01. Here We Go Again

Capítulo único

Parte 1


I throw all of your stuff away
Then I clear you out of my head
I tear you out of my heart
And ignore all your messages


estava cansada de lutar por seu relacionamento. No auge dos seus vinte e cinco anos e com o emprego na empresa dos seus sonhos, como farmacêutica pesquisadora da L’Oréal, ela não tinha mais nenhuma disposição para briguinhas sem sentido. Seu marido já havia gastado todas as fichas de sua paciência.
“É isso que acontece quando se casa com o seu amor de infância!”, ela pensou.
A discórdia mais recente havia sido por conta de uma pequena coisa: o inteligente e egoísta do seu marido, sozinho, resolveu que toda a família, ou seja, eles dois e a gata, cujo nome era Marie, se mudariam para outro país. Sair do Brasil era o menor dos problemas! Os dois já tinham passaportes de dar inveja por tantos carimbos que as páginas possuíam. O problema era a falta de comunicação. Sempre foi.
No pico da raiva, após , o marido, ter saído para espairecer, estava arrumado as malas do sujeito. Aquela seria a última discussão que ela teria com aquele homem.
“A última, depois de outras incontáveis que nós tivemos nos últimos 12 meses!”
A oportunidade que a empresa em que trabalhava lhe ofereceu era realmente imperdível, mas não era compatível com o estilo de vida que eles levavam desde que se casaram.
havia se formado com honras na melhor faculdade do estado do Rio de Janeiro no curso de Farmácia. Para a mulher, nada na vida foi fácil! O sobrenome chique era apenas ato de bondade da melhor e última patroa de sua mãe, que era a empregada doméstica da senhora, e esta ficou viúva cedo. Como dona, Marian gostava muito da mãe de , então deu o sobrenome de sua família, na tentativa de amenizar a falta de um nome paterno. O querido pai da menina abandonou a mãe dela assim que ela lhe contou sobre a gravidez.
Otávia, mãe de , a criava, da porta da cozinha aos fundos da casa. Sua mãe fazia questão de dar o melhor que o seu salário — de valor alto e fora do comum quando comparado com as demais pessoas que cumpriam a mesma função que ela — de doméstica podia para a filha. Sua mãe era muito orgulhosa e não deixava a patroa ajudar com quaisquer despesas que a filha podia dar, mas as duas, juntas, não deixavam de demonstrar o quanto a menininha era amada e querida.
Aos seis anos, a mãe de morreu de um mal súbito. A menina ficaria sozinha no mundo se não fosse por dona Marian, como a menina aprendeu a chamá-la. A senhora adotou a criança quando percebeu que ela não tinha nenhuma família. A partir disso, teve o que muitos chamariam de upgrade de vida, pois uma das primeiras coisas que Marian fez foi transferir a menina de uma escola pública para a melhor escola particular de todo o estado do Rio, o lugar onde ela conheceu .
vinha de uma rica família paulistana. Ele cresceu cercado de tudo de melhor que o dinheiro pode dar. Teve tudo do bom e do melhor desde a barriga de sua mãe. Ele, com os olhos verdes do pai e o cabelo da mãe, era o único príncipe da família. Quando tinha seis anos, acompanhou a família na mudança de estado no momento em que seu pai foi transferido de polo na Bayer, a empresa multinacional alemã onde trabalhava, por conta de uma promoção.
e se conheceram na escola. Ela tinha acabado de ser matriculada e era a única negra na sala. Ele tinha chegado recentemente e tinha sotaque esquisito, para as outras crianças.
Infelizmente, a seguia na dela, depois de tentar fazer amigos e se deparar com quase todas as crianças reproduzindo atitudes racistas. Já o se atraiu pela menina justamente por ela ser diferente de todos. A sua aproximação dela fez com que as outras crianças vissem a menina de outro modo, um mais amigável. Após a semana em que os dois trocaram metades de bolinho Ana Maria no recreio, eles se tornaram melhores amigos.
A amizade e, posteriormente, na adolescência, o namoro de com só foram bem vistos pelos pais do moço quando ambos bateram os olhos no sobrenome da menina e na reputação que os ’s tinham. A Marian era a única que verdadeiramente apoiava o casal e não se importava com essas coisas de dinheiro e aparências. Já Laura, mãe de , apenas tolerava tudo, porque sempre teve esperanças de que era apenas uma fase. Imagine a surpresa dela quando, aos vinte anos, ambos decidiram que iriam se casar! A família dele só deixou porque acharam que não duraria muito tempo.
”Detesto dar razão à sogra, mas eu e não era para ser”.
era uma mulher forte que não deixava de fazer o que queria e não se reduzia para ninguém. O fato de estar exageradamente sendo egoísta dizia muito sobre quem ele estava se tornando. A chance de ir à Alemanha e ter um cargo super, mega importante, como engenheiro de algum setor da Bayer, onde ele trabalhava porque gostava e por grande influência do pai, o senhor Antenor, era realmente o seu sonho. No entanto, o sonho de deveria ser abandonado para que ele vivesse o dele.
“Não vou abrir mão disso e, se ele pensa que devo escolher entre ele e o meu emprego, meu sonho, ele pode mais do que ir à Alemanha!”
tinha em mente que sempre deu o seu máximo em todas as áreas de sua vida. Foi a perfeita aluna, a perfeita filha, a perfeita namorada, a perfeita noiva, a perfeita esposa. Claro que tudo isso nos seus próprios padrões, pois estava cercada de exemplos que não cabiam nela. Não tinha como se encaixar em situações em que as pessoas eram preconceituosas e desrespeitosas com ela. Durante anos, ela teve que se impor no círculo familiar dos para que fosse aceita e fez tudo isso por amor, por querer estar com , mas, agora, era a gota d’água para essa mulher! Ele sempre teve o que queria, sem nunca precisar abrir mão de nada ou pensar duas vezes. queria que, agora, fosse a vez dele de se sacrificar por algo e achava que era justo.
Ao chegar em casa e se deparar com as suas malas no meio da sala, , imediatamente, ficou surpreso. Não acreditava que havia feito aquilo com ele. Não achou que sua amada esposa fosse capaz de fazer o que fez. Algo no fundo da sua mente queria que aquele gesto significasse que todas as cinco malas eram para ambos e que eles e a gata Marie iriam à Alemanha e teriam a melhor vida possível por lá.
Como ele estava errado!
Em meio a tanto choque com a situação, o homem não percebeu quando apareceu na sala deles. A mulher parou em frente às portas que davam para os jardins. Ao por seus olhos sobre a figura dela, ele viu que o seu semblante não era um dos melhores. Definitivamente, não era a feição de alguém empolgado com a notícia da mudança.
tinha esperanças de que esse tempinho separados fosse fazer a esposa mudar de ideia.
— O que essas malas significam? — ele perguntou, dando alguns passos em direção a elas.
— O que você acha que elas significam, ? — Com um tom de voz frio e concentrado em não transparecer quaisquer outras emoções, ele ouviu respondê-lo.
— Você já arrumou as nossas malas — disse com o tom de voz levemente esperançoso. No fundo, no fundo, sabia que não era isso que estava acontecendo.
— Não se faça de bobo, ! Somos bem grandinhos para esse tipo de resposta! Não vamos fingir que você não sabe a quem essas malas pertencem! — a mulher disse, ainda mantendo a calma, de um modo que o homem à sua frente não entendia como era possível de acontecer.
— Você não vai? É isso? — As perguntas eram sinceras, apesar de eles terem gritado coisas horrendas horas antes. Ele já sabia que isso era o que ela faria, mas, ao sair para pensar, quis acreditar que, de cabeça fria, ela teria pensando melhor e não o abandonaria.
— Eu não vou. Você vai? — perguntou, já sabendo que a resposta que ele daria não seria o que gostaria de ouvir naquele momento.
— Eu quero ir. Por que você não vai?
— Bom, você perguntou a mim se eu queria ir, antes de dar sua palavra ao Boris, o seu chefe?
— Não, mas... — Para , não tinha que ser perguntado nada, pois ele tinha certeza de que o seguiria aonde quer que fosse. Mal sabia que este era o seu maior erro: achar que era, de alguma forma, o centro da vida de alguém.
— Mas nada, ! Nos últimos meses, temos brigado mais que feito outra coisa! Eu tento dar o melhor, sempre, a você. Essa sua decisão só prova que você não pensa em mim da mesma maneira que eu penso em você. Eu poderia até ir com você, porém fazer isso seria desistir do meu sonho. Você já vive o seu! O que custa estar ao meu lado neste momento? — As suas palavras foram como facas afiadas cravadas em seu coração, que, agora, sangrava.
Ele não fazia ideia de que ela se sentia dessa forma! Para ele, tudo sempre esteve perfeito, e as briguinhas era apenas coisas de casamento, afinal, já estavam juntos há cinco anos, porém se conheciam desde sempre.
— Eu estou do seu lado. Sempre estive. — Seu tom de voz indignado não soou bem aos ouvidos da mulher.
De repente, ela havia se arrependido de estar com seu baby doll durante esta conversa no meio da noite, pois um vento frio fez com que sua pele âmbar estivesse coberta por arrepios.
— Sempre esteve, até agora. Hoje, não está. E, sinceramente, não sei se amanhã estará. — O pesar no tom de voz dela não podia mais se esconder, por mais que ela quisesse não demonstrar que estava tão vulnerável assim.
— Você quer se separar? — o homem perguntou. A surpresa em seu tom de voz se espalhava por toda a sua face e se concentrava nos seus olhos verdes arregalados. Por toda a sua vida, não esperava que o seu casamento fosse acabar.
— E qual seria o seu plano? Sua viagem já faria isso por mim. Sua decisão já fez isso. Eu não vejo como continuarmos juntos, casados, enquanto você está na Alemanha, e eu estou aqui. — Para a mulher, era óbvio! Não conseguiria manter o relacionamento à distância. Ambos não eram excessivamente ciumentos, mas ela sabia que a distância só aumentaria os níveis de insegurança de ambos. O relacionamento não seria mais saudável.
— Você iria comigo. Esse é o meu plano. — apenas via essa opção como a coisa mais óbvia. Em sua mente, não haveria outra alternativa. Ele não poderia se separar da esposa.
— Era, ... Era o seu plano. Eu não vou. Eu te amo, mas não posso sempre abdicar de tudo por você. Espero que você entenda! — estava se descobrindo mais forte do que achava. Sentia que, a qualquer momento, lágrimas poderiam cair, mas usava toda a sua concentração em mantê-las presas em seus ductos lacrimais.
— Essa é a sua última palavra? — O tom de voz do homem mudou de surpreso e, talvez, meio perdido para mais sério, beirando ao decidido.
— Infelizmente, é.
Seria a prova de fogo que passaria. Nunca ter tido que escolher por algo grandioso na vida tornou alguém que ela, por vezes, não entendia.
— Você escolheu o seu emprego ao invés do seu marido. Como pôde fazer isso? — Ele sabia que havia sido extremamente machista, mas, neste momento, não sabia mais o que fazer para que desistisse dessa ideia louca de fazê-lo escolher onde ficar.
Ele queria os dois e, por si, os teria.
— Eu escolhi ter os dois! É você quem, de uma hora para outra, está tendo essa atitude infantil e machista! Você nunca foi assim... Ou, talvez, eu tenha me feito de cega. Não é possível! — A mulher estava chocada com a fala do seu marido. Realmente, pensava que o conhecia, mas essas atitudes não poderiam pará-la. Nesta altura do campeonato, sabia que doeria, mas, se fosse para ter alguém ao seu lado com esse tipo de pensamento, seria melhor que ele fosse embora, mesmo.
— Sou eu quem não está entendendo a sua atitude! Como pôde me deixar? — , agora, andava de um lado ao outro, na tentativa de que uma ideia genial surgisse e que ambos não precisassem chegar, de fato, àquelas vias.
— Eu não estou te deixando. Apenas quero deixar claro o meu posicionamento. Posso ter me precipitado ao arrumar suas malas? Posso e admito, mas, agora, vendo como você tem se comportado em relação a isso, creio que estou certa. — Para , era tarde demais. Poucas coisas a fariam mudar de ideia.
— Então é isso? Eu pego as malas, vou embora e acabou? — Parou de frente para a mulher. Os seus olhos verdes encontraram os olhos castanhos dela. A tensão podia ser partida com uma faca, e o silêncio no ambiente evidenciava a presença das respirações pesadas de ambos.
— Só é isso se você quiser. É o que você quer? Se for, pode ir. Se não... — não pôde continuar com a frase. Seria demais reconhecer que o seu relacionamento de, literalmente, uma vida inteira acabaria por conta daquilo, mas era isso o que a realidade lhe apresentava.
Sem dizer mais nenhuma palavra, caminhou até sua mulher e a olhou no fundo dos olhos. Tantas coisas que ele gostaria de dizer, porém o orgulho não deixava. Ele estava agindo como uma criança birrenta e mimada. Ao ver os olhos de cheios de apreensão e pesar, continuou quieto e apenas deu um beijo em sua testa.
Pegou suas malas e saiu.

Parte 2


I tell everyone we are through
'Cause I'm so much better without you
But it's just another pretty lie
Cause I break down
Every time you come around


sofreu muito, tentando tirar o homem de seus pensamentos e de seu coração. Afogou-se no trabalho e em pesquisas acadêmicas, na tentativa de ocupar a sua mente, até não passar de mais um nome comum e sem algum significado. Até mesmo as tentativas do de entrar em contato com ela foram ignoradas. Com era assim: se você deu a sua palavra, ou tomou alguma decisão, deveria ir até o fim, por mais que doesse! A perda desse amor doía muito! Mais do que ela achava que poderia suportar! Mas sempre tinha em mente de que, um dia, passaria. Por outro lado, estava sofrendo o mesmo tanto e quando percebeu a besteira que fez ao sair de casa, sem, ao menos, tentar uma conversa mais profunda, arrependeu-se muito. Tentou encontrar e conversar com a esposa, apenas para ter todas as suas tentativas frustradas. Sua surpresa foi ter que contratar advogados para formalizar a separação. Realmente, a mulher o queria longe e, com isso, não restava mais nenhuma dúvida de que ele perdera a melhor pessoa que teve na vida. O que mais doía era que ele a perdeu por puro egoísmo e orgulho. Na época, estava cheio de si e vazio do “nós” que um relacionamento como o deles deveria ser. Embarcou de mala e cuia para a Alemanha, depois de assinar o divórcio e, ao chegar lá, torceu para que o tempo se revelasse o melhor dos remédios, ou para que realmente o seu arrependimento o matasse de vez, pois a sua dor era muita e se agravava mais ao chegar em casa, após os dias de trabalho. Não era nada acolhedor se deparar com um apartamento frio e impessoal. Era como se ele entrasse num hotel, porque nunca se sentia em casa.
Nenhum dos dois estava esperando que o casamento fosse acabar daquela forma. não queria que fosse assim. não queria que fosse assim. A única pessoa que estava feliz era, agora, a ex-sogra da , que não fez a menor questão de esconder que estava muito feliz com o término. Comemorava mais ainda pelo fato do casal não ter tido filhos. Laura não escondia que somente tolerava a bastarda , como ela chamava às escondidas, em nome da felicidade do filho, que era a única coisa que presava tanto quanto sua reputação. Marian lamentou, junto com sua filha, e a acolheu, dando colo, amor e carinho como fonte de consolo. Ela bem sabia como era perder alguém que se ama! Todavia, sabia que perder alguém da forma como a sua menina perdeu parecia pior.
Após esbarrar com em uma festa de amigos em comum, achou que não iria conseguir superá-lo. Todos ali sabiam que eles haviam terminado, mas não se surpreenderam ao ver ambos lidando mal após se verem. Ela se escondeu num banheiro para chorar e só saiu dali porque alguém realmente precisava usar o cômodo. Já ele bebeu como nunca e voltou ao flat alugado com a ajuda de seus amigos, fazendo o típico papel de bêbado que só reclama da sua morena e sofre por amor.
Durante muito tempo, ambos sofreram com as consequências de seus atos. , por ter tido pulso firme para decidir por sua carreira, mesmo quando sabia que poderia ter o melhor dos dois mundos. No entanto, ela também sabia que se sentiria completa e realizada da mesma forma. , por não ter tido capacidade de deixar de se ver como centro do mundo nem por um segundo e ter colocado tudo a perder com a mulher da sua vida. Ambos aprenderam lições muito importantes para as suas vidas com a experiência. Agora, era hora de seguir em frente.

Parte 3


So how did you get here
Under my skin?
I swore that I'd never let you back in
Should have known better
Than trying to let you go
'Cause here we go go go again
Hard as I try I know I can't quit
Something about you
Is so addictive
We're falling together
You'd think that by now I'd know
'Cause here we go go go again

Sete anos depois...


não poderia estar mais feliz! Finalmente, vivia o seu sonho por completo! O cargo que ela tanto almejava na L’Oréal era seu e, por conta disso, teve que se mudar para a França. Realmente, ela estava nas nuvens com as suas realizações profissionais, afinal, ser chefe do laboratório de pesquisas cosméticas para peles negras não era para qualquer um, ou melhor dizendo, uma.
O processo de mudança não foi um dos mais fáceis. O seu destaque dentro da empresa a levou cedo ao continente europeu, e isso não era nada que ela não tenha agradecido. Dois anos após o fim do seu casamento, a achava que precisava mudar de ares, mesmo e, por conta disso, não pensou duas vezes ao aceitar a proposta e a promoção. Finalmente, todo o esforço descomunal que fez durante a época de separação, quando ela mais se dedicou às pesquisas, foi recompensado e muito bem recompensado, cá entre nós!
O trabalho ocupava sua mente e, aos poucos, parou de procurá-la e de mandar mensagens. A mulher de, agora, trinta e dois anos tinha a mente livre do seu amor de infância e o coração fechado para relacionamentos. Tudo o que ela não precisava era de um novo homem em sua vida! Além do mais, esse período sozinha serviu para confirmar algo que ela já sabia: mulheres não precisam de parceiros para serem felizes. E não pense que ela sentia falta de sexo, pois era muito bem resolvida! Quando queria parceiros, ela os tinha e, quando apenas queria se divertir, usava um de seus vários brinquedinhos. Sexo nunca foi uma questão durante a sua vida e não seria agora que se tornaria algo com que ela se preocuparia.
O seu cargo na empresa vinha com muitas responsabilidades, porém o que ela mais gostava era da possibilidade de viajar para congressos e conferências em diversos lugares do mundo para falar sobre a L’Oréal e as suas pesquisas, bem como aprender mais sobre os desenvolvimentos científicos que ocorriam em outros países.
Atualmente, a sua mais nova aventura era arrumar sua mala para passar uma semana em Portugal. A negra já tinha ido às terras colonizadoras várias vezes, no entanto, desta vez, seria especial. Uma comissão formada por jovens estudantes brasileiros montou um tipo de semana em que apenas profissionais brasileiros de diversas áreas se reuniriam para dar palestras sobre como eles podem fazer a diferença na comunidade europeia, sendo brasileiros.
foi uma das primeiras a confirmar sua presença no evento, como uma das palestrantes.
A nossa protagonista ansiava pelo calor humano que só nós, brasileiros, sabemos dar e, por isso, estava empolgada para participar de um evento desse tipo, principalmente, para a comunidade brasileira. Apesar de morar na França há três anos e estar relativamente acostumada com a distância, sentia falta do calor da primavera, sua estação do ano favorita, durante os dias frios do inverno francês. Sempre que tinha uma brecha, ia ao Brasil, visitar a mãe de criação, que ainda estava viva e cuidava de Marie, a sua gata. A felina não se ambientou bem ao novo país, e sua mãe não quis se mudar de jeito nenhum, usando a gata como a desculpa perfeita para ficar no país sul-americano e, de quebra, ter algo que a conectasse à filha, sempre. A senhora queria netos, mas não cobrava , pois sabia que aquela não era a melhor hora. Sem contar que Marian entendia os motivos da filha adotiva ainda não ter tido filhos, e isso não era uma questão para a família.
A tal semana só duraria, para ela, um dia. Os outros seis dias no país vizinho tinham outro motivo e endereço: a Universidade de Coimbra a esperava e sua melhor amiga também. e se conheceram na L’Oréal assim que a brasileira chegou ao solo francês. é francesa, mas sua mãe é brasileira com muito orgulho e amor, então, de modo natural, a menina era a pessoa ideal para recebê-la. , pouco tempo depois, mudou-se, pois começou um Ph.D. na Universidade de Coimbra e surpreendeu a todos ao se casar de supetão com um português por quem ela perdidamente se apaixonou. ficaria na casa da amiga, que foi a responsável por citar o seu nome como boa escolha para ser palestrante do evento. A conferência duraria apenas três dias, sendo ela uma das palestrantes no primeiro dia.

A moça já havia escrito o seu discurso e já tinha deixado tudo em ordem no seu laboratório para poder viajar com a mente tranquila. Com as malas prontas e sua casa trancada, a mulher seguiu para o aeroporto. O voo foi tranquilo, e gostaria de dizer que deu uma cochilada, mas sua mistura de animação com ansiedade não lhe deu muito sossego, enquanto voava na classe executiva. Ao desembarcar em Portugal, seguiu direto para a casa da amiga. As duas já tinham intimidade o suficiente para fazer esse tipo de coisa e ambas eram muito independentes. Não sentiam a necessidade de serem buscadas por ninguém quando viajavam.
Quando chegou, a recebeu como se tivessem passado anos separadas. As duas, apesar de morarem em países diferentes, não ficavam sem se ver por muito tempo, graças aos tratados europeus de transporte e entrada de pessoas em seus países. Apesar de não ter conhecido o ex-marido da amiga, ela sabia de toda a história.
Atualmente, ela tentava incentivar sua BFF, se é que esse termo ainda pode ser utilizado quando se tem trinta anos, a abrir o coração para as novas oportunidades. Ela bem sabia que a não passava vontade, mas sentia que estava na hora da amiga parar de correr e tentar algo sério.
— É sério! Você tem que parar de correr e arrumar alguém para dormir de conchinha todas as noites! — , mais uma vez, tentava argumentar ao seu favor, enquanto as duas tomavam umas taças de vinho durante uma sessão de fofocas.
— Ei! Eu durmo de conchinha todas as noites, Dona ! — rebateu ao se servir com mais uma taça.
Quando ambas estavam juntas, sempre acabavam bebendo vinho, enquanto punham o papo em dia.
— Não conta se forem os seus travesseiros! — apontou o óbvio. A mulher não fazia por mal, apenas queria a felicidade de sua amiga brasileira.
— Posso te dizer, com segurança até, que eles são melhores que muitos homens! — a negra disse ao pousar os seus olhos sobre o conteúdo da taça.
— Disso, eu não duvido, meu anjo, mas até um coração de gelo, como o seu, deve precisar de uma barriguinha para se esquentar no frio.
— Eu tenho a minha! Não estou precisando de barriga nenhuma! — Desviou das diretas de sua amiga.
— Se você diz, eu acredito.
Em meio aos risos, as duas continuaram a se atualizar sobre suas vidas. Os dias na casa de sua amiga foram ótimos e revigorantes. Tudo o que ambas precisavam! Quando se reuniam eram como duas meninas adolescente aos risos e sorridentes com tudo. A amizade era leve e muito verdadeira, como todas as amizades devem ser!

não sabia como havia sido chamado para esse congresso para dar palestra. Não se sentia como se fosse alguém importante. Na sua cabeça, ser um diretor executivo de uma multinacional alemã não era grande coisa. Se estivesse com ele, o homem daria mais valor ao que tinha conquistado. Ele tinha aprendido muitas coisas com a sua ex-mulher e, somente agora, dava valor ao que tinha, incluindo alguns de seus privilégios.
Os sete anos em que estava na Alemanha foram difíceis, no começo, mas, agora, ele tirava “de letra”! Já havia feito amigos nativos e juntou-se à comunidade brasileira que havia na empresa. Ia ao Brasil quando podia, ou seja, raramente, porque também havia se tornado um workaholic de marca maior. A empresa não ligava, afinal, ele gerava mais resultados que qualquer um.
A sua ida a Portugal foi inesperada, e ele não se preparou muito. Parecia que havia sido uma das opções de palestrante substituto, pois outro nome desistiu de última hora, e ele foi escalado no local. Profissionalmente, ele sentia que deveria se ofender, mas, na realidade, não deu a mínima, apenas aceitou a oportunidade e se organizou para cumprir o compromisso.
Ao desembarcar, encontrou alguém da organização do evento com uma placa com o seu nome. não podia negar que sentiu-se aliviado por poder usar o português novamente como meio de comunicação. Mesmo no trabalho, os brasileiros usavam o alemão, tanto para se comunicarem entre si quanto para falarem com os demais profissionais. Ele mesmo só usava o alemão também. Nas vezes em que usava o português era apenas para praguejar ou falar com a sua família. A sua mãe havia ficado muito feliz com a separação, porém, depois de tantos anos, já queria que o filho se casasse com alguma alemã e lhe desse netos.
Tanto quanto não sabiam que estavam solteiros e que haviam se fechado para o mercado amoroso. Tinham o mesmo coração de gelo, mas não sabiam. Individualmente, evitavam se recordar dos tempos juntos, sendo, especialmente, mais difícil para ele. Na cabeça do homem, qualquer outro ser da mesma espécie que ele já teria fisgado o coração dela.
— É a sua primeira vez aqui em Portugal? — o jovem que o buscou perguntou, enquanto eles faziam o trajeto para o campus onde o evento aconteceria.
— Não, eu já estive aqui com a minha es... — Ao notar o que estava falando, soltou um pigarro e se corrigiu: — Com a minha ex-esposa.
— Desculpe! — o rapaz, todo sem graça, disse.
— Sem problemas! São águas passadas! — afirmou mais para si que para o rapaz, que estava ao volante.
— Em nome do nosso comitê de organização, eu tenho que te agradecer por ter vindo de última hora. Realmente, não saberíamos o que fazer se você não tivesse aceito! — o menino disse, entusiasmado com a conquista e o fato de tudo ter dado certo.
Eles queriam que tudo ocorresse bem para que a universidade autorizasse que mais eventos como aquele acontecesse.
— Imagina! Sou eu quem agradeço a oportunidade! Nunca participei muito dessas coisas... Será uma boa oportunidade! — respondeu com sinceridade.
era menos acadêmico que . A mulher só não continuou na carreira acadêmica porque não seria muito recompensada no Brasil. Infelizmente, essa era a triste realidade do país! O homem se formou e procurou logo o seu emprego na Bayer. Já , ao se formar e conseguir o seu emprego, voltou a se especializar e pesquisar, e a se envolver com esse universo acadêmico.
Ao chegar ao campus, o rapaz o levou direto ao evento. Já tinham começado e era o primeiro dia. Em três horas, ele seria o próximo a falar. Para sentir como estavam os discursos, resolveu assistir as palestras anteriores a dele. A sua surpresa maior foi entrar no auditório e ver sua ex-mulher falando sobre como escolheu cursar Farmácia.
, automaticamente, transformou-se. Estava mais que surpreso ao vê-la ali em cima do palco, andando de um lado ao outro, enquanto discursava sobre sua vida acadêmica e como foi parar em solo francês. Ela estava mais bela que nunca e, neste momento, ele se arrependeu de se sentar tão no fundo, pois não podia descobrir se ela já tinha arrumado um novo marido com apenas um olhar em sua mão esquerda.
— Muito trabalho e dedicação foram o que me trouxeram aqui. Como contei, desde o princípio da minha vida, fui incentivada por minha família a ser quem sou e a buscar concretizar os meus sonhos da melhor maneira possível, sem perder o foco e nem me deixar levar pelas barreiras que encontrei! O meu diferencial é ter certeza de que posso alcançar qualquer coisa que eu quiser. Infelizmente, nem todos os jovens negros têm esse apoio e/ou não são estimulados, tanto academicamente quanto emocionalmente, a atingirem o seu potencial máximo. — O seu sorriso esmaeceu um pouco. sabia bem da realidade do mundo para jovens negros brasileiros e outras minorias. Sempre buscou ser politizada e responsável por seus atos sociais. — Lembrem-se de que nada pode paralisá-los! Sejam sempre a melhor pessoa que possam ser para si e para os outros! E nunca percam a fome de mudar o mundo! Obrigada pela oportunidade! Se quiserem falar comigo, aqui está o meu e-mail, mas ainda ficarei, hoje, pelo campus, ou seja, se me verem andando por aí, podem chegar que eu não mordo! Novamente, obrigada! Isso é tudo, pessoal!
A plateia levantou-se para ovacionar a mulher, que ficou visivelmente emocionada com a reação do público. Até se rendeu ao momento e se juntou a eles com palmas. Assistiu todo o momento, maravilhado por ver que tudo o que mais queria ela realmente conquistou. Tentou não deixar o pesar de estar apenas sendo um expectador da conquista chegar ao seu coração, que já batia descompassado. Queria acreditar que era somente pela emoção do momento e não porque ele tinha visto o seu grande amor novamente.
Quando eles se divorciaram, separaram-se, mesmo! Cortaram relações de verdade! afastou-se da família dele, e ele não era mais convidado para os eventos da família dela. Não se procuravam, se excluíram das redes sociais e apagaram seus telefones das agendas. Não se viram durante anos! Por isso, ao vê-la, ficou surpreso por ela não ter mudado nada. Enquanto nele cresceu uma barba e voltou a praticar exercícios, ela aparentava estar estacionada no tempo, com o mesmo corpo curvilíneo e cabelo cacheado, sem marcas de envelhecimento no rosto.
Ao terminar sua palestra, a mulher seguiu, andando pelo evento, batendo papo com os alunos e outros professores que estavam por lá, dando apoio. Sentia-se extremamente feliz ao ver que as pessoas apreciavam o seu trabalho e incentivava os jovens a seguir em frente em busca dos seus sonhos. Amou estar naquela atmosfera! Cogitava até procurar uma universidade francesa para dar aulas, de tão grande que era o seu encantamento pelos acontecimentos!
Ao conversar com um dos estudantes, não percebeu que alguém aproximou-se dela por trás. Ele esperou que o aluno se afastasse para, então, falar com ela. Certamente, não ponderou muito ao tomar esta atitude, pois temia que ela não conversasse com ele:
— Com licença, doutora ! — ele disse ao chamar a sua atenção. Podia usar o termo ‘doutora’, sem medo, afinal, ela possuía um doutorado.
— Pois não? — disse ela, sorridente, ao se virar para encarar a pessoa que a chamava. Para a mulher, havia algo de conhecido naquela pessoa que tinha o mesmo tom de voz do ex-marido.
— Foi uma excelente palestra a que deu! Sinto não ter visto o começo, mas o pouco que vi me agradou muito! — ele comentou, sem medo, afinal, era verdade, mesmo.
— Obrigada, senhor...?! — A negra gostava de conhecer novas pessoas e, especialmente, saber quem a elogiava tanto.
. ! — ele disse com medo, mas não retraiu a mão que estendeu para cumprimentá-la.
? — ela disse ao apertar a mão dele automaticamente. Estava muito surpresa, porque não sabia que ele estaria ali. Não que isso fosse impedi-la de palestrar no evento, mas gostaria de estar mais preparada emocionalmente. — É você, mesmo?
— É, acho que sou eu, mesmo... Aquele que se casou com você! — ao dizer isso, o homem se arrependeu.
A feição dela ainda era majoritariamente surpresa, porém outros sentimentos estavam disputando espaço nos seus olhos.
— Não precisava me lembrar disso! — ela disse rapidamente. A mulher, mentalmente, questionava-se por não ter reconhecido o homem logo de cara.
A barba o tornou diferente, de algum modo, e a falta de contato não permitiu que ela visse a transformação acontecendo.
— Desculpe! — ele pediu, sem saber pelo que se desculpava. Podia ser tanto pelo presente quanto pelo passado.
— Obrigada pelos elogios! — respondeu sinceramente. Estava grata por tudo naquele dia.
— É bom ver que está bem, depois de tantos anos! — O homem não sabia o que dizer e o que falar, pois temia cometer algum erro e perder a companhia dela mais uma vez.
— Digo o mesmo. A barba te caiu bem! — gostaria de enfiar a cabeça em um buraco no chão, após ter feito o comentário. Na sua mente, sirenes de alerta soavam que tinha que sair o mais rápido possível dali, mas algo, ou melhor, alguém a prendia naquele local.
— Obrigado! — A resposta monossilábica não foi intencional. Ele queria falar muito mais, só que a sua língua não deixava e, do nada, ele parecia um adolescente perdido. — Quer tomar um café? Em nome dos velhos tempos!
Novamente, surpreendeu-se com o homem que estava de frente para si. Após ponderar por um tempo, deixou que a curiosidade a vencesse e aceitou o convite. Ambos caminharam lado a lado, até um café dentro do campus. A caminhada foi em silêncio, com cada um preso em seus pensamentos. Sem saber, ambos se achavam loucos! Ela, por ter aceito, e ele por tê-la chamado. Seria apenas um café entre ex-cônjuges, mas muitos sentimentos não ditos estavam entre eles. se convenceu de que podia aceitar, porque não sentia mais nada por ele, já havia superado... Tudo isso eram só aguas passadas!
Ao chegarem ao local, pediram suas bebidas quentes com uns muffins de mirtilo. Escolheram um local reservado e aconchegante. O local tinha um aroma gostoso de café que complementava a decoração em tons terrosos. O ambiente passava uma sensação nostálgica.
— Então, como anda a vida e a família? — ele perguntou, após bebericar sua xícara.
— Vão bem! Estou morando na França, agora, depois que fui promovida. Minha mãe continua no Brasil, e a gata está com ela. Sempre soube que ela gosta mais da minha mãe que de mim! — a negra comentou. — E você? Foi à Alemanha, mesmo?
— Fui, sim. Meus pais também estão no Brasil ainda — ele contou.
— Que bom! Espero que esteja feliz por lá! — Era um desejo sincero. Mesmo que não estivessem mais unidos, ela não desejaria o mal dele. Simplesmente, não era da sua natureza.
— Estou tentando ser — disse. Observar que nada nela mudou era esquisito e reconfortante. — Muito bacana o evento de hoje, não?
— Sim! Muito, mesmo! Extremamente inspirador!
A princípio, era esquisito estarem ali, juntos, depois de tantos anos! Mas, depois de umas xícaras e bolinhos, recobraram o sentimento de amizade que tinham no início de tudo. A estratégia de falar sobre o que haviam feito foi excelente, pois fez se abrir muito mais, além de aquecer o coração do homem, que, mais do que nunca, viu que realmente perdeu a melhor pessoa que passou por sua vida.
— Eu não sei onde estava com a cabeça quando aceitei o seu convite... — a mulher soltou, após um tempo em silêncio.
— Nem eu sei onde a minha estava quando te convidei! — ele soltou.
Risos foram ouvidos de ambos os lados.
— Somos dois malucos, mesmo! — ela afirmou, enquanto partia o muffin em quatro para comer um pedaço.
— Na verdade, eu sou — ele disse, numa óbvia referência ao divórcio deles.
— Agora, é tarde! Nosso tempo já foi! — a negra falou. Na cabeça dela, ele estava querendo reatar algo, e isso não podia acontecer. Ele estava na Alemanha, e ela na França. A família dele não ia com a cara dela e, com trinta e dois anos, não sabia mais se estava disposta a enfrentar tudo isso de novo. Sem contar que não poderia permitir que ele se aproximasse dela para, logo depois, fazer o que fez há sete anos.
Ela tinha medo de que ele a ferisse novamente.
— Não sabia que tinha alguém. — sabia que ela não devia ter ficado solteira por muito tempo. Ele tinha certeza de que era o único idiota no mundo que deixaria uma mulher como aquela.
— O quê? Não, não. Eu não tenho mais condições de me envolver com alguém que não entenda os meus sonhos e que não esteja disposto a entender que, num relacionamento, tudo deve ser 50% dele e 50% dela. — Ela não resistiu ao dar essa ligeira alfinetada no homem que ali estava com ela.
— Nossa! Está sozinha com razão! Já bastou um desses cara sem noção na sua vida! — O tom surpreso de não havia sido disfarçado tão bem quanto ele gostaria. Ele mesmo não perdeu a oportunidade de mostrar que sabia que era o errado em tudo ao dizer a última frase.
— Como sou alguém otimista na evolução dos seres humanos, principalmente, dos homens, porque precisam mais, eu aposto que a sua namorada atual deve estar aproveitando bastante a sua nova mentalidade. — Essa não era a melhor maneira de sondar sobre o estado civil do ex, mas foi o que saiu de sua boca.
— Aprecio o seu comentário, mas, certamente, deverá ser aplicado a outro . Este aqui está solteiro. No meu caso, é que não gostei de nenhuma pessoa como gostei de você e, se não for tão intenso como nós fomos, eu não quero. — A sua resposta sincera destruiu os muros que ela cuidadosamente construiu.
— Foi você quem foi embora. Eu dei um empurrãozinho, mas você foi quem quis sair pela porta. Eu te dei escolha. Talvez tenha sido meio injusto para ambos, todavia, foi o que foi... — ela admitiu. nunca teve problema em revelar quando errava ou quando achava que estava errada. Reconhecia que a separação deles, mesmo que de um jeito louco, foi escolha de ambos.
— Eu fui embora e, até hoje, me arrependo! Esse foi o meu maior erro! Só depois, pude ver o quão machista estava sendo e percebi tudo o que suportou por mim. A minha mãe não é a pessoa mais fácil e ficamos brigados por uns meses, porque ela não escondia a sua felicidade com o nosso fim. — As confissões que ele estava fazendo era tudo o que ele gostaria de dizer assim que se viu sem a sua morena.
— É... Foi algo difícil, mas necessário. Posso dizer que cresci muito com todo o ocorrido! — ela afirmou, depois de bebericar a nova xícara de café.
— Por que você não atendeu as minhas ligações ou respondeu as minhas mensagens? Eu poderia ter dito isso muito antes! — ele questionou.
— Eu sou teimosa, você sabe, e estava muito magoada. Foi um momento bem difícil para mim também. Na época, eu voltei a morar com a minha mãe, porque não conseguia entrar no nosso antigo apartamento, sem que minha mente reproduzisse as nossas memórias. Me afundei em trabalho, porque não conseguia parar de pensar em você, e chorava todos os dias. Não sei nem como não me desidratei inteira durante aquela época!
— Perdoe-me! Eu fui um cretino quando te larguei por puro egoísmo e orgulho. Aquela discussão poderia ter tido um fim muito melhor do que teve. Se eu tivesse, ao menos, pensado mais, ao invés de sair porta a fora, agora, estaríamos juntos em Portugal, neste evento e, quem sabe, comemorando doze anos de casados, ou, até mesmo, com filhos... — A sua última frase havia um que de pensamento em voz alta.
— Eu te perdoei faz tempo! Foram coisas da vida! Agora, só nos resta seguir em frente! — resolveu ignorar toda a parte sentimental, porque, se desse alguma atenção, poderia voltar atrás. A verdade é que ela achava ter superado o amor que tinha pelo homem, mas, depois daquele encontro e as palavras que vinha soltando entre um gole e outro do seu café, sabia que corria risco.
— E se eu quiser seguir de onde paramos? — ele questionou. Esperava que, de algum modo, as suas palavras tocassem o coração da mulher à sua frente. Ele a queria de volta e não sabia como, portanto, falaria tudo, até que alguma coisa funcionasse.
— Não podemos. Como disse, já foi. C’est. fini! — Tentou se mostrar irredutível.
, faz sete anos que tudo isso aconteceu! Nós dois evoluímos! Estou surpreso, assim como você, de te reencontrar aqui em Portugal, onde nós passamos a nossa lua de mel. A gente se casou cedo. Éramos duas crianças ainda na faculdade quando fizemos isso. Não estou dizendo que foi um erro! O único erro foi a nossa separação. Depois de você, nunca mais consegui ter um relacionamento, porque ninguém é como você! E não digo isso só por conta da aparência, digo isso por conta da sua personalidade; sempre forte e decida, inteligente e destemida... Sempre disposta a ajudar! Você é a única que me via como mais uma pessoa no mundo e não alguém da família . Devo muito do que sou ao nosso relacionamento! Crescemos juntos, mas você sempre foi minha guia. Em tudo.
sabia que ele estava apelando, mas o amor que sentia por aquele homem falava mais alto.
Realmente, todos aqueles adjetivos bem usados nas frases fizeram diferença. estava lutando muito contra o que o seu coração insistia em sentir. Ele gritava para que a mulher cedesse aos encantos do seu amor de infância.
— Eu não sei o que dizer! Pegou-me de surpresa!
— Como não sei quando te verei novamente, não estou desperdiçando a minha chance. Este deve ser o momento que eu tanto pedi ao Universo — ele disse, aproximando-se aos poucos de onde ela estava sentada. — Sabe, desde que nos separamos, eu não fiquei seriamente com alguém. E não foi por falta de tentativa! Eu juro que tentei te esquecer, mas nunca consegui! Sempre te amei e, até hoje, me sinto sozinho na Alemanha. Eu sei que você não precisa de mim para nada, só de ver tudo o que você conquistou durante essa separação. Sou eu quem precisa de te. Eu ainda te amo muito!
— Você está fora de si. Nós assinamos o divórcio, ! Acabou, mesmo! Sinto muito! — ela disse, ainda tentando fingir que não estava comovida com o discurso dele.
— Não, quem sente muito sou eu! Você é quem deve me perdoar por isso. Desculpa, mesmo! Não deveria ter dito nada e nem me aproximado de você. Eu não resisti e achei que poderíamos tentar algo... Agora que disse tudo o que estava preso em meu peito desde que recobrei os sentidos após a nossa briga, eu devo deixar você ir. Foi ótimo enquanto durou, não? — ele perguntou, em clara referência ao extinto relacionamento deles.
— Foi, sim. Desejo a você o melhor na vida, mas devo ir — ela falou de supetão ao se levantar e sair do café. Queria correr dali e ir a qualquer lugar longe de !
— Já?
— É, já! Fiquei tempo demais, até! — Tentou sustentar.
— Não vai dizer nada?
— Dizer o que mais?
— Eu te disse tudo isso, e você não tem nada para me falar? Nem que seja para me mandar catar coquinhos?! — ele perguntou, tentando quebrar o ambiente pesado.
até gostaria de dizer a ele tudo o que, nesses últimos instantes, sentiu, mas não confiava na sua boca. Se o verso bíblico que afirma que a boca fala aquilo que o coração está cheio for verdade, então sua boca revelaria que ela ainda o amava e que estava confusa sobre aquela situação toda. Por esse e outros motivos, ela sentia-se no direito de correr para longe.
— Em outros tempos, diria que está fugindo deste confronto. Agora, eu sei que não está. Realmente, deve ter superado nossa história juntos. Se puder ficar para apenas voltarmos ao café com bolinhos, sente-se. Eu prometo não voltar a esse assunto! — ele garantiu, com um sorriso amarelo.
Aos poucos, ela sentou-se novamente onde estava. Puxou um assunto qualquer sobre o emprego de e tentou ao máximo não sair do tema. Não queria dar brecha para mais um momento como o que tiveram. Se ele ocorresse, talvez, ela não fosse mais tão forte assim.
— Sabe, você foi muito doido em sair quando te dei espaço! Eu fiz aquilo, mas não achei que você teria a coragem para tanto.
— Nem sei de onde eu achei que isso seria uma boa ideia para nós dois. Você realmente quer voltar a falar sobre isso?
— Quero. Pensei um pouco aqui e acho que precisamos dar um fim definitivo nisso... Se vamos realmente seguir em frente — ela confessou.
— Você já sabe que não quero dar fim a nada. Quero apenas recomeçar. Eu ainda te amo muito!
— Eu não sei se posso acreditar no que diz.
— Eu te dei espaço, depois do divórcio. Você aparentava estar tão decidida sobre não estarmos mais juntos que, mesmo contra a minha vontade, parei de te procurar e te dei o espaço que era necessário. Se eu soubesse que estaria aqui, viria do mesmo jeito! E, se não for o destino nos dando mais uma chance, eu não sei o que estamos fazendo aqui.
— É, você parece muito decidido e, por mais que eu ainda te ame, não quero me entregar novamente pare me magoar. — tinha acabado de admitir o que ela menos queria. Sentia-se vulnerável, após a revelação.
ficou mais que contente e aproximou-se mais ainda de onde a mulher havia sentado.
— Se é esse o seu medo, podemos recomeçar devagar... Sabe, como os adolescentes deveriam estar fazendo atualmente! — ele sugeriu, como se fosse fácil e óbvio.
, atualmente, os adolescentes conhecem estranhos na internet, trocam nudes e mantém relacionamentos à distância com pessoas que nunca viram direito. Você está maluco?! Eu não vou me fiar nisso!
— Eu sei que não, e, por isso, acho que a gente podia tirar essa parte de estranhos na internet e ficar só com o relacionamento à distância e os nudes — ele disse descaradamente. Se, antes, estava comedido em suas intenções, agora, não tinha a menor vontade de escondê-las.
, você está se ouvindo? Pelo amor de Deus! Eu não vou me submeter a isso! — começava a achar que o ex-marido estava louco de verdade.
— Tudo bem, então! Podemos ficar só com a parte de ir devagar e aproveitamos o momento juntos. — Ele sabia que, certamente, não atingiu um ponto mole no coração de sua amada.
— Não sei, não sei.
— Sabe, sim. Você mesmo admitiu que ainda me ama! Se nos amamos, por que não podemos ficar juntos? — É, o questionamento dele era válido. Ambos já eram mais que adultos e vacinados em relação ao amor. No entanto, os questionamentos que a própria tinha eram muito válidos também.
, eu não quero tomar essa decisão para me arrepender depois, então, não.
— Então vai dizer não e, depois, se arrepender de não ter nem tentado. Me parece que está sendo teimosa... — ele disse, ainda meio risonho ao ver que, mesmo rendida à situação, lutava como nunca.
— Eu não estou sendo teimosa, estou sendo sensata. — rebateu.
Se ele insistisse mais um pouco, ela não resistiria.
, não podemos continuar assim. Temos que pensar bem, porque, da última vez que fizemos algo assim, você sair de casa, foi doloroso para ambos. Não podemos passar por isso novamente! — ele disse.
— É verdade, mas, e se... — ainda estava cheia de dúvidas, porém com mais chances de aceitar a realidade de que queria estar com aquele homem novamente.
— E “se” nada, ! Só vamos viver o nosso amor e, se nada der certo de novo, ao menos, tentamos, e é isso que importa! — ele falou, aproximando-se mais ainda da morena.
Ao olhar dentro dos olhos verdes dele, viu verdade. Também viu um pouco de esperança. Talvez, tentar novamente não fosse uma má ideia. Não poderia ser tão ruim assim.
— Se você me magoar novamente, eu não responderei por mim, ! Eu juro que... — não deixou a mulher terminar nem de falar. Beijou-a como sempre quis fazer quando bateu os olhos nela durante a sua palestra. O beijo foi intenso e cheio de saudade com muitos toques de amor. Ao partirem as bocas, grudaram suas testas e acariciaram suas bochechas.
— E lá vamos nós de novo... — disse ao dar a mão a ele e tirá-lo daquele café. Algo nela dizia que eles precisavam procurar um hotel o mais rápido possível para tirar o atraso de todos esses anos em que estiveram afastados.
Não sabiam se daria certo, mas o amor que sentiam deveria bastar. Afinal, é isso que acontece quando se reencontra um amor de infância.

Fim




Nota da autora: (30/09) Oi gente! Esse foi o meu primeiro ficstape e estou muito contente por ter conseguido participar! Espero que você tenha gostado da fic!





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