Finalizada em: 07/07/2020

Capítulo Único

Counting all different ideas drifting away
Contando todas as ideias diferentes à deriva
Past and present, they don't matter
Passado e presente, eles não importam
Now the future's sorted out
Agora que o futuro está resolvido


Uma fogueira queimava, ardentemente, no meio da floresta. Além do estalar dos galhos secos que alimentavam a brasa, grilos podiam ser ouvidos e, até mesmo, as corujas de grandes olhos amarelos que os observava na escuridão dos topos das árvores. Dois cavalos pastavam ao redor enquanto o casal estava encolhido ao redor do fogo.
estava deitada de barriga para cima, as mãos cruzadas sobre o estômago e uma expressão entristecida marcava seu belo rosto. O coque que sua irmã levou horas para deixar perfeito, tornou-se uma bagunça de fios no topo de sua cabeça e um passarinho poderia - facilmente - confundi-lo com um ninho. Os pés estavam descalços, cobertos de lama e poeira, depois da brilhante ideia de refrescá-los no riacho para seguir a pé novamente. O lindo vestido azul bebê de tecido macio, confeccionado durante meses para a sua festa de noivado estava arruinado, sujo e com vários rasgos. Se um dos convidados da festa que aconteceu duas noites atrás, vissem o seu estado, teriam um ataque de mais puro horror e choque, afinal, a bela jovem não poderia ter um fio de cabelo fora do lugar ou poderia ser abandonada pelo brilhante senhor Crawford.
Um sorriso de divertimento surgiu com o pensamento que se formava em sua mente.
Se quisesse realmente não ser abandonada, não teria fugido. Então, que mal faria a sua aparência naquele momento? Iria apenas ajudá-la a reforçar a ideia de que não queria se casar com o homem.
Observou a imensidão do céu escuro, iluminado por pontos brilhantes. Alimentou-se apenas do que roubou da cozinha da festa, bebeu água do riacho e não cheirava bem, mas sentia-se em paz. Sempre teve suas necessidades atendidas pela criadagem da família, nunca lhe faltou o que comer ou vestir ou ficou suja por tanto tempo. Admitiu que o medo tomou conta, quando a adrenalina da fuga abandonou suas veias e se viu galopando com Estrela, floresta a dentro.
Naquele momento, questionou-se sobre o que faria. Pesou as possibilidades, o fato de que notariam o seu sumiço, afinal, era a noiva e, também, que seus pais poderiam sofrer da saúde. Tinha pouco dinheiro, não tinha uma profissão ou comida suficiente para vagar por dias pela floresta. Então, precisava pensar em um caminho e, por isso, teimosamente, decidiu que não voltaria nunca mais ou seria obrigada a manter o casamento que só resultaria na sua infelicidade. Não amava o , o senhor Crawford. O seu coração pertencia a outro homem.
Soltou o ar dos pulmões e mudou de posição, deitada de lado. Observou o motivo de sua fuga desesperada, encarando-o com toda mágoa existente em seu peito. O rosto parecia sereno e se não o conhecesse, poderia acreditar que ele realmente estava inconsciente, desfrutando de um descanso, entretanto, fingiu dormir noites o suficiente para reconhecer a encenação.
- Está de parabéns, . - Revirou os olhos, ajeitando as mãos em concha abaixo da bochecha, um bocejo escapou de sua boca. - Bateu o recorde.
Revirou os olhos, mais uma vez.
- Acabou a encenação? - O tom de voz impaciente.
Olhou-o manter fielmente a atuação. Ele mexeu calculadamente o corpo, abriu os olhos e piscou várias vezes seguida, coçou-os com os punhos e molhou os lábios com a língua. Virou a cabeça para o lado, a expressão de falsa sonolência.
- Você é um morcego em forma de gente? - Abriu o familiar e reconfortante sorriso provocador. - Não dorme, mas não deixa os outros descansarem. - Imitou a posição dela, encarando-a diretamente.
Ela revirou os olhos para disfarçar, o fato de que ficou mexida ao encará-lo tão perto.
Os cabelos estavam desgrenhados, uma mecha quase atingia um de seus olhos. A calça e camisa estavam cobertos de poeira e amassadas, os pés descalços e sujos, o chapéu e terno estavam embolados entre eles.
Sentia-se presa em um sonho e que jamais deveria acordar. Não queria encarar a realidade de que estava prestes a retornar para sua família e seu noivo - inclusive, o homem que não teve a coragem de vir buscá-la, dignando-se a esperar no conforto de sua casa. E estava grata por isso, afinal, só reforçou a ideia de que ele não era para si. Queria permanecer vagando pela floresta pela eternidade ao invés de voltar para o seu lar, mas sabia que seria forçada a casar, encarariam sua fuga como um estresse pré-casamento; mesmo que a verdade estivesse escancarada em frente aos seus narizes.
Ela amava outro homem, o mesmo que veio ao seu resgate e estava decidido a negar que o verão que havia passados juntos, não significou nada. O que machucou e indignou-a.
- HAHAHA. - Forçou a risada e bocejou novamente. - Já te disseram que você não é engraçado? - Fingiu pensar. - Ah, é… - sorriu debochadamente. - Eu sempre te lembro disso.
- Sempre metida a sabe-tudo. - Continuou provocando-a.
- Não é minha culpa estar sempre certa.
Ele soltou um suspiro de sofrimento e afastou a mecha do olho com uma das mãos.
- Mas dessa vez não está. - A voz séria, o tom reprovador. - Abandonou o bom senso ao fugir da própria festa de noivado e deixar sua família preocupada com o seu sumiço.
Ela revirou os olhos entediada.
- Vai ter um dia que os seus olhos vão ficar presos para cima por toda eternidade e eu vou rir do seu desespero. - Piscou divertido.
- Sem graça… - Cantarolou.
Permaneceram em silêncio, os olhares focados um no outro, os pensamentos vagando por suas mentes.
Ela compreendia que o verão havia ficado no passado e que o agora não tinha mais importância, pois o futuro estava decidido e lhe aguardava há alguns quilômetros de distância. Era como se a ampulheta estivesse derramando os últimos grãos de areia e num piscar de olhos, toda sua vida já teria mudado. Queria a felicidade e sabia que seria somente com . Sempre soube disso, até mesmo, quando eram crianças e passavam horas se divertindo pela fazenda de seus pais. O verão que tiveram, apenas contribuiu para as descobertas entre ambos. Ela aceitou cada minuto do que viveram, mas ele estava resistindo com todas as forças, mesmo que estivesse estampado em seu rosto, os sentimentos que nutria por ela. Decidiu seguir o rastro dela com a desculpa de buscá-la em consideração aos pais e a amizade que tinham, era apenas uma desculpa esfarrapada.

Watch her moving in elliptical patterns
Observe-a mover-se em padrões elípticos
Think it's not what you say
Acho que isso não é o que você diz
What you say is way too complicated
O que você diz é muito complicado
For a minute, though, I couldn't tell how to fall out
Porém, por um minuto, não conseguia dizer como ir embora


- Eu não vou voltar e casar com ele. - Sussurrou, o olhar entristecido era evidente.
Ele estalou a língua num som de desaprovação.
- E os seus pais? E sua irmã?
Ela fechou os olhos numa tentativa de evitar que as lágrimas escapassem.
- E a minha felicidade? - A voz saiu embargada pela dor em seu peito. - Eu não pedi por esse casamento com um homem que não amo e não conheço o suficiente. - O tom indignado. - Meu pai não considerou os meus sentimentos. - As lágrimas escorreram por suas bochechas e, em seguida, sentiu o toque inesperado em sua pele e que agitou as batidas de seu coração, o movimento quente e leve como uma pluma enquanto secava seu rosto gentilmente com a ponta do polegar. O toque deixou rastros e sensações que trouxeram memórias em sua mente.
Abriu os olhos e viu o rosto de . O sorriso convencido, sua marca registrada, havia desaparecido e os olhos estavam entristecidos. Afastou a mão e sentou-se, a postura mais rígida.
- Nós somos primogênitos e temos responsabilidades. - O tom de voz sério enquanto o olhar estava perdido num ponto acima da cabeça da jovem. - Não podemos ser egoístas, temos o dever de cuidar e prezar pela segurança dos nossos. - Finalizou e soltou o ar dos pulmões, voltou a encará-la uma aura de tristeza parecia o envolver.
Ela tirou uma das mãos que descansava embaixo do rosto e secou uma última lágrima. Desviou o olhar para a grama, a testa franzida.
Pesou as palavras do rapaz e sentiu a importância nelas. Teve uma infância despreocupada, livre para brincar e se divertir como se jamais fosse envelhecer. Quando alcançou os seus dez anos, começou a receber toda educação necessária de uma dama para se casar e ser uma boa esposa. Não podia mais brincar com sua irmã e abandonou as bonecas. Anos depois, o seu pai anunciou que havia feito um acordo com um dos seus maiores concorrentes para que ambos unissem os negócios e seus filhos. Foi prometida em matrimônio ao rapaz que tinha visto duas vezes e que nem conhecia os seus gostos. Os anos se passaram e ela sempre tinha a impressão de que vivia com uma espada apontada para sua cabeça. Tentou argumentar, apelou para o emocional de seus pais, mas não adiantou. E, por conta disso, lá estava ela dormindo no meio de uma floresta.
Mais uma vez, permaneceram em silêncio, as mentes presas nas lembranças e sentimentos. Milhares de suposições rodeando-os feito os vagalumes que piscavam através das árvores. E por mais que perdessem horas pensando, sabiam as possibilidades.
A jovem sentou-se e abraçou os joelhos, olhando para o rapaz. Reuniu toda a coragem e tornou a expressão atenta.
- Você me ama, ?
Viu-o franzir a testa, a boca abriu levemente em surpresa. Respirou fundo e encarou-a seriamente.
- Eu te amo, .
Achou que estava preparada para ouvir aquelas palavras, mas não estava. O corpo inteiro esquentou e o coração queria sair explodindo de seu peito, a boca até ficou seca.
- Então, case-se comigo.
Ele ergueu-se e passou as mãos no rosto. Virou-se em direção à fogueira que estava mais fraca e pegou mais gravetos, jogando para atiçar as chamas.
- Eu não posso. - Disse inesperadamente, mantendo-se de costas para a jovem.
Ela sentiu a fisgada em seu peito e, inconscientemente, por hábito, massageou com uma das mãos, o olhar perdido na grama.
- Meus pais encontraram uma noiva para mim. - Confessou, o tom frio.
levantou, os olhos repletos de lágrimas e aproximou-se, tocou as costas do rapaz com uma das mãos.
- Não precisamos voltar. - Sussurrou.
Ele virou-se e segurou-a delicadamente pelo rosto. A jovem arrepiou-se com o toque quente de encontro a sua pele.
- Temos o dever com a nossa família. - Secou as lágrimas dela com os polegares, olhava-a diretamente, um sorriso triste. - Nossos pais nos amam do jeito torto deles, mas querem o nosso bem e sacrificaram tudo para nos dar o melhor. Devemos isso a eles. - Engoliu em seco. - Não serei feliz sem você ao meu lado, mas precisamos fazer isso.
Ela afastou as mãos dele. Respirou fundo tentando se acalmar.
- Eu os amo com todo o meu coração, mas não sei se consigo… - Abraçou o próprio corpo, as lágrimas haviam secado, o rosto estava entristecido.
- Não será fácil, mas você é uma mulher forte e determinada. - Descansou a mão no ombro esquerdo da mulher. E abriu o sorriso convencido. - Mas não te julgo, pois no seu lugar, eu também não conseguiria me esquecer.
Ambos encararam-se e em seguida, gargalharam. Abraçaram-se e ela descansou a cabeça em seu ombro. Sentiu os lábios quentes encostarem em sua testa por alguns segundos e depois, ele descansou a cabeça na sua.
- É o nosso destino. - Sussurrou, os olhos fechados.
- Nosso destino. - Ele sussurrou de volta.

XXX



- Fico feliz em vê-la bem. - A voz masculina soou atrás de si.
olhou uma última vez, através da janela, para a imagem de cavalgando para fora da propriedade de sua família. Queria subir para o seu quarto e chorar, uma tentativa de esvaziar toda a tristeza de seu coração, mas sabia que seria inútil, pois a dor continuaria ali.
Deixou a mão escorregar do vidro impecavelmente limpo e que agora, tinha a marca da palma de sua mão. Respirou fundo e virou-se, a expressão séria.
Foram recebidos, uma hora atrás, de forma fria por seu pai que agradeceu . O homem deu um abraço nela e, depois, afastou-se seguindo para o seu escritório e onde estava trancado até aquele momento. Sua mãe e irmã a arrastaram para o quarto para tomar um banho e tornar-se apresentável para rever o seu noivo e sogros. Não conseguiu se despedir de e dizer que o amava pela última vez.
Na noite anterior, deitaram-se perto ao fogo e conversaram sobre a infância e o que sonhavam para o futuro até que ambos pegassem no sono. Ao amanhecer, montaram os seus cavalos e seguiram em silêncio durante todo o caminho. Antes de entrarem nos limites da propriedade, abraçaram-se e deram um beijo apaixonado com sabor de despedida. Sabiam que continuariam convivendo, pois suas famílias eram amigas há séculos, mas tudo seria diferente. Não eram mais jovens e descompromissados, teriam esposa e marido para respeitar e, futuramente, filhos. Mas estava tudo bem. Tudo ficaria bem.
Eles tinham responsabilidades e deveres que deveriam ser cumpridos.
Forçou um sorriso e cruzou as mãos a frente do corpo.
, o senhor Crawford e seu noivo, percebeu o silêncio e decidiu continuar a falar.
- Eu sei que não cumpri o meu papel de noivo. - Virou-se para trás e encarou a porta aberta, olhou-a novamente e soltou um suspiro. Continuou num tom mais baixo. - Deveria ter ido atrás da senhorita. - Um sorriso debochado surgiu em seu rosto.
O homem não possuía o mesmo charme de , mas não deixava de ser atraente. Os cabelos encaracolados, os traços marcantes, a covinha no queixo. Crawford era um homem muito bonito, mesmo tendo a postura mais rígida.
- Compreendo, perfeitamente. - Forçou um sorriso. - Bom, peço licença para me retirar.
Ele ergueu uma das mãos num gesto para que aguardasse.
Encarou-o curiosa.
- A senhorita foi corajosa o bastante para fazer o que eu nunca tive coragem. - Sussurrou, mas o olhar que viu no rosto do homem fez com que ela sorrisse levemente. - E quero que saiba que também amo outra mulher e me encontro no mesmo barco que a senhorita. - molhou os lábios com a língua, um sorriso resignado no rosto. - Prometo que irei honrar o nosso casamento com todo respeito e que estarei de coração aberto para conhecê-la melhor. - Estendeu uma das mãos em direção a ela, uma oferta silenciosa de paz. O sorriso simpático no rosto.
Ela deu alguns passos e segurou a mão dele, olhando diretamente.
- Coração aberto.




Fim.



Nota da autora: Sem nota.

Nota da beta: Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus