01. A Última Noite

Finalizada em: 11/10/2021

Capítulo Único

Estava deitado no sol, sentindo-o esquentando minha pele morena, enquanto o vento soprava. Era refrescante. Melei meus lábios com o doce da bala daquele enorme anel açucarado que tinha em meu indicador — o sabor era gostoso. Um morango bem doce, que soltava tanta tinta, que deixava tudo vermelho. Isso me fez rir, porque sempre perguntava por que meus dedos e lábios estavam daquela cor, se não soubesse que a resposta seria a mesma depois de tempo juntos. Mas eu adorava mostrar para ele o motivo, isso tirava um riso gostoso dele, enquanto suas mãos vinham até meu peito e me afastava devagar, de forma tão doce quanto meus lábios ficavam.
Uma sombra tampou o sol e isso me fez olhar para cima e ver meu namorado ali, parado, me olhando. Não tinha um sorriso nos seus lábios como de costume e achei aquilo estranho. Sentei e fez o mesmo, bem ao meu lado, encarando o mar à nossa frente. Fiquei olhando para ele, esperando que falasse o que estava acontecendo, porque a cada minuto que passava, podia sentir que tinha algo errado e isso fazia meu coração ficar acelerado demais. Ele não tinha me beijado como sempre fazia quando nos encontrávamos e agora não estava me olhando.
— Quero terminar, .
Aquelas três palavras fizeram meus olhos se abrirem mais e meu coração bateu tão forte contra meu peito, que queimou.
— O quê? Por quê? O que houve? — As perguntas saíram com certo desespero da minha boca.
— Nós temos ideias diferentes sobre o futuro. Você não quer fazer faculdade, quer se dedicar à sua banda e eu quero ir para o outro lado do país cursar jornalismo. Não tem mais como a gente dar certo.
Meus olhos desciam pelo seu rosto procurando qualquer sinal de brincadeira, mas não encontrei nenhum.
— Isso nunca tinha sido um problema para você, Lon. Você sempre me apoiou com a banda e eu com a sua faculdade. Combinamos tudo sobre isso. Por que está desistindo agora? — Queria saber o que estava acontecendo, mas agora meu namorado apenas negou com a cabeça.
— Eu não quero mais, ! É tão difícil de você entender isso? — Rebateu nervoso, virando o rosto e me encarando, e meu peito se apertou ainda mais.
— Pensei que você me amava... — falei baixinho, sentindo meus olhos queimarem como o meu peito. — Mas se não me ama mais, tudo bem. É só dizer.
— Ótimo. Nós terminamos então. — Declarou apenas e levantou dali. — Deixei na sua garagem uma caixa com as coisas que estavam na minha casa. — Avisou e eu apenas concordei com a cabeça, sentindo as lágrimas descendo.
foi embora, deixando-me ali, na praia, sozinho, apenas com o mar olhando toda a dor que estava sentindo naquele momento.
Não estava conseguindo acreditar que ele tinha terminado comigo, então comecei a repassar todas as nossas brigas, todas as coisas que eu poderia ter falado para chegar naquele final e percebi que nada justificava aquilo, e que Lon nunca tinha dado sinal algum de que tinha deixado de me amar. Não queria acreditar que talvez não tivesse, de fato, deixado de amar, porque aquilo me dava a ilusão de que poderíamos voltar, quando ele tinha deixado bem claro que não queria nem ao menos me ver, quando havia deixado minhas coisas em uma caixa na minha garagem. Certamente tinha escondido aquilo tão bem, que não consegui perceber... ou eu apenas não o conhecia tão bem como achava.

•••

Minha tia passou mal, sua bronquite atacou, então tive que levá-la ao hospital por estar com falta de ar. Ela estava fazendo inalação com medicamento, então fui comprar algo para comer em uma daquelas máquinas que tinha no corredor, mas dei de frente com saindo de dentro de uma sala.
Já tinha umas duas semanas desde que nos vimos pela última vez e, desde então, eu não tinha tentado entrar em contato em momento algum. Mas foi impossível não me preocupar ao vê-lo ali. Seu olhar ficou no meu e seus lábios se retraíram, e ele tentou se desviar de mim, porém, o cerquei.
— Por que está com tanta raiva de mim? O que eu te fiz? Por favor, me fala! — Pedi, segurando o ar, enquanto olhava em seus olhos verdes.
— Não estou com raiva de você. Nós só não temos nada para conversar. — Tentou se desviar de mim de novo, mas não deixei. — Que droga, . Quero passar, estou cansado, quero ir embora.
Então isso me fez olhar para a sala de onde ele havia saído, vendo a placa escrito: Sala de Tratamento: Oncologia. Meu coração ficou disparado na hora e meu peito se apertou demais, doendo, e meus olhos se encheram d’água.
Encarei , que agora não me olhava mais, apesar de ainda estar na minha frente. Ele colocou a mão sobre a dobra de seu braço por cima do casaco, segurando-o com certa força. Não precisava me falar nada para entender o que estava acontecendo ali, então o abracei, mas não muito apertado, e senti seus braços me envolverem no mesmo instante. Lon escondeu seu rosto na curva do meu pescoço e começou a chorar. Aquilo doeu tanto em mim, porém, me mantive calado, apenas deixando que ele soltasse aquilo.
Levei minha mão até seu cabelo e segurei sua nuca, acariciando os fios ali, e respirei bem fundo, sentindo o cheiro do seu perfume que eu sempre adorei.
— Quer me contar o que você tem? — A pergunta fez dar um pequeno soluço.
— Tumor cerebral... — ao dizer aquilo, suas mãos me apertaram com força, torcendo o tecido da minha camisa.
Aquilo me deixou sem reação.
— Vários pela cabeça.
Naquele momento, senti até o meu ar faltar, meus olhos queimaram ainda mais e foi impossível segurar as lágrimas.
— Ela acendeu como um farol, . — Ele chorou ainda mais, então apenas o segurei com firmeza, tentando não demonstrar que eu estava me desfazendo em seus braços, mas as lágrimas escorriam pelo meu rosto e molhava a sua camisa.
— Eu sinto muito, mesmo. — Sussurrei para ele, forçando ao máximo minha voz não sair embargada.
Ele apenas assentiu. Afaguei suas costas.
— Foi por isso que terminou comigo?
— Foi. Não queria que sofresse por isso por causa disso, porque eu…
Não deixei que terminasse aquela frase e me afastei dele, segurando seu rosto com as duas mãos.
— Não termina essa frase, por favor! — Pedi em tom de desespero, passando os polegares pelo seu belo rosto que estava molhado, mas tinha uma aparência cansada. — Vai se curar. Eu sei que vai. Você é forte. — Seus olhos se fecharam e ele negou com a cabeça.
— Estou com tanto medo, . — Suas mãos apertaram a minha camisa com força.
— Não precisa enfrentar isso sozinho. Sempre vou estar aqui contigo, Lon. — Beijei a lateral de sua cabeça várias vezes. — E não me diga novamente que não quer que eu sofra, porque irei sofrer da mesma forma se ficar longe de você, como vem acontecendo todos os dias desde que se foi... — contei, puxando o meu ar e segurando toda a dor em meu peito.
— Desculpa. Eu não sabia o que fazer. Estava apavorado. Desculpa! — Pediu, chorando ainda mais.
— Não precisa se desculpar. Está tudo bem. Só me deixa ficar ao seu lado. Não precisa ser meu namorado, mas me deixa ficar. — Disse, então me afastei, segurando seu rosto e o secando.
Ele concordou com a cabeça.
— Você veio de quê? Quer que eu te leve em casa?
— Minha mãe está me esperando na recepção. — Contou com seus olhos ainda fechados, parecendo estar mais calmo agora.
— Posso ir até lá contigo? — Pedi.
assentiu.
Então apenas estendi a mão em sua direção e ele a pegou, segurando a minha com força e eu fiz o mesmo. Andamos em silêncio pelo hospital. Ambos tentando não chorar, sabia que estava sendo muito difícil para , e que ele deveria estar se segurando demais para não desmoronar. Não sabia como tinha conseguido esconder aquilo de mim. Sabia que questionar sobre aquilo seria pior, então apenas deixaria para lá, porque, afinal de contas, não importava quando tinha coisas bem maiores acontecendo.
Assim que chegamos na recepção, sua mãe nos olhou e pareceu aliviada ao me ver ali, dando até um pequeno sorriso, e veio em nossa direção. Lon apertou minha mão de leve e eu fiz o mesmo, demonstrando que não iria soltar. Ellen parou na nossa frente e acariciou o rosto do filho, e pude ver seus olhos se encheram d’água. Era realmente difícil amar alguém e saber que essa pessoa estava sofrendo, e não poder fazer nada para mudar isso.
Então ela me olhou e seu sorriso era triste.
— Você pode passar lá em casa depois para um chá? — Convidou e eu assenti com a cabeça. — Vai ser ótimo. — Seu sorriso ficou um pouco maior. — Vamos, amor? — Olhou para .
— Vamos! — Sussurrou e sua voz estava fraca agora.
Ele me olhou, então me abraçou, ficando na ponta dos pés para tentar ficar do meu tamanho. Envolvi-o com meus braços rapidamente.
Sempre vou te amar como uma supernova... — disse, antes de me soltar, fazendo meu coração ficar extremamente acelerado e ao mesmo tempo dolorido.
Nós somos a supernova! — Respondi, dando um sorriso para ele como sempre fazíamos.
Era a forma como dizíamos que a gente se amava de uma forma intensa, que chegava a brilhar.
sorriu fraco e deu uns passos para trás, afastando-se e indo embora.

•••

Fui visitar , ele não estava bem. Estava tendo reação, então acabei ficando por lá o ajudando.
Os dias foram passando e nada de melhorar, só passava mais e mais mal. Até que depois de uma das suas sessões, o seu lindo cabelo começou a cair. Isso o deixou muito mal, então comprei uma máquina e ofereci de raspar. aceitou e mesmo chorando, deixou-me cortar seu cabelo. Aquilo doeu em mim tanto quanto nele. Era difícil, sabia disso, mas não imaginei que seria tanto. A pior parte era que o tratamento não estava fazendo o efeito esperado, eu não podia deixar que visse que aquilo estava me abatendo, porque seria pior. precisava de mim e eu estaria com ele.
Respirei fundo, olhando-me no espelho. Sentia meu coração apertado, como se ele estivesse sangrando. Já tinha perdido a conta dos dias que me sentia assim, mas fingia que estava tudo bem por ele. não precisava ver como eu estava por dentro, ele precisava do meu humor de sempre, dos meus sorrisos e das risadas. Seus dias estavam contados e por mais que eu não quisesse isso, e muito menos ele, sabíamos que não tinha saída. Então sentia que precisava fazer de tudo para tentar fazer pelos menos seus dias melhores.
Peguei a tesoura e comecei a cortar várias mechas vendo-as caírem dentro da pia e pelo chão ao meu redor. Mas comecei a chorar, não pelo cabelo, mas sim por causa de . Ele iria embora e nunca mais voltaria. Tudo o que me deixava eternamente feliz iria junto. Não sabia o que fazer para parar aquilo ou fazer o tempo passar mais lentamente, mas a verdade era uma só: não tinha nada que pudesse ser feito, a não ser ficar o máximo de tempo com meu namorado. Então comecei a cortar mais e mais o meu cabelo, chorando ainda mais, sentindo meu peito se encher tanto de uma dor enorme, que eu gritei em meio das lágrimas, atacando ainda mais meus cachos com a tesoura até não sobrar mais nada.
Encarei meu reflexo totalmente ofegante vendo como meu rosto estava vermelho por causa do choro e cheio de pequenos fios cortados, colados em meu peito também. Passei a mão em meu cabelo, fazendo mais fios caírem junto com as lágrimas, então abri o armário e peguei a máquina de barbear que tinha ali dentro, fechando a porta em seguida para voltar a olhar no espelho. Liguei a máquina e comecei a passar em minha cabeça, acertando os fios para ficarem todos do mesmo tamanho. Raspei tudo, até não sobrar mais nada.
Ele não precisava se sentir sozinho. Ele nunca estaria, porque eu ficaria ao seu lado sempre, até o último momento.
Passei os dedos em minha cabeça, chorando. Queria berrar. A verdade era que estava com medo, morrendo de medo do que poderia acontecer com , medo dele me deixar de uma maneira que nunca mais iria vê-lo.
Dei uns passos para trás e liguei o chuveiro, entrando no boxe em seguida deixando a água lavar as minhas lágrimas, mas a única coisa que aconteceu foram mais descerem junto e se perderem. Até que não aguentei. Eu precisava ver .
Fechei a água e peguei a toalha. Sequei meu corpo rapidamente e vesti qualquer roupa limpa que achei, coloquei uma touca também. Ele não morava muito longe da minha casa, então fui correndo até lá.
O vento batia em meu rosto, cortando minha pele e secando as lágrimas que ainda desciam mesmo que estivesse envergonhado por causa delas. Não tinha o direito de chorar, não era eu quem estava doente, mas, ainda assim, não conseguia deter aquele sentimento de angústia que tinha dentro do meu peito.
Corri o mais rápido que consegui até chegar na casa de . Subi até sua janela e bati nela, já que a luz estava apagada. Vi a lâmpada do abajur de larvas se acendendo e logo em seguida a janela foi aberta.
— Oi... — sussurrei com a voz embargada.
? Deus, o que houve? — Perguntou assustado.
Apenas entrei e o abracei, chorando mais ainda, até mesmo chegando a soluçar. Ele não falou nada, só me puxou para deitar em sua cama e ficamos ali, em silêncio, abraçados, enquanto eu chorava até não haver mais lágrimas para saírem e minha cabeça já estivesse doendo.
Acabei dormindo nos braços dele depois de finalmente me acalmar.

•••

Despertei com a luz da manhã clareando o quarto. Olhei para e seus olhos se abriram lentamente, então ele sorriu fraco para mim. Eu amava aquele sorriso e meu mundo iria acabar se não pudesse mais poder ver ele.
Cheguei mais perto e dei um beijo em sua testa, passando a ponta do meu nariz por sua pele quentinha.
— Você é lindo! — Falei bem baixo.
— Você que é.
Voltei a olhá-lo, encarando aquele sorriso em seus lábios, então dei um pequeno suspiro. Levei minha mão até minha touca e a tirei. arregalou os olhos em total surpresa e tocou em meus fios que estavam super curtos. Ficou algum tempo calado, apenas olhando aquilo, e depois sorriu com lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
— Ah, … Eu te amo! — Disse e juntou seus lábios nos meus, bem apertado.
Soltei um suspiro com aquilo, porque desde que terminamos, não tínhamos mais nos beijado. Meu coração disparou e acabei sorrindo contra seus lábios. Levei minha mão até a lateral do seu rosto e fiz um pequeno carinho. Passei meu nariz pelo seu e respirei fundo.
— Eu te amo também, .

•••

Depois daquilo, os dias passaram rápido. Eu ficava mais na casa dele de do que na minha. Não queria perder tempo longe dele. Queria ficar o máximo possível ao seu lado, especialmente quando os médicos disseram que não adiantava mais, os medicamentos não estavam mais fazendo efeito e só teria mais algumas semanas. Naquele dia, eu perdi o meu chão. Fiquei tão desesperado, que não conseguia falar. Eu só chorava junto com meu namorado, abraçado com ele na recepção daquele hospital.
Ele não quis ficar internado, preferiu ficar em casa. Então o levei.
Tinha noites que foram dolorosas, sua cabeça doía e ele chorava de dor por causa disso. Não tinha nada que pudéssemos fazer. Apenas os poucos medicamentos que restaram, que faziam a dor aliviar um pouco.
... — chamou baixinho no meio da noite.
— Oi, amor. — Olhei-o com atenção, fazendo um carinho de leve em meu braço.
— Quero dar uma volta de carro pela cidade, você pode me levar? — Pediu baixinho.
Sorri fraco e concordei com a cabeça.
Ajudei-o a trocar de roupa, então saímos. Deixei escolher a playlist que queria ouvir. Sorri de lado com a escolha, era uma que nós tínhamos feito meses atrás.
Ficamos andando pela cidade por um bom tempo, ouvindo música, conversando e apenas ficando ali dentro daquele carro, um com o outro. Aquilo era a melhor coisa que eu podia ter, ele por horas comigo e nem precisava nenhuma palavra ser dita.
pediu para subir no terraço de um prédio, então passamos em alguns, pedindo permissão para isso, até que em um deles o porteiro nos deixou subir. Quando chegamos lá em cima, sorri. Era bonito. A sorte é que eu tinha levado um manda. Estava ventando um pouco frio ali.
Envolvi com ela e o abracei por trás, encostando o queixo em seu ombro.
— Aqui é tão bonito... — ele falou baixinho, olhando lá para baixo.
— Não mais do que você. — Rebati, dando um beijo em seu pescoço.
— Posso te pedir uma coisa?
— Qualquer coisa! — Disse, dando vários beijos em sua pele.
— Prometa que será feliz. — seu pedido fez meu peito doer.
— Mas eu já sou feliz... — respondi, mesmo sabendo muito bem do que estava falando.
— Você entendeu, . Só me prometa, por favor.
Aquilo me fez dar um suspiro longo. Era algo difícil de prometer diante a situação que nos encontrávamos.
Prometo. — Sussurrei apenas para acalmar seu coração.
— Obrigado.
Ele virou sua cabeça de leve e beijou o meu rosto. Então nos sentamos e ficamos ali, olhando a cidade em silêncio até o amanhecer. Apenas apreciando um a presença do outro.
E quando o sol nasceu e beijei a pele de , ela estava fria.
Segurei sua mão rapidamente por baixo da coberta, clamando que estivesse quente, mas não.
— Amor... — sussurrei com a voz embargada, sentindo que ele não estava mais respirando.
As lágrimas grossas desceram pelo meu rosto e eu fechei meus olhos, apertando-o contra o meu corpo.
Eu vou te amar sempre como uma supernova.



FIM!



Nota da autora: Sem nota.

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