02. Sober

Última atualização: 31/07/2020

Capítulo Único

FLASHBACK ON.
— Se te perguntarem se é manteiga de verdade, o que você diz? - Ela perguntou, estudando-me com seus olhos atentos, aguardando minha resposta.
— Digo que é produto à base de manteiga. - Respondi com suas exatas palavras de como me explicara mais cedo.
— Precisa sorrir quando diz, porque é assim que vendemos uma mentira! - Piscou descontraída, logo se virando para a vitrine de balas e repondo as faltantes.
O cinema apesar de pequeno, era atração mais bem frequentada da cidade, também pequena. Nem precisávamos marcar com nossos amigos, porque, mais cedo ou mais tarde, nos esbarraríamos ali com nossos respectivos dates. Era normal encontrar, pelo menos, metade do nosso colégio ali diariamente.
Nossos uniformes combinavam com as cores antigas do local e a sorte, é que passávamos apenas meio período ali já que a gravata borboleta era a pior parte do conjunto. A camisa branca e o colete bordô nem eram tão ruins assim.
O pior ficava por conta do post-it que colara no bolso do meu colete, com a palavra “estagiário”.
— Ah! E se tiver algum crush, apenas cubra a pipoca e logo o verá retornando para buscar mais no meio do filme.
— Por que eu faria isso?
— Pra ter a chance de puxar assunto! - O tom de obviedade era claro em sua voz.
— E-Eu não sou dos bons em puxar conversa... Travo toda vez.
— Por último e não menos importante: trabalho aqui há quatro semanas, o que significa que sou mais experiente que você e por isso estou te treinando. Respeite a hierarquia, . - Seu tom de voz era sempre calmo com um “quê” de divertimento, tornando qualquer assunto suave demais.
— Se mudou pra cá há pouco tempo, como conseguiu um emprego tão rápido? Procuro um há meses.
— Minha mãe, na verdade. - colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha. — Ela deveria apenas reabastecer o carro do outro lado da rua, mas quando viu o enunciado na bilheteria deve ter me enchido de elogios até que me contratassem. Imagino a cena sempre diferente e nunca perde a graça!
Ela riu, mais uma vez, balançando a cabeça em negatividade, talvez realmente imaginando como seria sua mãe falando pelos cotovelos.
Após as devidas apresentações, meu primeiro turno oficialmente começara no cinema, ao lado de .

Minhas costas amanheceram doloridas e eu sabia que era questão de tempo até que acostumasse com a rotina diária conciliando trabalho e estudos. Na verdade, nem era de grande esforço o trabalho de meio período, a questão é que ontem passamos boas horas agachados fazendo manutenção de cada cadeira da sala principal. Eram cerca de oitenta delas.
— Sabe, , eu e seu pai estamos preocupados. - Minha mãe iniciou, cautelosa, assim que parou o carro no farol. Virou o rosto para me olhar e alguns raios de sol acenderam o olhar cuidadoso dela. — Seu aniversário é em alguns dias e até agora não me parece animado. Aconteceu alguma coisa? - Ela hesitou em tocar minha mão, mas o carro atrás de nós buzinou assim que o farol abriu, impedindo-a.
— Eu só não acho que esteja mais na idade de bolo e guaraná, só isso, mãe. A escola tem cobrado muito, também. - Respondi simplesmente, vendo que ela estacionara alguns metros antes do colégio.
— Se algo estivesse acontecendo, você nos diria, certo?
— Claro, mãe. - Ouvimos o alarme do primeiro horário tocar e eu apenas soltei o cinto de segurança, sorrindo fraco para ela.
Joguei a mochila no ombro acompanhando os alunos que apressavam o passo para não tomar advertência de atraso na Liberty High School. Estudei durante toda a minha vida na mesma escola e apesar de conhecer muitos dos rostos pelos quais passava pelos corredores, nenhum deles me fazia querer chamá-los de ‘amigo’. Exceto por Tony, que me esperava encostado em seu armário que era de frente para o meu.
— Passei pra te buscar e nem sua bicicleta estava lá. O que houve? - O moreno desembuchou de uma só vez, puxando para cima a gola da jaqueta de couro.
— Minha mãe me trouxe. Tem feito de tudo pra que eu evite a bicicleta.
— Querido bebê ! - Provocou, risonho, se despedindo com dois tapas no meu ombro e andando em passos largos até a sala de sua primeira aula.
A aula de História da senhora Wong era monótona e tornava mais difícil ainda se tornar acordado na primeira aula do dia. Isso, pelo menos, até perceber algumas carteiras atrás de mim. Ela estava concentrada em uma folha de papel, diferente dos demais alunos que disfarçavam os celulares da melhor forma que podiam para chegar as novidades do Instagram. Vez ou outra uma mecha do seu cabelo cobria seu rosto e ela revidava jogando-o para o outro lado. Pareceu perceber que estava sendo observada, sem me dar chance de disfarçar, ela sorriu, logo voltando para a sua folha.
— Certo, senhor ? - A senhora Wong chamou minha atenção, fazendo com que eu despertasse do efeito .
— Certo, certo.
— Errado, senhor ! A Guerra Fria apenas teve início após da Segunda Guerra Mundial. A Doutrina Truman... - Me virei de uma vez, mantendo a mão no queixo para apoiar a cabeça, na maior atuação de quem entendia as palavras da professora.
— Ei, . - Senti as cutucadas de Justin atrás de mim e me virei para ele. — te mandou. - Avisou sem muito ânimo, deixando em minhas mãos um papel dobrado.
O guardei entre meus dedos, olhando-a mais uma vez. Dessa vez, ela mordia o lábio inferior contendo uma risada com um olhar animado, de maneira que ressaltava suas bochechas rosadas.
Desamassei a folha, vendo sua caligrafia tomar boa parte do papel.
“Pedi que apressassem com sua plaquinha. Favores que a hierarquia me permite, não se acostume! Isso significa que trabalhará mais tempo lá do que imaginava.”
A plaquinha dourada tinha meu nome cravado e substituiria o post-it do dia anterior.
O sinal tocou e mesmo que a professora fizesse seus últimos alertas, estávamos mais preocupados em guardar os cadernos. Quando joguei a mochila no ombro dessa vez, estava mais leve, sem os mesmos livros que mais cedo.
— Arrume este cabelo antes do seu verdadeiro primeiro turno, senhor . - comentou risonha assim que acompanhou meus passos no corredor.
— O que há de errado com meu cabelo? - Automaticamente passei meus dedos por ele.
— O capacete da bicicleta o deixa amassado. Deveria passar algum gel pela manhã. - Ela desviou seu olhar da região até meus olhos, que por conta da intensidade dos seus, fez com que eu tropeçasse em meus próprios pés. — Deus! Você está bem? - Ela enlaçou seu braço ao meu, suave, rindo nasalado.
— E-Estou. - Pisquei algumas vezes, tentando retomar o raciocínio. — Não vim de bicicleta hoje. - Passeei a mão pelo cabelo mais uma vez, para que ela entendesse que retornei ao assunto.
— Oh! Está ótimo, não se preocupe! - Ameacei rir e no mesmo instante, ela não segurou o riso, de forma que ambos caímos na gargalhada.
Sua risada era alta, mas muito suave, como um carinho em meu interior.
Ela apenas se virou, seguindo para seu armário, deixando o cheiro florido dos seus cabelos ali. Não precisava trocar de livros, já os havia pegado antes do primeiro horário, agora seguia para o andar superior para uma aula de matemática que seria uma dinâmica em grupo que começara semanas atrás e estava ansioso para que acabasse logo. Já Tony aproveitava dessa aula exclusivamente para trocar mensagens com o namorado, Caleb, que cuidava da pequena oficina mecânica da família de Tony.
O Baile de Inverno se aproximava, marcado para daqui uma semana, deixando corredores enfeitados e coloridos com faixas, cartazes e cartões com convites que interrompiam aulas apenas para serem entregues vez ou outra. Era até bonitinho de se ver, porque esse era o tipo de coisa que só se via em filmes e apesar de não ter essa sorte, era legal assistir o romantismo alheio.
— Vai convidar a ? - Meu amigo sussurrou depois de pagar para uma das líderes de torcida pelo cartão de convite, se apressando para escrever o nome de Caleb no verso.
— Deus! Não!
— Esse é o nosso último baile antes da Formatura. Você precisa desencanar e convidar alguém!
— É fácil pra você dizer, já tem quem levar. - Revirei os olhos.
— Caleb terminou os estudos sem levar ninguém para os bailes. Essa é a vez de ele ir com alguém!
— Isso só prova o meu ponto de vista. - Dei de ombros, ouvindo-o bufar e rir em seguida, sem estar realmente aborrecido.
— Ela quer ir... - Comentou como quem não queria nada.
— Como sabe?
— Está interessado? - Semicerrou os olhos, brincalhão. — Você sabe... Garota nova na escola, veio de uma cidade ainda menor que essa, quer conhecer o que tem em volta. E ah! Ela me contou! - Piscou.
De repente, me vi ansioso pelo meu “verdadeiro primeiro turno”. falava pelos cotovelos e com certeza citaria o Baile de Inverno, o que pra mim não seria problema nenhum, pelo menos não antes das fofocas de Tony. Eu queria convidá-la, sabia que queria. Mas algo em mim me impedia, tornando isso tudo, uma grande negação.
Eu tinha medo de ser rejeitado.

Tony me dera uma carona até o cinema, apenas com a condição que eu convidasse para o Baile. Não respondi com palavras, mas sentar no banco do passageiro, jogando as mochilas para trás parecia uma resposta suficiente.
Ontem, quando cheguei, logo a encontrei limpando os vidros da bilheteria, porém hoje, durante todo o caminho até os armários dos funcionários não a encontrei nem por um segundo.
Atrás do balcão da mercearia haviam caixas empilhadas com o que deveríamos repor nas vitrines, mas antes de qualquer coisa, era preciso fazer a contabilidade, que não bastava ser detalhada pelos itens individualmente, eram controlados por folhas de papel, de maneira que ao final de tudo as contas eram resolvidas à lápis.
Era como a Idade da Pedra.
— Ei, . - apareceu, com algumas folhas em mãos. — Está com o grampeador? - A proposta era apenas encará-la, mas fui impedido pela prateleira superior enquanto organizava a mais baixa, causando um estrondo com baque de bater a cabeça ali. — Caramba! Se quiser pode usar seu capacete como parte do uniforme! - Ela riu nasalado, dando a volta no balcão até onde eu estava. — Tá’ tudo bem?
— S-Sim, claro. O grampeador está aqui. - Passei uma mão no local da batida, mantendo-a por alguns segundos até que passasse parte da dor, entregando o grampeador com a mão livre.
— Não é melhor colocar gelo? - Ela se agachou, unindo suas sobrancelhas quando começou analisar o local. — Não tem corte nenhum, mas o gelo vai diminuir o dolorido que vai aparecer em algumas horas.
— Não precisa.
— Temos tempo até abrir. Vou pegar o gelo, se sente um pouco na Sala 1.
— Na verdade, ainda preciso limpar a Sala 1.
— Eu já limpei. - Piscou. — Vá logo, . Respeite a hierarquia!
Segui para a sala poucos metros à esquerda, precisando de um pouco de esforço para empurrar a porta dupla que às vezes emperrava. Me sentei nas primeiras poltronas, impulsionando o encosto das costas para que se inclinassem um pouco. Fechei os olhos por alguns instantes, curtindo o silêncio do local e tendo repetidas vezes o mesmo pensamento: como convidaria para o baile?
Teria de ser de uma maneira que não precisasse de todo o colégio como plateia, mas ao mesmo tempo, algo significativo o suficiente para que desse motivos para decidir ir comigo.
— Se não fosse por esse tique nervoso que tem na perna, eu teria tido um susto muito maior achando que tinha desmaiado! - sentou ao meu lado, me oferecendo uma latinha de refrigerante e usando uma bolsa térmica azul para pousar em minha cabeça. — Sempre ando com essa bolsinha térmica na bolsa. Nunca se sabe quando será o dia em que as cólicas menstruais decidirão te matar, não é? - A puxei do topo da minha cabeça, analisando por alguns segundos. — Não seja besta. Não a coloco no meio das pernas, é na barriga! - Revirou os olhos. — Enfim, está em alguma oficina do Baile de Inverno?
— Não sou muito fã dos Bailes do colégio.
— Por que não?
— Não vejo muita graça, são as mesmas pessoas que vemos todos os dias.
— Mas você vai?
— Vou todos os anos porque agrada minha mãe que não foi aos dela. - Sorri fraco, quase formando uma linha reta em meus lábios, por falta de reação melhor.
— Por que ela não foi? - apoiou o queixo na mão, me observando.
— Ela sempre foi a CDF da turma e ninguém nunca a convidou. - Certo . Esse definitivamente era o jeito certo de convidá-la!
— Tenho pensado em ir no Baile da Liberty. Pode ser como minha verdadeira boas-vindas para Evergreen, mas... - Sua fala foi interrompida por seu celular que começara tocar. — É minha mãe, ela deve estar aí na frente. Eu já volto. - Não tive tempo de concordar, poque quando o ia fazer, ela já tinha saído.
Eu a havia prendido aqui com os piores assuntos do universo. Ela estava cogitando ir ao baile, e agora eu acabara de deixar em suas mãos a certeza de não querer ir comigo.
Não precisava ficar ali, ela não voltaria pra puxar assunto nenhum e claro, eu tinha trabalho a fazer. Me levantei, dando meia volta e empurrando as portas pela segunda vez em pouco tempo. As mercadorias ainda estavam desorganizadas atrás da vitrine e sem maiores machucados eu pretendia finalizá-las antes que o horário de venda dos ingressos da primeira sessão começasse.
Quando voltou, tinha a senhora em seu encalço. Muito gentil e de olhos meigos como os da filha, não era difícil perceber de quem a garota havia puxado os maiores genes.
Também não demorou para que retornasse ao trabalho, assim como também não hesitou em me ajudar e adiantar as contabilidades.
Hoje, era minha vez de estar na bilheteria, já que a única coisa que me impedira de o fazer ontem fora a falta de identificação no uniforme.
A última sessão era sempre a pioneira a ter os ingressos esgotados e os compradores começavam a optar pelas primeiras sessões.
Alguns pais já formavam fila para a sessão que começava em meia hora e era de filme infantil, fazendo de um tudo para driblar os olhos curiosos dos pequenos das balas coloridas e chamativas nas vitrines que estava responsável.
Fechamos a bilheteria temporariamente. A venda da próxima sessão abriria trinta minutos e agora, ambos tomávamos conta da cantina. As pipocas, tanto doce quanto salgadas eram as mais pedidas da vez, substituindo e ignorando as pirraças que se tornavam um show à parte.
Nas sessões seguintes tudo ocorrera como em uma coreografia, sem surpresas. O fim do expediente chegava e com ele, a última sessão do dia. Quando a última sessão começava, também começávamos com a arrumação que nos ajudava a ir embora mais cedo.
— Então, sobre o baile, fiquei sabendo que terá arrecadação de fundos durante toda a noite para os planos do Baile de Formatura. - Disse como quem não queria nada, quando a proposta era apenas retornar ao assunto de mais cedo. Céus... Eu não acertava nunca!
— Eu recebi alguns flyers no meu armário, parece que terá até banda ao vivo! - Não sabia como ela aguentava os assuntos que eu puxava, mas correspondia atenciosa em cem por cento deles.
— O que você acha, de talvez...
! - Um dos principais jogares do time de futebol a chamou. — Um refil, por favor?
— Refri ou chá gelado?
— Chá, por favor. Com os jogos mais importantes da temporada chegando, eu evito refrigerantes. Me deixam sonolento. - Bryce sorriu, correspondendo ao sorriso dela. Bryce Walker era o típico capitão do time de futebol que conseguia as maiores notas nas disciplinas apenas por representar o time, e sim, ele namora uma líder de torcida. — Espero lhe ver no baile. - Ele piscou.
— Você verá! - Ela devolveu seu copo, com o chá que pedira.
— Eu faço questão. - Sorriu abertamente, e como um soco no meu estômago, ela correspondeu tão animada quanto ele.
Eu tentava não pensar nas minhas chances aniquiladas, mas sim no caixa que eu precisava fechar, porque era isso que eu precisava fazer agora.

A semana de provas começara. Com ela, as noites de estudos eram muito mais longas, os horários de trabalho muito mais cansativos e as horas de sono quase inexistentes. Eram provas e trabalhos à serem entregues ou apresentados em seminários todos os dias, na grande maioria das aulas.
Meus intervalos eram gastos com pilhas de livros na biblioteca e lanches cheios de pasta de amendoim trazidos de casa.
Hey, helmet! - puxou uma cadeira, sentando-se ao meu lado em uma das mesas redondas da biblioteca.
— Capacete? Sério? - Encarei-a, controlando a risada que não me permitia gargalhar no ambiente.
— É melhor que Baby Yoda! - Ela apontou para um dos meus marcadores de páginas no livro de História. — Está estranho esses dias, . Quando não está sumido, está calado. - O alarme soou, indicando fim do intervalo e guardei minhas coisas rapidamente, com a ajuda de que carregou dois livros, me acompanhando no caminho até nossos armários.
— Só não quero reprovar em nenhuma matéria. Meus pais querem viajar e não quero empatar o plano deles. - Respondi simplesmente enquanto driblávamos os adolescentes no corredor. — Já tem planos pra depois da formatura?
— Ainda estamos nos adaptando à casa. Tem caixas por todos os lados! - Deu de ombros, entregando-me os livros quando se encostou no armário ao lado do meu.
! - Uma voz aguda me chamou. — Quer comprar um cartão de convite para o Baile? - Chloe, cheerleader e namorada de Bryce Walker me encurralou.
— Tenho prova de química agora. Te vejo no trabalho. - avisou, apressada e atropelando algumas palavras.
— Me dê um, Chloe.
Minha vista se embaçava lendo a que eu rezava para ser, a última prova de ano. Mas como nada na Liberty era fácil, a prova de inglês tinha textos que tomavam a frente e o verso da folha, com erros que pareciam pegadinhas de quase tão imperceptíveis.
O cartão que comprara para convidar estava no bolso traseiro da minha calça jeans, de maneira que cada vez que eu me mexia sentia ele amassar um pouco mais. Eu não poderia convidá-la com um cartão amassado. Pelos corredores presenciamos durante toda a semana pedidos com chuva de pétalas de rosas e buquês gigantescos de flores.
Precisava devolver os livros de cada disciplina aos professores responsáveis e isso me tomou um bom tempo, entre corredores e o subir e descer escadas na escola. Percebi alguns olhares e sabia que eram tortos pelas listas que faziam todos os anos nas apostas de quem levaria que ao baile, e eu sabia que deixaram meu nome em branco mais uma vez. Mas este ano, eles estavam enganados.
Apenas com o peso do caderno na mochila, precisei correr até o trabalho, antes que me atrasasse no meu primeiro mês empregado. Adiando, mais uma vez, o plano + Baile de Inverno, mais uma vez.
Minha respiração ainda estava ofegante quando terminei de vestir o uniforme, tentando recobrá-la.
— Baby Yoda, não teremos a sessão infantil hoje. A Sala 3 está interditada, com maioria das poltronas soltas. - me avisara num tom de voz consideravelmente alto, já que estava trancando a sala que mencionara. — Você está vermelho como um pimentão.
— Vim correndo. - Respirei fundo. — Literalmente. - Pigarreei. — Vou precisar dar uma saída, se importa? - Ela negou com a cabeça e no mesmo instante, comecei a bolar as melhores combinações de frases em minha mente, fugindo das clichês que já vinham nos cartões.
A missão + Baile de Inverno estava de pé!
Havia uma floricultura há dois blocos dali e por ser no centro da cidade, sabia que um buquê mixuruca me custaria a maioria, senão todas, as notas que tinha na carteira. E nem eram tantas assim!
Mas valeria à pena.
Eu espero.
Um punhado de margaridas amarelas, junto de um sortido de rosas, tulipas e ásteres de cores semelhantes, era o simples que eu poderia lhe oferecer. Outro cartão, pude comprar no mesmo lugar, me atentando a escrever algumas coisas no verso.
Eu me sentia num filme adolescente, e tão ansioso quanto o protagonista.
Minha sorte fora ela estar absorta demais na limpeza da máquina de café para não perceber minha aproximação. Na verdade, parte da minha sorte, já que meu celular tocou algumas vezes seguidas com notificação de mensagens, fazendo-a virar para mim.
— Uau, alguém acordou romântico! - Sorriu brincalhona, virando-se novamente para a máquina, se esticando para ligá-la na tomada.
— S-São pr-pra você, na verdade. - Seja firme, ! — Há um tempo que eu...
— Sim.
— Eu não terminei!
— E nem parece que vai! - Gargalhou. — Sim! Eu aceito ir no Baile de Inverno com você, ! - Ela recebeu o buquê que lhe ofereci, olhando-o de mais perto. — Estou honrada, senhor ! - Fingiu uma voz formal, curvando-se rapidamente para deixar um beijo na minha bochecha, no mesmo instante que percebi as suas avermelharem. — Precisa abrir a bilheteria. - Avisou-me, seguindo para o corredor que levava até o armário dos funcionários, me deixando ali, besta e desacreditado dos lábios dela que eu ainda sentia em mim.

Mais tarde, com os sentidos recuperados, abri as mensagens que interromperam os movimentos iniciais do plano e eram de Tony. Nelas, ele me confessava ter dado o primeiro passo por mim e mandado um cartão em meu nome para a sala de , finalmente convidando-a.

Seu vestido era de um verde-jade escurecido, quase tão bonito quanto o verde de seus olhos, mas de uma incrível maneira que os deixava ainda mais acesos. Os cabelos, sequer precisavam de penteados caros, moldavam seu rosto exatamente da maneira que deveriam fazer e cumpriam essa função de forma ímpar. Em seu rosto uma maquiagem leve que exaltavam seus traços encantadores naturais. No pulso, um corsage que lembravam as flores que havia lhe dado, e meu coração se acelerara apenas com o detalhe.
Eu queria ser capaz de saber todas as palavras do mundo, em todos os idiomas e tentar dizer a ela o quão incrível estava, porque era a maneira que eu a enxergava diariamente pelos corredores da Liberty.
Seus pais me receberam com toda a educação em sua casa e apesar do nervosismo, espero ter conseguido demonstrar que sua filha estava em seguras mãos esta noite.
A brisa soprou e enlaçou seu braço ao meu quando seus pais pediram para tirar uma foto nossa no jardim na frente da casa. A senhora tão falante quanto a filha, pediu o número de celular dos meus pais, enviando as fotos para eles imediatamente. Conseguia ver as lágrimas brotando nos olhos dos ao olhar a filha. Os entendia perfeitamente.
Olhar para me dava o mesmo misto de sensações. Um combo de euforia cada vez mais vívido.
— Não consegui uma limusine, mas consegui o carro dos meus pais!
— Pra mim, parece ótimo! - Abri a porta do lado do passageiro para ela, fechando-a assim que se aconchegou. Dei a volta no veículo, acenando para os pais dela que nos observavam da porta. — Me preocupava se você viria de bicicleta! - Gargalhamos alto, como nunca antes, para finalmente sairmos buzinando da casa dos .
Ela insistiu em colocar sua playlist para tocar. Uma mistura esquisita de indie, pop, algumas clássicas e inúmeros clássicos dos anos setenta e oitenta. Cantou durante todo o trajeto, me fazendo perceber que só aquilo já era suficiente da noite valer a pena.
era espontânea, leve, simples e incrivelmente apaixonante.

A quadra de esportes da escola tinha uma luz baixa, arroxeada, com um globo de luz que deixava o ambiente agradável. A decoração tinha detalhes que lembravam tudo o que vimos enfeitado pelos corredores, mas em maior e mais glamurosa escala. Uma música animada tocava ao fundo, embalando quem quer que estivesse dançando e reconheci muitos dos rostos que arriscavam passinhos decorados por ali. Um deles, era Tony com Caleb e logo nos juntamos a eles, por conta de uma que me puxou para dançar sem pensar duas vezes. Mesmo sem saber, certa estava ela, porque eu nem sonhava em hesitar.
Realmente, eram todas as pessoas que víamos todos os dias, porém em roupas melhores, no entanto a única que me importava era aquela que estava ao meu lado. Rindo alto, sem se privar pelo que os outros iriam pensar. Puxava os desconhecidos para a pista de dança na mesma energia com a qual me puxara. Até mesmo os professores se contagiaram pela energia de , imitando os gestos desengonçados dela.
Deus! Éramos terríveis dançando, mas seríamos piores ainda, sem a companhia um do outro.
But my hips have missed your hips (Mas meus quadris perderam seus quadris)
So, let's get to know the kicks (Então vamos aprender a batida)
Will you sway with me? (Você vai dançar comigo?)
Go astray with me? (Vai perder o rumo comigo?)


As luzes foram alteradas de arroxeadas para avermelhadas quando a música foi trocada. Talvez essa era a melhor definição deles para que combinasse com a música lenta que começou tocar. Diferente do que pensei, a pista de dança não esvaziou, mas em câmera lenta, eu a vi se virar e sem pestanejar, enlaçar os braços em meu pescoço. Minhas mãos foram decididas até a sua cintura em uma segurança que nem sabia ter. sorriu, respirando fundo em seguida, recobrando o ar que acelerara sua respiração dos passos de dança.
— Com toda essa gente em volta, esbarrando essas mesmas pessoas todos os dias, eu não poderia ter outro par melhor para o meu primeiro baile. - Ela disse baixo, quase como em um sussurro, leve como quem confessava algo. — Obrigada por este momento, .
— Esses bailes nunca foram interessantes pra mim. - Iniciei, de um tom tão baixo quanto o dela. A música alta não interrompia, ouvíamos perfeitamente um ao outro, talvez, porque imaginávamos ser apenas nós dois naquela quadra e todo o resto não importava. — Não foram interessantes, até hoje. Até eu encontrar a pessoa certa que faria valer a pena.
— Esse baile sempre vai ser uma das minhas melhores memórias. - deslizou uma das mãos, espalmando-a em meu peitoral. — Mas você, sempre será a melhor de todas.
Queria respondê-la a mesma altura, mas o olhar que me dera significava muito mais que isso e pela primeira vez com , eu sabia exatamente o que fazer.
Aproximei meu rosto do seu, sentindo a respiração quente dela se misturar com a minha e encarei seus olhos mais uma vez. A última vez antes de beijá-la, e quando o fizer, meu corpo inteiro se arrepiou.
Era como se pudesse estar vivenciando como seria interpretar uma das mais famosas pinturas de Van Gogh. A diferença é que em Noite Estrelada, todas as estrelas da arte eram, na verdade, os sentimentos que afloraram ao beijá-la.
Eram muitos, e eu não sabia o nome de nenhum deles. Só sabia que era ela que tirava o melhor de mim.
Custou a desvencilhar e quando o fiz, me bateu um arrependimento porque aquilo se tornara uma péssima ideia. Me afastar dela era um erro.
— Não falei nada antes porque não queria pressioná-la, mas este é o melhor aniversário que eu já tive.

Oh, God, I'm clean out of air in my lungs (Oh, Deus, estou sem ar em meus pulmões)
It's all gone (Tudo se foi)
Played it so nonchalant (Banquei a despreocupada)
It's time we danced with the truth (É hora de dançarmos com a verdade)
Move alone with the truth (Seguirmos em frente com a verdade)
We're sleeping through all the days (Estamos dormindo todos os dias)
I'm acting like I don't see (Estou agindo como se eu não visse)
Every ribbon you used to tie yourself to me (Todas os laços que você usou para amarrar-se a mim)


FLASHBACK OFF.
Sexta-feira, 19 de Abril.
— Estamos aqui para dizer adeus à . Um ato não define uma vida. Comemoramos a riqueza da vida dela, mesmo que as circunstâncias trágicas da morte dela não possam ser esquecidas. - Foram as palavras que deram início, mesmo que eu já sentisse o peso há tempos.
tinha um coração gigante, e o dividiu com todos nós. Então, por favor sejam gentis uns com os outros. - Senhor foi breve e em voz trêmula, então automaticamente soubemos que ele não aguentaria mais que aquilo.
— Ela tinha o sonho de ir para Nova Iorque se tornar uma escritora. Não estou certa de quando isso de quando isso se tornou um pesadelo para ela. , era meu sonho. - Assim como o marido, a senhora não usou de muitas palavras, mas usou das certas para falar sobre a filha.
Me levantei, guiando a senhora ao seu lugar ao lado do marido e retornando ao seu lugar anterior ao púlpito. Encarei os rostos cansados e abatidos por toda a capela, alguns deles ainda com lágrimas escorrendo. Eu era um destes.
Sabia da responsabilidade de falar ali, discursar sobre a pessoa mais incrível que eu já conheci e certamente, que todos ali conheceram, mas não se deram conta disso.
Se arrependiam, certamente se arrependiam, porque merecia o mundo, e sequer lhe demos o mínimo.
entrou na minha vida no final de um verão, como ninguém que eu já tivesse conhecido, ela era engraçada, esperta, enlouquecedora... E linda. - Comecei, tentando ler as anotações que fizera mais cedo, mas as lágrimas que brotavam sem freio não me permitiam ler. Na verdade, eu nem precisava. Para falar de eu só precisaria de algumas horas, e talvez uma outra vida, porque essa foi injusta demais em não me deixar amá-la. — Eu a amei. Amei muito, mas não pareceu o suficiente para impedi-la de fazer o que fez. Até hoje, não tenho respostas. Ela as levou consigo, nos deixando aqui: vazios e confusos. - Fechei os olhos, lembrando vividamente do cheiro dos seus cabelos, o som alto da sua risada, o gosto do seu beijo. — Eu sei que a dor nunca vai parar, mas um dia eu vou deixá-la de sentir a todo minuto. Onde estiver, espero que se sinta segura como nunca se sentiu aqui, sinta paz e saiba que eu te amo.
Eu estava destruído. E onde ela estivesse, sabia disso. Mas de onde ela estivesse, queria também, que me ajudasse a sair do buraco que me enfiei ao me apaixonar por ela.
Aquele sorriso...
Aquele maldito sorriso.


Fim!



Nota da autora: Hello, hello! ;D Vocês estão bem? Espero que sim, porque eu mesma estou zero por cento bem. Antes de qualquer coisa quero confessar umas coisinhas: a primeira é que, sim, o discurso do nosso querido Clay foi fortemente inspirado no da série. Segunda: Sei que é uma responsabilidade enorme escrever sobre algo como isso, mas minha proposta é ressaltar que somos bons e que podemos sim, dar o nosso melhor ao próximo. Não sabemos a realidade de ninguém, mas podemos melhorar o que estiver ao nosso alcance. Terceira: eu chorei como um bebê!!!! Me doeu como se a obra fosse desconhecida pra mim! Quarta: Sejam bons. Consigo e com os outros. Por último e não menos importante: obrigada por lerem. Tenho tentado me aventurar em diversos temas e Sober é a prova viva disso. Apesar dos pesares, espero que gostem e não se esqueçam que críticas são muito bem vindas! XOXO,


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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