Finalizada em: 10/12/2020

01

Eu já havia ignorado alguns pensamentos altos do meu pai, fingindo que não ouvia o que ele falava, agradecendo pelo rádio do carro estar ligado e eu ter uma desculpa para ficar calada. Não teria problema algum em retrucar, mas era porque eu já estava cansada de tentar explicar o que ele não queria entender e o que também não era da sua conta. Meu pai queria mostrar de todas as formas que estava certo e que eu só fazia besteira, me fazendo perder a paciência que eu já não tinha.
A vida inteira foi assim, desde que eu me entendo por gente ele queria ter a razão, queria dar a última palavra. Nunca o vi dando o braço a torcer. As vezes eu só queria que a nossa relação fosse um pouco mais tranquila, só que infelizmente eu havia herdado o gênio forte dele, e isso fazia com quem nós dois sempre batêssemos de frente um com o outro.
– Ela ainda finge que não escuta. – Ele disse mais alto, sem chances nenhuma de fingir que eu não havia escutado. – Como sempre, só pensa nela e no próprio bem, coitado daquele rapaz.
– Pai, pelo amor de Deus, você não cansa, não? Eu não aguento mais ver você repetindo isso, como se você se importasse muito. – Respondi também aumentando o tom de voz, sem saco algum para ter uma conversa decente.
– Dá para vocês dois pararem? – Minha mãe gritou, fazendo com que eu soltasse o corpo no banco de trás, e só então percebendo que eu havia me aproximado dos bancos da frente ao respondê-lo.
Cada vez que o meu pai gritava ao falar qualquer coisa, meus pensamentos viajavam até , imaginando o que ele diria ao ouvir todas aquelas acusações. Ele era o mais atingindo naquela história, mas meu pai tinha tomado todas as suas dores. E aquela não era a primeira vez, por muitas vezes ele me acusou de estar tirando a paz de , que eu não era a pessoa certa para ele. Por muitas vezes o meu pai me machucou com as suas duras palavras. Minha mãe apenas ouvia, sem ter coragem ou vontade de defender. Eu amava os meus pais mais que tudo, disso eu não tinha dúvidas, porém amar não fazia com que eu os achassem perfeitos ou me esquecesse de todos os seus defeitos.
Eu pretendia me casar um dia, construir uma família, quem sabe até ter um filho no futuro. Diferente do que os meus pais pensavam, eu tinha muita certeza de tudo o que eu ainda queria viver. Foi pensando nisso que eu acabei terminando o meu relacionamento antes de decidir que eu iria morar fora por um tempo. Poderia pedir a ele que me esperasse, mas eu não o fiz, se o meu pai tivesse razão e em algum momento eu atrapalhei a vida dele, aquele era a oportunidade ideal para que seguisse o seu caminho sem mim. Apesar de amá-lo com todo o meu coração, eu entendia que só o sentimento não era suficiente para que nós dois ficássemos juntos, eu estava indo para outro país, sozinha, realizar um sonho, queria que ficasse e fizesse o mesmo pelos sonhos dele também.
Meus pais começaram a conversar qualquer outra coisa enquanto eu mantinha a minha atenção nos meus pensamentos, observar os carros através do vidro parecia extremamente interessante. E também, se eu não prestasse atenção no que o meu pai falava a gente não discutia, era uma boa tática de evitar brigas.
Estava com a mente tão longe que até me assustei quando o meu celular vibrou em minhas mãos, indicando o recebimento de uma mensagem. Desbloqueei o aparelho rapidamente, sentindo o meu coração acelerar ao ver o nome de como remetente.

, eu espero que você faça uma ótima viagem e que aproveite o quanto puder. Não se esqueça de que eu vou te amar pra sempre!”

Sequei uma lágrima que desceu sem permissão, bloqueando o aparelho antes que eu pudesse responder alguma coisa. Se eu fosse falar o que tinha vontade, provavelmente eu dificultaria a situação em que nós dois nos encontrávamos. Eu não queria ser alguém que pudesse trazer mais problemas para ele.



02

Eu estava curtindo a noite de Dublin com Eve, minha colega de quarto que eu conheci assim que cheguei. Alguns meses se passaram, eu já havia conseguido um trabalho e também estava fazendo alguns cursos. A experiência de estar em outro país era única e apesar de sentir saudades de muita gente, eu sentia uma enorme vontade de continuar vivendo ali.
Por falar em saudades, sempre que estava em algum bar curtindo a minha noite, era impossível não me lembrar de , várias noites curtidas no Brasil foi à companhia do meu, até então, namorado. Vez ou outra ele tentava conversar, mandava mensagens ou me ligava. Ignorar doía mais do que respondê-lo friamente, eu não queria ser grossa com , mas também não queria manter uma relação amigável. Isso tornava tudo ainda mais difícil.
Só que era mais forte do que eu, em um momento eu estava apenas respondendo de forma seca qualquer mensagem dele e em outros, eu estava contando animadamente sobre qualquer coisa nova que eu tinha vivenciado.
Eu não consegui me envolver com outro alguém depois de , tive oportunidades, mas sempre que eu tentava seguir em frente, só me vinha ele em mente. Ia contra os meus pensamentos, mas parecia errado demais eu viver a minha vida sem ter certeza se ele estava fazendo o mesmo.
Uma música mais romântica começou a tocar e eu não pude deixar de me lembrar de , embora nunca o esquecesse, de fato. Imaginei-me com ele no meio da pista, dançando e trocando sorrisos cumplices, como sempre fazíamos quando estávamos juntos. Era como se eu pudesse ouvi-lo cantar para mim, como se ele estivesse ali do meu lado.
– Pensando nele, não é? – Eve perguntou, me fazendo abrir os olhos, assustada por ter sido pega no flagra. Ela já sabia de toda a história.
Por mais difícil que fosse, às vezes eu não conseguia manter a fachada que criei para esconder que estava tudo bem e que eu sabia lidar com os meus problemas sozinha. Em muitos momentos eu me vi perdida e sem saber o que fazer, ter Eve ao meu lado e ter a oportunidade de compartilhar as minhas angústias com ela fazia com que tudo parecesse ser um pouco mais fácil.
– Só para variar um pouco. – Eu não neguei e ainda tentei sorrir, mas sem nenhum humor.
Por um momento e eu me perguntei o que ele estaria fazendo, se estava aproveitando a noite em algum lugar ou se estava em casa pensando em mim. Pensar que ele pudesse ter seguindo em frente e até mesmo estar com alguém me causava uma sensação estranha. Porém, imaginar que ele poderia estar sofrendo por minha causa, também não mudava muita coisa.
– Manda uma mensagem para ele. – Minha amiga sugeriu como se pudesse ler a confusão que me atormentava por dentro. – Acho que você vai ficar mais feliz depois de saber como ele está.
– Não. – Respondi e neguei com a cabeça. – Isso só dificultaria as coisas.
– Tem certeza? – Eve parecia perceber que eu estava indo contra os meus pensamentos.
– Absoluta! – Disse e virei o meu copo, secando-o rapidamente.
Eu achei que a bebida pudesse remediar o que eu estava sentindo, achei que a cada copo esvaziado, aquela saudade deixaria o meu corpo aos poucos. O problema era que o efeito que o álcool me causava era exatamente o contrário. Parecia que as lembranças estavam ficando mais nítidas do que quando eu estava sóbria. Os sentimentos estavam à flor da pele e eu me vi chorando no meio da pista de dança por causa de .
Eu também me esqueci de que o álcool me dava coragem de fazer o que eu tinha vontade, mas não conseguia quando estava sóbria, por ser mais razão do que emoção. Eu ainda tinha consciência do que fazia, mas não tinha mais controle dos meus atos.

“Eu estou bêbada numa balada, tentando te esquecer. Mas acontece que eu não consigo parar de pensar em você, meu amor. Queria que você estivesse aqui ao meu lado. Eu nunca senti tanta saudade como eu estou sentindo agora. Eu tentei fingir que não, mas a mim mesma eu não consigo enganar.”

E quando vi, eu já tinha mandando uma mensagem para , que foi visualizada na mesma hora, mas que não foi respondida. Ele havia me ignorado como eu fiz com ele muitas outras vezes, e provar do meu próprio veneno doeu de uma forma como nunca havia doído antes.



03

Era sábado e eu não trabalhava, a temperatura um pouco mais baixa deixava o dia mais preguiçoso. Mesmo assim eu acordei cedo, o suficiente para ainda encontrar Eve em casa, colocando algumas roupas em uma mochila.
– Para onde você vai? – Eu questionei ainda sonolenta, enquanto me sentava na cama e me acostumava com a claridade que já entrava pela janela.
– Vou passar o dia na casa de uma amiga da faculdade. – Respondeu e, pelo pouco que eu a conhecia, podia jurar que Eve estava mentindo, mas mesmo assim eu não questionei. – Vou levar umas roupas porque não sei ao certo que horas vou voltar e se de lá vamos ir para outro lugar.
– E precisa ir tão cedo? – Achei estranho o horário, ainda mais por ela odiar acordar cedo.
– Temos algumas coisas para resolver.
Sabendo que eu não ia receber nada além de respostas curtas, eu apenas assenti finalizando aquele assunto com Eve. Talvez ela não quisesse falar comigo sobre o motivo da sua saída, e eu respeitei a sua vontade. Ela saiu pouco tempo depois, não parava de olhar o celular e vez ou outra respondia uma mensagem.
Assim que ela saiu à campainha tocou, me assustei pelo simples fato de ela ter acabado de sair e, mesmo voltando novamente, ela tinha a sua própria chave. Não consegui pensar em outra pessoa atrás da porta além da minha amiga, já que não costumávamos receber visitas em casa. Estava começando a minha primeira refeição do dia quando me levantei, ainda de pijama, indo em direção à porta para abri-la.
Tudo o que eu não esperava era encontrar ali, segurando uma pequena mala e com um sorriso nos lábios. Fiquei em choque, mas de repete tudo começou a fazer sentido; Eve estava estranha nos últimos dias, como se estivesse me escondendo alguma coisa. A sua saída repentina e a chegada de só esclareceu tudo. Não sei como um conseguiu o contato do outro, mas ela sabia que estaria ali.
Ainda sem dizer nada eu continuava olhando em sua direção, como se o meu corpo tivesse paralisado onde estava e eu não pudesse fazer nada além de admirar quem estava em minha frente.
– Não vai me convidar para entrar? – Ele me trouxe de volta para onde eu estava, e me fazendo lembrar o quanto era bom ouvir sua voz.
Eu poderia ter feito inúmeras perguntas para entender o que ele estava fazendo ali, mas a única ação que eu consegui reproduzir foi correr para os seus braços, recebendo o abraço que eu tanto sentia falta. Foi como se nunca estivéssemos ficado longe um do outro por tantos meses, era como se aquele fosse um reencontro depois de apenas uma semana longe. Era como se não fizesse sentido o tempo todo em que estávamos separados.
– Você ficou maluco? – Foi à primeira coisa que eu perguntei, enquanto o direcionava para dentro de casa, fechando a porta atrás de mim e aproveitando o tempo para pensar se aquilo realmente estava acontecendo.
– Acho que o seu pai tinha razão, você é uma péssima influência para mim, . – Eu não gostava de ouvir aquilo, mas consegui sorrir ao sentir o humor em sua fala. – O amor falou mais alto e eu acabei pegando umas férias antecipadas só para vir te ver.
Eu ouvia tudo aquilo boquiaberta, sem conseguir acreditar. não era um rapaz certinho, longe disso. Porém ele era organizado demais, centrado demais. Estar ali só me mostrava que ele havia quebrado uma barreira que existia dentro dele mesmo. Por minha causa. Aquilo sim era uma loucura.
– Mas... , isso não faz sentido. – Eu ria de nervoso, ao mesmo tempo em que andava de um lado para o outro. – Você não pode deixar as suas coisas para trás por minha causa, a gente não se falava há meses, eu... Eu... – Tentava explicar, mas nem eu sabia o que estava acontecendo. – Meu pai vai me matar se souber que você está aqui.
? – Ele me chamou, segurando o meu rosto com a mão. Sua intenção era me fazer parar e prestar atenção nele, mas eu só consegui pensar no quanto senti falta daquele toque. – Me escuta, para de pensar um pouco nas outras pessoas. Eu não estou nem ai para o que elas vão pensar ou dizer. Estou aqui por vontade própria, parei de te mandar mensagens porque íamos acabar machucando um ao outro do jeito que estávamos conversando. – Eu não conseguia fazer outra coisa além de olhá-lo, tão perto. – Agora eu sei o quanto é bom fazer algo diferente, não me arrependo nem por um segundo sequer de ter saído dos trilhos uma vez, de estar aqui com você.
– Mas, , não é isso que você quer para você, você sempre disse que queria construir a sua vida no Brasil, e eu penso diferente. – Lembrei sem quebrar aquele nosso contato.
Apesar de ter amado ter ali tão perto, eu sabia que ele estava ali por mim, apenas por isso. Não que não fosse um motivo suficiente, eu não estava querendo me diminuir, mas é que só o fato de estar ali tirava da sua zona de conforto. E ao invés de estar feliz por isso, eu me senti mal por estar bagunçando os caminhos deles que sempre foram tão organizados.
– Eu não vim morar aqui, . – Ele disse e apesar de querer ouvir aquilo, não pude deixar de ficar triste por saber que logo eu teria que me despedir dele, de novo. – Eu só vim te ver, eu precisava disso.
Eu devia ter dito que aquilo era uma loucura, que estar ali só piorava a situação. Eu devia ter pedido para ir embora, para continuar longe como antes. Eu devia... Só que ao ver tão decidido e tão perto, eu não consegui fazer outra coisa além de beijá-lo.
Nossos lábios se encontraram e pude perceber que ele queria aquilo tanto quanto eu. A urgência das nossas bocas e a forma como as nossas línguas se movimentavam só deixava claro a saudade que sentíamos um do outro. Nenhum de nós tínhamos intenção de interromper aquele momento, mesmo sabendo as consequências dele. Tivemos a certeza disso quando estávamos abraçados na cama, despidos depois de aproveitar a companhia um do outro de todas as formas.
– Meu pai vai me matar quando souber disso. – Embora tentasse, eu não conseguia deixar aquilo de lado.
– Dessa vez o rebelde da história fui eu, deixa que eu me resolvo com ele depois. – Ele também brincou enquanto acariciava os meus cabelos.
Eu não sabia o que ia acontecer depois daquele encontro, não sabia como seriam as coisas, porém eu queria pensar em tudo aquilo depois, agir por impulso funcionava melhor comigo. também não parecia querer discutir uma relação que não mais existia. Ainda teríamos tempo para fazer tudo. Aquele era o momento de aproveitar a companhia um do outro depois de tanto tempo distante. Eu pensaria nas consequências depois.





FIM.



Nota da autora: Oie! Espero que tenha gostado da história, não deixem de comentar o que acharam. Para conhecer outras histórias minhas, basta acompanhar o meu grupo no facebook.





Nota da beta: Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.


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