Capítulo Único
- Você vai ligar para ela ou a gente vai ficar aqui à noite toda como uns psicopatas?
Ignorei a pergunta de mesmo sabendo que estávamos, de fato, parecendo uns psicopatas. Estávamos parados na frente do prédio da minha ex-namorada há 10 minutos enquanto eu decidia se ia ou não ligar para ela e pedir para gente conversar.
- Passamos a manhã atendendo no PS, . Eu estou morrendo de cansaço e amanhã o João Guilherme me chamou para correr na praia logo cedo. – continuou. – Então eu preciso dormir meia-noite para acordar cedo, o que quer dizer que estamos 20 minutos atrasados já que para dormir meia-noite eu precisaria estar em casa 15 minutos atrás para ter um tempo hábil para fazer skincare e tomar banho.
Lancei um olhar irritado para a minha melhor amiga, mas ela apenas me encarou de volta muito despreocupada enquanto comia com a língua o Danoninho do McLanche que pegamos no caminho.
- Não me olha assim! – ela reclamou. – O cuzão da história é você que resolveu que stalkear a ex é uma coisa saudável.
Eu sabia que não era saudável e nem queria estar aqui para principio de conversa, mas depois de um dia cansativo da porra, os meus amigos tinham chamando para tomar um chope no happy hour do BeerDock quando a gente saiu do estágio. Então, muita cerveja atrelada ao fato de que hoje eu tinha visto uma foto de ) no Instagram não tinha como dar um resultado diferente deste.
- Carai, eu tô muito lascado – admiti.
Encostei a cabeça no banco e fechei os olhos, apertando o volante com toda a força que eu tinha só para me impedir de pegar o celular e pedir pra ) falar comigo, sendo que eu nem se quer sabia se ela ia estar em casa ou não. Como era sexta-feira, a resposta provavelmente seria não.
- Tá mesmo – concordou alegremente.
Meu outro amigo estava tão calado no banco de trás que eu quase esqueci que ele estava com a gente.
- O cara termina com a menina e depois fica chorando – me zombou. – Eu não entendo. Tu entende, ?
- Porra nenhuma. – deu trela. – O término de namoro mais sem noção que eu já vi.
Nem me dignei a responder isso.
Como eu, e sempre tiveram tudo muito fácil e nada era complicado demais na vida deles. Os relacionamentos que tiveram sempre foi dentro do nosso circulo de amigos, então quando eu comecei a sair com , também foi difícil para eles entenderem o porquê de ela quase nunca sair com a gente para os mesmos bares e festas.
Ano passado fomos para o Cavalheira no carnaval, mas não foi porque não podia comprar o abadá. Eu me ofereci pra comprar, mas ela era cabeça dura e não aceitou. E era assim em quase todos os lugares que a gente saía. Eu conseguia arrastar ela para muitas coisas, mas muitas outras coisas resultavam em brigas quando eu simplesmente não conseguia entender o porquê de ela bater tanto o pé para aceitar.
tinha uma realidade bem diferente. Enquanto meus pais sempre me deram tudo do bom e do melhor, nunca teve tantas oportunidades e era muito mais sensata em preservar seu dinheiro.
No fim, ela precisava conciliar trabalho com os estudos e a gente se via umas três vezes na semana quando estávamos com sorte. Eu insistia para ela vir dormir na minha casa, mas Boa Viagem era longe demais do trabalho, então ela raramente aceitava. Como ela dividia o apartamento, também não era muito legal da minha parte dormir lá sempre que eu quisesse.
Demoramos um pouco para aceitar que nossas realidades eram diferentes demais e quando as brigas ficaram mais intensas e os ciúmes começaram a pesar mais do que a confiança que a gente tinha no começo, decidimos que era melhor terminarmos como amigos do que insistir em algo que poderia acabar com tudo que construímos durante 2 anos.
foi de longe uma das melhores pessoas que entrou na minha vida. A ideia de que insistir em um relacionamento que claramente não estava funcionando podia fazer ela me odiar, parecia muito pior do que terminar de vez.
Terminamos como amigos, mas às vezes terminar assim é ainda pior do que gritos e xingamentos. Porque nós dois sabemos muito bem o que o outro ainda sente e, por mim, eu ainda estaria com ela.
e não entendiam a dificuldade de conciliar nossas realidades porque para eles querer estar juntos já era suficiente, mas como eu tinha aprendido, amar alguém raramente basta.
- Vamo embora – declarei, decidido.
- Meu garoto, meu garoto... – deu uma batidinha no meu ombro. – Lava a garganta, vai.
Eu estava dirigindo e já estava tonto o suficiente para saber que não devia beber mais, mas não resisti a garrafa de cachaça que me ofereceu. A bebida desceu queimando na garganta e desatou a rir quando meus olhos encheram de água com a ardência da cachaça.
Ri junto, mas quando olhei para o lado, com a visão ainda embaçada, a imagem embaçada da minha amiga no banco do carro ao meu lado me lembrou de quando ocupava aquele lugar.
Porra, a gente passava um tempão aqui aos beijos enquanto eu tentava impedir ela de subir logo.
- Vamo embora, agora já estou 25 minutos atrasada para a skincare – voltou a reclamar, tirando a garrafa da minha mão. – Precisa que eu dirija?
- Não – neguei.
Acelerei para longe daquele bairro e me impedi de olhar pelo retrovisor para o prédio de cerâmica azul que ficava para trás. Eu tinha medo de encontrar o quinto andar e avistar a luz do quarto dela acesa.
- Ah, o Felipe vai fazer um churrasco amanhã – comentou. – Tá avisando no grupo.
- É pra levar o que? – perguntei, feliz pela distração.
- O que for beber – ele disse, lendo a mensagem. – Vai de Heineken?
- Vei, acho que vou comprar a Nossa mesmo – avisei.
- Beleza, então vamos de Nossa. Vai beber cerveja também, ? – cutucou ela.
- Oxe, vou nada – ela negou. – Painho comprou um Tanqueray Sevilla, vou combinar com Laiza e Beatriz para gente comprar mais outro litro e umas água tônicas.
A distração do churrasco levou minha mente para longe de durante o caminho até o condomínio, mas quando cheguei em casa e me vi sozinho de novo, o barulho dos meus próprios pensamentos começou a pesar.
Eu não tinha tido nenhum relacionamento tão sério antes, então não estava preparado para a merda que era lidar com o fim. Eu podia não ter batido na porta dela, mas meu celular parecia uma arma perigosa implorando para que eu mandasse uma mensagem.
Para acabar com a tentação e me distrair, acabei mandando uma mensagem para Sofia perguntando se ela não queria vir para cá. Sofia morava no mesmo prédio, só que no décimo andar do bloco B e estudava comigo. Quando ela respondeu que viria, desliguei o celular e fui tomar banho.
Sofia conhecia o meu histórico e ela mesma estava saindo de um noivado de anos, então ela era meu estepe tanto quanto eu era o dela. Quando a campainha tocou, não perdemos tempo fingindo que queríamos algo mais do que distração.
Um tempo depois, ela estava na minha cama, ofegante e suada, cravando as unhas no lençol enquanto eu beijava sua nuca, fodendo ela por trás. Seu corpo era incrível, seus seios preenchiam minhas mãos e a forma como ela empinava a bunda me deixava louco, mas tudo ali parecia errado.
Sofia não tinha um dragão tatuado nas costas e seu perfume simplesmente não era o que eu queria impregnado nos meus lençóis. Mas se eu fechasse os olhos era quase como se ela fosse quem eu queria que estivesse ali.
- Deixa de arengar comigo, seu corno! – brigou, se esquivando para longe depois de mais uma ameaça de jogar ela na piscina.
Rodrigo se segurou na cadeira para não cair de tanto rir e puxou pelos ombros para beijar a bochecha dela como pedido de desculpa.
- Juro que parei – ele falou.
- Sai, sai, sai! – ela o empurrou.
Dei um gole na minha cerveja, evitando a todo custo olhar para o outro lado da festa. Rodrigo tinha arranjado o after de uma calourada para gente ir, mas a festa não estava lá essas coisas. Para completar, ele não mencionou que era o after de uma calourada da UFPE e que a possibilidade da minha ex estar aqui era enorme.
E, é claro, ela foi a primeira pessoa que vimos quando chegamos na festa. Já tinham se passado meses do fim do nosso namoro e muito tempo desde a noite que parei na frente da casa dela. Eu tava orgulhoso em dizer que vinha superando bem, mas aparentemente não tão bem quanto eu gostava de fingir, já que avistar fez meu coração disparar.
foi rápida ao me empurrar bebida e acertou em cheio quando me fez virar três doses de Pitú. Pelas primeiras horas eu até consegui ignorar a presença dela, mas agora tava difícil demais de fingir que eu não estava me coçando para ir falar com ela. Minha mente já estava um pouco nublada pela bebida, então não era a melhor ideia.
- Vamo comigo pegar mais gummy? – pediu, olhando para mim.
- Bora – assenti.
A festa não tava tão cheia onde a gente estava, mas perto dos garrafões de gummy parecia a boca de um formigueiro com o tanto de gente querendo pegar mais bebida.
- A tá aqui do lado – sussurrou do meu ouvido.
Ouvi a voz dela em câmera lenta e meus próprios movimentos pareciam estar com alguns segundos de atraso quando virei para trás sem pensar muito e dei de cara com o sorriso lindo da minha ex-namorada. estava conversando com Babi, a amiga dela, e não pareceu notar meu olhar a princípio.
- Olá, senhoritas – falei.
As duas olharam para mim e outra vez meu coração pareceu prestes a sair pela boca quando os olhos de encontraram os meus. Um sorriso inebriado e sincero ergueu meus lábios sem que eu pudesse evitar.
- Oi, ! – Babi acenou para mim. – Tá bom?
- Tudo certo, Babi? – olhei para ela, me forçando a desviar o olhar de .
- Oi, meninas! – acenou efusivamente para as duas.
- Olá! – nos cumprimentou. – Estão perdidos por aqui?
- Rodrigo disse que tava tendo um after legal, então viemos – agitou o copo do Intermed que ela usava como um acessório em toda festa open bar.
- E eu vim trazer meus opalas para encherem o tanque – brinquei, beliscando o ombro de .
- Tá chamando quem de opala, tabacudo? – mostrou a língua. – Tu bebeu por todos nós desde que chegou na festa.
- Em minha defesa, não é fácil encontrar o amor da sua vida em uma festa, visse? – ri, olhando para as meninas na esperança delas rirem também. – sabe como é, não sabe?
riu sem graça e distante, olhando para Babi como se implorasse para ser tirada dali. Eu sabia que me condenaria por isso mais tarde, mas a bebida me deixava sem filtro e eu acabei falando mais do que devia.
- Massa ver vocês – Babi riu, enganchando o braço no de . – A gente se vê por aí.
- Tchau! – se despediu as pressas, sendo arrastada por Babi logo em seguida.
Observei as duas irem embora até elas se perderem no meio da festa e então olhei para .
- Você ainda tem a cara de pau de dizer que não ama mais essa mulher, ? – suspirou, entrelaçando o braço no meu. - Oxe, não amo – voltei a rir.
Tentei mostrar mais convicção, mas não deu certo.
- Se você quer fingir que acredita nisso, ok. Eu finjo também – me puxou pela fila.
Depois disso a noite foi só ladeira abaixo.
Eu troquei a cerveja por cachaça e resolveu que era mais seguro a gente sair da festa antes que eu chegasse ao ápice do álcool. Eu continuei a dizer que estava bem, mas meus amigos me conheciam muito para saber que eu estava longe de estar bem. me empurrou com ela para o banco de trás do Uber enquanto foi na frente.
- Boa noite, meu senhor – cumprimentei o Uber, estendendo a garrafa de cachaça para ele. – Quer um golinho?
O motorista riu, negando.
- Hoje não – ele disse, voltando a atenção para . – Edifício Maria Regina, Boa Viagem?
- Isso – confirmou.
Por dois 2 minutos, conseguimos ficar em silêncio, mas eu senti uma vontade louca de me esclarecer para depois da piada de hoje mais cedo. Meu celular descarregado tinha ficado em casa, então eu precisava de outro.
- , me empresta seu celular pra eu falar com a – pedi, piscando os olhos meio desfocados para ela.
- Não – ela negou. – Você já passou vergonha com ela hoje, não vou te deixar afundar mais.
- Não, eu só quero explicar, – minha língua embolou no final. – Me empresta.
- Vai falar o que pra ela? – perguntou.
Deixei meu corpo cair no banco e apoiei a cabeça na janela do carro, olhando para . Ele também parecia estar um pouco borrado, mas talvez fosse só meu olhar.
- Me empresta o seu celular então, – pedi, estendendo a mão.
- Empresto! – ele confirmou.
- , faz isso não! – suspirou. – O abestalhado vai querer morrer amanhã.
- Calma, – riu, mexendo em algo no celular antes de me entregar. – Tome, fale com a .
Não consegui focar na foto do whatsapp, mas o nome estava no topo da conversa vazia.
- Oi, – segurei o ícone do áudio para gravar. – Olha, não me entenda mal, viu? Eu tava... Eu tava só brincando. Você foi o amor da minha vida, mas agora eu te superei. Tô seguindo em frente. Num tô, ?
soltou uma gaitada de tanto rir.
- Tá sim, , tá seguindo em frente – concordou.
- Tá vendo aí? – falei para o áudio. – É claro que eu não te amo mais, a gente terminou faz um tempão. É só que eu bebi demais, tá ligado? Tu sabe que eu fico coisado quando bebo. A gente se encontrou naquele churrasco na casa do Matheus há uns dois meses e eu tava de boa, lembra?
Eu não estava de boa, mas ela não precisava saber. Eu tinha ficado mexido depois daquilo, mas não a ponto de beber como eu tinha feito hoje. Eu estava realmente tentando esquecê-la. Tinha dias que eu até conseguia.
- Mas pô... É que eu lembrei de nós. Sempre que eu tento te esquecer, eu lembro de nós – ri, fechando os olhos. – Mas eu não te amo, , fica tranquila. Não precisa me responder, visse? Eu só queria esclarecer que tava brincando na festa.
A minha voz falhou um pouco e minha língua pareceu pesada demais pra continuar a falar.
- Mas é que se eu te esquecer, quem vai lembrar de nós? – perguntei para o áudio.
O silêncio reinou no carro e eu olhei para a tela desfocada onde os minutos passavam indicando a duração do áudio.
- Mas é isso, ... Foi mal qualquer coisa. Tamo junto, falou? – tirei o dedo do áudio e ele foi enviado.
Sem falar nada, estendi o celular para , que o guardou.
- Tá melhor agora? – perguntou.
Olhei para minha amiga e ela entendeu tudo. tirou o cinto e se arrastou para perto de mim, me abraçando. Escondi o rosto no pescoço dela e tentei ignorar as pontadas dolorosas no meu peito. Ela fez carinho no meu cabelo, esmagando a bochecha na minha cabeça.
A conversa se tornou distante à medida que meus olhos pesaram e eu parei de prestar atenção no que estavam falando a medida que o carro andava.
- Oh, vei, olha o que tu fez! – reclamou para . – E se a responder?
- Eu mudei o nome do teu contato com o nome dela, – respondeu. – O áudio foi pra tu. O coitado só precisava desabafar, deixa ele.
Eu não entendi o que eles estavam falando, mas não importava mais. Minha mente foi inundada por um turbilhão de lembranças com e eu me afoguei nelas enquanto o álcool fazia minha cabeça girar.
“O mundo tá nas tuas mãos”, minha mãe me disse uma vez quando dormiu nos meus braços enquanto assistia um filme.
Deixei escapar então.
Fim.
Nota da autora: Oi, gente! Pouco antes de entregar esse ficstape, fui para um show do Jão em Recife e me senti na obrigação de escrever essa música ambientada naquele lugar e em parceria com a amiga que foi comigo. Espero que vocês gostem, pois eu amei trazer uma ambientação mais acessível para essa fic haha. Beijos!
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