02. Play My Music

Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único

2007 – And nothing in the world can bring me down
- O que significa isso?
A voz masculina ecoou de forma firme pelo pequeno cômodo da casa simples que morava com os pais. A garota arregalou os olhos de susto e logo sua mãe a empurrava para o corredor dizendo:
- Vai para o seu quarto, .
- Mãe – tentou argumentar –, tem certeza?
A mulher viu a filha tentar esconder o medo que sentia naquele momento, mesmo sendo tão nova, seu instinto era sempre proteger sua mãe dos ataques de seu pai.
não se lembrava ao certo de quando o pai havia começado a beber, o fato era que há alguns anos sua vida havia se transformado em um inferno na terra, ao menos duas vezes na semana ela era obrigada a ouvir os gritos dele e os soluços de sua mãe depois das brigas.
- Sim, filha, vai para o quarto e só saia de lá quando eu falar, ok?
A menina balançou a cabeça afirmando – mesmo que ainda em dúvida do que fazer – e correu pelo corredor trancando-se em seu quarto. Pegou seu MP3 dentro de sua mochila e colocou os fones de ouvido, esperando que aquela música alta fosse suficiente para abafar o som horrível que vinha da sala onde seus pais, mais uma vez, discutiam.

Let’s turn on that radio
(Vamos ligar o rádio)
As loud as it can go
(O mais alto que puder)
Wanna dance until my feet can’t feel the ground
(Eu quero dançar até os meus pés não sentirem o chão)
Say goodbye to all my fears
(Digo adeus à todos os meus medos)
One good song, they disappear
(Uma boa música, eles desaparecem)
And nothing in the world can bring me down
(E nada nesse mundo pode me colocar para baixo)

dançava pelo quarto, de olhos fechados, concentrada na letra de sua música favorita e se esforçando para esquecer o cenário caótico que se montava fora daquele cubículo que ela dormia.
- Você está ficando maluca? – o homem gritou novamente, apontando o dedo para o rosto da esposa. – Um piano? Numa casa que quase não nos cabe, numa casa em que mal se tem comida na mesa.
- Eu não comprei o piano – a mulher se justificou. – Eu peguei uma faxina extra e aceitei o instrumento como forma de pagamento.
O homem bufou irritado e se jogou no sofá, encarando a mulher com desprezo.
- Primeiro aquele violão velho e agora isso – apontou para o piano. – O que você acha? Que essa garota vai virar uma estrela um dia? Uma cantora famosa? – riu de forma debochada.
- Ela é boa – a mulher admitiu. – Ela tem talento, se você ao menos parasse de beber e prestasse atenção na filha que tem, veria o potencial dela. Mas respondendo, não, eu não peguei o piano porque acho que ela será famosa, eu não quero usar minha filha como fonte de lucro para mim. Eu sou a mãe dela e quero vê-la feliz, e se eu não pude dar um brinquedo para ela durante toda sua infância, agora que ela descobriu que tem esse talento eu farei o possível para apoiá-la.
O homem rolou os olhos sem tirar o sorriso debochado dos lábios, levantou-se do sofá e se aproximou da mulher, dizendo:
- Você sabe o que vai acontecer? Essa menina vai crescer achando que um dia será alguma coisa, achando que vai ser cantora, achando que vai viajar o mundo tocando essas porcarias que ela chama de música. Aí a vida adulta vai chegar e vai mostrar que pobre não nasceu para sonhar, nasceu para trabalhar no que der para garantir o almoço. Ela vai se frustrar, porque vai perceber que não, ela não vai dar em nada, que ela não é boa para isso e que a mamãe dela a iludiu durante anos.
A mulher precisou se controlar para não gritar e transformar aquilo ali em uma das brigas graves que tinham. Ela apenas lamentou, negando com a cabeça e dizendo:
- Se você ao menos enxergasse a filha que tem, mas infelizmente você não enxerga nada além de si mesmo.
Aquilo foi o suficiente para que ele elevasse o tom e a briga se tornasse um pouco mais calorosa, durando por algumas incontáveis horas até a mulher desistir de argumentar e procurar refúgio junto à filha. ainda estava acordada quando a mais velha entrou em seu quarto e se aninhou em sua cama, abraçando-a por trás e depositando um beijo carinhoso no topo de sua cabeça.
- Achei que já estivesse dormindo.
- Estava esperando você – disse. – Mãe, você acha que ele está certo?
- Sobre o que?
- Você sabe – suspirou – sobre eu não ser boa...
A mulher se sentou na cama, encorajando a filha a fazer o mesmo. sentiu uma lágrima se formar eu seus olhos e lutou com todas as forças para que ela não rolasse pelo seu rosto, estava cansada de chorar pelo seu pai e pelas coisas que ele despejava sem o mínimo cuidado com ela.
- Nunca deixe que ninguém te diga que você não é capaz, ouviu? A gente é pobre, mora numa cidade pequena, não temos contatos nem privilégio, é óbvio que você está em desvantagem, mas não desista daquilo que seu coração sonha em conquistar, seja na música ou em qualquer outra carreira, você pode ser o que quiser, desde que se esforce para ser excelente no que quer que seja.
olhou para baixo antes de sussurrar:
- Mas e se eu não conseguir?
A mulher passou o dedo indicador pelos fios soltos do cabelo da filha, contornando a bochecha da menina antes de erguer o queixo dela, obrigando-a a olhá-la nos olhos.
- Se você não conseguir você tenta de novo, e de novo e quantas vezes forem necessárias até conseguir. Se for realmente o que você quer e se você sentir no seu coração que esse é o caminho certo para trilhar, quando for o momento você vai conquistar o que sonha – a mais velha sorriu antes de completar –, e nunca se esqueça de uma coisa.
- O que? – perguntou.
- Eu acredito em você.



2019 – Music’s in my soul

massageou as têmporas tentando afastar a pesada dor de cabeça que a acompanhava, tomou um generoso gole de café bem forte e contorceu os ombros e a nuca ouvindo o som de seus ossos estalarem.
Estava exausta.
- Adivinha a minha surpresa ao acordar e não te ver do meu lado? – Jake esboçou um pequeno sorriso antes de completar. – Espera, não houve surpresa nenhuma pois eu tinha absoluta certeza de que você estaria sentada nesta cadeira trabalhando em alguma música nova.
tentou reprimir o sorriso que se formou em seus lábios antes de sussurrar:
- Perdão, prometo te recompensar mais tarde – deu de ombros.
Ele se aproximou depositando um beijo casto na testa da mulher a sua frente antes de dizer:
- Por que não me recompensar agora me mostrando no que você tem trabalhado?
sorriu de verdade, apertando a barra de espaço do notebook e dando play na música que havia passado a noite toda compondo e montando o arranjo perfeito. Todas as vezes que iniciava um projeto novo, a voz de sua mãe ecoava em sua cabeça dizendo “eu acredito em você”. Era aquela frase especificamente que a motivava a continuar tentando, mesmo depois de ter perdido sua mãe poucas semanas após seu aniversário de vinte anos.
Não ficou tanto tempo assim sozinha nesse mundo, logo a vida se encarregou de colocar ao lado dela o único homem que de fato tinha quebrado todas as barreiras e traumas que ela tinha criado graças a péssima convivência com seu pai.
Jake era músico também, se conheceram semanas depois que decidiu pegar o pouco que tinha de dinheiro guardado e se mudar para Los Angeles com a intenção de dedicar-se à música e ao seu sonho. Não só por si mesma, mas sentia que devia isso à sua mãe.
Demorou um pouco até que conseguisse se estabilizar, mas Jake logo surgiu em sua vida disposto a ajudá-la, e aos poucos, foi penetrando às densas camadas que ela havia criado ao redor de seu coração. Estava programada a não confiar em homem algum, mas com ele, tudo parecia certo.
Jake, assim como , era garçom em um movimentado bar no centro de Los Angeles, e foi ele que conseguiu a vaga de garçonete para sua, agora, namorada. Excelente músico e compositor que era, sua história assemelhava-se a de . Havia saído de sua pequena cidade natal para tenta a sorte na indústria musical.
Eram a dupla perfeita.
Compunham juntos e se apoiavam em absolutamente tudo.
- Eu realmente não tenho mais palavras para te elogiar – ele sorriu, colocando o fone de ouvido de lado. – Isso está fenomenal! A letra, a melodia, o arranjo – pontuou. – Você tem um talento indescritível!
sorriu orgulhosa, de fato, aquela era uma de suas composições favoritas e havia caprichado na construção daquela música.
- Eu estou mega atrasada, vou levar essa demo para algumas gravadoras antes de ir para o trabalho – levantou-se.
- Ei! Você passou a noite em claro trabalhando nisso. Pode deixar que eu rendo o seu turno no bar hoje e deixo sua demo nas gravadoras, eu também tenho que levar a minha – sorriu.
- Tem certeza?
- Absoluta – garantiu. – Eu estou bem, descansei bem a noite, só vou tomar um banho e, se você não se importar, joga aquela música que fiz ontem num pen-drive que eu vou entregar tudo antes de ir para o trabalho.
- Você é o melhor!
- Estou confiando na sua palavra sobre me recompensar mais tarde – piscou para ela.
Jake se inclinou, depositando um selinho nos lábios da namorada, antes de se virar e sair dali, indo em direção ao banheiro para começar seu dia.
Era início de noite quando atravessou as portas dos fundos do bar em que trabalhava, ouvindo a agitação do lugar preencher o ambiente. Atravessou toda cozinha, sendo cordial com todos os presentes que, aos sorrisos, a recebiam.
- Boa noite, ! Já jantou?
- Já sim! – ela respondeu o cozinheiro do local que sempre a tratava como filha. – Mas nada me faz dispensar sua comida, então apareço mais tarde por aqui para beliscar algo – piscou para ele que sorriu em resposta.
- Vou deixar seu hamburguer pronto – respondeu.
Trocou um high-5 desajeitado com um dos ajudantes da cozinha e caminhou serelepe até a sala em que os funcionários usavam para deixar seus pertences enquanto trabalhavam.
Apesar de não ser sua profissão dos sonhos, aquele bar era especial para que, havia encontrado ali, uma família. Todos que trabalhavam no local pareciam adorá-la, isso graças a sua simpatia e humildade que cativava a todos, sempre.
- Olha quem vai me dar a honra de dividir o turno da noite – a voz se fez presente e ela sorriu.
- Hey, babe – correu até a amiga, trocando um abraço apertado. – Como estão as coisas?
- Iguais – respondeu. – Vendendo o almoço para comprar a janta, tudo normal na minha vida – deu de ombros. – O que você está fazendo aqui hoje a noite? Achei que seu turno seria a tarde.
- Sim, mas o Jake trocou comigo pois fiquei a noite em claro trabalhando...
- Em uma nova música – a mulher completou. – Meu Deus, você tem tempo para, sei lá, transar?
gargalhou do comentário, abrindo a sua divisória no armário e colocando sua bolsa ali dentro, antes de retirar seu crachá e começar a prender os cabelos.
- A gente dá um jeitinho, né – deu de ombros, retirando os brincos que usava.
- Amiga, é sério! Eu tenho dividido esse turno com o Jake há um tempo e ele me parece bem nervoso, levou vários esporros do Richard essa semana – referiu-se ao dono do estabelecimento. – Está tudo bem entre vocês?
Aquela informação pegou completamente de surpresa. Sua convivência com Jake parecia na mais perfeita ordem enquanto estavam em casa e ela não imaginava que ele poderia estar passando por algum problema a ponto de ser afetado no trabalho.
- Sim – enrugou as sobrancelhas. – Eu não sabia disso.
- Ah, Deus, eu falo demais! – reclamou.
- Não, amiga, está tudo bem! – garantiu. – Eu sei lidar com ele, vou abordá-lo com jeitinho, prometo.
- Ok, agora anda logo aí que seu namoradinho já deixou o Richard nervoso demais esses dias para gente piorar a situação agora – jogou o avental que fazia parte do uniforme delas na direção de . – Mesas pares ficam por sua conta.
- Pode deixar, babe.
As duas caminharam lado a lado até o salão bem a tempo de ver o time que cobria aquele turno, se dirigir no sentido contrário, cruzando com ambas no corredor.
- O Richard está extremamente insuportável hoje, meninas, boa sorte!
Um colega de trabalho comentou, ao passar por elas já se despindo do avental que usava. e trocaram um olhar de desgosto, sabendo que a noite seria longa, e logo caminharam até as mesas que seriam sua responsabilidade, checando se alguém precisaria de mais alguma coisa, iniciando a rotina da noite.
Aquela paz, porém, não durou muito, pois, uma completamente assustada abordou pouco tempo depois, e, sem que a amiga pudesse perguntar qualquer coisa, despejou:
- O Richard quer falar com você na sala dele, disse que é urgente – explicou. – Eu vou cobrir as suas mesas, corre lá.
- Ele não disse sobre o que se trata?
apenas negou com a cabeça e engoliu seco antes de sumir pelo corredor que dava acesso à área restrita do estabelecimento. Com leves batidas na porta, anunciou sua presença no escritório de Richard, ouvindo-o responder por trás da madeira:
- Entra.
Lentamente ela girou a maçaneta, sua mente criando os possíveis cenários que o levaram a solicitar sua presença ali. Seria pela troca de turno inesperada? Ela, Jake e sempre trocavam entre si quando um deles precisasse de ajuda, e Richard nunca pareceu se importar com aquilo.
O que seria tão importante?
- Mandou me chamar?
- Sim – a voz firme do homem ecoou pelo cômodo e ele apontou para a cadeira do outro lado da mesa. – Sente-se.
Incerta, fechou a porta atrás de si e caminhou até a cadeira, ajeitando-se ali e respirando fundo antes de perguntar:
- Aconteceu alguma coisa?
- Aconteceu sim – o homem pigarreou, antes de acender um cigarro e traga-lo com vontade. – Quando te vi chegar aqui à noite eu assumi que você e Jake trocaram de turno hoje, certo?
- Sim – sussurrou.
- Pois bem – o homem ergueu uma sobrancelha. – Saiba que ao contrário de você, seu namoradinho não só não apareceu para trabalhar como também não me deu qualquer explicação ao simplesmente me mandar uma mensagem de texto avisando que não voltaria.
A notícia pegou de surpresa e ela teve absoluta certeza que, se não estivesse sentada, teria caído no chão. Sentiu o ar lhe faltar e as pernas bambearem.
- C-como assim?
- Assim – estalou os dedos. – Como o grande moleque irresponsável que ele é – rosnou. – Eu te chamei aqui na esperança de conseguir alguma informação sobre ele, mas, a julgar pela sua expressão de surpresa, você também não faz ideia do que possa ter acontecido, certo?
Não conseguiu se expressar com palavras, apenas movimentou a cabeça negativamente, umedecendo os lábios e respirando fundo. Sua mente vagando entre os prováveis cenários para aquela atitude que, nem de longe, parecia com algo que Jake faria.
- Nós nos vimos hoje pela manhã e ele parecia normal – respondeu. – Inclusive saiu de casa bem antes do horário para resolver algumas coisas e me falou que viria para cá depois.
- Pois não veio, mocinha, e eu ainda tinha a esperança de que não precisaria procurar outra pessoa para ocupar a vaga dele, ainda achei que você saberia de algo, mas pelo visto...
O desespero tomou conta do corpo de , ela sentiu todos os pelos do seu corpo arrepiar, como se seu sexto sentido tentasse te avisar algo. Seu cérebro começou a trabalhar a todo vapor, tentando resolver um problema que ela sequer sabia do que se tratava.
- Tenta segurar a vaga dele, por favor, eu vou conversar com ele e entender o que está acontecendo.
- Minha filha – o homem tragou seu cigarro novamente. – Se ele escondeu de você que não viria trabalhar hoje, eu acho pouquíssimo provável que você tenha a mínima chance de conversar com ele.
As palavras nocautearam seu estomago e ela se sentiu levemente tonta. Inclinou-se na direção da mesa a sua frente, apoiando os cotovelos sobre o tampo de madeira e escondendo o rosto nas palmas de suas mãos.
Sua mente atrapalhava-se em um turbilhão de sentimentos e nada parecia fazer sentido.
Só conseguiu sussurrar:
- Preciso voltar, a está sozinha lá no salão.
- Bom saber que ao menos você tem responsabilidade com seu trabalho.
A mulher achou melhor ignorar aquele comentário, e, por mais que seu coração estivesse aflito, apenas pediu licença e saiu dali, voltando para o salão.
E com isso, a noite se arrastou em uma eternidade que para ela parecia não ter fim. Sabia que o horário de fechamento do bar era as duas da manhã, mas a sensação que tinha é que o tempo não passava.
Perguntava-se se teria alguma mensagem de Jake em seu celular quando terminasse de trabalhar, e mesmo com a ansiedade de para saber o que estava acontecendo – já que sequer tiveram tempo de conversar sobre –, ela literalmente correu de volta para o vestiário, abrindo seu armário com as mãos tremulas e desbloqueando a tela de seu telefone.
Nada.
Nem uma mísera mensagem.
Sequer uma ligação.
- – a voz de se fez presente. – O que houve?
As lágrimas se acumularam em seu rosto de forma involuntária e ela começou a soluçar mesmo sem saber o motivo do choro. A sensação era como se alguém pisasse em seu coração, reduzindo-o a nada. O coração que ela, por anos, tentou proteger para evitar justamente aquele tipo de situação.
- O Jake – soluçou –, ele foi embora, , foi embora da minha vida.
Surpresa, se aproximou envolvendo a amiga em um abraço apertado, permitindo-a despejar aquele choro sofrido, doído, que parecia sair de sua alma.
E de fato era.
tinha uma barreira muito grande para se envolver com qualquer homem em qualquer posição em sua vida, se sentir traída daquele jeito por Jake era, para ela, como uma facada em seu peito.
- Como assim, meu amor, me explica isso direito.
- Era isso que o Richard queria, me avisar que o Jake não só não cobriu meu turno hoje à tarde como também o comunicou via mensagem de texto que não voltaria para trabalhar mais.
abriu a boca em sinal de espanto, tirando o avental que envolvia sua cintura e soltando os cachos escuros que estavam presos em um coque alto antes de falar:
- Mas que belo filha da puta! – rosnou. – Ele não te avisou nada?
- Absolutamente nada – ergueu o aparelho celular. – Nem uma mensagem, nem um telefonema, nada.
O silêncio durou incontáveis minutos e a morena se aproximou da amiga, segurando suas mãos antes de falar:
- Seja lá o que ele tenha feito, eu quero que saiba que estou aqui, por você. Você tem em mim uma família, e sei que sozinha não dá para bancar um aluguel, portanto meu cafofo estará sempre de portas abertas para você – garantiu. – Se você não se importar com o entra e sai de mulher no apartamento da sua amiga sapatão desapegada.
Mesmo contra sua vontade, soltou uma risada anasalada, negando com a cabeça. Podia contar com para fazê-la rir e isso era incontestável.
- Obrigada, amiga! – sussurrou. – Eu vou para casa hoje, tenho esperança de encontrá-lo lá, mas se ele não estiver, eu arrumo tudo para entregar o apartamento o mais rápido possível e te aviso, realmente, ficar sozinha lá é impossível. Mas já deixo avisado que aonde eu vou, meus equipamentos e instrumentos vão atrás.
- Você sabe que eu moro num cubículo, mas a gente faz caber – sorriu. – E será uma honra ouvir sua cantoria todos os dias!
sorriu em agradecimento e puxou a morena para um abraço apertado em agradecimento, livrando-se de seu avental logo em seguida e recolhendo suas coisas para ir embora dali.
Por mais que tentasse manter um fio de esperança dentro de si, no fundo sabia que Jake havia lhe abandonado da mesma forma que fizera com seu emprego e com todo resto. Por essa razão, não foi uma grande surpresa quando abriu a porta do apartamento encontrando o local completamente escuro e vazio, exceto pelos seus pertences pessoais e seu antigo violão.
Todos os equipamentos que haviam comprado juntos, os outros instrumentos que compartilhavam, alguns móveis e eletrodomésticos.
Vazio.
Completamente vazio.
O apartamento e seu coração.
O silêncio foi quebrado pelo som de um choro sofrido e alto.
Sabia que precisava se reerguer, fazia isso em cada briga de seus pais até o dia que ele resolveu ir embora para nunca mais voltar, fez isso quando perdeu sua mãe, e ali, naquele momento, não seria diferente.

*************

Sete meses depois...
O sol forte derretia a maquiagem simples que havia feito para aquela que julgava ser sua melhor chance de conseguir um contrato com uma gravadora. Haviam escutado seu single e ela garantiu um teste presencial com alguns produtores.
Aguardava ansiosamente no corredor, com seu violão antigo ao seu lado. Um vestido simples moldava seu corpo, era o melhor que conseguia para o momento e pedia aos céus que fosse o suficiente.
- .
A voz grave e firme a fez erguer a cabeça e encarar o homem do outro lado do corredor.
- Sou eu.
Soltou um sorriso tímido e se sentiu nua com o olhar avaliativo e nada amigável que recebeu em troca.
- Estamos prontos para ouvi-la.
caminhou até a sala a sua frente, encarando os três presentes – todos homens – de forma assustada. A insegurança era grande, mas a certeza de que era aquela carreira que queria seguir, a movia. Por essa razão, começou a apresentação.
- Me chamo , tenho vinte e cinco anos de idade e vou tocar uma música autoral.
Ao se posicionar com o violão, um dos presentes se pronunciou:
- Queremos ouvir algo diferente da sua demo.
O pedido pegou de surpresa. Ela umedeceu os lábios em um claro sinal de desespero, sua mente vagando por todas as suas músicas. Óbvio que acreditava em si mesmo e em suas composições, mas a que havia enviado como demo parecia ser perfeita para a audição e realmente não sabia qual outra canção tocar.
Até que seu rosto se iluminou em um sorriso. Lembrou-se da música que havia feito no dia em que Jake a abandonara. Tinha negligenciado aquela canção, mesmo reconhecendo que era uma de suas melhores composições, pois a fazia lembrar daquele fatídico dia.
Respirou fundo, achando que seria o momento ideal para dividi-la com aquele pequeno público.
- Ok, eu tenho algumas músicas, posso mostrar outra autoral também.
O homem concordou com a cabeça e ela ajeitou o capotraste na terceira casa do violão, fechou os olhos apenas para sentir cada acorde reverberar dentro de si, a melodia fazendo-a lembrar daquele triste dia, mas também recordando-a de como ela era excelente no que fazia.
Costumava sim ser extremamente crítica com suas composições, mas aquela música ali a trazia uma certeza descomunal de que teria uma chance na indústria pois pouco se via algo tão bom e genuíno no cenário musical.
Ao pronunciar as primeiras palavras, ela abriu os olhos e encontrou olhares assustados em sua direção, não soube interpretá-los, porém. Resolveu não se abater com aquilo e não deixar que sua mente tirasse conclusões precipitadas, continuou tocando e cantando e, quando terminou o refrão, foi interrompida:
- Ok, ok, quanto você quer?
Ela ergueu as sobrancelhas, assustada, pois o tom de voz do homem não era nada amigável e a pergunta não lhe fazia qualquer sentido.
- C-como assim? – perguntou.
- Quanto você quer para não vazar essa música?
Ela negou com a cabeça mostrando-se cada vez mais confusa com o rumo da conversa.
- Essa música é minha – afirmou, vendo o homem soltar uma risada debochada.
- Isso realmente não pode estar acontecendo – negou com a cabeça. – Nós temos um super lançamento programado para essa noite, garota, e essa é a música que vamos lançar. Sim, seu arranjo parece um pouco diferente e algumas frases adaptadas, mas ainda assim, é a mesma música. E não sei como você teve acesso a isso, só preciso que não vaze nada nem nos chantageie pois podemos destruir seu nome no meio antes mesmo da sua carreira de merda começar!
abriu e fechou a boca na tentativa de formular qualquer resposta, sem de fato, conseguir se expressar. Sentiu-se extremamente violada com o que acabara de ouvir e, ainda assim, tentou rebater:
- Eu realmente compus essa música, eu realmente a escrevi, criei o arranjo e inclusive a enviei como demo para algumas gravadoras a meses atrás – explicou. – Eu não estou entendendo.
- Você realmente acha que acreditaremos que a música é sua? Pode nos provar? Tem algum registro?
Óbvio que não, não tinha qualquer registro, sequer tinha dinheiro suficiente para pagar um aluguel, nunca poderia gastar registrando todas as suas composições. Suspirou derrotada, fechando os olhos.
- Eu realmente não sei como vocês conseguiram a minha música, mas eu ainda vou provar sim que eu a escrevi – tentou reunir o que restava de sua dignidade.
- É o que todas vocês falam – o homem riu. – Mas no fim das contas, nós sabemos que, no mundo da música, mulheres só vendem seu corpo pois no fundo nenhuma delas têm talento de fato. Uma mulher nunca teria escrito algo tão bom.
Sem conseguir rebater aquele absurdo, colocou seu violão novamente dentro da capa que o protegia e marchou para longe dali, sentindo as lágrimas rolarem livremente pelo seu rosto.
Tentando ainda entender o que havia acontecido, sua mente reviveu o dia em que havia gravado aquela demo e logo conectou tudo.
Jake não havia apenas a abandonado e furtado todos seus equipamentos. Ele havia também furtado sua música.
Afinal, era justamente aquela composição que ele supostamente deixaria nas gravadoras aquele dia antes do trabalho.
E ao constatar isso, o choro se intensificou e ela precisou parar de praticamente correr e se recostar em um poste qualquer, puxando o ar com dificuldade.
Sentia-se traída em todos os níveis agora, e simplesmente não conseguia acreditar que aquele homem atencioso e carinhoso seria capaz de fazer algo tão sério e baixo.
E se...
E se o lançamento da noite fosse justamente o início da carreira dele? Pensou.
- Não pode ser – sussurrou para si mesma.
Buscou seu aparelho celular dentro da capa do violão que carregava e fez o que não fazia há sete meses, buscou o nome de Jake na internet.
Não demorou muito até que as primeiras mensagens aparecessem, e ela não conseguiu evitar de levar a mão direita até a boca, demonstrando toda sua incredulidade.
O calor não a incomodava mais, as pessoas se movimentando apressadamente pela Hollywood Boulevard passavam como um borrão e sentia o peso do mundo sobre seus ombros.
Jake não só havia conseguido um contrato com uma grande gravadora como também estava em turnê com os Jonas Brothers, abrindo os shows deles pelo estado da Califórnia, como forma de catapultá-lo para o mercado musical.
E seu single, óbvio, seria a música escrita por e todos os críticos do cenário musical estavam aguardando o grande lançamento que seria mais tarde naquele dia.
Com a garganta seca, ela respirou profundamente tentando não se desesperar.
As palavras duras que havia acabado de ouvir somadas à situação que estava vivendo, fizeram com que ela inclinasse o corpo levemente para frente, sentindo seu coração apertar. Sua mente girando em completa confusão e descrença, simplesmente não conseguia aceitar a gravidade daquilo, aquele golpe vindo de quem menos esperava.
Havia presenciado e experimentado o quão tóxico e abusivo um homem pode ser, desde a convivência com seu pai até namoricos que teve na adolescência, mas aquilo ali extrapolava todos os níveis e ela não conseguia sequer ter uma reação.
Jake havia se mostrado a melhor pessoa do universo, compreensivo, respeitador, ouvinte, amoroso e extremamente carinhoso. Era impossível para ela acreditar que ele havia sido capaz de fazer aquilo.
O toque do seu celular a tirou do transe e, como se estivessem conectadas, a voz de soou do outro lado da linha:
- Por que meu coração está apertado desse jeito?
Sem conseguir responder qualquer coisa, apenas soluçou, e aquele som foi o suficiente para entrar em alerta e dar um pulo do sofá, pegando as chaves de seu carro antigo antes de falar:
- Só me envia sua localização, estou chegando aí o mais rápido possível.
manteve-se inerte até a chegada de que, completamente nervosa pelo olhar perdido que a amiga lhe lançou, apenas a abraçou com força, tentando passar toda segurança e apoio naquele momento.
Colocou-a com cuidado no banco do carona, guardando seu violão logo em seguida e dirigindo para longe dali, ouvindo despejar a história bizarra sobre como Jake havia sido capaz de não só quebrar seu coração, mas roubar o seu maior bem, sua música.
- Eu não consigo acreditar que ele foi capaz de fazer isso – rosnou.
Abriu a porta de seu apartamento, deixando espaço suficiente para passar, e assim ela fez, se jogando de qualquer forma no sofá e massageando as têmporas em um claro sinal de esgotamento mental.
- Pois fez – sussurrou. – Minha melhor música, música que ele ouviu no dia que foi embora, inclusive. Ele ficou de entregar minha demo aquele dia, provavelmente ele não foi trabalhar para aprender a música, regravar de alguma forma e cantar, ou até, quem sabe, ele tinha um teste como o que eu tive hoje e decidiu surpreender cantando a minha música.
- Inacreditável! – se sentou ao lado da amiga. – É isso que eu te falo, não dá para gostar de homem, , homem é castigo na nossa vida, a prova de que orientação sexual não é escolha é justamente isso aí – apontou para a amiga. – Ninguém em seu juízo perfeito escolhe gostar de macho.
Respirou fundo tentando não achar graça da fala de sua amiga, recostando o corpo no encosto do pequeno sofá velho antes de falar:
- Bom, esse não é o primeiro e nem será o último tombo que eu vou tomar na vida, não é mesmo – tentou sorrir. – Eu vou sobreviver, e eu vou deixá-lo sentir o gostinho da fama, mas por pouco tempo, babe, porque eu estou chegando e eu estou chegando para acabar com a carreira dele.
- Essa é a minha garota!
E com uma força invejável e ainda mais vontade de realizar seus sonhos, se levantou do sofá, dizendo:
- Então vamos logo agir a vida porque as mesas daquele bar não se servirão sozinhas.
rolou os olhos mas manteve um sorriso nos lábios, admirando mais ainda sua amiga.

*******************

rolou os olhos quando, dentro do vestiário dos funcionários, ouviu sua música tocar em alto e bom som no salão principal do bar em que trabalhava. Mesmo as grossas paredes e o extenso corredor não pareciam capazes de abafar o som que trazia sua ruína mental, especialmente considerando que a música estava no topo de todas as paradas musicais por duas longas semanas e tocava, literalmente, em todos os lugares.
Jake agora era um ídolo.
Colecionava milhões de fãs nas redes sociais, com todas suas contas verificadas em suas redes sociais. O típico rostinho-bonito-talentoso-no-auge-da-carreira.
Respirou fundo tentando se manter neutra àquilo, principalmente porque aquela batida pop maçante havia destruído a letra que ela escreveu com tanto amor e cuidado, com seu coração aberto e sincero.
Fechou o armário e amarrou o avental na cintura, preparando-se para mais um turno de trabalho. Quando se virou em direção a saída, a voz grave de Richard se fez presente, dizendo:
- Eu preciso que você cubra a cantora que faria o show ao vivo hoje.
arregalou os olhos com as palavras quase que emboladas proferidas pelo homem barbudo a sua frente. Terminou o laço que prendia o avental em sua cintura e umedeceu os lábios, perguntando:
- O que?
- Você canta, não canta? – fez uma pergunta retórica e ela apenas confirmou com um aceno. – A cantora que viria hoje acabou de avisar para a banda que não virá – explicou. – Eu já liguei para a e ela está vindo cobrir seu turno e você, mocinha, vai para o palco.
- Mas...
Tentou argumentar, mas o olhar de desespero de Richard era nítido e ela simplesmente não conseguiu rebater quando ele a confrontou:
- Não é teu sonho estar na porra de um palco? Vai logo, você tem menos de vinte minutos para revisar o repertório com a banda e ajeitar os detalhes com eles antes de iniciar o show!
A mulher afirmou com a cabeça, retirando o avental com as mãos antes de jogá-lo de qualquer jeito por ali. Um misto de adrenalina e felicidade percorria suas veias e ela sorriu abertamente antes de, sem pensar direito, se jogar nos braços de Richard e dar-lhe um abraço apertado, dizendo:
- Eu vou dar o meu melhor e juro não te decepcionar!
Ele sorriu com a inesperada demonstração de afeto e concordou com a cabeça ao vê-la correr para longe dali em direção ao palco onde o resto da banda terminava de montar o som para o show que teria aquela noite.
Não era uma banda famosa, óbvio, eram músicos que tocavam na noite de bar em bar, mas ainda assim, aquela seria uma de suas primeiras experiências no palco, de frente para um público, e o nervosismo a corroía por dentro.
Mas também a empolgação, a felicidade, o prazer de cantar, mesmo que não fosse algo seu.
Conversou rapidamente com os outros músicos, analisando o setlist da noite, cortando as músicas que não se sentia segura para cantar e alterando o tom de outras, enfim, fechando todos os detalhes que poderiam ser alterados de última hora antes de finalmente começarem o show.
O sentimento de pertencer, de estar onde deveria estar, de viver seu sonho, mesmo que em escala reduzida, fez com que ganhasse vida. Foi como um sopro de ar fresco em meio aos dias nublados e carregados que vivia desde que tudo acontecera há duas semanas.
Se permitiu ser feliz de novo, se sentiu completa, preenchida, cheia de um sentimento de realização que por muito tempo não sentia.
E a forma com que o público se conectou a ela foi inexplicável.
Ela havia nascido para aquele momento e nada nem ninguém podia dizer o contrário.
Ela captou a atenção de todos os presentes, levou aquele pequeno público a cantar com ela, dançar, se divertir.
Em dado momento, seu olhar se conectou ao de que a observava no meio das mesas do bar. A morena fez um sinal com as mãos aprovando a performance da amiga que apenas sorriu em resposta enquanto aguardava a introdução de mais uma música.
- Você a conhece?
A voz feminina ao seu lado se fez presente, e, em um pequeno pulo de susto, desprendeu seu olhar do palco e encarou a mulher deslumbrante ao seu lado.
- S-sim – respondeu. – Ela é garçonete aqui, foi pega de surpresa para cantar hoje já que a cantora que viria deu um bolo na banda – explicou a situação. – Tudo certinho aqui na sua mesa? Precisando de algo?
- Tudo certo – a mulher respondeu. – Ela não ensaiou então?
Apontou para o palco, referindo-se à .
- Não – explicou. – O dono daqui sabia que o sonho dela é ser cantora e daí perguntou se ela poderia quebrar esse galho hoje à noite.
- Isso é inacreditável, ela é extremamente talentosa! – comentou. – A propósito, meu nome é Karina, Karina Garcia, sou produtora musical e estou extremamente encantada pela forma que ela preenche esse palco.
abriu e fechou a boca algumas vezes, sem saber como agir, mas tomada de um medo desenfreado de, de alguma forma, prejudicar a amiga ou deixar aquela chance passar, ela soltou:
- Ela é compositora também! – exclamou, empolgada. – Das boas, viu? Toca um tanto de instrumento e sonha muito em conseguir um espaço no mercado – sacudiu as mãos, mostrando-se aflita. – Eu juro que ela é muito boa, ela só precisa de uma chance! Eu sei que você deve escutar isso o tempo todo, mas a gente não tem nem onde cair morta, literalmente! Dividimos um cubículo de apartamento e ela bate na porta de gravadora em gravadora atrás de uma chance de provar o talento que tem, se você pudesse ouvi-la, só uma música autoral, só uma, eu te juro que não vai se arrepender!
Karina sorriu do quase desespero da morena de cabelos cacheados a sua frente. A paixão dela em apoiar a amiga, ignorando todas as mesas que tinha que servir aquela noite, fez a produtora cruzar os braços e falar:
- Ok, dê um jeito de pedir que ela apresente uma música autoral que eu estarei bem aqui assistindo – ergueu as sobrancelhas. – Se eu vir o mínimo de potencial, eu deixo meu cartão com ela.
sorriu animada e quase que correu em direção ao palco. A movimentação sendo captada pelo olhar atento de que, ao sentir a amiga se aproximar, aproveitou o momento do solo de guitarra para encontrá-la no canto do palco.
- Toca uma música autoral, a que você me mostrou ontem.
- Que? – enrugou o nariz.
segurou as mãos da amiga e a olhou bem dentro dos olhos, e, buscando passar toda verdade que tinha dentro de si, respondeu:
- Confia em mim e toca a música.
Sem saber ao certo o porquê, apenas concordou com a cabeça e voltou correndo até o pedestal, finalizando a canção que cantava naquele momento.
Os aplausos preencheram o ambiente e ela, meio incerta do que fazer, começou a falar:
- Bom, o que eu vou fazer aqui agora não foi ensaiado, na verdade, nada disso aqui foi ensaiado – riu. – Acho que vocês repararam, eu estou vestindo pare do uniforme de garçonete e sim, eu trabalho aqui e fui pega de surpresa quando meu chefe me falou que a cantora não viria hoje – explicou. – Mas a banda já tinha um setlist preparado e por sorte eu conhecia a maioria das músicas, então conseguimos improvisar bem até aqui. Mas eu gostaria de mostrar algo que não combinei previamente com eles, gostaria de dividir com vocês uma canção autoral que escrevi há duas semanas e só ontem eu tive coragem de dividi-la com alguém. Você se importa se eu usar seu violão?
- De forma alguma! – o rapaz da banda gentilmente retirou o instrumento, ajustando o talabarte na altura adequada para .
Ela continuou:
- Eu me mudei para Los Angeles atrás de um sonho, esse sonho me move e eu não vou desistir até conquistá-lo – respirou fundo. – Mas ser mulher em uma sociedade machista é um desafio, e a indústria musical ainda é regida por homens. Já recebi muitos nãos – aceitou o instrumento que o rapaz lhe entregou, posicionando-o em seu colo, com a alça em seu ombro. – Não porque sou magra demais, não porque meu corpo te curvas demais, não porque eu não sou sexy o suficiente, não porque não sou alta o suficiente, mas nunca um “não” justificável pela minha música ou meu talento – suspirou. – O auge foi quando meu ex namorado, uma pessoa que eu confiava muito, sumiu da minha vida sem explicações e dias depois garantiu um excelente contrato em uma gravadora e se lançou com uma música que ele roubou de mim.
O tom vermelho vivo de suas bochechas denunciava a raiva que sentia, e, querendo acessar aquele sentimento para performar aquela canção com verdade, permitiu-se fechar os olhos e imaginar a imagem de Jake.
- Essa música se chama “The Man”.
Com o violão em mãos, ela começou a tocar a música que expressava todo seu descontentamento em, como mulher, ser apenas vista como um objeto na indústria musical, sem nunca ter seu talento reconhecido ou explorado. Só servia se fosse um produto visualmente agradável, do contrário, era descartada.
Mas ela acreditava em seu potencial como cantora e compositora, e era isso que queria demonstrar naquela canção.

I’m so sick of running as fast as I can
(Eu estou tão cansada de correr o mais rápido que consigo)
Wondering if I get there quicker if I was a man
(Me perguntando se chegaria lá mais rápido se fosse homem)
And I’m so sick of them coming at me again
(E eu estou cansada deles vindo atrás de mim de novo)
‘Cause if I was a man
(Porque se eu fosse um homem)
Then I’d be the man
(Então eu seria o cara)

Karina não conseguia desviar o olhar da garota no palco, com aquele violão, cantando aquele hino feminista com propriedade e com certa fúria no olhar, demonstrando que ela realmente estava irritada com aquela situação, não aguentava mais correr atrás de algo que ela sabia que era boa o suficiente para realiza-lo, mas que o machismo estrutural presente na sociedade e, principalmente, no meio musical, fazia com que ela não saísse do lugar mesmo que corresse muito.
Quando o som do último acorde ecoou, um silêncio se fez presente e, por milésimos de segundo, ela imaginou que a música não havia sido bem recebida ali. Mas a insegurança logo deu lugar à emoção quando, em um rompante, gritos e aplausos fizeram-se presente e todas as mulheres presentes se levantaram para aplaudi-la, sentindo-se representadas pelo que haviam acabado de ouvir.
E isso incluiu Karina que, com um enorme sorriso no rosto, aplaudiu de pé, vendo nela um enorme potencial para seguir carreira na música.
Com o coração acelerado e os níveis de adrenalina altíssimos, devolveu o violão ao rapaz que a havia emprestado o instrumento, curvando-se diante do público e recebendo os aplausos de bom grado.
Como compositora, seu maior sonho era aquele, que outras pessoas ouvissem e se identificassem com a sua música.
Era tudo que desejava, poder tocar aquilo que estava em sua alma, poder mostrar sua arte para o mundo, ela só queria tocar sua música todos os dias e todas as noites, pois sabia que esse era seu propósito.
Desceu do palco sentindo as bochechas doerem graças ao sorriso que não abandonava seu rosto. Algumas pessoas a parabenizavam pelo caminho e ela não conseguia não sorrir ainda mais.
- Meu Deus, ! – exclamou, assim que viu a amiga. – Essa é a sensação mais louca da minha vida toda!
- Você nasceu para isso, meu amor, eu sempre soube! – puxou-a para um abraço. – Eu te pedi para cantar essa música porque queria que você mostrasse todo seu potencial, não só para esse público mas para uma pessoa em especial.
entrelaçou seus dedos aos de e a guiou em direção à mesa onde Karina estava sentada. A produtora bebericou sua cerveja antes de abrir um sorriso em direção a garçonete que puxava a amiga de forma quase que desesperada em sua direção.
- Olá, – a produtora sorriu.
sentiu o chão se abrir debaixo dos seus pés. Óbvio que ela conhecia Karina Garcia, óbvio que ela conhecia a produtora que garantiu uma série de prêmios naquele ano com seus trabalhos com o John Mayer e o Nick Jonas, é óbvio que, ligada ao cenário musical e às novidades do mercado, ela sabia exatamente com quem estava falando naquele momento.
Por essa razão, soltou:
- Meu Deus – levou as mãos ate a boca. – Karina Garcia!
- Eu mesma – Karina sorriu. – Pode me chamar de Kari – esticou o braço na direção de , oferecendo-lhe um abraço que foi correspondido de forma nervosa. – Eu amei sua apresentação, e sua música...wow, estou sem palavras para elogiar.
- Isso não pode estar acontecendo – sussurrou para si mesma.
- Óbvio que está, mulher! – interrompeu. – Eu tenho algumas mesas para servir. Você, mocinha, pode ficar aí que eu vou te cobrir pelo resto do turno.
A morena piscou em direção a amiga, saindo dali com sua bandeja, deixando para trás uma completamente nervosa, porém, esperançosa com aquela grande surpresa do destino.
- Bom, você pode se sentar, se quiser, eu gostaria muito de ouvir sua história.
Karina apontou para a cadeira vaga a sua frente, assistindo concordar com a cabeça e se sentar, cruzando os braços antes de perguntar:
- Ouvir minha história?
- Sim – Karina umedeceu os lábios. – Eu gosto de saber o que leva as pessoas se interessarem pela música, sabe? O que as cativa a ponto de se tornarem tão excelentes no que fazem, tão apaixonadas, tão...entregues.
Bebericou sua cerveja, mantendo o olhar sobre a cantora a sua frente.
- Você acha que eu sou boa? – , ainda em negação, perguntou.
- Eu tenho absoluta certeza disso, – sorriu, amigável. – Mas além disso, eu quero conhecer o que te faz ser apaixonada pela música, é isso que me motiva a produzir, e não sei, mas algo me diz que isso aqui pode ser o começo de uma excelente parceria.
Karina ergueu a mão em direção à que, atentamente, as observava, e por isso logo se aproximou.
- Pois não.
- Mais uma cerveja para mim e algo que ajude a a relaxar e parar de me encarar como se eu fosse um fantasma – riu.
- Anotado – sorriu também e olhou para a miga. – Perde a oportunidade da sua vida por timidez e insegurança que eu juro que arranco seus cabelos com minhas próprias mãos.
Estreitou os olhos em um claro sinal de desafio e saiu dali indo em direção ao bar.
E então, após respirar profundamente, abriu seu coração, compartilhando com Karina cada fase de sua vida, cada dificuldade que passou, cada situação que a levou até onde estava naquele momento, mostrando que, por todos esses momentos, a música esteve presente.
Quando começou a contar sobre o último episódio, onde Jake havia usado sua música, ouviu Karina perguntar:
- Foi o Jake, não foi?
O tom de certeza na voz da produtora fez com que inclinasse o corpo para trás e estreitasse as sobrancelhas, confusa.
- Como você...
Deixou que a pergunta ficasse no ar, de tão atônita que estava ao saber que Karina havia percebido sobre quem estavam falando.
A produtora deu um meio sorriso, negando com a cabeça antes de falar:
- Minha intuição não falha nunca, impressionante! – bebericou sua cerveja. – Eu estava na gravadora no dia que o Jake chegou para fazer o teste presencial, teste esse que, creio eu, você sequer fazia ideia.
- Nem imaginava – respondeu. – Ele saiu de casa falando que tinha algumas demos para entregar e que depois viria para cá.
- Homens – Karina rolou os olhos. – Claramente ele te via como uma ameaça, , e depois que te vi nesse palco eu sei exatamente o porquê, você é infinitamente mais talentosa que ele!
se permitiu abrir um sorriso convencido, tentando conter a expressão de satisfação ao morder o lábio inferior e negar com a cabeça.
- Mas como você ligou os pontos?
- Ele estava, nitidamente, muito nervoso – explicou. – E óbvio que isso não é, por si só, algo que levanta suspeitas, considerando que era um teste e é natural que a pessoa fique nervosa. Mas no caso dele, era um nervosismo diferente, estava inquieto, demorou um tempo para se lembrar da letra da música, disse que ainda não sabia toca-la no violão pois havia acabado de compor e, na saída, eu esbarrei nele sem querer e ele deixou cair um pen-drive com seu nome. Óbvio que não estranhei nem perguntei nada, mas, agora faz todo sentido.
fechou os olhos por alguns instantes, tentando não chorar. Um choro de raiva estava preso em sua garganta desde que tudo aconteceu e ela não conseguia não odiá-lo, mesmo que aquele sentimento fosse forte e negativo demais para alguém como ela.
- Kari, eu juro, eu só queria a chance de cantar a minha música! Quando eu estou no palco é quando eu me sinto viva, de verdade, completa e feliz, é um sentimento inexplicável e é injusto demais saber que uma música minha tinha esse potencial e foi roubada de mim.
- Eu acredito em você.
Karina buscou as mãos de por sobre a mesa e entrelaçou seus dedos aos dela, vendo a cantora lhe lançar um olhar emocionado.
Tudo que precisava ouvir naquele momento era aquela frase, a frase que sua mãe costumava dizer, a frase que trazia a certeza de que pelo menos alguém acreditava nela além dela mesma, a certeza de que tinha sim o potencial que acreditava ter. E, naquele momento, não havia sentimento melhor do que ter uma das maiores produtoras musicais da atualidade lhe afirmando de que ela era boa, boa demais.
- Eu só preciso disso, Karina, eu só preciso de uma chance e eu prometo que não vou te decepcionar.
A produtora sorriu em resposta.
- Você sabe, tirando o John eu raramente trabalho com homens, prefiro dar espaço para as mulheres crescerem na indústria e se hoje eu atingi esse nível de reconhecimento, nada mais justo do que ajudar outras artistas, como você, a crescer também – deu de ombros. – Eu vou te ajudar, , e não só esse país mas todo o mundo conhecerá a força de .


2020 – What’s driving me is following my dreams

A movimentação no tapete vermelho era intensa, aquela era uma das premiações mais importantes da música, e, quem se destacasse na noite, teria, sem dúvida, o olhar de todos os renomados críticos musicais e, ainda, sairia na frente na corrida para garantir um Grammy.
Jake suspirou pesadamente, enquanto ajeitava sua roupa após atravessar o tapete vermelho, dando algumas entrevistas superficiais no caminho.
Ele era um dos principais indicados da noite e concorria, na maioria das categorias, com uma cantora misteriosa que atendia pelo codinome The Man e ela era o comentário da noite, o que o deixava profundamente irritado.
- Como foram as entrevistas?
Ouviu seu assessor perguntas, ao se aproximar do corredor que o levaria até o salão principal onde acontecia o evento.
- Todos querem saber o quão ameaçado eu me sinto por competir com essa tal de The Man – resmungou.
- E você está se sentindo abalado por isso? Essa estratégia de se esconder já está bem ultrapassada, Jake, esse single feminista dessa cantora que sequer conhecemos o rosto nunca conseguiria desbancar a sua música – o homem garantiu. – Foco! Hoje é a sua chance de brilhar, sua primeira apresentação ao vivo em uma premiação importante e televisionada, além das inúmeras indicações.
O rapaz respirou fundo. Queria dizer que estava amedrontado sim, pois, mesmo que não conhecesse o rosto da The Man, a voz lhe era bem familiar e, por mais que não quisesse trabalhar com aquela hipótese, no fundo ele sabia que poderia ser , mesmo que considerasse impossível.
Havia, inclusive, mandado um amigo ir até o bar em que costumava trabalhar para conferir se a mulher ainda era garçonete no local, e por mais que estivesse aliviado por saber que sim, ela ainda estava trabalhando lá, ele ainda sentia dentro de seu coração que e The Man eram a mesma pessoa.
A premiação se seguiu e, sem perceber, Jake olhava ao redor, aflito, buscando pelo rosto que conhecia tão bem. O medo quase o impediu de fazer sua apresentação, mas esforçou-se para dar seu melhor, que, óbvio, não havia sido o suficiente para seu assessor que o recebeu nos bastidores com uma cara péssima.
- Onde você estava com a cabeça? – o homem perguntou, furioso. – Nós investimos pesado em você, garoto, para na sua primeira performance televisionada você dar uma dessas?
- Eu estava nervoso, desculpa – foi o que ele disse.
- Você sabe o que a crítica faz, não é? Lista os pontos altos e baixos do evento, você já perdeu duas categorias para essa tal de The Man que sequer apareceu por aqui ainda, e agora faz a pior apresentação da noite. Sinceramente, eu não tenho nem palavras para isso.
O homem marchou de volta para o salão e Jake, quando se virou para fazer o mesmo, foi interrompido por uma voz que conhecia bem demais.
- Ora, ora se não é meu amigão do turno da noite – cruzou os braços.
- ? – estreitou as sobrancelhas. – Está fazendo um bico de garçonete no evento? Desculpa, mas preciso que finja que não nos conhecemos – foi cínico.
A mulher negou com a cabeça, achando a atitude inacreditável.
- Ficou famoso às custas da e agora quer pagar de estrela para cima de mim, sinceramente, você é muito pior do que eu imaginava, viu.
- O que você quer, ? Eu preciso voltar para lá – apontou para o salão.
A mulher abriu um sorriso debochado e negou com a cabeça ao falar:
- É exatamente isso que eu quero, que você volte para o seu lugar e assista de camarote o que irá acontecer aqui.
Jake resolveu não discutir, pois, no fundo, sabia o que estava acontecendo, estava apenas em um estado de negação. Caminhou até a poltrona marcada para ele se sentar após a apresentação e ouviu quando anunciaram a performance mais esperada da noite.
- Torça para essa garota não ser tão boa assim – seu empresário reclamou.
E com o som ensurdecedor dos aplausos e gritos de incentivo dos presentes, a introdução da música “The Man”, escrita por , soou pelos amplificadores.
E sem qualquer disfarce ou fantasia, a mulher apareceu nos fundos do salão, descendo os degraus lentamente em direção ao palco. Completamente deslumbrante em um terninho que moldava seu corpo perfeitamente bem, com uma calça de alfaiataria e sapatos social pretos. Uma roupa para muitos bem masculina, que contrastava com a maquiagem impecável que ressaltava seu olhar, carregado de orgulho por estar ali, finalmente, mostrando o rosto por trás daquele single que encabeçava todas as listas de músicas mais tocadas há quase um mês.
- Aos homens que, pelo simples fato de serem homens, acharam que me impediriam de estar aqui – desceu mais alguns degraus. – Aos homens que nunca me avaliaram como artista, mas como um objeto – olhou para o lado e reconheceu um dos produtores que a havia assediado em uma audição que fizera. – Especialmente, ao que entrou na minha vida como se fosse um bom moço, me prometeu o mundo, sonhou comigo, e no final me traiu da forma mais suja e anda por aí como se fosse o cara – parou ao lado da fileira onde Jake estava, encarando-o nos olhos e vendo-o engolir seco, o que escancarou o sorriso em seu rosto. – Adivinha, babe...eu sou o cara!
E com isso, ela começou a cantar, andando em direção ao palco que se iluminou, mostrando todo cenário montado para a apresentação, com uma banda composta apenas por mulheres a acompanhando.
Todo público se levantou, eufórico.
Aplausos e gritos de excitação preenchiam o ambiente e a forma com que controlava o palco e levava a multidão à loucura era hipnotizante.
E naquela noite, ela garantiu todos os prêmios em todas as categorias que havia sido indicada.
E gosto da vitória foi ainda maior ao ver a cara de desespero de Jake.
Não se deu ao trabalho de tirar qualquer satisfação, ou cobrar qualquer explicação, sequer se preocupou em dirigir-lhe a palavra.
Havia aprendido uma coisa, o talento que carregava dentro de si era maior do que qualquer tentativa de derrubá-la. Havia descoberto o quão boa era, e agora, com a auto confiança que tinha, entendia que Jake não valia seu tempo.
Sua mãe havia acreditado nela.
acreditava nela.
Karina acreditava nela.
E agora, ela acreditava em si mesma.
E isso foi o suficiente para que realizasse o sonho daquela menina pobre que se escondia na música a cada nova discussão de seus pais.
E seu sonho era apenas esse.
Ela só queria tocar sua música.
Todos os dias.


Fim



Nota da autora: Sem nota.

Nota da Scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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