02. Seoul

Finalizada em: 13/01/2022

Novembro de 2018

— Eu me lembro de ouvir você dizer que não abandonaria essa cidade nem mesmo por milhões de dólares em sua conta. Nem por um piano exclusivo.
respirou fundo, colocando as mãos dentro dos bolsos da jaqueta. Mirar o horizonte pareceu ser mais fácil naquele momento, vendo o máximo que conseguia do ângulo em que estava na ponte. Um suspiro saiu de forma automática enquanto brigava internamente contra o próprio bolo formado na garganta por aquela vontade imensurável de tragar para seus pulmões a nicotina; sentia-se completamente atordoado, mesmo que já estivesse perto de completar um ano, o que o trazia para o martírio de todos os dias: já não estava demorando demais para seguir em frente?
Riu nasalado com a falta de vontade em responder a própria dúvida, desistindo de lutar contra si e tirando do bolso da jaqueta o maço e isqueiro, tendo total destreza para acender o cigarro e deliciar-se com a sensação relaxante que lhe dava. Não era a visão da cidade a noite que o fazia se acalmar, muito menos as caminhadas incessantes ou passeios de bicicleta – coisas que, num passado nem tão distante, eram extremamente apreciadas com alegria por ele e que tinha ficado lá atrás. A motivação não era mais a mesma e ele sequer tinha algum lapso de recuperá-la. Nem mesmo se deslumbrava com as cores vibrantes da iluminada capital coreana, tampouco tinha qualquer esperança em retorno. Tudo parecia mais fácil e ele se entorpecia com a droga.
E era completamente estranho se sentir assim, tão cinza em meio a tantas cores.
Segurando o cigarro por entre o indicador e o dedo médio, afastou a droga de seus lábios, torcendo-os em um bico. Se recusava a chorar copiosamente no meio da rua outra vez, mas não tinha mais como evitar tanta angústia e repúdio. Fora tão feliz por um tempo que sequer pensou na realidade e como ela pode ser difícil para quem está despreparado, em comparação aos que se preparam. Mas, afinal, como ele iria saber que precisava se preparar para algo enquanto estava sendo tão feliz como nunca havia sido? A utopia tinha o pego de jeito, fazendo ele se cegar e viver apenas aquilo que lhe trazia o bem, sendo egoísta de um ponto de vista realista.
Porém, era um sentimento que o cercava por agora, depois da tragédia, de forma tardia. Até porque ele não tinha completa noção da realidade, não sabia o que estava acontecendo e tampouco imaginava que o amor de sua vida guardava um segredo monumental.
Ele só estava a amando, não se preocupando com o tempo sendo contado, indo contra a qualquer lei física.



Dezembro de 2017

O ar fez falta e cessou o beijo assim que chegou ao ápice. Saiu de dentro dela, tendo o cuidado de puxar o lençol para cobri-la, embora estivessem dentro do apartamento, com vidros fechados, se protegendo do frio, ainda assim não a queria pegando um resfriado — estava apresentando alguns sintomas de gripe nos últimos dias e se via mais preocupado com o passar da situação, visto que a namorada não era tão preocupada assim quando o assunto se tratava de saúde. Os dois corpos permaneceram deitados na cama, de barriga para cima, encarando o teto, enquanto recuperavam a ordem correta da respiração.
— Estava pensando, podemos ir para a casa de Li-ah e Beomgu no ano novo. — foi a primeira a dizer, virando-se de lado para ele. — Dizem que a praia de Sokcho vai ficar aberta por uns três dias no inverno, podíamos aproveitar pra tirar aquelas fotos segurando areia e neve que sempre comentamos, lembra?
— Neve e maresia? No seu estado? — Ele levantou uma sobrancelha — Acho que podemos pensar em outra coisa.
— Lá vem você de novo… — revirou os olhos e voltou a olhar o teto. Um inspirar mais fundo irritou a garganta, fazendo-a tossir mais uma vez — Isso não é nada demais. Passamos em qualquer farmácia e resolvemos o problema.
— Acho que um repouso resolveria bem mais do que essas soluções temporárias.
— Ah, não — ela bufou, erguendo o corpo para se sentar, tossindo mais uma vez enquanto vasculhava as gavetas da mesinha de cabeceira — Não me venha com esse papo de repouso, , não às portas do ano novo. — O maço estava na metade quando o pegou do cubículo. Ela virou-se de bruços após acendê-lo, olhando para o homem que balançava a cabeça negativamente.
— Você não sabe mesmo a hora de parar — um pequeno sorriso escapou de seus lábios. Conseguindo puxar o cigarro dos dedos da garota, ele os levou até os seus próprios, mantendo-os longe dela o máximo que conseguisse.
— Não quero parar, quero viver. Imagine se deitar e ver o dia começar e terminar na mesma posição? É o próprio inferno. Dias e mais dias jogados para fora da janela. — ela tentou pegar o cigarro de volta, mas ele prontamente, se esquivou de suas mãos, com uma risada. cerrou os olhos em divertimento. — Se vai cortar o meu barato assim, deveria fazer isso em Sokcho, junto com Li-ah e Beomgu.
expirou a fumaça. Ela se assemelhava muito com a visão do céu e do rio Han que se misturavam do lado de fora da janela do quarto de . Cinza, desbotada. Como se a felicidade não pudesse existir do lado de fora, apenas por dentro dos outros blocos de concreto iluminados rodeando a cidade.
Nessa época, essa era uma verdade aceitável para . Vendo sorrir e voltar o corpo novamente para cima, erguendo o queixo para olhá-lo ao contrário e se preparando para começar uma nova piada sobre seu jeito ainda desajeitado de fumar, soava como a vertente principal da harmonia e satisfação que ele nunca pensou existir em Seoul.

Dezembro de 2019

Respirar fundo era um ato comum, algo que servia bem para aliviar estresses momentâneos, mas nos últimos tempos soava mais como uma forma de terapia para . Uma terapia de consultas regulares, sem previsão de alta ou um quadro com melhoras. Se via apegado ao ato banal em muitos momentos durante seu horário útil de trabalho, o que poderia durar mais de doze horas dependendo do dia da semana, principalmente em época de temporada, quando o turismo aumentava; nestes casos ele precisava ficar mais tempo no prédio da empresa, analisando relatórios e mais relatórios por seu papel de gestor de qualidade de um dos maiores grupos de restaurantes de tão famosa Itaewon. Então, respirar fundo passou a ser como uma marca registrada de seu dia, não sendo mais somente de momentos que estava lendo os documentos ou quando se lembrava que precisava desestressar.
respirava fundo em qualquer ocasião, até mesmo em reuniões importantes, como a qual estava se encerrando numa sexta-feira de muita neve.
— Qual nosso destino de hoje? — Saeoryi foi a primeira a se levantar, com seu tablet em mãos e um sorriso empolgado, enquanto observava os colegas terminarem de juntar suas coisas.
— Estava pensando em uma boate, é algo bom para uma despedida. — A primeira resposta veio de U-Jun, ele também se levantou, ajeitando seu notebook embaixo do braço. — O que acha ? — olhou diretamente ao amigo, esperando uma resposta positiva dele.
Entretanto, U-Jun conhecia muito bem o outro para saber de sua vida fora das paredes empresariais, então se sentiu mal por sua falta de tato. Era uma época complicada e difícil para , ele sabia, e muito provavelmente tudo o que ele mais gostaria naquele momento seria ir para casa e se envolver no luto que ainda não havia passado. Seu olhar, porém, não foi direcionado com pena para , mas sim cheio de esperança de que pudesse receber uma resposta diferente da esperada.
Mas a feição impassível de o deixou murcho.
— Para quem precisa se despedir deve ser sim muito interessante. — Ele respondeu, sério. Puxou sua maleta de cima da mesa e ajeitou os óculos com o indicador, antes de curvar-se brevemente para os demais e rumar para fora da sala.
Foi a quarta vez em menos de prováveis dez minutos que respirou fundo, absorto dentro do próprio mundo preto e branco, que o deixava completamente irritado com as bordas externas coloridas. Era como se aquelas luzes de natal e a empolgação dos outros pudessem lhe transformar em um Grintch da atualidade — e não era um problema com a felicidade de todo mundo, causado por inveja, era somente sua dor que aflorava a cada dia; a cada memória que o fazia sentir como se não tivesse aproveitado o suficiente de . Seria mais seguro, portanto, ir direto para casa e viver em seu próprio quadro livre de uma aquarela. Mesmo que já fizesse tempo o suficiente para ter se acostumado com a perda, iria se apegar a ela em mais uma sexta-feira sozinho, apoiado em uma garrafa de vinho.
Um barato qualquer, assim como gostava.
Sem notar, de forma robotizada, já estava adentrando o elevador com os outros e escolhendo o andar da garagem para descer. Ao erguer o rosto, depois do breve cumprimento para aqueles que iriam dividir um pequeno metro quadrado por alguns segundos, viu U-Jun correr ao mesmo tempo que pedia para segurar a porta do elevador. E o fez, colocando apenas seu pé para que o sensor notasse a presença de alguém ali e não fechasse. Não demorou e o amigo estava ao seu lado, com o mesmo sorriso no rosto e brilho nos olhos. Também, pudera, Chu U-Jun fora promovido e iria viajar o mundo em busca de novidades que pudessem incrementar no cardápio universal dos restaurantes do grupo Yiankee.
Somente uma pessoa amarga não estaria feliz. Ou alguém dividindo espaço com o luto, igual . E ele se sentia mal por não conseguir corresponder à felicidade do outro, até se esforçou para que ele soubesse que não era algo pessoal envolvendo aquele lance do trabalho. O que estava lhe confortando era o fato de U-Jun lhe conhecer muito bem para saber que não haveriam muitas pessoas tão felizes por seu sucesso assim como o melhor amigo; só não conseguia ser a melhor pessoa naquele momento de sua vida para se esforçar tanto ao ponto de conseguir esconder a própria tristeza e viver a felicidade de alguém tão importante.
As outras pessoas que ocupavam o mesmo espaço foram ficando pelo meio do caminho, sua grande maioria desceu no térreo, ficando somente , U-Jun e um outro funcionário de algum departamento mais baixo. Cordialmente se cumprimentaram e somente os dois amigos caminharam lado a lado até suas vagas, sendo porque U-Jun insistia que por serem tão amigos e ele ter indicado para a vaga que ocupava, deveriam estar ali um ao lado do outro. Algo simbólico para seu coração sempre doce e gentil.
— Até segunda. — resolveu acenar, assim que parou ao lado de sua porta, destravando o alarme. U-Jun estava de costas, fazendo o mesmo em seu veículo, e virou, deixando o corpo de lado para encará-lo.
— Achei que não diria nada. — Lhe lançou um sorriso simples. — Mas meu melhor amigo está aí ainda, é muito bom saber disso — apontou com a chave para a direção dele.
se esforçou para não revirar os olhos, mas se manteve tenso. Talvez U-Jun não o entendesse tanto assim.
Ou ele estava sendo um tremendo pé no saco.
— Dirija com cuidado até sua casa. — U-Jun completou, vendo que não teria uma resposta. — Está nevando.
— Tudo bem. — Foi a única coisa que conseguiu dizer, vendo-o lhe dar as costas.
Os dois entraram em seus respectivos veículos e U-Jun foi o primeiro a sair de sua vaga, logo fez o mesmo e saiu da garagem, se deparando com a pouca neve que caía do céu. Não demorou muito e ligou o som, deixando tocar em qualquer rádio, para seu desgosto à personalidade de Grintch: tocava uma sequência de músicas de natal, não podendo faltar a tão famosa e de marca registrada da Mariah Carey.
gostava não só da música, mas da Mariah.
Na verdade, não existia algo que ela não gostasse de fato. Num cenário com uso excessivo de incertezas, tinha a convicção de que era uma raridade para o termo eclético, pois ela realmente não tinha preferências diretas e nunca se recusava a provar algo novo. Consumir o que o mundo tinha a lhe oferecer era uma das coisas que ela dizia ser responsável por lhe mover; dito isso, era um dos motivos reais que a levaram a sair da Arábia e, depois de mochilar pelo mundo, criar raízes em Seul.
“Eu nunca amei tanto estar em um lugar como aqui”, ela disse para ele em uma noite calorosa e estrelada, no topo de Namsan, com seus olhos brilhando.
Brilhava tanto quanto os letreiros da conveniência em que estacionava seu carro para comprar o jantar de microondas daquela noite e para o final de semana e seu vinho barato. O fraco movimento foi agraciado pela sua vontade absurda de ir embora logo e ficar no silêncio de seu apartamento; não só por suas escolhas objetivas, mas a agilidade do garoto no caixa em cobrar sua compra, o fez estar de volta em seu carro rapidamente. E assim que deu a partida outra vez, foi avisado por seu telefone conectado no bluetooth do sistema operacional que tinha uma nova mensagem de voz no aplicativo de conversas.
Era U-Jun.
Um áudio.
Dois minutos.
Poderia ser uma trilha sonora interessante para cobrir metade do tempo que levaria até seu condomínio. Deu play pelo botão no volante.
Eu fiquei pensando em como lhe dizer isso. Não só porque não quero ferir seus sentimentos, mas porque também quero que entenda que é não é pelo seu mal.
Somente pela introdução ele já tinha noção do que se tratava. Deixou a mensagem continuar a ser reproduzida.
Não sei como funciona essa parada sobre o tempo, . Mas sei que ele é relativo. Podemos estar na mesma era e rotina, mas cada um de nós vive ele de forma diferente. E está tudo bem. — U-Jun fez uma pausa. — Só que eu não posso me manter cego enquanto te vejo cada vez mais cinza e não tentar se dizer algo que possa lhe confortar. Porém, a única coisa que me vem em mente são palavras duras para tentar te convencer da realidade. Da qual você conhece muito bem. — Outra pausa, dessa vez com um suspiro. — Eu sei que estou preocupado, principalmente pela pessoa que você se tornou. Vou ir embora pra viver por aí sem ter a certeza de que quando retornar, você ainda será o mesmo amigo da minha infância… Na verdade, o mesmo não somos mais, o que quero dizer… Bem… Você entendeu o que eu quero dizer.
Talvez não quisesse entender.
Enfim, fica bem. Você sabe que ela vai estar aí para sempre, mas agora não fisicamente. E me desculpe por não ter nada melhor para dizer. Eu só quero que fique bem… Dirija com cuidado. Até segunda.

Janeiro de 2018

Ainda estava frio quando chegou em casa para dar a boa notícia.
estava deitada de bruços sobre a cama, usando sua camisa habitual — que, na verdade, era dele — enquanto folheava uma revista de cosméticos qualquer. Ela pensava em novos jeitos de mascarar a pele cada vez mais pálida e doente, mesmo que insistisse para que era apenas cansaço. Quando levantou o queixo e o encontrou parado no batente, abriu um sorriso contente e fechou a revista.
— Você está feliz — não era uma pergunta. Os ombros dele se levantaram em dúvida.
— Você também está feliz.
— Então você está feliz — reiterou, erguendo o corpo para se sentar com as pernas cruzadas. molhou os lábios, aproximando-se para beijá-la rapidamente e não esconder mais o sorriso — O que está havendo, hein?
O rapaz suspirou, afastando-se o suficiente para abrir um pouco os braços e anunciar:
— Consegui o emprego.
continuou sorrindo, agora com as sobrancelhas franzidas em confusão. Era o tipo de expressão que não precisava de perguntas vocalizadas.
— Aquele emprego no setor de qualidade do grupo Yiankee. Lembra? Dois mil wons por hora, plano de saúde, grande possibilidade de aumento… É uma oportunidade única. Finalmente vou poder criar um fundo de emergência, e daí nós podemos planejar aquela viagem, nós… , o que foi?
Chocada era como parecia estar, mas seus olhos entregavam mais do que isso. Pareciam como um choque acompanhado de indignação. Algo que a deixou sem palavras por um momento, necessitando que seu corpo se levantasse e rondasse em torno de .
— O que foi? — ele voltou a perguntar, totalmente desconcertado.
— Você vai trabalhar para o grupo Yiankee? — perguntou, em um tom de desprezo irracional — Eu não entendo, … Por quê?
— Como assim por quê…
— Isso não é o que você quer — ela o interrompeu, agora trajando o tom de “óbvio” — Nunca foi. A sua vocação é a música, as composições, um trabalho artístico e autêntico que você nasceu para fazer. Como vai largar tudo isso para ficar sentado em um escritório o dia inteiro montando planilhas?
A constatação foi inesperada. piscou os olhos algumas vezes antes de engolir em seco e desviar os olhos para as paredes, pensando nas próximas palavras.
— Aly, isso não vem ao caso agora.
Como não vem ao caso agora? Você simplesmente desistiu?
— Eu não disse isso.
— Mas está agindo exatamente como se tivesse.
— O que você quer que eu faça, Aly? — A voz de aumentou algumas oitavas, vestindo-se da mesma frustração que ela — Se esqueceu de como eu vivi até agora? Atrasando contas, procurando bicos, tendo sonhos sem expectativa de realizá-los? Eu cansei disso, Aly, cansei da escassez. E agora nós podemos finalmente começar a viver, começar a realizar — ele se aproximou da garota, colocando uma das mãos em seus ombros, erguendo o canto dos lábios em uma linha fina, como um sorriso motivacional.
permaneceu em silêncio, encarando o rapaz sem expressão. Por um momento, não o reconheceu. Como alguém saía de casa por algumas horas e voltava com aquele tipo de discurso comum?
— Eu não achei que mudaria de ideia tão fácil assim — disse, com a voz seca e vaga — Achei que não quisesse ficar aqui.
— Não é isso, , mas a empresa…
— Ela vai sugar todos os seus sonhos, não é? — deu de ombros, retirando a mão dele delicadamente — Vai deixar isso acontecer? Você é tão talentoso, , as suas músicas, elas são…
— São desconhecidas, . São palavras em um caderno, nada que ainda veio ao mundo. E duvido muito que ele se interesse por elas. Mas não precisamos nos preocupar com isso agora. Como eu disse, vamos poder viajar, visitar aquelas praias que você queria…
abriu a boca para responder, mas tornou a fechá-la. As palavras de decepção se amontoavam em sua garganta, se esforçando para saírem, mas de repente ela não conseguiu. Olhar para naquele momento, que parecia esperançoso com um novo futuro e novos objetivos pela primeira vez, era gracioso, mas também um pouco doloroso. Porque aqueles olhos miravam diretamente nela, porque seria melhor para ela, porque a felicidade dele era ela. E aquilo a causava mais tristeza do que alegria, uma tristeza extremamente profunda.
Aquele também era um olhar satisfeito. O olhar de uma pessoa que achava que não precisava mais sonhar. De qualquer forma, era recheado de amor, de inclusão, onde certamente não se via sozinho nessa nova etapa, e muito menos nas seguintes. E isso apertou ainda mais o coração de .
Ela deu um sorriso fraco e pegou em sua mão. Abaixou os olhos para os pés, engolindo os sapos indigestos que os mergulharia em uma discussão sem fim. Então, deu apenas um suspiro; de tristeza, de aceitação.
— Tudo bem, . Você sabe o que está fazendo — e então, se aproximou dele, pegando seu rosto entre as mãos — Mas não precisa se preocupar comigo. Lembre-se do que me disse quando nos conhecemos. Que seus sonhos o impulsionavam. Que eles não cabiam nessa cidade. Então não deixe Seoul soterrá-los para sempre — passou os braços por seu pescoço, deitando a cabeça em seu ombro — Lembre-se que você sempre pode voltar atrás e seguir em frente.
sentiu os dedos da garota acariciarem suas costas e ouviu suas palavras com atenção, mas não as deu a devida importância na época. Não deu por muitos anos. Até que as internalizasse profundamente em um momento sórdido de solidão, entendendo finalmente o recado primordial de Aly: não deixe a vida real te levar para longe.
A vida real era Seoul. E havia transformado seus sonhos mais antigos em uma paleta cinza e apagada.

Dezembro de 2019

entrou em seu apartamento deixando os sapatos no pequeno hall de entrada para vestir as sapatilhas comuns da área interna de sua residência. Caminhou os poucos passos necessários até a cozinha, deixando as sacolas do mercado em cima do balcão que separava o ambiente da sala. Rapidamente foi para a pequena lavanderia tirar seu sobretudo e o colocando dentro da máquina de lavar, assim dando o mesmo destino para o suéter de lã que usava por cima da camisa branca e a próxima camisa, junto com a calça; ficando somente com sua cueca de shorts largo e a camiseta regata. No caminho de volta, ligou o aquecedor. O que era sua rotina de todos os dias, principalmente feriados dos quais ele se via sem lugar para ir.
Abriu o vinho e despejou num recipiente o amendoim que comprou de petisco, comeria enquanto cozinhava seu lámen simples.
Sua cabeça girava e parava no mesmo ponto, como todas as vezes, assim como um disco arranhando: tudo era sobre ela; na verdade, era tudo ela. Até mesmo o amendoim que estava comendo como petisco havia sido um costume gerado por . Mas nada mais era compartilhado com ela e isso o comprimia de dentro para fora ao passar do tempo. Como se um buraco de minhoca tivesse crescido dentro de seu peito e fosse capaz de o levar para outras dimensões, mas todas elas sendo frias, preto e branco, cheia de uma escassez de cores. Mas ele deveria culpar somente a si: se depositou por completo em um amor que tinha uma data marcada para ser encerrado. E somente ele não sabia. Ou esteve cego demais vivendo uma realidade que não lhe fora projetada para ser duradoura, que esqueceu de se atentar às entrelinhas.
“Nunca deixe de seguir em frente”. ouviu isso repetidas vezes de e nunca se deu conta de que ela estava lhe dizendo, indiretamente, que o seu presente era seu futuro naquela época.
Respirou fundo, se dando conta de que estava na metade da garrafa de vinho e não tinha comido o lámen ainda. Arrumou em cima do balcão mesmo e se sentou, notando o amontoado de cartas no canto. Ele odiava receber suas contas, salientava algo do qual nunca quis viver: uma rotina batida do comum. Puxou os papéis e passou um por um, organizando pelas datas, até chegar no último. Um envelope grosso; abriu e tirou de dentro dele um cartão postal.
Um cartão postal de Bali.
“Nós vamos conhecer a Indonésia um dia e você vai poder aproveitar todo o verde que lá existe… Aí vai ver que Seul é pouca coisa perto do que o mundo tem para nos oferecer!”, ele prometia a .
Engoliu a seco e virou a parte de trás, era um recado simples de Amber, a melhor amiga de .
“Leve ela para onde quiser. Você pode continuar amando e odiando todos os lugares do mundo pela ausência da . Ah, e esse é um pequeno presente… Era para eu esperar você criar culhões para sair de Seul, mas vejo que isso vai demorar a acontecer. Faça bom proveito.”
Pressionou as pálpebras fechadas, recolocando o cartão na mesa e tirando do envelope o pequeno caderno fino, com capa preta e nada escrito. Abriu e seu coração pareceu parar por um momento ao reconhecer a letra dela.
“Talvez a Amber dê isso a você antes do nosso combinado, mas eu sei que se ela fizer isso é porque foi necessário. Então faça bom uso. Se trata de continuar seguindo em frente, mesmo que olhar para trás pareça mais confortável. Me desculpe, eu só consegui resgatar duas delas…” - Sua melhor amiga, .
Primeira página: a primeira letra que escreveu.
Segunda página: a primeira letra que escreveu para , quando ele ainda era somente um admirador do sorriso de covinhas dela.
Ela tinha decorado as letras, quando ele ao menos se lembrava dos acordes anotados no caderno que fora queimado em um dos seus momentos de desistências. Ela tinha se esforçado e colocado-se anos à frente em seu tempo sabendo que ele não conseguiria olhar da ponte para o mesmo lado ainda com a mesma perspectiva. E isso tirou o bolo de sua garganta, voltando a acelerar seu coração, como uma enxurrada de memórias que pudesse o desatolar da própria escuridão.
Não importava de onde, seria sempre um ponto de partida para os rumos que precisava tomar. E mais uma vez ela havia o resgatado de uma imensidão cinza e nublada. Não era ali que ele tinha que ficar, não por ela. Porque não importava o lugar que ele fosse, sempre estaria junto, em uma selva e pedra ou de um verde absoluto, assim como ela sonhava.



Fim.



Nota da autora: Olá, meu bem! Se você chegou até aqui, te agradeço imensamente por ter cedido tempo e lido a história até o final. Não se esqueça de deixar um comentário com o feedback completo pra que eu possa saber <3
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