Finalizada.

Probably not gon' wanna play me on your station...

O divórcio mais empolgante dos últimos tempos, era o que dizia nas manchetes do The New York Times, The Post e nos principais canais de voz da CNN.
Greta Herman pediu a libertação de Ben Barnes depois de míseros 3 anos de união quase estável. A decisão foi chocante, mas previsível. Pelo menos para os olhos que viam além do superficial.
Primeiro, ele a via como uma irmã. E para os seus pais, ela era como uma filha. Mas Greta devia saber, muito antes de permitir que aquele primeiro beijo acontecesse, que a maioria dos pais sempre tentam mudar os filhos. Fazer as coisas do jeito deles.
Foi um inferno – em todos os sentidos da palavra. Emocionalmente, praticamente, fiscalmente. A família Barnes estava totalmente convencida de que seu negócio com a Rádio Gehissi era o suficiente para manter a supremacia masculina passada por gerações, um tipo de valor sólido criado por ancestrais que se transformou em algum tipo de regra, uma exigência de que os membros masculinos obrigatoriamente deviam ser capazes de sustentar suas esposas e filhos sem quebrar essa corrente por causa de qualquer ideologia moderna que rondava por aí, alegando que mulheres deviam fazer parte do mercado de trabalho.
Mulheres até que podiam fazer o que bem quisessem, mas bem longe da família Barnes.
Ben não dissera nada sobre isso. Mesmo quando a conheceu naquele bar no interior de Omaha, onde ela não passava de uma garotinha que cantava músicas populares por 30 dólares à noite.
Ele a conheceu justamente no centro de seu maior sonho, e soube disso desde o primeiro dia.
Ainda assim, quando discutiram daquela última vez, enquanto visitavam a biblioteca do patriarca Barnes, Ben teve a coragem de dizer que não sabia disso.
— Você só pode estar brincando — ela prensou os dentes enquanto se apoiava em uma das prateleiras gigantescas, bem na área desfalcada do departamento de história náutica — Avisei desde o mês passado que enviaria a demo. Na verdade, tinha enviado quando avisei.
— Sim, querida. E eles me disseram na mesma hora — Ben alisou a lombada de algum livro de capa dura, e parecia entediado diante da irritação da mulher. — Perguntaram o que deveriam fazer. Entende o que isso quer dizer?
— Que eles são um bando de mariquinhas?
— Que a Gehissi comanda os meios de comunicação desse país mais do que você pode imaginar. Temos um nome a zelar, um futuro para planejar e um passado a relembrar. Por que não se contenta em cantar para mim na sala de estar? — Com um sorriso belo e obsceno, o homem se aproximou dela com as mãos no bolso da calça social, sacando de lá uma carteira de couro de algum animal morto — Inclusive, o Natal está chegando. Você tem o piano, o violão, tudo de que precisa para uma linda apresentação particular para a nossa família. Mas não tem vestidos novos, certo? — Um sorriso brilhante acompanhou o reflexo do cartão de crédito retangular preso entre os dedos — E os sapatos, não se esqueça deles. Você fica maravilhosa em saltos plataforma.
E assim, ele destilava dicas e enfiava o cartão em suas mãos ou onde fosse mais simples de pegar até ver onde ela resistiria. E, no início, Greta não resistia muito. Ainda havia o pensamento impostor e esperançoso de que “só estava preocupado com a imagem da família”, e deixá-la seguir um sonho tão bobo de cantora não parecia combinar com essa expectativa.
Greta segurou aquele cartão várias vezes, mesmo que tivesse vontade de enfiá-lo nas entranhas do homem que achou que amava, aceitando cada vez mais que tinha se enganado. Apenas tinha se enganado.

📻🎙️


Depois de assinar os papéis, Greta finalmente descobriu do que sentiria falta da família Barnes: a biblioteca. Ela parecia um recanto pacífico alheia à toda a problemática machista de seus ex-parentes, porque era um insulto que mulheres renunciassem seus deveres do lar, mas não que lessem sobre o mundo e seus detalhes, totalmente vulneráveis à ideias mirabolantes como… Trabalhar e conquistar o seu espaço.
Ben não estava apenas furioso por ter saído daquela dinâmica tendo que se explicar para aquela gente no jantar que não fora capaz de domar uma garota que sempre aparentou ser tão mansa. Não, ele estava bravo pelo buraco de mais de 30 mil dólares no seu orçamento que ela havia causado, e agradeceu pela primeira vez aos astros por não terem ido para a frente com a tentativa dos filhos. Dar tanto dinheiro para uma mulher que, agora, tinha um nome e voz conhecidos, e um rosto ascendente em toda a New York e demais estados, certamente ganhando essa quantia todos os meses, era o cúmulo do absurdo.
Ainda assim, ele certamente continuou sendo provocado quando tomou seu lugar no escritório principal do edifício espelhado da Gehissi e viu o pacote perfumado com a caligrafia delicada dela, debochando de sua cara com apenas uma palavra:

Demo.

Ele jogou o envelope no lixo sem pensar duas vezes.
Agarrando o fone do gancho, a voz de Ben soou ainda mais grave quando disse:
— Não receba pacotes novos pelos próximos 6 meses. É uma ordem!

📻🎙️


Ben não entendia porque a permanência de seu status de casado estava sendo ameaçada.
Ele era um bom marido, ou acreditava que era, porque jamais havia deixado faltar boa comida, boa casa e bom sexo para sua linda esposa, que nem ao menos precisava se preocupar com atividades do lar como as mulheres comuns. Greta receberia os luxos que bem desejasse, bastava pedir e apreciar, demonstrando gratidão com a boa imagem que mantinha e os modos padronizados que uma boa família tradicional levava em conta.
No entanto, quando o tédio começou a tomá-la e as recusas de Ben em deixá-la fazer algo de útil para a própria vida começaram a ficar constantes, Greta começou a entender o que tinha feito. Onde estava metida até o pescoço, ainda que não seria justo culpar a si mesma. Ela era do interior, perdera os pais antes de entender qualquer regra crucial da vida e conheceu um homem que claramente podia cuidar dela e de todos os seus problemas como ninguém jamais havia feito.
A gratidão se transformava, gradativamente, no sentimento mais corrosivo e inútil do mundo, matando-a por dentro.
Um pouco antes do pedido do divórcio, Greta já tinha decidido não fazer nenhum caso dos regulamentos implícitos do sobrenome Barnes e não parecia ter nada além de desprezo pela etiqueta oriunda do mesmo status. Quando passou a beber uma garrafa de vinho por dia da adega, se transformava na pessoa que dirigia uma picape pelos jardins da mansão e se deitava nua sobre a espreguiçadeira da piscina, alheia aos olhares chocados e apavorados dos funcionários, sendo completamente pegos de surpresa.
Ben dava um desconto no começo, dizendo que considerava suas circunstâncias pessoais extremamente difíceis. Já fazia um tempo que estavam tentando ter filhos, mas esse não era o motivo do descontrole de sua mulher – nem perto disso. O tirano que dividia uma aliança de ouro no anelar esquerdo com ela ignorava completamente o fato de que negava à Greta o essencial: sonhos. O sonho que estava gravado num CD barato, o sonho de que alguém ouvisse a voz de Greta Herman, sem ver a senhora Barnes.
Porque certamente, a opinião pública seria a mesma daquele crápula: jamais entenderiam como o peso desse sobrenome não era um privilégio, e sim um fardo.

📻🎙️


Diante da nova poluição em Los Angeles, Greta soltou a fumaça do cigarro, observando-a espairecer e se misturar ao vento, ao fedor e ao calor da cidade.
Sua expulsão da família Barnes – se assim poderia chamar – seria efetivada a partir da segunda-feira. Sua grande amiga, Frances, que ironicamente havia se tornado sua produtora e única pessoa com coragem o suficiente de tocar sua música na rádio, cuidaria de toda a parte burocrática e demais situações em que seria necessário encarar o homem belo e severo ao qual dividiu a cama com a cliente. Greta não poderia estar mais tranquila com o fato – do jeito como estava bebendo todos os dias, era muito provável que ou jogasse um dos saltos altos nele ou ficasse nua em cima de seu colo, apenas para irritá-lo com o próprio desejo que ainda sentia.
Ah, Ben. Se tivesse sido menos eles, e mais você, pensou ela, inclinando-se para a frente e descansando a cabeça na janela, tentando buscar o último resquício da fumaça solta pelos pulmões, agora desintegrando-se totalmente na atmosfera.
Virariam novos pedacinhos de fumaça em novas partes do universo, e poderiam escolher um novo caminho para seguir: se transformarem em nuvens ou virarem neblina, geladas ou quentes, ou contornariam uma estrela antes de uma Supernova, participando indiretamente de um dos maiores espetáculos da Via Láctea.
Greta era um montante de fumaça naquela noite, preparando-se também para se desfazer, se libertar, aguardando a segunda-feira como se aguarda um beijo, pronta para materializar a falta que já não mais sentia dele, pronta para enterrá-la, pronta para seguir em frente.
Por quê, Ben? Por que nos fez chegar nesse ponto?
Ele diria: porque você é um problema desde o início.
Mas Greta não era o problema. Greta era a solução. E quase estragou tudo quando deixou essa responsabilidade nas mãos que não eram suas.
Quando as batidas na porta ecoaram pelas paredes, Greta não tirou os olhos do vidro até ouvir a madeira ranger ao ser aberta.
— Querida — Frances suspirou, caminhando até a janela e, delicadamente, arrancando a ponta quase inexistente do cigarro apagado — Já devia ter jogado isso fora há muito tempo. Vamos, está na hora.
— Apenas me dê um tempo — Greta logo pensou em acender outro, mas Frances impediu suas mãos novamente, encarando-a com seu olhar profissional.
— Você terá todo o tempo do mundo para ficar triste. Mas até terminarmos essa bagunça, precisa colocar um sorriso e vestir seus saltos altos — a mulher apontou os calçados brilhantes ao lado da poltrona, apenas esperando o momento glorioso para serem exibidos depois da cortina há alguns corredores acima, lotado de pessoas que faziam Greta se sentir nervosa como nunca.
Nervosa como uma estudante indo realizar os exames finais.
Entretanto, depois de segunda-feira, esperava não ter que passar por nenhum final. Nem de amizades, relacionamentos, dinheiro e cigarros.
Quando olhou para os saltos, eles a olharam de volta. E ela gritou internamente: eu consigo. Era o momento de levantar a bandeira de um final definitivo.

📻🎙️


Por um longo momento, houve silêncio.
Greta ouviu o ruído de um gravador ligado ao fundo, e sorriu consigo mesma em frente ao microfone acoplado em um pedestal, encarando os rostos espalhados e excitados pelo que parecia ser um grande achado americano.
Greta Herman, senhoras e senhores. Não Barnes. Nunca mais Barnes.
Finalmente, os lábios vermelhos se aproximaram do instrumento e disseram:
— É um prazer, Los Angeles. Escrevi algo intenso e especial. Condizente com meu nome nos jornais. Alguém adivinha?
A música abafou os burburinhos curiosos e empolgados, mas também os acusatórios e censuradores. Com a batida de jazz, a futura estrela americana declarou para a imprensa de plantão, em melodia afinada e sensual:

What the fuck do I know? I'm alone
'Cause I couldn't be somebody's hero
You want an apology? Not from me
Had to leave you in your own misery
So tell me, baby, am I wrong that I moved on?
And I, and I don't even miss you
Thought that it'd be you until I die
But I let go, what the fuck do I know? (Oh)


FIM


Nota da autora: Oiê! Você chegou a mais um ficstape!
Já perdi as contas de qual é o número desse aqui, mas se você já leu meu nome em algum lugar, posso apostar que deve ter sido em um ficstape. Nunca fui dessas de chegar na notinha pedindo desculpas pela obra não estar do jeito esperado, mas o meu 'jeito esperado' mudou tanto nos últimos anos que a única coisa que eu faço questão de falar no final de cada uma delas é: muito obrigada por ter lido. Os minutos que você dedica pra verificar o trabalho do autor é muito mais válido. Não sou acostumada a escrever fanfics não interativas como essa, mas creio que seria um pouco difícil pedir o nome do seu boy e ele acabar sendo... o Barnes dessa história. É, meio chato.
E antes que pensem: absolutamente nada contra esse monumento de Ben Barnes. Eu só precisava de um rosto lindo que não valia nada, então por que não me aproveitar do rosto do cara que interpretou Billy Russo? Mais canalha do que aquele lá não existe.
Por fim: agradeço novamente pelo seu tempo. Caso tenha interesse em outras histórias minhas, entra no meu tumblr e confira algumas por lá (caso eu tenha atualizado nele enquanto você lê isso), e se quiser bater um papinho sobre escrita, música pop e cinema, chama no instagram que a gente ama fazer amizade. O grupo no whatsapp é uma opção também, caso você queira saber de atualizações.
Foi isso. Um grande beijo e abraço!

Sial.

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