FFOBS - 02. Here, por Rai Perosini

Postada em: 07/01/2017

Capítulo Único



Dia 0
Ou prólogo ou breve introdução



Antes de mais nada, preciso dizer que essa história começa há muito tempo. Não sei exatamente há quantos anos, mas desde que me lembro como gente minha família tinha esse certo tipo de “tradição” em que todas as férias do meu pai íamos para um lugar chamado Motirõ, no interior do país Minas Gerais, onde a palavra roça tem o verdadeiro sentido.
E como isso começou? Bem, meu pai tem um pai de consideração e que eu sempre chamei de vô, mesmo que hoje em dia ele seja meu padrinho (já que meu batizado foi aos 10 anos de idade), e a família inteira vem desse pequeno pontinho – que eu nem sei se realmente é – localizado no mapa. Então passamos a ir para esse lugar, quase todo janeiro, e eu passei a colecionar histórias.
Claro que na minha infância era legal, já que eu fui filha única por 10 anos e lá tinha uma penca de crianças da minha idade (ou quase) para brincar. Mas hoje em dia? Ah, hoje em dia…
Vamos trabalhar com alguns fatos, mesmo que eu seja um pouco perdida no tempo, há pouco tempo atrás até tinha energia na “cidade”, mas na roça a energia a noite vinha dos moinhos. Televisão? Só de noite e olhe lá. Água gelada pra beber? Água quente pra tomar banho? Sonhos. Internet? Sinal de celular? Comunicação com o mundo exterior? Utopia. Então chegou aquela linda fase da vida que eu não queria abrir mão da tecnologia, viajava porque era menor de idade e era obrigada a ir. E sabe as crianças que brinquei na infância? Sem contato, o que sobrou foi só o aperto de mão e um “oi, tudo bom?”.
Agora imagina como foi voltar aos 21 anos de idade, só imagina, eu espero.
Imaginou?
Então agora podemos continuar. Senta aqui que vou te contar uma história – que eu espero ser – legal sobre a minha vida, mas aperte o cinto porque a estrada tem muitos buracos.

Dia 1
Ou o dia da missa do Padre Mauro ou o dia que me apaixonei


O primeiro dia começa com “caralho, eu não quero ir”, mas também com um “eu vou, mas só porque não quero passar 4 dias sozinha”. Então eu fui. No entanto, fica aqui uma dica pra você que ama viajar, porém, não gosta tanto assim do destino: vá sem expectativas, de verdade.
Eu fui sem expectativa nenhuma, Deus sabia que eu estava levando um livro, o kindle com outros 50 e rezava para isso dar certo, pelo menos.
Saí de casa meio dia, meu pai em um carro e meu padrinho com a caminhonete. Éramos 7 no total e, somando as paradas no meio do caminho, chegamos no Motirõ um pouco depois das 4 da tarde. E mesmo que meu padrinho jurasse de pés juntos que eu não iria, fui, e o melhor: tentei ser a mocinha mais simpática que todas aquelas pessoas já viram. Mas só tentei mesmo, falhei na mesma intensidade que tive força de vontade. Pra mim era meio difícil cumprimentar todo mundo, sorrir, ser gentil, a timidez me fazia uma antissocial às vezes. Só que tinha uma coisa que era engraçada: quando você só sorria e falava oi, tinha pessoas que nem se importavam em apertar a sua mão, e o engraçado sobre isso? Achava seriamente que elas me odiavam, mesmo sem motivo para tal. Mas obrigada, mente, a senhora tá de parabéns.
E gostaria de reforçar algo aqui, antes que comece a polêmica sobre o famoso toma um cafezinho em plena Minas Gerais, longe de mim generalizar esse país tão bonito, mas pelo menos no Motirõ, em todas as casas que eu fui – TODAS, sem exceção –, me foi servido um café com bolacha ou bolinho, ou broa (e sim, foi doloroso pra uma carioca escrever bolacha aqui e, de novo, não estou generalizando a bolacha em MG porque já soube que BH fala biscoito).
Voltando, fiz o tal lanchinho, dei uma volta por ali (que não é grande, afinal, dá nem pra se perder) e como era dia de Finados, o Padre da cidade estava celebrando três missas aquele dia. Três. Missas. Então ok, fomos nós para a missa das 7 e eu mal tinha colocado os pés na Igreja quando o padre gritou lá na frente.
– Eu quero todo mundo aqui na frente. – Ótima recepção, senhor.
Entretanto, a reputação do Padre Mauro já não era muito boa, era um senhor de 86 anos que gostava de dar broncas, fazer perguntas sem sentido (elefante tem alma?), mandar todo mundo – sem brincadeira – para o inferno e só naquela noite mandou as pessoas ajoelharem três vezes. Fora que ele andava como um bonequinho, fazia missas que duravam entre 26 minutos e 1 hora e meia, não tinha paciência nenhuma e a população já tinha mandado uma carta até pro Papa.
Foi uma noite difícil, voltamos para a casa da Tia Margarida, onde nos hospedávamos fazia alguns anos, e deixe-me contar algumas coisas sobre a casa da Tia Margarida: a cozinha, pelo menos quando vou lá, sempre está lotada. Ela tem 6 filhos (se é que contei certo e não esqueci de ninguém) e não vou nem me dar o luxo de contar os netos, mas quando vou lá encontro quase todo mundo. Contando também com o fato de que as pessoas se visitam o tempo inteiro, seja pra bater um papo, tomar um cafezinho, passar o tempo. Era comum entrar na cozinha e ver gente nunca vista antes, mas percebi naquela noite que também era comum entrar na cozinha e não reconhecer pessoas.
Ainda mais o possível amor da sua vida, o garoto mais lindo que você já viu e o personagem principal dos seus futuros sonhos.
Isso com todo o perdão da palavra dramatização.
A verdade, no entanto, foi que voltamos da Igreja eu, meu pai, minha mãe, minha irmã e meu padrinho, rindo e comentando sobre como era tenso passar por aquele tipo de situação, mas era totalmente cômico. Meu pai parecia uma criança comentando sobre como o Padre era – ele pediu muito perdão por isso – um verdadeiro filho da puta e que era para ele enfiar a pergunta sobre quanto tempo durava um casamento no cu. Quando chegamos em casa e ele abriu a porta da cozinha, tampando a minha visão sobre quem quer que estivesse sentado no banco extenso de madeira encostado na parede encardida.
– Olha ele aqui! Lembra de mim, ? – ele perguntou e cumprimentou o garoto, mas quando saiu da minha frente foi como se eu tivesse levado um soco.
? Quem é ? Vasculhei minha mente tentando me lembrar se era alguém dali ou era visita. Nada. QUEM CARALHOS É VOCÊ E POR QUE É TÃO LINDO? Eu estava literalmente desesperada quando estendi minha mão enquanto um olhava para o outro e eu tentava parecer uma civilizada, e não uma pessoa que se jogava no chão, dizia que ele era a pessoa mais linda que já tinha visto na vida, chorava (por todos os lugares), então se levantava, sorria e dizia “esqueça que eu existo”.
– Oi. – Sorri.
– Oi. – Ele respondeu sério.
Um breve aperto de mão, não treme, continua firme, pega o pratinho e vai jantar; tu não estava com fome?
Foi isso que fiz, peguei meu prato e me sentei onde ele estava sentado, já que ele tinha levantado para arrumar o próprio prato. Em terra de cozinha lotada, um pedaço do banco vazio era pra mim.
Mas a verdade era que certos olhos castanhos não sabiam quem era mais interessante, eu ou o chão. E aquilo – na perspectiva da noite – foi a coisa mais adorável das últimas horas em terras mineiras, ele encostou no fogão de lenha, exibindo toda a boa forma e o quanto ele parecia delicioso de perfil. Meu pai ainda falava sobre o padre e ele comentava coisas que presenciava também, eu queria ter entendido o que ele falou, mas na hora eu estava mais preocupada em analisar a barba perfeitamente desenhada, o nariz um pouco maior, o corte de cabelo – que já estava batido, mas nele ficava bem bão – e o sorriso. Deus abençoe aquele sorriso. Ele na maioria do tempo estava sério, mas quando sorria… Era como se a cozinha inteira se iluminasse e eu me via sorrindo também.
– Mãe, quem é? – perguntei para a senhora ao meu lado, quando ele se enfiou pela casa.
– O , , você não lembra? O filho do Carlos.
Quê? Lembro não, ele tá tão diferente.
Naquele momento eu nem lembrava que Carlos tinha mais um filho além de Beatriz, mas dei graças aos céus que sim.
Doeu quando ele saiu pela porta em direção à noite, mas ninguém precisava saber, então escovei os dentes, coloquei o pijama e fui dormir.
Provavelmente meus pensamentos depois daquilo se resumiam a como eu era capaz de me apaixonar – ou talvez o nome disso seja atração? – em apenas alguns minutos. Tentei escrever todos os adjetivos que cabiam nele e aquela noite, senhoras e senhores, eu sonhei com o maldito a noite inteira.

Dia 2
Ou o dia que visitei minha sogra, ou o dia que te compreendi
(ou o dia que quis abrir um buraco e me enfiar)


Tinha algo sobre aquela sexta-feira pós-feriado que trazia uma antecipação que não era pra existir. Sem expectativas, lembra? Mas eu era expert em me auto sabotar. Até então, só sabia que íamos visitar o Carlos depois do almoço e lá no fundo eu esperava que encontrasse aquele bendito por lá.
Porém, eu deveria saber que essa viagem daria muito na minha cara, ainda mais aquela manhã quando eu e minha irmã levantamos da cama, tomamos café e fomos atrás dos nossos pais que estavam na casa de não sei quem reformando cadeiras. E eu sabia onde ficava a casa de não sei quem, só tinha que andar um pouquinho e subir uma ladeira, que já foi palco de muitos pesadelos, inclusive. Mas fomos, ficamos lá, meu pai levou minha irmã pra comprar queijo, eu continuei sentada na casa da dona porque ela tinha me oferecido café e eu sinceramente precisava de uns 30 copos de café pra, de fato, acordar.
Só que nada me preparou pra quando saí e encontrei os moleque na rua, nada me preparou pra quando desci o morro e subiu de moto, olhando dentro da minha cara e acelerando em seguida. Nada me preparou. E eu quis descer o morro rolando porque eu tinha ido até ali de chinelo e meia, uma calça saruel vermelha que já tinha saído de moda há muito tempo e uma camisa da Superwoman.
Francamente, já podiam me delatar pra polícia da moda. Mas se ali não existia nem polícia pra dar uma dura nesses moleques que só andavam de moto sem capacete e bebiam adoidado durante a noite, imagina pra me parar por parecer uma mendiga…
Nada me preparou e novamente eu estava colocando em prova aquela tese de que você tem que ir até na padaria do lado da sua casa bonitinha porque vai que você encontra o amor da sua vida, né?! Vai que.

Existia uma coisa sobre quem morava na roça – roça roça mesmo – que funcionava como um legado. O casal se mudava para essa propriedade imensa no meio do nada, montava um gado, uma horta, plantações, a casa do queijo, o galinheiro, o chiqueiro, etc etc etc; então criava os filhos, se viesse um menino, ele ajudaria no gado, se viesse uma menina, ela ajudaria dentro de casa.
Mas as crianças cresciam, os negócios também, mas aquelas mesmas crianças tinham ambições que muitas vezes não eram a de continuar o legado.
Talvez fugiam das responsabilidades porque tinham outros objetivos, talvez era puro ato de rebeldia depois de terminar o ensino médio e pela primeira vez na vida querer respirar. E por que eu tô falando isso? Porque vi vários deles se mudando para a cidade, saindo dali todos os dias para estudar em outro lugar, arrumando um emprego e conseguindo estabilidade bem longe dali. Eu vi um deles feliz da vida por ter aberto uma barbearia em uma cidade próxima (o que me fez sorrir genuinamente).
E aquele dia não estava em casa, o pai tinha ido com a filha mais nova – de apenas 9 anos – para levar os bezerros até um sítio, a outra vó estava quase entrando em um colapso porque o netinho não apareceu e a mãe já até tinha desistido da cria. Por hora. Ainda se irritava porque Beatriz cuidava mais do gado com o pai do que o próprio , dizia que o menino veio primeiro pra ajudar o pai e a menina para ajudá-la no serviço de casa. Os homens tiravam leite (agora automatizado), as mulheres faziam queijo e manteiga. Era assim a divisão de tarefas, mas algo ali estava errado quando queria viver dos bicos que fazia bem longe de casa, ajudava pouco e deixava todo mundo de cabelo em pé. Mesmo que ele tenha comprado alguns bezerros em algum leilão pouco tempo atrás e isso deixou a mãe com muito orgulho.
não gostava mais de andar a cavalo, se pudesse fugiria das obrigações até quando pudesse e a vida com os amigos não lhe parecia tão dura assim. Eu inclusive queria ter escutado quando ele falou o que realmente queria fazer da vida alguns dias depois, mas usem a imaginação aqui.
Então, aquela tarde, que fomos de caminhonete pelos longos quilômetros até a casa deles, eu senti toda a nostalgia que aquele lugar – exclusivamente – trazia. Era longe pra caralho, mas me lembrava de segurar Beatriz no colo e me lembrei de fazer queijo nozinho com . Ele era mais novo que eu, claro, deveria ter uns 9 enquanto eu tinha 12. As memórias com ele em si eram bem precárias, porém, não faziam jus ao homem que era agora.
No entanto, haviam coisas que nunca mudavam: os pais dele ainda me adoravam, “vem aqui sempre que quiser”, perguntaram tudo sobre mim e demonstravam interesse. A mãe dele, além do mais, foi a primeira a me achar no Facebook. Foi maravilhoso sair de lá com a sensação de que ainda era querida por ali, mesmo que não tivesse a presença do dito cujo, foi um longo processo de junção de informações e interpretação. Eu não sabia exatamente o que de fato acontecia com ele, mas por um instante o compreendi.
Ele não parecia mais pertencer àquele lugar, assim como eu que não queria estar exatamente aqui e me perguntava what the hell am I doing here? Uma pequena referência a Radiohead no meio do nada era de fato reconfortante.
Mas antes do fim da tarde tanto eu quanto meus pais queríamos ir embora, tomar um banho enquanto tinha sol – já que estava um pouco frio – e descansar um pouco, era meio cansativo. Porém, enquanto tomava sol para me aquecer, sentada na beirada da varanda reformada e observando a natureza para todos os lados, fiquei me perguntando o que Marcelina acharia se eu a chamasse de sogra. Acabei rindo sozinha com meus pensamentos, que idiotice!

Em casa, de banho tomado e lendo meu livro, eis que a tia Margarida chama minha mãe para assistir à missa com ela de novo, e como ela estava com os pés inchados, meu pai se ofereceu para levar de carro. Pra não ficar sozinha em casa, eu me ofereci para fazer hora com o meu pai, já que minha irmã ia para a cidade com meu avô.
Então, senhoras e senhores, aconteceu algo que eu também não esperava nem em um milhão de anos.
Ficamos eu e meu pai na casa do Seu José, um senhor que morava perto da Igreja e por isso dava para a gente ficar de olho em quando acabasse a missa. Até aí tudo bem, mas tinha uma neta na casa do Seu José, que se chamava Karen, e ela provavelmente foi a melhor amizade que fiz por ali nos últimos tempos. Ficamos conversando e ela gentilmente perguntou se eu estava com o celular em mãos, depois de explicar como funcionava a internet por ali, sem contar que a vivo não estava morta afinal, isso só acontecia no meu celular. Porém, naquele momento eu tinha deixado o aparelho carregando em casa e ela sorriu “eu tô com dó de você, aparece lá em casa amanhã então que te passo a senha do wifi”.
Claro que eu ia aparecer na casa dela amanhã, isso depois de voltar da roça e já tinha até avisado a ela.
Por isso, voltei para casa com aquela sensação boa de que algo tinha dado certo no fim do dia e aquilo já era algo para ser comemorado.
Entretanto, quando me vi largada na cama de novo com o livro na página 87 e refletindo sobre aquele feriadão, talvez estivesse aonde deveria estar, passando por uma pausa do mundo que eu sequer sabia que precisava. Às vezes é bom se desligar de tudo por alguns dias e tirar um tempo para ficar longe do notebook, computador, celular… Era uma realidade diferente, mas renovadora. Mesmo que em certos momentos eu desejei ter ficado em casa sozinha, com as pernas pra cima assistindo série na Netflix e vivendo de miojo ou qualquer coisa que fosse rápido de cozinhar.
– minha irmã chamou a minha atenção –, eu acho que nunca vi a cozinha tão lotada como agora. Tipo, tá todo mundo aqui.
Então ela listou as pessoas e estava no meio, eu arregalei os olhos e minha mente gritava.
?
– Eu preciso ver isso. – Sorri, largando o livro pra lá e indo em direção à cozinha, parando na abertura do cômodo e me apoiando na parede.
Parte das pessoas estavam jantando, outras só estavam sentadas, rindo e conversando. Mas , lá no cantinho, aquele pedaço de beldade, estava descalço enquanto comia naquele famoso estilo mineiro: com o prato na mão. Os chinelos estavam debaixo da cadeira do meu avô, vestia uma bermuda e um moletom cinza. Tinha a cabeça baixa, mas ainda prestava atenção nas conversas ao redor porque eu ainda assistia os breves sorrisos, quando ele olhou em minha direção, e mesmo alheia àquilo tudo estava sorrindo também, então ele ficou sério e voltou a sua atenção para a comida.
Foram questões de minutos antes dele colocar os chinelos, lavar os pratos, encostar no fogão de lenha novamente, bem de frente pra mim (será que eu estava parecendo uma maníaca observando demais?). Deus, me ajude! Ele passou as mãos pelos fios lisos e castanhos, como se precisasse arrumar aquele maldito cabelo bom, levantou o rosto para mim e em câmera lenta dei espaço para que ele passasse por mim. Aquele perfume amadeirado masculino que me dava uma vontade imensa de colar o nariz no pescoço dele, era um pouquinho mais alto que eu e lá se foi o meu fôlego quando ele entrou na porta que estava ao meu lado, entrando no quarto da avó dele – a tia Margarida –, que estava sentada na cama descansando os pés.
Tentei manter a atenção no que acontecia na cozinha, mas foi inevitável não dar umas olhadas para trás, onde aquele corpo bronzeado pelo sol forte estava largado em sentido transversal, conversando com a avó como se fossem melhores amigos. Aquilo aqueceu meu coração de uma maneira que eu não soube explicar, ele ainda era ligado a família e era tão bonito de se ver que quando pensei o quanto ele foi esperto por ter deitado daquela maneira e mantido o olhar em mim, me fez querer entrar ali só para dar uns tapas na cara dele e depois beijar.
– Senta aqui, vamos conversar – tia Margarida falou e eu demorei um pouco para me situar.
Ela estava mesmo me chamando para entrar naquele quarto e sentar do lado do neto dela e conversar? Agradeci a todos os santos pelas minhas bochechas vermelhas de sol, porque eu sentia meu rosto queimar naquele momento.
Maldita timidez, eu realmente queria sentar ali e encarar de frente, mas o meu corpo não se movia, além do sorriso que surgiu e falei um “não, obrigada” na melhor forma que consegui.
Será que era muito tarde pra virar um avestruz, cavar um buraco e enfiar minha cabeça ali?
Quis sair dali correndo, mas fui incapaz de tirar os olhos de , que mostrou as mãos para a vó e falou que “tava feio”. Sinceramente, não tinha nada feio ali, inclusive minha mente foi longe com aqueles dedos. Porém, tive que acordar dos meus pensamentos quando ele se levantou e passou por mim novamente, saindo dali e sumindo com a moto.
Levando toda a minha sanidade e dignidade junto.
Dois dias sonhando com a mesma pessoa é muito exagero da minha parte?

Dia 3
Ou o dia que eu realmente não quis estar aqui


Um dia de merda começa quando você acorda no pulo às 6 horas da manhã… Pra que acordar tão cedo pra visitar alguém num frio do inferno? Me digam! Mas era isso, acordamos tão cedo porque íamos à casa do Paulo aquele dia, um dos 6 filhos, e estávamos levando 32 sacos de braquiárias. Aqueles que minha irmã foi com o meu avô buscar na noite passada.
Então tudo bem, chegamos lá um pouco antes das 8, passando com uma caminhonete imensa por uma estrada que me dava arrepios. Mas chegamos lá e estava tão frio que fiquei me perguntando por que não fiquei dormindo quando tia Margarida falou “poxa, as duas mocinhas vão me deixar hoje?”.
Fica aqui o meu mais sincero lamento: eu queria ter ficado, tia Margarida.
Depois que andei por quase toda a extensão da casa e arredores, sentei no sofá e voltei a ler o meu livro, enquanto minha irmã assistia aos desenhos que passavam no SBT no sábado de manhã. Entrava um vento desgraçado pela porta e janela aberta da sala, estávamos uma encolhida na outra quando a Elena, esposa do Paulo, surgiu com uma manta e fechou tudo.
– Aqui venta bastante, podiam ter fechado a porta – disse sorrindo e eu respondi com um sorriso amarelo, quando ela voltou para a cozinha e eu voltei à minha leitura.
Era pouco mais de 10 horas quando apareci na cozinha varada de fome, tinha tomado café 6 e pouco e comido algumas rosquinhas, mas ali na minha frente tinha queijo nozinho e bolinhos salgados. Literalmente me senti no paraíso, principalmente quando minha mãe colocou os queijos em um espeto e assamos no fogão de lenha igual norte-americanos torram marshmallows na fogueira. Aquilo sim foi um orgasmo gratuito oferecido pelo queijo.
Voltei para o meu livro até mais feliz. E deixa eu te contar algo curioso sobre a roça, elas demoram 3 horas para fazer o almoço, sem brincadeira. Eu juro que começaram a fazer o almoço um pouco depois que chegamos e ele ficou pronto era quase meio dia. Mas o que queria dizer era que a minha manhã se resumiu em ler, sentir frio, comer, tomar sol quando ele apareceu, ler, comer…
Mas depois do almoço tivemos que visitar mais um dos filhos e ficamos até o lanche que saiu próximo às 3 da tarde.
Depois que voltamos ao “arraial” – como meu pai chamava –, eles foram fazer “reizinho” (ou seja, visitar todo mundo) e eu decidi ir para a casa da Karen. Minha irmã quis ir junto porque ela não queria passar por aquilo também e, assim que chegamos lá, a primeira coisa que Karen fez foi me dar a senha do wifi.
Foram longos momentos apreciando todas as mensagens que chegavam, notificações e tudo mais, quando surgiu um garoto na janela e meu coração perdeu o compasso quando olhei pra ele e eu literalmente vi parado ali. Ele acenou sorridente e eu vi que era muito parecido, mas não era ele.
– Vocês que são Larissa e Tatiane? – perguntou para minha irmã e para mim.
– Não? – minha irmã respondeu e eu sorri.
– Você que é o Pedro? – chutei um nome e ele franziu a testa, antes de sorrir pra mim.
Como você adivinhou?
Eles tinham uma mania irritante de carregar o cigarro na orelha e achar isso cool. Bem, pra mim não era.
Mas depois nos apresentamos corretamente e descobri que o nome dele era Kevin. Pois é, eu não ia acertar nunca.
Quando deu 5 horas da tarde eu já estava me sentindo péssima por estar lá só usufruindo da internet, enquanto Karen tinha sumido pra dentro de casa. Dei um grito nela e ela apareceu com a tia, estavam conversando e ela pediu mil desculpas por isso. Absolutamente a pessoa mais adorável daquele lugar. Então avisei que estava louca pra tomar um banho e que a gente podia se ver de novo à noite, pra ficar batendo papo na praça ou sei lá, não tinha muita coisa pra se fazer ali, além de sentar lá e conversar com os cachaceiros que batiam ponto ali todo dia. (Ainda me lembrava da zoeira dos meninos sobre o sangue ser Álcool positivo).
Enfim, fui para casa pensando que a noite seria mais legal e não mediana, como foi o dia inteiro.
Tomei um banho e tirei um cochilo, acordei um pouco depois com um cobertor em cima de mim e uma camisa branca estendida em cima da porta para que ela fechasse sem ser por dentro. Até que eles chegaram era 7 e pouco e a janta ficou pronta perto das 8. Jantei e a minha irmã estava animada pra voltar pra rua, então fomos.
Encontrei a Karen no meio do caminho e nos sentamos na praça, ela me apresentou 3 garotos que tomavam alguma bebida que eu ainda tenho minhas dúvidas sobre ser gasolina ou guaraná com cachaça. Não duvidava de nada vindo deles, mas logo me passaram a senha do Guilherme, que morava em cima da praça, e fiquei alheia à conversa enquanto eles falavam sobre o Enem, que aconteceria no dia seguinte.
Karen ainda conversava comigo animada, até aparecer uma Vanessa que tinha os olhos extremamente azuis e os cabelos loiros e parecia garota propaganda de alguma loja de surf com apenas 15 anos. E sinceramente? Eu não gostei dela. Depois de alguns minutos de conversa, minha mais nova amiga foi encontrar o boy e pediu para Vanessa ficar comigo e adivinhem? Ela foi parar no meio dos meninos, que agora já eram 4 com a presença do Kevin e eu sabia que estavam vindo mais.
De repente eu queria desesperadamente sair dali porque uns fumavam, outros bebiam e eu não era amiga de ninguém, ninguém ali se importava, então o que caralhos eu estava fazendo ali no meio?
A luz do fim do túnel apareceu quando minha irmã disse que estava com sede e falei que podia levar ela pra casa, depois voltaríamos. Avisei isso a Vanessa – mesmo não querendo, não que isso importasse pra ela – e os meninos que estavam ali, dizendo que logo voltava.
Logo…
Andei com ela até a estradinha escura e deserta (e segura!) que levava a casa da tia Margarida, quando alguém desceu de moto pela rua de cima e olá, . Ele estava indo em direção à praça, eu sei que estava, mas fez a curva e passou por nós duas, fazendo graça com a moto na minha frente (em vez de oferecer uma carona, seu mal educado. Só perdoei porque estava com a minha irmã). E com fazer graça eu quero dizer: ele estava claramente se amostrando.
– Acho que combina com a Vanessa – minha irmã chamou a minha atenção e eu olhei para ela com uma careta nada agradável.
– Você tá louca? Não.
– Ah, eles combinam.
– Cala a boca, Rebeca.
Então mudei de assunto porque não era obrigada, chegamos e lá estava a moto parada em frente, entramos na cozinha e estava o bonito sentado no banco. Fuzilei-o com os olhos, quando meu padrinho direcionou as palavras a mim.
– Arrumou um namoradinho por aí? – perguntou rindo e ainda me encarava, quando um milhão de respostas mal-educadas passaram pela minha cabeça.
Eu não preciso de um namoradinho, ainda mais aqui.
– Eu não – respondi, indo até o quarto para respirar, porque de repente aquela cozinha ficou pequena demais.
Ela não arruma nem no Rio – falou Rebeca e eu quis matá-la.
Se eu ainda estivesse na cozinha ia fazer ela engolir a porra do copo com água e tudo, mas não estava e respirei fundo, me enfiando no banheiro e contando até mil.
Saí de lá e fui tomar um copo de água, enquanto minha irmã esperava sentada em um dos bancos e ainda continuava no mesmo lugar.
– Seu pai tá te esperando com a correia de molho, – meu padrinho brincou e eu ri.
Me virando para observar o cidadão que massageava o pescoço com a cabeça baixa.
– Ele fica muito bravo quando você passa muito tempo aqui? – perguntou depois.
– Fica um pouquinho – ele respondeu e eu sorri, lavando meu copo e colocando no lugar de novo.
– Vamos? – minha irmã questionou e eu balancei a cabeça.
– Calma – eu estava ali encarando a fera bem de frente – literalmente –, sossega o facho.
Então tia Margarida apareceu e eu me encostei na porta da pequena dispensa, queria ouvir a conversa sobre o que queria da vida, mas precisava prestar atenção na tia.
– Por que vocês não vão na casa da Vera? Lá tem o wifi do Murilo. Sabe onde fica?
– Sei sim, é a casa de baixo, né?!
– Sim, é a de baixo.
– Mas eles não moravam na de cima?
– Sim, mas agora tão em baixo, a casa ficou muito bonita, você vai gostar.
Olhei para o lado sem querer e ele já estava me olhando, talvez eu tenha ficado vermelha de novo, mas ele foi o primeiro a desviar o olhar.
– Vou lá – respondi.
Porém, saiu primeiro, como se não quisesse esperar mais nada, e por mais que eu saísse logo em seguida, lá estava ele com a moto bem mais à frente.
De bermuda, moletom e tênis. Sem capacete.
Ele parou na praça com os amigos e até chegamos a quase passar na praça, mas não consegui enxergar as meninas, então dei meia volta e entrei na casa do Murilo, que estava jogado no sofá e fez a gentileza de me passar a senha do wifi.
Fui para casa já passava das 10 da noite, e naquela noite eu precisei perder todas as minhas vidas no soda crush e repassar tudo o que aconteceu durante aqueles dias porque… Porque eu ia embora amanhã de tarde e eu mal esperava para estar em casa.
E aquela noite eu não sonhei.

Dia 4
Ou o dia que um plot twist aconteceu, ou o dia que me neguei a te esquecer tão fácil (novamente)


Levantei um pouco antes das 10 aquela manhã, sabia que não tinha muito o que fazer além de arrumar a mala e esperar pelo horário do almoço (que, a propósito, já começava a ser feito).
Tomei café e sentei na sala com o meu pai, minha irmã ainda estava dormindo e minha mãe estava na cozinha com minha madrinha, meu padrinho conversava com a visita, que inclusive era um homem com uma careca e tufos cinzas de cabelo dos lados, as unhas pintadas de esmalte escuro e um batom vermelho todo borrado. Contava que ia se casar com véu e grinalda em breve e todos estávamos convidados. Obviamente um louco. Quando veio um barulho de muitos animais passando juntos e abriram a porta da sala para que a gente pudesse ver os 11 bezerros sendo transportados de um lugar para o outro, mas quem estava montado a cavalo com o chicote na mão? .
Completamente lindo de calça jeans, camisa preta e tênis, não tinha a aparência de um capiau como os primos, que adoravam uma roupa xadrez e um chapéu de cowboy.
Deus misericordioso, se você não me levar agora eu vou sozinha.
A pele bronzeada parecia ainda mais bonita ao sol, quando ele desceu do cavalo e se enfiou dentro de casa. Continuei sentada na varanda da sala observando os bezerros, quando o tio dele, pai de Murilo, virou pra mim e perguntou se eu queria montar.
– Ela é mansinha – disse e eu sorri.
– Tenha amor a sua égua.
– Ela é do .
– Ah – abri a boca e minha mãe respondeu por mim.
– Ela tem medo.
– Engraçado porque ela montava quando era mais nova – ele disse e eu balancei a cabeça.
– Pois é, essas crianças crescem e perdem a coragem – minha mãe falou.
Pois é…
Pensei em voltar para dentro, mas quando olhei para a porta da sala, chegou lá como se procurasse algo e quando me achou, ficamos alguns segundos nos encarando, quando ele voltou para a cozinha.
Não demorou muito para ele montar de novo e sair levando os bezerros, com chicotadas no chão e aqueles barulhos engraçados que saía da boca. Acompanhei até sumirem de vista e eu sussurrar um Adeus, .
Adeus porque logo mais eu estava indo embora.
Então tudo voltou ao normal, continuamos no tédio até o almoço sair, mas me arrumei, coloquei o desodorante e o perfume, dei um jeito no meu cabelo e me sentei de novo no sofá.
Olá, soda crush.
Tia Margarida sentou ao meu lado e me contou que um jovem tinha morrido vindo para os jogos que estavam tendo ali por aquele dia, então não resisti a perguntar sobre a camisa cheirosa com um perfume conhecido que eu já desconfiava ser de um certo alguém.
– É do , às vezes ele toma banho aí e deixa as roupas, costumo separar em uma bolsa pra ele levar pra casa depois e lavar, vou colocar essa junto com as outras – explicou e eu balancei a cabeça.
– Entendi.
– Mas você conversou com ele? Ele é bonzinho – disse e eu sorri.
– Não, não conversamos. – Infelizmente. – Ele mudou muito, quase não reconheci.
– Mudou, né?! Tá muito bonitinho agora, não tá?
– Tá sim. – Sorri, mas logo ouvi buzinas e meu nome sendo chamado.
Abri a porta e ali estava , de moto e parecia estar cansado, me encarando com certo desespero.
– Sobe aí – falou e eu olhei para os lados, me certificando que só tinha eu ali.
– Como? – ele bateu a mão na garupa e eu sorri.
– Confia em mim – pediu.
– Por que confiar em você?
– Eu não te faria montar na minha égua, por mais que eu tenha pensado nisso, eu corri pra pegar a moto – respondeu e eu continuei olhando para ele. – Sei que você andou a adolescência inteira na garupa de uma moto, .
Falou o meu nome e eu senti um arrepio até na alma.
– Tá bom. – Descruzei os braços que nem percebi ter cruzado e subi na garupa, me apoiando nos ombros dele.
Ele me observava ainda pelo canto dos olhos, quando automaticamente passei os braços pela sua barriga e o segurei.
– Pronta?
– Pronta.
Sem capacete, mas pronta.
Ele acelerou e eu o segurei com mais força, vendo um sorriso aparecer pelo espelho retrovisor e eu sorri em resposta.
Quando ele pegou o caminho pelo córrego, eu sabia para onde estávamos indo e parte de mim se arrepiou ainda mais ao constatar aquilo, aquele era um dos lugares mais lindos do Motirõ e, para qualquer apreciador da natureza e da calmaria, a cachoeira era um ótimo local.
Desci da moto quando ele parou, ainda um pouco aérea, porque nunca, nem nos meus sonhos mais ousados das noites passadas, imaginei estar ali com .
Sorri sem acreditar naquilo e ele riu junto.
– O que foi? – perguntou.
– Foi inesperado. – Sorri. – E você não parecia o tipo de pessoa que leva moças para a cachoeira.
– É o único lugar que tenho paz – explicou, ficando sério. – Com o jogo rolando isso aqui vai ficar vazio por enquanto.
Tradução: vamos ficar sozinhos.
– Hmm – respondi. – Eu não lembrava de você.
me encarou, não demonstrando nada sobre essa informação e deu de ombros.
– Não fui o único que mudou muito. – Coloquei a mão no coração fingindo estar ofendida e murmurando um “ai”.
– Pra melhor ou pra pior? – desafiei e ele riu.
– Pra melhor, é claro – respondeu confiante.
– Digo o mesmo – bati o meu ombro no do dele.
O barulho de água descendo furiosamente pelas pedras era um calmante natural, o barulho da natureza fazia aquele momento tão mais especial, que eu não tinha palavras para agradecer. Estava nervosa, obviamente, mas ainda tinha aquela sensação de que era certo.
– A gente precisava disso, não é? – perguntou depois de um tempo em silêncio.
– Sim – passei a língua pelos lábios –, estava esperando pelo momento que você admite ter jogado um cobertor em cima de mim e tirado a camisa pra prender a porta. – Ele abaixou a cabeça ainda tímido, me fazendo rir. – Ei, isso foi adorável e eu adorei seu perfume.
– Eu tô com ele agora – disse e dessa vez eu não me segurei em me aproximar do ombro dele e posteriormente aspirar aquele cheirinho delicioso. – Faz isso direito.
Ele me puxou pela cintura com uma pegada que eu não estava esperando e de repente estávamos tão próximos que eu não conseguia respirar, olhei para a boca dele e ele parecia estar fazendo o mesmo. Corri os dedos por aquela barba tão bem desenhada, fechando os olhos e me permitindo sentir.
Sentir o primeiro e último beijo.
Sentir o gostinho de despedida.
Sentir todos os sentimentos controversos que se passavam através de um simples contato.
A atração impressa em cada olhar, a atração que fazia daquele beijo ser algo sem explicação e a atração que me fazia sentir saudade antes mesmo de ir embora.
Então, quando finalmente quebramos aquele contato, o abracei, tentando gravar bem cada detalhe daquele aroma que combinava tanto com ele, e ele me segurava forte.
Ele deixou mais um beijo na minha testa quando tomei coragem de sair dali, um adeus carinhoso antes de subirmos na moto novamente e ele me levar para almoçar, antes de voltar ao trabalho, antes que eu voltasse para casa.


Fim.



Nota da autora: Sem nota.



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