#1 She smiles back, but it's a fact that her fear will eat her alive
estava suficientemente acostumada a consumir uma quantidade considerável de vinho sem se embriagar ou vomitar. O mesmo valia para seu apetite, que a permitia se fartar nos banquetes de sua família sem precisar passar longas noites em claro devido a má digestão. Porém, nas últimas semanas, estava encarando com frequência exagerada enjoos, principalmente, matinais e vômitos a qualquer hora do dia, sem nem ao menos ter enchido o estômago com algo.
Para saber do que se tratava aquele problema de saúde, teria que checar cada hipótese, eliminando uma a uma, afinal, haviam vários motivos para sentir tais sintomas.
Querendo sanar a primeira suspeita de sua lista, sem ninguém saber, escondeu um saquitel de sementes dentro de um dos bolsos do casaco e voltou para o quarto, onde ninguém a veria.
Em seus aposentos, depositou as sementes de trigo dentro de um vaso, cujas plantas ainda não haviam nascido, e urinou sobre elas, desejando que os velhos costumes familiares estivessem corretos e não precisasse se consultar com um médico para ter certeza.
Foi assim, em uma manhã primaveril dias depois, que, ao acordar, viu o trigo germinado.
Estava mesmo grávida, afinal.
E como iria contar à sua família?
Estava noiva, mas ela e seu noivo saberiam que o bebê não era dele. Já fazia muito tempo desde que haviam divido a cama, logo, não era possível que o herdeiro de suas famílias estivesse tão pouco desenvolvido, cabendo em uma barriga tão reta quanto a dela.
Nervosa só de pensar no que poderia lhe acontecer, arrumou uma pequena mala, somente com o essencial, guardou-a embaixo de sua cama e esperou que todos em sua casa adormecessem, assim como fazia em quase todas as noites.
Quando os barulhos no andar debaixo cessaram e todas as luzes se apagaram, colocou a mala a tiracolo no corpo e desceu do quarto pelas armações de madeira por onde as trepadeiras se enrolavam ao lado de sua janela.
Sua cautela agora não era mais só para não ser pega. Como complemento, havia o medo de se machucar ou ao filho que carregava. Tudo que fizesse seria pensando na criança e em seu futuro.
Tão logo seus pés tocaram o chão, silenciosamente, como uma sombra, começou a correr pelo longo gramado que se estendia ao redor de sua casa.
Não parou nem olhou para trás até alcançar a clareira que ficava em meio a floresta, a quase dois quilômetros de distância da segurança e conforto de seu quarto.
Ao longe, seus olhos pousaram sobre a silhueta alta que lhe esperava.
Parando de correr, calculou em sua mente que palavras usaria para justificar a mala e como contaria sobre o bebê que esperava. Além disso, não havia tempo para sentarem e conversar, pois, em no máximo duas horas, alguém notaria sua falta na casa e não demoraria até que colocassem seguranças à sua procura. Precisava ser rápida se desejava fugir do que lhe aguardava.
― Achei que não viria mais ― ouviu-o murmurar contra seu pescoço.
― Eu sempre venho. Mas, dessa vez, eu vim acompanhada. ― Desvencilhou-se do homem.
Segurando-a pelos ombros, olhou ao redor em busca da pessoa que a levara até ali. Não encontrando, encarou-a a tempo de ver uma lágrima escorrer de um de seus olhos. Finalmente compreendendo a que se referia, acariciou seu rosto e abraçou-a novamente.
― Eu prometo que vou cuidar de vocês. ― Beijou o alto de sua cabeça.
De mãos dadas, ambos correram floresta adentro até desaparecerem do campo de visão de todos os seres vivos que ali habitavam.
#2 It's in the blood and this is tradition
Vestida de preto dos pés à cabeça, pôs os óculos escuros e, sutilmente, se esgueirou para fora do bordel. Sabia que estava às margens da cidade e demoraria algum tempo de caminhada até conseguir encontrar uma alma viva civilizada ao sair dali, porém valia a pena tentar. Era melhor do que esperar pelo destino que a guardava ainda naquela noite.
Há pouco mais de uma semana, sua primeira menstruação tinha dado às caras. Aos 14 anos, esperava que isso nunca lhe acontecesse, porém era inevitável. O sangue escorreu por entre suas pernas enquanto ajudava na limpeza do salão antes das apresentações da noite, não houve nem chances para esconder ou negar, uma vez que Maria viu o líquido viscoso pingar no chão.
Tratou logo de levá-la para o quarto, lhe ajudar a tomar banho e se trocar. Durante o processo, lhe explicou que agora não era mais uma menina, por isso, teria que pagar por sua estadia e alimentação. era uma garota bonita demais para se esconder atrás de roupas surradas, cabelos bagunçados e uma infinidade de serviços domésticos. Tais tarefas eram dadas às meninas feias e sem talento algum.
Haviam cavalheiros que gostariam de lhe conhecer, de lhe pagar bebidas e, quem sabe até, negociá-la por um bom preço caso lhe aquecesse a cama da maneira correta.
Além do mais, tinha algo que as outras meninas não tinham: olhos amarelos.
Ali, no local onde moravam, as pessoas eram separadas por castas designadas pelas cores dos olhos. Comerciantes e operários de diversas áreas de atuação, normalmente, nasciam de olhos alaranjados; os funcionários do governo, como militares e políticos, eram donos de belos pares de olhos esmeralda; já os artistas, carregavam orbes lilases suaves como uma noite com luar; os nômades e rebeldes tinham um vermelho fúria estampado nas íris. E, rezava a lenda que, há mais ou menos 15 anos, existiam os olhos amarelo âmbar, como os de .
De acordo com as histórias que se contavam ao redor de fogueiras, os donos dos olhos amarelos eram as primeiras pessoas da terra. Foram eles que ajudaram a fertilizar aquele solo, criaram plantações, animais e, ao invés de construírem muros maiores ao redor de suas propriedades para evitar invasões, permitiram que todo e qualquer forasteiro se juntasse à sua fogueira.
Os olhos amarelos eram tidos como os protetores daquela região, quase como uma realeza.
Mas não conhecia ninguém que fosse como ela e tivesse aqueles olhos. Na verdade, ninguém que ela conhecia já tinha tido contato com alguém de olhos âmbar.
Por aquelas bandas, não haviam pessoas com mais de 50 anos e nenhuma delas se arriscava falar sobre o que havia antes do regime de Boris. tinha curiosidade a respeito, embora não tivesse coragem de perguntar.
Talvez, se eu encontrar algum nômade pelo caminho que vou fazer, possa falar sobre isso, pensou, controlando a respiração enquanto esperava dois homens passarem pela porta da frente para sair na surdina sem ser vista.
O bordel era o único local na cidade onde todas as castas eram vistas juntas, bebendo, dançando, jogando e fazendo sexo. Em qualquer outro lugar, não havia esse mesmo tipo de entrosamento entre todos, principalmente, no que dizia respeito à uniões afetivas e sexuais. Entretanto, se fosse para delatar uma desertora, também trabalhariam em sintonia para que esta fosse punida. E não seria ela que ficaria para testemunhar o que poderia acontecer nesse caso.
Pé ante pé, pegou estrada no sentido contrário à construção antiga. Uns bons metros a frente, quando nem a luz natural nem a artificial era suficiente para iluminar sua silhueta e denunciar sua fuga, correu. O mais rápido que pôde, até as pernas lhe falharem e os pés doerem. Sem olhar para trás, sem se afugentar com os sons que vinham dos matagais na beira da estrada.
Quando o asfalto acabou, adentrou pelo caminho de barro que levava a floresta. Isso aqui tem que me levar à algum lugar longe daqui, ponderou dando os primeiros passos cuidadosos para garantir que a terra era firme e não engoliria seus sapatos. Percebendo que não havia perigo, prosseguiu por aquela trilha durante a noite e a manhã seguinte inteira.
Estava com fome e sentia que poderia desfalecer de cansaço se não montasse acampamento em breve. Não é hora para isso, você aguenta mais um pouco, repreendeu a si mesma, forçando-se a continuar a caminhar por mais algumas horas.
Ouvindo o barulho do rio que cortava a cidade, decidiu que era hora de procurar por um local seguro para se abrir ali por perto. Assim, poderia tomar banho, se alimentar e descansar por algum tempo.
O cheiro de assado lhe invadia as narinas e, por mais que soubesse dos perigos de se aproximar de outras pessoas, o estômago roncando a guiou por entre as árvores até alcançar o local de onde o cheiro vinha.
Escondia sob um arbusto, viu um grupo de nômades. Mulheres, homens, crianças e idosos de olhos vermelhos. Alguns poucos olhos lilases, meia dúzia de olhos alaranjados, nenhum esverdeado.
― O que faz aqui? ― Uma voz fina soou ao seu lado.
Sobressaltando assustada, olhou de soslaio.
― Vocês são…?
― Nômades? Rebeldes? Revolucionários? O que você quiser. Seja bem-vinda ao Vale dos Intocáveis. ― Sorriu.
― Intocáveis?
― Se os sapos tivessem colocado as mãos em nós, não estaríamos mais vivos. Você não acha?
― Sapos?
― Eu vou ter que te explicar tudo? ― Fez uma careta. ― São os olhos verdes.
― Ah. ― Deixou escapar bem baixinho.
― Você ainda não me disse o que faz aqui.
― Eu…
― Que cor são seus olhos?
Mordendo o interior das bochechas, apreensiva, não tinha certeza se deveria abaixar os óculos ou não. Se você não mostrar, ele vai desconfiar.
Ainda sem certeza do que fazer, sentiu a mão se erguer e direção ao rosto contra a sua vontade. Antes que pudesse se impedir, abaixou os óculos e piscou algumas vezes.
O garoto ao seu lado parecia incrédulo, espantado, boquiaberto. Demorou alguns segundos até que conseguisse formular as seguintes palavras:
― Nós estávamos esperando por você, patrona. ― Sorriu.
FIM?
Nota da autora: Sim, um finalzinho aberto delicioso, pois essa é uma ideia que eu ainda tô amadurecendo. Nunca escrevi distopia na minha vida, essa é a primeira, mas fiquei bem empolgada com o resultado, talvez venha aí (ou não)....
Obrigada por lerem mais essa e nos vemos na próxima ;*
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