eu conseguisse entender claramente. Fiquei prestando atenção conforme eu me aproximava, mas as vozes só ficaram claras quando eu estava parado na porta da sala de visitas. Paralisado.
Paralisado porque a minha prima estava sentada no sofá pomposo e vermelho em frente ao sofá pomposo e vermelho que meus avós estavam sentados; paralisado porque o meu pulmão não me obedecia mais e não estava mais me provendo oxigênio; paralisado porque eu não sentia mais as minhas pernas ou qualquer outra parte do meu corpo que não fosse meu coração. Meu coração eu sentia até demais já que ele parecia mais uma bateria.

Ela estava lá. Linda. Absolutamente linda, mais linda do que eu podia me lembrar e eu sempre lembrei dela muito linda. Seu cabelo não estava mais absurdamente comprido, agora estava curto. Curto o bastante para que eu visse seu pescoço e lembrasse de como ele era macio. Eu não conseguia reparar em detalhes, mas ela usava cinza e eu queria que aquela peça de roupa se desfizesse.

- Meu garoto! – Meu avô exclamou quando me viu e eu acabei me assustando já que estava tão concentrado em processar aquela nova informação: a estava ali.
Eu não fui o único que se assustou. A expressão na cara da deixou bem claro que ela sabia da minha presença tanto quanto eu sabia da dela. Depois, ela sorriu. O sorriso tarado.

Andei até eles, ganhei um abraço do meu avô que quase quebrou as minhas costelas e depois uns tapas no ombro que quase fizeram eu desmontar. Meu avô era grande, ok? Eu estava num momento delicado, ok?

Minha avó me abraçou rapidamente, ela nunca foi uma avó muito coruja, e depois me afastou para que ela me observasse. Torci para que ela não reparasse que eu estava a ponto de ter um ataque cardíaco por causa da neta dela. Ela arrumou a gola da minha camisa (sim, camisa, meus avós são old fashion e curtem pessoas vestidas como advogados na casa deles. Se bem, que eu vestia calças largas e tênis DC além da camisa), fez uma cara de satisfeita e falou:
- Vou te comprar calças novas, .
Nós dois sabíamos que ela estava brincando porque ela me olhou daquele jeito que só avós te olham, aquele jeito que dá vontade de abraçá-la e pedir colo como se você tivesse dois anos de idade.

Bem que eu precisava de colo e suporte emocional naquela hora.

A era a próxima. Me virei em sua direção e ela se levantou. Pude ver que a odiada peça de roupa cinza era um vestido, que ela usava as mesmas botas de cowboy da última vez que eu a vi e que ela continuava mais gostosa que a Fergie. Muito mais, aliás.
Ela agiu com toda a naturalidade que faltava em mim. Passou seus braços pelo meu pescoço fazendo eu sentir aquele tão adorado e familiar perfume. Coloquei as mãos em sua cintura meio que com medo de que ela sumisse ou que eu levasse um choque ou coisa que o valha.
Ela não sumiu e eu não levei um choque.
Foi maravilhoso, na verdade.
Ela beijou minha bochecha e propositadamente/acidentalmente beijou o canto dos meus lábios.
Ela me deixava maluco.

- Sente-se, . – Meu avô falou e me deu um tapa que me jogou no sofá, bem ao lado da .
O sofá era bem grande, mas minha perna tocava a dela e eu me sentia eletrizado.
- A estava nos contando de Paris antes de você chegar, . – Minha avó comentou, tentando engrenar uma conversa.

É claro, Paris. Queria que Paris e aquela torre fétida se explodissem.

- Como é Paris no outono? – Perguntei já me arrependendo de ter falado aquilo. Tinha soado extremamente gay.

“Como é Paris no outono?”
Por que eu faço essas coisas comigo mesmo?

- Não sei. – Foi o que ela respondeu e eu me surpreendi. – Fui embora de lá no fim do verão.
Não pude deixar de sorrir.
- Você voltou pra Inglaterra, então? – Perguntei apenas para confirmar, fingindo que não dava a mínima.
Ela fez que sim com a cabeça enquanto mordia seu lábio inferior e me deixava levemente tonto.

- Que tipo de primos são vocês que nem sabem um da vida do outro? – Minha avó perguntou.

O tipo de primos que também são ex-namorados.
Nós não respondemos isso; apenas rimos sem graça.

- Joan, o que eu vou ter que fazer para que a sua empregada me sirva whisky? – Meu avô perguntou com a clara intenção de provocar a minha avó.
- Ela também é sua empregada, Benjamin e eu acho que vou ter que mandá-la de volta para a Polônia e encontrar outra que te sirva whisky!

Às vezes, meus avós fazem com que eu me sinta num jantar de sexta à noite da família Gilmore.

Vovó levantou-se, foi até o bar atrás do sofá onde ela estava sentada e começou a preparar copos de bebida.

- Você já arrumou um lugar para morar em Londres, ? – Meu avô perguntou a enquanto minha avó lhe entregava um copo com whisky de uns 300 anos de idade.

Ela estava em Londres. Morando em Londres.
Eu estava hiperventilando, talvez eu precisasse dum saquinho.

- Por enquanto eu vou morar no campus da universidade mesmo... – Ela respondeu e eu me enchi de orgulho porque ela estava na universidade. Ela era tão foda. – Mas com o tempo eu vejo um lugar melhor. – Ela acrescentou.

Fiquei imaginando em qual universidade ela teria se matriculado.

- O que você quer beber, , querido? – A voz da minha avó me despertou.
- Whisky com gelo, por favor. – Respondi automaticamente e reparei que e já tomava uma taça de vinho branco.
- Bem, você sabe que pode ficar na nossa casa em South Kesington, certo, Joan? – Meu avô continuou sua conversa com a minha prima pedindo o apoio da vovó.
- É claro, seria uma alegria tê-la lá, querida.
- Obrigada, vou pensar no assunto. – Ela respondeu, mas tenho certeza que preferiria morar de baixo da ponte do que morar num bairro esnobe como South Kensington.

- Pra qual universidade você vai, ? – Perguntei.
- De Londres. – Ela respondeu sem olhar na minha cara e depois deu um gole em seu vinho.

Tenho certeza que ela preferiria uma cerveja.
Eu também.

Reparei na marca de batom na taça. Ela sempre me sujava de batom porque nós nunca podíamos esperar que ela o tirasse para nos beijarmos.

Eu queria agarrá-la ali mesmo.

- E você, ? – Vovó perguntou sentando-se ao lado do meu avô com um copo de whisky na mão. – Como é ser uma celebridade?

Agradeci por alguém ter tirado aqueles pensamentos da minha cabeça.

Eu ri.

- É igualzinho ser um desconhecido, a única diferença é que agora eu recebo calcinhas pelo correio. – Falei apenas para deixar a enciumada.
Sem sucesso, é claro.
Mas não era mentira. Eu tinha recebido uma fio dental pink na semana passada.

- Sabe, , nós estamos orgulhosos de você. – Vovô falou ficando sério de repente. – Nós sempre soubemos que o gene artístico estava na família, só estávamos esperando que ele se manifestasse.

Às vezes ele realmente se esquecia de que nós não dividíamos gene algum.

Eu agradeci com a cabeça meio sem graça e lancei um olhar para a . Mais um olhar. Eu tentava observar todos os seus movimentos para tentar saber o que ela estava pensando ou sentindo. Mas eu estava sem prática e estava nervoso, fazendo com que eu mal conseguisse contar até dez, quem diria entendê-la.

- O jantar está na mesa. – A soldada anunciou da porta da sala e depois sumiu.
- Espero que vocês gostem de carneiro. – Minha avó falou se levantando.

A não gostava e eu passei todo o jantar assistindo ela comer as ervilhas, a cenoura, a batata e todo o resto enquanto picava a carne bem pequena e a espalhava pelo prato. Também assisti à maneira como ela limpava a boca delicadamente com o guardanapo de pano, à maneira como os talheres chegavam a sua boca, à maneira como sua boca se mexia ao mastigar, à maneira como sua boca parecia mais vermelha quando vista através do copo de vidro.

Sim, eu estava hipnotizado pela boca dela.
De novo.
Achei que já tivesse passado dessa fase. Mas, aparentemente, não tinha já que eu tinha que me esforçar para não esquecer de comer, respirar e etc.

Mas ela estava distante e aquilo estava me matando. Depois de tudo que nós tínhamos passado, ela estava agindo como aquela garota fria de um ano atrás. Eu não estava entendendo mais nada e aquilo me perturbava tanto que eu mesmo comecei a picar a minha carne em pedaços minúsculos e a espalhá-la pelo prato.
Eu não sabia bem o que estava acontecendo, mas algo fazia com que eu batesse com os talheres freneticamente no prato.
Eu estava nervoso. A presença dela estava me deixando nervoso. Saber que ela estava tão próxima me deixava nervoso. Saber que eu não podia fazer nada me deixava nervoso.
Encarava meu prato de comida porque não conseguia mais olhar para ela.

Ela era tudo que eu queria e tudo o que eu não teria.

Senti uma gosta de suor frio descer pelas minhas costas e me arrepiei. Olhei para os lados e me deparei com todos me encarando assustados. Todos mesmo, inclusive ela.

Me senti tonto.

Ela me olhou como me olhava quando estávamos só nós dois, como na época que eu lia seus pensamentos e ela lia os meus.

Me senti mais tonto.

Me levantei mais abruptamente do que tinha intenção.
- Com licença.
Foi o que falei antes de sair correndo da sala e subir as escadas até o meu quarto. Ele estava escuro, mas uma claridade cinza entrava pelas grandes janelas de vidro e o deixava com uma cara gelada apesar da temperatura agradável dali de dentro.
Fechei a porta atrás de mim e encostei meu corpo nela mesma. Não consegui me movimentar até a cama ou um lugar mais confortável. Minha respiração estava rápida e descompassada.
Eu já sabia que não a tinha superado, mas achei que tivesse pelo menos no caminho certo. Estava errado. Apenas a presença dela fazia com que eu suasse frio, esquecesse de respirar e perdesse a cabeça.

Entrei no banheiro e tirei as roupas o mais rápido que pude. As joguei no chão e abri a torneira gelada.
Entrei debaixo do chuveiro de uma vez, sentindo o impacto da água gelada no meu corpo. Era um sofrimento, mas eu precisava daquilo. Fui me acalmando aos poucos e por incrível que pareça, consegui esvaziar a minha cabeça.

Não pensava em nada, não pensava em , não pensava em família, não pensava em banda, só sentia as gotas geladas massagearem as minhas costas e encharcarem o meu cabelo.
Fechei a torneira depois que perdi a noção do tempo. Peguei uma toalha felpuda colocada ali ao lado especialmente para mim e me enrolei nela.
Me olhei no espelho e tive vontade de ser outra pessoa. Aquilo nunca tinha acontecido antes e eu me sentir como um intruso dentro da minha própria pele.

Abri a porta do banheiro ainda pensando no que estava acontecendo comigo quando a vi sentada em cima da cama.
Eu meio que desconfiava que a veria ali.
Eu meio que gostei de ser eu mesmo naquela hora.

Ela estava sentada em cima das mãos e balançava os pés como uma criança. Ela sorriu docemente fazendo um sorriso tamanho família se instalar em mim. De um segundo para o outro eu esqueci da minha pequena crise nervosa.

- Você tá bem? – Ela perguntou preocupada e eu adorei o fato dela estar preocupada comigo.
Fiz que sim com a cabeça enquanto caminhava até ela como se fosse um imã. Ela sorriu e fez cara de tarada. Aposto que a minha estava pior que a dela já que só o que eu pensava era que eu precisava dela.

Cheguei ao pé da cama e senti sua mão deslizar pela minha barriga até o meu pescoço. Senti urubus no meu estômago. Ela me puxou e caímos sobre a cama. Nossas bocas logo se encontraram e trataram de tirar aqueles 223 dias de atraso. Seu corpo estava quente e o meu gelado fazendo com que aquilo que já tínhamos feito centenas de vezes ficasse com um gostinho de coisa nova.
O tecido de seu vestido ficava preso ao meu corpo já que ele continuava molhado. Aquele vestido estava atrapalhando. Desci as minhas mãos até suas pernas e comecei a levantar a barra dele. Ela intensificava o beijo conforme minha mão e sua roupa subiam. Aproveitei o segundo que paramos de nos beijar para que o vestido passasse por sua cabeça para recuperar o fôlego.

Por que ela sempre me deixava sem fôlego?
Tanto tempo juntos e eu ainda não tinha chegado a uma conclusão.

Senti sua mão na minha toalha e num movimento rápido ela a arrancou e num movimento mais rápido ainda ela se colocou por cima de mim e deu uma risadinha vitoriosa.

Sempre por cima.
E eu nem ligava.
E eu meio que gostava.

Ela dava chupões no meu pescoço enquanto eu sentia os urubus fazerem festa na minha barriga e tentava abrir seu sutiã.

Por que ela sempre fazia animais estranhos habitarem a minha barriga?
Tanto tempo juntos e eu ainda não tinha chegado a uma conclusão.

Ele foi para o chão (o sutiã, eu digo), assim como aquela calcinha mínima. Coloquei minhas mãos no começo de suas costas e a puxei para mais perto de mim até que nossas pernas se encaixassem e eu sentisse ela segurar forte nos meus cabelos e parar a sua respiração. A minha também parou.

Por que ela sempre fazia a minha respiração parar?
Tanto tempo juntos e eu ainda não tinha chegado a uma conclusão.

Eu realmente gostei de ser eu mesmo naquela hora.

Ela soltou o peso de seu corpo cansado (o que eu posso dizer? Eu sou foda) em cima do meu. Senti sua respiração falha e rápida acompanhar a minha respiração falha e rápida. Passei uma das mãos pelo seu cabelo que agora estava tão curtinho e tão sexy. Passei a outra mão por suas costas que estavam úmidas de suor (o que eu posso dizer? Eu sou foda). Senti seu perfume e fechei os olhos porque aquilo não parecia real.
Parecia uma memória ou então um dos meus sonhos acordados.
Mas era real.

- Eu te amo.
Falei sem pensar. Foi algo totalmente espontâneo, mas verdadeiro.
Era isso ai, ela me deixava sem fôlego porque eu a amava; ela fazia animais estranhos habitarem a minha barriga porque eu a amava; ela fazia a minha respiração parar porque eu amava.

Ela beijou meu peito e o acariciou. Deslizou para o meu lado, mas ainda manteve-se grudada ao meu corpo, com uma das pernas em cima da minha.
apoiou sua cabeça em meu ombro e sussurrou na minha orelha:
- Eu também te amo.

Senti como se nós nunca tivéssemos nos afastado; tudo estava como sempre; tudo estava perfeito.
Nós dois estávamos cansados, mas nem ligávamos para isso. Dormir era a última coisa que faríamos.

Mas não é só de sexo que se faz um casal.

Eu amava conversar com a ; amava ouvir sobre o seu dia; amava ouvir suas opiniões (e acredite, ela tinha opiniões em todos os assuntos); amava ouvir suas tiradas engraçadas e inteligentes (sempre tentava repeti-las para as outras pessoas, mas sabia que eu nunca pareceria tão legal quanto ela); amava ouvir seus movimentos e amava ouvir sua respiração.
Passamos horas conversando, mas no entanto, não conseguíamos não nos tocar.
Foram horas ouvindo sua voz; horas descobrindo o que tinha sido a vida dela naqueles últimos 223 dias. Ela tinha acabado a escola, sido aceita em todas as universidades que tinha se inscrito, voltado para Londres, arrumado um emprego que ela amava numa galeria de arte e o que eu mais gostei de ouvir, ela tinha sentido a minha falta.

Aproveitamos nossas companhias até que nós dois caíssemos no sono.
Não tem nada melhor do que dormir abraçado com a garota que você ama.

- ! – Ouvi uma voz distante falar, mas estava com muito sono para reconhecer meu nome. Eu tinha dormido muito bem, como eu não dormia há tempos. – ! – A voz continuou e dessa vez senti pequenos cutucões que depois se transformaram em beijos. Beijo na boca, beijo na bochecha, beijo no olho (é bom, tente), beijo no pescoço, beijo na orelha, mordida na orelha. Me despertei rapidamente e sorri. – , você precisa acordar! – falou numa voz animada e senti ela pulando da cama.

Queria que ela voltasse para lá.

Abri meus olhos devagar, com a claridade machucando-os. Me apoiei nos cotovelos e vi que ela andava de um lado para outro. Reparei que ela estava de calcinha, sutiã e botas; reparei que eu realmente queria que ela voltasse para a cama; reparei que ela parecia ocupada e elétrica.

- O que você tá fazendo, ? – Perguntei com a cabeça ainda tonta de sono.
Ela não respondeu, apenas jogou em cima de mim o que eu depois conclui serem as minhas roupas.
- Vista-se, ! – Ela falou enquanto enfiava o vestido cinza pela cabeça e acabava com as minhas últimas esperanças de que ela voltasse para a cama.
Achei melhor me vestir, principalmente porque eu sempre faço o que me mandam fazer quando eu estou semi-acordado.

Essa história de estar semi-acordado é bem perigosa. Já tinha atendido o telefone dormindo várias vezes. Só acordava quando já tinha conversado com a pessoa por uns cinco minutos. Desse jeito que eu sempre acabava tendo que sair com as garotas mais escrotas; elas sempre ligavam quando eu estava dormindo. A única coisa que eu lembrava ao acordar era que tinha um encontro. Quando chegava no lugar, um filhote de cruz-credo me esperava.

Mas voltando ao que eu estava falando, nesse dia só acordei mesmo quando reparei que a estava sentada no banco do motorista do meu carro e eu estava ao seu lado.

- Wow! – Exclamei. – O que você tá fazendo? – Perguntei em pânico. Ninguém dirigia meu carro. Ninguém! Não deixava nem que manobristas encostassem nele.
- Calma. – Ela respondeu enquanto se perdia dentro de sua bolsa em busca de alguma coisa e ligava o motor.
- , deixa eu dirigir! - Ela me ignorou e deu marcha ré enquanto tirava seus óculos de dentro da bolsa. – , presta atenção, por favor!
- Relaxa, ! – Ela respondeu sorrindo e colocando seus óculos estilo celebridade que não quer ser fotografada.
E eu relaxei. Porque ela ficava maravilhosa dirigindo o meu carro maravilhoso.

- Onde a gente tá indo? – Perguntei quando a vi sair da propriedade dos meus avôs.

A manhã estava clara, com um sol de verão apesar de ser outono. O vento fazia nossos cabelos voarem e o dela ficar ainda mais charmoso.

- A gente tá fugindo!
Olhei para ela imaginando se estava ficando louco, se estava ouvindo coisas... Ela olhava para a rua a nossa frente, mas eu podia ver o canto da sua boca sorrindo.
- O quê? – Perguntei confuso.
- A gente tá fugindo, ! – Ela falou olhando pra mim e sorrindo.
Eu não conseguia conter a minha felicidade, apesar de ainda não saber exatamente o que “fugir” significava naquele contexto.
- O que você quer dizer com “fugir”?

Ela diminuiu a velocidade do carro e parou no acostamento. Eu só a olhava ansioso pela resposta.

- Quero dizer que nós vamos para Glasgow passar as férias e depois a gente vai comprar um apartamento em Londres!
Tentava processar tantas informações e não conseguia pronunciar palavra alguma. Ela reparou no meu choque, riu e depois beijou os meus lábios.

- Mas e...? – Eu não terminei a frase que eu mal consegui começar.
- A gente não precisa mais deles, . – Ela falou se referindo aos nossos pais. – Nós dois somos maiores de idade, nós dois temos um emprego... – Tudo fazia tanto sentido enquanto ela falava que eu fiquei com uma pequena inveja por não ter tido essa idéia antes. – E eu vou ficar com você pra sempre e eu nunca vou deixar de te amar. – Eu realmente não conseguia mais falar. – Eles podem aceitar isso ou não, não me importa! – Ela sorriu, beijou a minha boca com ternura, ligou o carro e o rádio.
Silverstein começou a tocar e eu ia ficar com ela para sempre e nunca deixaria de amar a .


FIM

E esse é o fim de Always and Never! Eu espero que vocês tenham gostado não só dessa última parte mas de todas as outras; espero que vocês comentem, elogiem critiquem e me contem o que acharam de tudo através do e-mail (ali.broccoli@hotmail.com), ok?

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