Finalizada em: 20/09/2021

Capítulo Único

Meu corpo parecia estar em chamas. O calor pinicava meus braços, uma camada leve de suor cobria meu pescoço e escorria pelo decote do vestido muito caro que eu tinha escolhido para essa noite e que não combinava com a boate. Minha jaqueta havia sido esquecida em algum lugar e eu estava totalmente focada na música, na dança e em como a bebida tinha me deixado tão mais leve depois do dia que eu nem ao menos conseguia me importar agora. Eu estava flutuando, rindo e me sentindo tão bem que nada mais importava enquanto meu copo continuasse cheio.
Era bom não sentir nada. Era bom silenciar a mente, esquecer as dores e fingir que meus problemas não estariam ali quando o efeito do álcool passasse, e eu estava me segurando fortemente a essa ilusão o tanto quanto podia. Tinha ignorado ligações, fugido dos meus amigos e de qualquer coisa que me trouxesse de volta à racionalidade. Beatrice estava a ponto de me estrangular a última vez que a vi e Ethan e eu fizemos um show de gritos quando ele tentou me levar para casa.
Essa noite eu não queria ajuda, nem que tomassem conta de mim. Eu só queria deixar o gelo do meu coração me consumir por completo.
- Vou ao banheiro! – gritei para Sabine, uma das conhecidas que estavam comigo essa noite.
Ela nem sequer ouviu, ocupada demais em flertar com o dono da boate e garantir que a nossa conta fosse deixada na conta dele. Eu ri, pois era exatamente o tipo de coisa que eu também fazia. Respirei fundo, olhando ao meu redor para conseguir me situar e meu olhar desfocado avistou as placas neons que sinalizavam o banheiro do outro lado da festa. Me espremi entre a multidão de pessoas que dançavam e riam, acotovelando alguém sempre que precisava abrir meu caminho ou era empurrada. Levei uns bons minutos até chegar nos letreiros de neon rosa e, como eu já esperava, a fila estava quilométrica no banheiro feminino. O banheiro masculino, por outro lado, estava vazio. Sem pensar duas vezes, empurrei a porta do banheiro masculino e entrei na primeira cabine disponível.
Com a bexiga vazia e muito mais relaxada por isso, fui lavar as mãos e finalmente me olhei no espelho depois de uma noite turbulenta. A luz dourada do banheiro ficava ainda mais escura pelas paredes de mármore preto, amenizando o meu estado. Só que ainda era bem perceptível que eu estava uma imensa bagunça. Os cachos que eu tinha feito para o jantar beneficente já tinham caído e só as ondas bagunçadas tinham sobrado do penteado elaborado. Minha maquiagem estava quase intacta e não havia mais sinal algum de que eu tinha chorado no táxi até aqui, a não ser manchas secas quase imperceptíveis de lágrimas na minha bochecha. Meu vestido longo e chique estava precariamente amarrado em um nó que faria Donatella Versace ter um infarto se visse o que eu tinha feito com sua obra. Meus olhos estavam vazios e inexpressivos, dignos da rainha do gelo que eu era.
Só que rainhas do gelo não quebravam como eu tinha feito mais cedo.
- Acho que você está no banheiro errado.
Pelo espelho, olhei para a pessoa na porta atrás de mim e meu coração parou por um momento. Eu esqueci de respirar ao encarar o reflexo daquele rosto familiar e dos únicos olhos que conseguiam me enxergar de verdade. Assim como eu, ele estava usando roupa de gala, provavelmente vindo do jantar beneficente. Um sobretudo cobria seu smoking caro e um cachecol grosso envolvia seu pescoço para fugir do frio do inverno de Nova York. Não fazia o menor sentido a presença dele aqui e a minha surpresa estava estampada na minha cara.
- E acho que você está no lugar errado. – respondi, forçando minha voz a parecer mais firme do que estava. – O Lotte Palace é bem longe daqui, .
me deu um sorriso pequeno, passou a chave na porta atrás de si e enfiou as mãos nos bolsos, caminhando lentamente até mim. Eu odiava o frio na barriga que sua proximidade me dava, mas continuei impassível quando ele parou na minha frente.
- Ah, eu estava no Lotte Palace. Meu voo atrasou e eu cheguei na metade do jantar, minutos depois da sua saída, pelo que me disseram. – ele falou calmamente. – Mas seu primo Ethan me ligou pedindo para que eu viesse tentar controlar uma fugitiva bêbada e possivelmente autodestrutiva, então precisei sair mais cedo do que pretendia.
- Idiota. – revirei os olhos, me referindo a Ethan.
- Eu sei, foi o que eu disse. – ele umedeceu os lábios, arqueando uma sobrancelha. – Ninguém controla .
- Então por que você está aqui?
Por um momento pareceu que não sabia realmente o que estava fazendo aqui. Nosso relacionamento era complicado para dizer o mínimo. Na verdade, não havia relacionamento, não mais, pelo menos. Mas ainda existia alguma coisa e nós dois sabíamos e sentíamos isso, então era por isso que ele estava aqui.
- Porque é você, . – suspirou. – E eu sempre vou largar tudo e correr até você quando for preciso.
Meu coração apertou, o gelo incrustado nele derreteu um pouco. também era o único que tinha esse efeito sobre mim, o que era uma grande bosta, já que nós éramos basicamente uma versão moderna de Romeu e Julieta.
- Hoje foi um dia cheio e uma noite... – pensei na melhor forma de descrever o jantar beneficente, mas nada pareceu descrever direito o ódio e a dor que eu senti, então desisti. – Eu só queria fugir, Beatrice e Ethan não tinham nada que ter te acionado. Eu vou ficar bem, não preciso ser resgatada, .
- Mas eu vim te resgatar. – deu de ombros, indiferente. – Eu passei os últimos anos te vendo afundar lentamente e sozinha por escolha própria, . Mas eu estou farto de ver você se machucar e esconder o coração que eu sei que você tem.
Um sorriso sombrio cruzou os meus lábios.
- Um coração de gelo, pelo que eu sei. – arqueei uma sobrancelha. – Na boa, , volta para o jantar. Não sou responsabilidade sua para que você venha fazer a contenção de danos.
Tentei passar por ele, mas segurou o meu braço com delicadeza, me fazendo parar no lugar e ficar muito perto dele. Meu corpo reagiu inconscientemente ao seu toque e um calor confortável se espalhou pelo meu corpo. Seu olhar estava inabalável, fixo no meu.
- Você não tem um coração de gelo, . – disse tão firme que eu quase acreditei. – Nós dois sabemos que a Princesa de Gelo que te pintam é um personagem seu, mas nem de longe é quem você é de verdade.
Pisquei lentamente, não acreditando que depois de tudo ele ainda insistia em ver o melhor de mim. Eu, a pessoa que tinha partido o coração dele anos antes porque não consegui me deixar ser amada. Eu, que desisti de nós dois quando ele nunca desistiu. Eu, que o excluí da minha vida só para que ele não entrasse no caos que me acompanhava.
- Por que você continua insistindo em mim depois de tudo? – minha voz saiu em um sussurro que só não foi abafado pela música porque estávamos trancados aqui.
- Porque eu conheço a verdadeira . – segurou meu queixo com suavidade, me fazendo encará-lo. – E eu sei que você sente muito mais do que demonstra, só porque tem medo de se machucar e machucar alguém. E como você deve ter percebido, eu não tenho medo de me queimar por você.
Eu não conseguia me olhar no espelho e ver a pessoa que via em mim. O que eu via era uma mulher problemática demais que se apaixonou por uma pessoa incrível a qual com certeza não merecia. Os anos de terapia tinham me ajudado a melhorar a forma como eu me via e como eu lidava com meus sentimentos, mas ainda parecia surreal que mais alguém visse a verdade em mim. Fechei os olhos por um momento, incapaz de lidar com a luta travada no meu peito entre me esquivar mais uma vez e fazer o que eu realmente queria.
- Você disse que queria fugir dessa noite. – ele continuou, percebendo que eu estava muito perto de ceder. – Mas se for para fugir, que seja uma fuga digna de , não mal escondida e enchendo a cara em uma simples boate de Manhattan. Quer fugir comigo?
Abri os olhos e olhei diretamente para os olhos claros e sinceros que me fitavam com calma e paciência. Eu sabia que queria me ajudar e que mesmo depois de ter acabado de chegar de viagem e estar muito cansado, ele me levaria pra longe se fosse necessário. Também sabia que se eu dissesse que preferia ficar aqui e continuar enchendo a cara, ele iria ficar por perto para garantir que eu teria uma carona para chegar em casa segura. Eu não merecia de forma alguma esse homem, mas ele me amava mesmo assim e eu não sabia o porquê.
Eu estava tonta demais e bêbada demais, mas me senti completamente sóbria e consciente ao colocar minha mão em cima da dele. sorriu e beijou o interior do meu pulso com suavidade, provocando arrepios que desceram da minha nuca até a coluna, me fazendo sorrir verdadeiramente pela primeira vez no dia.
- Para onde você vai me levar? – perguntei.
- Pede para a Beatrice arrumar uma bolsa com seu passaporte. – sorriu enviesado, provavelmente pegando o meu olhar incrédulo.
- Passaporte?!
- Eu disse que seria uma fuga digna de , amor.
Alguns telefonemas e duas horas depois, eu estava enroscada na poltrona confortável do jato particular de , indo para só-Deus-sabe-onde. Beatrice tinha separado algumas roupas junto com meu passaporte e eu troquei o vestido chique por um conjunto de inverno extremamente confortável. não perdeu a pose e só tirou a gravata quando chegamos ao jato. Depois de muita água e comida, o efeito do álcool foi lentamente passando. Felizmente eu não era do tipo que vomitava as tripas em uma ressaca.
- Quer conversar agora? – perguntou depois de minutos em um silêncio confortável.
Puxei as pernas para junto do corpo e me virei o suficiente para ficar encostada na parede do avião, meio de frente para que estava na poltrona ao meu lado. Eu tinha tido um dia difícil e estava emocionalmente exausta, mas uma parte minha queria realmente falar sobre tudo que eu estava sentindo. A terapia tinha me feito perceber que sufocar e guardar só para mim o que eu sentia era um péssimo hábito e esse tinha sido um dos motivos pelos quais e eu não demos certo no passado. Traumas de antigos relacionamentos, daddy issues e uma tremenda dificuldade em expor meus sentimentos tinham me deixado uma vadia fria.
- Hoje era um jantar beneficente para arrecadar fundos para o tratamento de pessoas com câncer do Hospital St. Mary, como você já sabe. – enrosquei o dedo na corrente do meu colar, mexendo o pingente de um lado para o outro como sempre fazia quando precisava me distrair. – Uma forma de homenagear a minha mãe. Era o aniversário de 1 ano da morte dela, . Você sabe muito bem como o último ano foi difícil e eu acordei hoje só querendo que o dia acabasse, que fosse só mais um dia, mas tudo me lembrou ela.
Mordi o lábio para segurar as lágrimas que encheram meus olhos com a simples menção da minha mãe. Depois de anos na luta contra o câncer de mama, ela morreu em seu quarto na casa de Hamptons com o barulho do mar a acalmando e o sol brilhando forte apesar de ser inverno. Eu segurei sua mão o tempo todo e sei que ela morreu em paz, aceitou o seu destino e viveu cada segundo da sua vida. Tendo presenciado todo seu sofrimento ao longo dos anos e sem expectativa de melhora, eu tinha sentido um alívio horrível com sua morte. Seu sofrimento tinha acabado, era tudo que eu pensava. Mas mesmo assim eu me sentia culpada por sentir alívio por ela ter morrido. Esse sentimento de culpa me esmagava até hoje.
- E como se não fosse ruim o suficiente ter que lidar com esse dia, eu ainda precisei fazer um discurso para centenas de pessoas. Eu sei que organizei o evento e estou feliz que o dinheiro arrecadado vá ajudar muitas pessoas a não terem o destino que ela teve, mas foi extremamente difícil ver as fotos dela em todo lugar e não chorar enquanto falava tudo aquilo, . Eu pensei que estava pronta, mas não acho que algum dia isso vá se tornar mais fácil. – minha voz tremeu no final quando a fisgada de dor ficou mais intensa no meu peito.
puxou minha mão e entrelaçou nossos dedos, apertando forte como forma de me confortar. Seu polegar continuou a fazer carinho nas costas da minha mão e por um momento eu me concentrei só naquilo.
- Eu nem imagino como isso foi difícil para você, . – me encarou. – Vocês duas tinham um laço lindo e profundo, eu vi isso durante os anos que sou amigo do seu pai. E tenho certeza que sua mãe deve estar extremamente orgulhosa por você ter ido lá e discursado apesar de toda a dor que essa data te causa. Você foi muito forte e está sendo muito forte.
Tentei sorrir, mas não consegui. Ele devia imaginar que o motivo da minha fuga da festa que eu organizei não tinha sido só isso. Eu tinha conseguido lidar bem, tinha discursado sem chorar e estava pronta para passar o resto da noite cumprimentando as pessoas, agradecendo e sendo extremamente educada, não deixando transparecer nada que eu sentia. Meu apelido nas colunas socialites de Nova York era de Princesa do Gelo e eu era muito boa em honrar esse apelido.
- Estava tudo bem até que meu pai resolveu que hoje era a noite perfeita para apresentar a nova namorada para a sociedade. – a frase saiu amarga da minha boca. – Por que ele tinha que manchar essa noite levando a mulher que foi amante dele durante os últimos anos? A vadia com quem ele fodia enquanto minha mãe estava definhando em uma cama, esperando que seu marido saísse das supostas reuniões de trabalho para ir visitá-la!
Cerrei os punhos com raiva e dessa vez não contive as lágrimas de puro ódio que escorreram pelo meu rosto. Meu pai era um homem bom para quem o via de fora, era respeitável, caridoso e construiu um império do nada. O que ninguém sabia era que ele era um filho da puta que destruiu a mulher que o ajudou a construiu seu império.
- Eu a vi. – murmurou, apertando minha mão com mais força. – E imediatamente soube que esse tinha sido o motivo da sua fuga. Seu pai foi um canalha por levá-la para o memorial e mais canalha ainda por te fazer passar por isso.
Um sorriso maldoso curvou meus lábios para cima.
- Ele é seu amigo e sócio, . Xingar seus amigos não combina com você. – zombei, mesmo que não fosse engraçado.
revirou os olhos.
- Joseph deixou de ser um amigo quando eu descobri a verdade sobre quem ele era, . – sua voz tinha ficado gelada ao se referir ao meu pai. – E descobrir o mal que ele causou a você e a sua mãe. Agora somos apenas sócios.
- O fim da amizade de vocês não tem nada a ver com o fato de você ter fodido a filha dele? – provoquei, precisando desesperadamente fugir da conversa séria agora. Eu estava farta de chorar.
- Isso poderia ter sido um problema, mas felizmente eu e a filha dele somos muito bons em esconder. – respondeu, não se surpreendendo nem um pouco com a mudada de assunto, pois ele me conhecia o bastante para saber que eu fugia de qualquer coisa que me deixasse emocional demais.
Conheci em um coquetel, quatro anos atrás, assim que me formei na faculdade e no dia que ele e meu pai firmaram a parceria entre as suas empresas de tecnologia. Fiquei encarregada de fazer um tour com ele pela cidade e os flertes começaram quase que instantaneamente. Eu não dava a mínima que ele tivesse 38 anos, enquanto eu tinha 22 na época. Ele era sexy, engraçado e me deixava muito confortável. Quando eu fui trabalhar com ele na filial em Londres a pedido do meu pai, os flertes se tornaram algo mais e durante o ano que eu passei lá, nunca me senti tão feliz. Mas eu ainda era eu, cheia de problemas mal resolvidos e uma grande sabotadora. Nosso relacionamento era incrível, mas eu era o problema dele. E quando descobrimos que minha mãe estava doente, voltei para Nova York e tudo ficou ainda mais complicado.
Tentamos manter o nosso caso secreto apesar da distância, mas eu continuava a afastá-lo e me fechava ao redor do muro que ninguém podia penetrar. tentava, mas eu não queria arrastá-lo comigo para a bagunça que estava minha vida. Eventualmente eu o fiz desistir de mim, embora eu soubesse que ele nunca tinha realmente desistido.
- Eu senti sua falta. – admiti, me inclinando para perto dele. – Muita.
se aproximou de mim, encostando a testa na minha. Seu polegar escovou minha bochecha ainda úmida pelo choro de minutos atrás, mas ele não se importou com o rímel que não aguentou mais e manchou meu rosto e seu dedo. Ele simplesmente beijou minha testa com força. Fechei os olhos, me aconchegando como dava contra seu corpo.
- Eu também senti sua falta, . – confessou, voltando a olhar para mim. – Deus, como eu senti sua falta.
Passei por cima do braço da minha cadeira direto para o colo dele e não hesitou em envolver os braços na minha cintura e me apertar contra seu peito quando o abracei. Seu cheiro continuava o mesmo, uma mistura de madeira e algo fresco que sempre me deixava cheirando seu travesseiro quando ele acordava mais cedo que eu quando estávamos juntos. Eu nunca achei que desse para amar alguém tanto assim, mas eu tinha aprendido que dava, apesar de tudo. Eu era ótima em destruir as coisas que eu amava, mas nunca conseguiria acabar com isso. Eu não o merecia e sabia disso, mas em seus braços eu sempre esquecia disso, portanto só deixei o calor dele me inundar e acalmar a tempestade dentro de mim.
- Não me afasta de novo, por favor. – a súplica em sua voz quase quebrou o meu coração.
E com toda coragem que eu tinha de finalmente me deixar sentir de verdade, eu só pude assentir.
- Eu prometo.

❤️


Meus olhos custaram a abrir mesmo que eu já tivesse acordada há alguns minutos – pelo menos fisicamente, já que minha mente ainda estava processando tudo. Eu estava encolhida em uma cama fofinha, abraçando um travesseiro contra o peito que exalava o perfume de . As lembranças da noite passada finalmente se conectaram no meu cérebro meio adormecido e só assim que eu reuni coragem suficiente para abrir os olhos.
A luz inundava o quarto pelas portas francesas da varanda. O céu estava quase tão branco como a neve que eu podia ver cobrir o jardim e os picos de montanha ao redor. Empurrei os lençóis para o lado e pisei no chão de madeira frio, seguindo até a varanda só para ter certeza que eu estava onde achava que estava. Meu queixo caiu quando confirmei que realmente estávamos na casa que tinha nos Alpes Suíços em Zermatt. Porém, não havia sinal do dono da casa nesse quarto, além das roupas dobradas na poltrona do canto.
Assim que assimilei tudo que havia acontecido nas últimas 24 horas, meu cérebro voltou a funcionar prontamente e eu logo percebi que ter deixado me trazer para cá havia sido um grande erro. Por mais que eu quisesse no fundo do meu peito estar aqui com ele, eu sabia que era um erro. Não por ele, mas por mim, porque eu sempre acabava fazendo tudo errado e não queria fazê-lo sair machucado mais uma vez. No entanto, eu lembrava da promessa que eu tinha feito no avião. Tinha sido real e sincera, mas meu primeiro instinto ainda era correr.
- Eu posso ouvir você pensando que estar aqui é uma má ideia, mas não é.
Um sorriso automático ergueu o canto da minha boca ao ouvir a voz grave vindo da direção da porta. arqueou uma sobrancelha, o quadril encostado no vão da porta, os braços cruzados na frente do peito.
- Isso é irritante, pare de fazer isso. – o repreendi falsamente, mostrando a língua para ele.
riu baixinho e veio até mim, estendendo as mãos como um convite. Meu cérebro me mandou ficar onde eu estava, mas meu coração foi mais rápido e eu segurei as mãos dele, sendo puxada lentamente contra seu peito. envolveu minha cintura com seus braços, repousando uma mão na base da minha coluna.
- Eu preciso me antecipar quando se trata de você, então não, não vou deixar de ler sua mente. – murmurou, deixando seus lábios roçarem na têmpora.
Afundei o rosto no seu pescoço quentinho, inalando o cheiro amadeirado do moletom que ele estava usando. Meus olhos fecharam com força e eu decididamente esqueci que estar aqui era má ideia.
- Como você pode me deixar entrar na sua vida de novo, depois de todas as vezes que eu saí dela? – perguntei, sentindo ele estremecer por meu hálito ter feito cócegas em seu pescoço. Isso me fez sorrir muito.
- Porque eu sei que você só não fica na minha vida porque tem medo. – seus dedos escorregaram para dentro do blusão que eu estava usando, desenhando círculos preguiçosos na minha cintura. – Mas eu tenho coragem por nós dois. Uma vez eu te disse que estava disposto a lutar por você, . Isso não mudou. Eu estou pronto para lutar por nós, mas só se você estiver disposta a lutar também.
Eu não tinha argumentos contra isso. Eu lembrava bem do dia que eu liguei para ele bêbada, miserável e precisando do conforto que só ele me dava. estava em outro continente, mas só precisei ouvir sua voz para que a tempestade dentro de mim amenizasse. E ele tinha dito que lutaria por mim, mas que precisava que eu também lutasse por mim. Foi logo quando minha mãe descobriu o câncer, quando eu e ele terminamos e voltei para Nova York. Eu quebrei com essas palavras, mas foi por elas que eu também comecei a juntar meus cacos.
- Eu quero lutar por nós. – admiti, meu peito apertando por me sentir tão vulnerável. – Eu quero ser alguém que merece ser amada por você.
beijou meu ombro, apertando mais meu corpo contra o dele. Uma explosão de fogos de artificio fez meu estômago agitar e essa agitação fez meu corpo inteiro acender em resposta.
- Você já merece. – sussurrou, pressionando outro beijo, dessa vez na curva entre meu pescoço e o ombro.
Isso não era verdade, mas não me importei. Eu seria essa pessoa, eu iria lutar para ser melhor por nós dois.
- Eu estou com fome. – falei, quebrando totalmente a bolha que estávamos.
sorriu contra minha pele e se afastou o suficiente para me olhar.
- Vamos alimentar você então. É quase seis horas da noite, a propósito.
Arregalei os olhos, completamente descrente. Eu tinha dormido por mais de 13 horas! Eu não lembrava a última vez que tinha conseguido dormir por mais de 6 horas por dia.
- Como você me deixou dormir por tanto tempo? – questionei, muito surpresa.
Ele encolheu os ombros.
- Você dorme como pedra, . – isso era algo que eu não podia contestar. – E você parecia cansada, então deixei que você dormisse.
- Deus, Beatrice deve estar louca de preocupação!
Beatrice e Ethan eram os meus primos, mas nossa relação era quase como de irmãos. Beatrice era a neurótica, preocupada com tudo, Ethan era o que se metia em brigas por mim, mas também aquele com quem eu mais brigava. Eu os amava e sabia que eles iriam ficar felizes por saber que eu estava aqui com e não largada no banheiro de algum cara que eu conheci na boate, mas também sabia que Bea me mataria por não ter dado notícias.
- Eu avisei a ela que você estava bem e dormindo quando ela ligou algumas horas atrás para ter notícias suas. Ela pediu para que você ligasse de volta quando acordasse, só para ela se certificar que você está bem. – ele disse calmamente, mas com um leve humor na voz.
- E o que mais ela disse? – perguntei, sabendo que tinha mais.
Dessa vez ele não conseguiu conter o sorriso.
- Ela me falou “Foda a minha prima até colocar algum juízo na cabeça dela, por favor”. – ele citou, prendendo o lábio inferior entre os dentes para não rir.
- E o que você disse? – até eu estava me esforçando para não rir, pois conhecia Beatrice o suficiente para saber que ela tinha esperanças que isso acontecesse porque ela acreditava muito no poder de um sexo de recuperação.
- Eu disse que faria o meu melhor. – um brilho de malícia despontou no seu olhar.
A promessa no seu de voz enviou uma onda de expectativa diretamente para o meio das minhas pernas.
- Acho que podíamos deixar o jantar para mais tarde. – sugeri, deixando minhas mãos rumarem para dentro do moletom dele, enquanto beijei seu queixo.
Ele fechou os olhos, suspirando baixinho.
- Vamos ter um final de semana inteiro para isso, . – seus dedos apertaram meu quadril com mais força. – Mas primeiro vamos comer porque eu quero garantir que a noite seja longa.
E eu me rendi. Depois de um banho necessário, nos arrumamos e cuidou para conseguirmos uma reserva em um dos meus restaurantes favoritos de Zermatt. Com uma mesa bem diante das paredes de vidro que tinham vista para as montanhas cheias de neve, nós jantamos e rimos e conversamos sobre tudo que tinha acontecido durante os meses desde a última vez que nos encontramos. Era simplesmente fácil e natural como se sempre fosse assim e eu deixei que toda a saudade que eu senti dele fosse compensada em cada um dos sorrisos que eu recebi.
- Dança comigo. – sorri, estendendo a mão para ele.
olhou ao redor, não vendo ninguém dançando. Havia música ao vivo com piano e voz, mas não tinha ninguém dançando.
- Não tem ninguém dançando. – ele apontou.
- Eu sei. – dei de ombros, levantando da mesa para que ele tivesse que me acompanhar. – Está tocando minha música e eu quero dançar.
não gostava de ser os centros das atenções, o que seria obviamente o caso por começarmos a dançar aqui.
- Podemos ir para a sacada. – sugeri, indicando as portas abertas que davam para a sacada perto de onde estávamos.
- Vamos aproveitar que eu tomei vinho suficiente. – resmungou, deixando o guardanapo na mesa antes de levantar.
Sorri triunfante quando seus dedos entrelaçaram nos meus e o puxei comigo até a sacada. passou o braço ao redor da minha cintura e eu passei os braços ao redor do pescoço dele, o deixando me guiar.
- Eu amo essa música. – comentei, encostando minha cabeça no rosto dele.
- Não acho que conheço. – respondeu, girando suavemente comigo. – Mas é bonita.
A cantora estava cantando ‘till forever falls apart e a música se encaixava muito bem com o que eu estava sentindo por ele. Eu não era uma romântica, mas estava me sentindo piegas hoje devido ao turbilhão de emoções que era ter de volta na minha vida. O apertei com mais força, deixando um suspiro aliviado escapar pelos meus lábios.
- Você sabe que eu preciso mais de você do que eu demonstro, não é? – afastei o meu rosto para poder encará-lo. – Eu sei que eu bagunço tudo e te afasto quando estou assustada, mas... Nunca é porque eu não sinto o mesmo que você. Eu sou completamente louca por você e isso me assusta demais, mas eu estou tentando. Não vou ser a do passado, eu prometo.
piscou lentamente, mas não falou nada por algum tempo. Seus olhos escrutinaram meu rosto, meus olhos e por fim ele sorriu como se já soubesse disso antes que eu confessasse, o que com certeza ele sabia.
- Eu nunca duvidei disso. – garantiu, se inclinando para beijar a ponta do meu nariz. – Às vezes eu te conheço melhor do que você, , então sim, eu sei e acredito que você é completamente louca por mim.
Revirei os olhos, o fazendo rir.
- Você é presunçoso demais. – reclamei, não deixando de sorrir.
- Você me deu poder para agir como um babaca presunçoso, baby. – um sorriso malicioso tomou conta dos seus lábios. – Mas eu nunca usaria isso contra você.
- Fico muito agradecida. – bufei, como se isso não me convencesse.
- Vou te beijar agora, Princesa do Gelo. – ele disse, soltando uma mão da minha cintura, subindo pelo meu braço até encaixar suavemente na minha nuca.
- Já estava na hora.
Inclinei meu rosto na direção do dele no momento que abaixou o seu até mim. Sua boca encostou na minha suavemente, sem pressa, mas com intensidade. Era exatamente o tipo de beijo que começava calmo, mas terminava explosivo e me fazendo querer rasgar as roupas dele. Sua boca tinha gosto de vinho e seus dedos fecharam ao redor do meu cabelo, puxando algumas mechas entre eles. Um suspiro escapou pelos meus lábios e eu agarrei seu cabelo, ignorando completamente que poderiam nos ver claramente lá de dentro. Ele soltou um gemido baixinho quando minhas unhas cravaram em sua nuca.
- Agora você está tornando muito difícil esperar a sobremesa chegar, . – ele sussurrou, ofegante.
- Vamos pular a sobremesa. – um sorriso inebriado iluminou o meu rosto.
E foi o que fizemos. Nos apressamos em pagar a conta, corremos para o carro e chegamos no chalé aos tropeços. Ri contra seus lábios quando me embolei em tirar seu sobretudo e ele rosnou algum xingamento quando meu salto ficou preso no meu pé. Mas de alguma forma conseguimos chegar ao quarto, deixando uma trilha de roupas pela casa e consequentemente quebrando um abajur quando meu vestido foi arremessado as escuras. Nenhum de nós ligou para isso, pois quando minhas costas encontraram o colchão e o corpo dele deitou sobre o meu, só isso importava. Seus lábios exploraram cada pedaço do meu corpo, me reverenciando como se eu fosse sua coisa preferida. Formamos uma mistura intensa de gemidos e suspiros, emaranhados um no outro como se fosse o último dia de nossas vidas, embora eu nunca tivesse me sentido mais viva.

❤️


Ainda estava escuro quando acordei, sentindo falta do copo quente que tinha estado aninhado ao meu durante os últimos dois dias. Precisaríamos voltar para a vida real amanhã, mas eu não estava pronta para isso ainda. Pisquei lentamente, me acostumando com o escuro do quarto antes de levantar para procurar . O chão estava congelando, mas fui pulando de um pé para outro até encontrar as luzes do terraço acesas. Passando por um relógio na parede vi que era quatro horas da manhã.
O frio gelado de inverno me recebeu quando cheguei ao terraço e a camisa fina que eu estava usando para dormir não podia fazer nada para me aquecer. Cruzei os braços na frente do corpo, buscando com o olhar. Ele estava na jacuzzi, o cabelo molhado, o olhar perdido no céu ainda escuro.
- Ei. – chamei, atraindo seu olhar até mim. – Eu estou chateada por não ter sido convidada para o banho de jacuzzi de madrugada.
Ele abriu um sorriso, puxando o cabelo para trás.
- Não queria te acordar, mas fico feliz que você tenha acordado por si só. – arqueou uma sobrancelha. – Vem cá.
Eu não tinha certeza se estava pronta para entrar na água a essa hora, mas a julgar pela fumaça que subia da jacuzzi, lá estava definitivamente mais quente que aqui. Me aproximei da banheira e subi os degraus, colocando os pés na água, só então puxei a barra da camisa e a joguei no chão, sendo essa a única peça de roupa que eu estava usando. O frio me fez estremecer, mas foram os olhos azuis carregados de intensidade que me fizeram arrepiar. Afundei na banheira e me aproximei de , sendo puxada para seu colo assim que ele conseguiu me pegar.
- Oi. – ele me beijou, sorrindo.
- Perdeu o sono? – perguntei, me sentindo muito bem com a água quente contra minha pele.
- Sim. – assentiu lentamente. – Tenho muita coisa para resolver quando voltarmos para casa, não consegui dormir muito bem.
- A gente não pode simplesmente ficar aqui? – choraminguei, apoiando o queixo no ombro dele. – E se eu te sequestrasse?
riu.
- Eu ficaria de bom grado. – ele beijou minha têmpora. – Mas tenho certeza que em dois dias estaremos cansados de olhar só para cara um do outro.
Eu ri porque era verdade. Apesar da explosão de sentimentos e romantismo dos últimos dias, nós não éramos um casal meloso e alguns dias a sós era suficiente para ambos.
- Vou sentir falta do sexo qualquer hora que eu quiser. – reclamei, mordendo de leve o ombro dele. – Vamos ter que resolver isso, .
Inclinei a cabeça para trás para poder encará-lo.
- Eu ainda moro em Londres. – ele pontuou, cercando minha cintura com seus braços. – E você ainda mora em Nova York.
Assenti lentamente, sendo obrigada a encarar o problema que felizmente ignorei nos últimos dias.
- E ao me ver só existe uma solução. – escorregou os dedos pela minha coluna em um carinho que quase me fez ronronar. – Ou você se muda para Londres ou eu vou para Nova York.
Pisquei, descrente.
- Simples assim? – arqueei uma sobrancelha.
- Simples assim. – concordou, continuando a me distrair com seus dedos deslizando pela minha espinha. – Seria complicado e demoraria um pouco para me situar em Nova York porque Londres é a sede principal da empresa, mas eu poderia fazer isso. E caso você queira ir comigo para Londres, você também não teria problemas. Poderíamos facilmente trocar você de lugar com o diretor de engenharia de software de Londres, já que você tem mesma função que ele em Nova York. Muita gente ficaria feliz em vê-lo indo embora. Ele é um gênio, mas não tem a melhor personalidade.
A ideia me pareceu tão boa que eu estava esperando algo dar completamente errado. Nova York não era meu lar e os únicos que me prendiam lá era Beatrice e Ethan que ficariam mais do que felizes em me ver feliz. Eu facilmente me via de volta em Londres, onde passei o melhor ano da minha vida e não só porque eu estava com .
- Eu ficarei mais do que feliz em trocar de lugar com Charles. – decidi rápido assim. – Eu sempre gostei muito mais dos happy hours com o pessoal de lá, para ser sincera.
sorriu, me puxando para um beijo que me tirou completamente de órbita. Seu peito esmagou meus seios com a força com que ele me segurou e o beijo foi suficiente para a região entre as minhas pernas latejar, antecipando mais uma rodada de sexo pesado como tinha sido frequente nos últimos dias.
- Eu te amo para caralho, . – ele sorriu, segurando meu rosto entre as mãos.
- Eu espero que sim, já que eu estou me mudando para Londres por você. – brinquei, mordiscando seu lábio inferior. – Mas eu também te amo, .
Ele me beijou novamente e dessa vez não parou. O coração de gelo tinha derretido completamente e eu estava pronta para isso. Eu me tornaria merecedora desse homem e aprenderia lentamente a lidar com todos sentimentos que eu ainda não conseguia. Não tinha nada que eu queria mais que nós, então eu lutaria por nós, como ele sempre lutou.



Fim!



Nota da autora: Eu estou extremamente romântica ultimamente, então essa música mereceu uma fic extremamente melosa. Espero que gostem tanto quando eu gostei. Não deixem de falar o que acharam, hein? Beijos!

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Nota da beta: Meu Deus, eu amei como você passou tudo dessa música perfeita pra história! Eu amei esses dois, esse pp é tudo, eu tô apaixonada! Sério, é tudo que eu esperava para essa música que tanto amo, tô com o coração saltando de alegria hahaha eu amei demais mesmo 💙

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