02. Touch the Rain

Finalizada em: 22/09/2020

Capítulo Único

Aquela última missão foi um verdadeiro pesadelo, Harry estava exausto, a tropa tinha perdido alguns de seus membros e ele perdera dois amigos próximos, a única coisa que o deixava mais tranquilo é que chegaria em casa e Charlie estaria esperando por ele. Charlotte era sua namorada já fazia 3 anos, desde então ele se alistara para 2 missões no Iraque, estava seguindo os passos do pai e do avô quando entrou para o Exército Americano.
Quando chegou em casa, estranhou um pouco que Charlie não estava lá, provavelmente se atrasara no trabalho ou algo assim, deixou a bagagem no chão da sala mesmo e foi tomar um banho, Charlie provavelmente estava no apartamento dela ocupada com alguma coisa, resolveu ir até lá encontrá-la.
- Ah meu Deus, você já chegou – ela recebeu o namorado com um abraço apertado – eu perdi completamente a noção da hora, estava trabalhando em umas coisas no computador e nem vi o tempo passar.
- Tudo bem, eu senti tanto a sua falta – ele enterrou a cabeça nos cabelos dela, sorvendo o cheiro dela, daquele condicionador que ela não trocava por nada e ele adorava. Passaram um tempo abraçados em silêncio e finalmente se beijaram, um beijo intenso, com uma mistura de pesar e saudade, parecia que ficaram anos longe.

Três meses depois.

- Harry, não... você não pode voltar pra lá, você nem se recuperou ainda, você perdeu muitos amigos, tem poucos dias que conseguiu dormir a noite toda.
- Eu perdi alguns, mas tenho outros lá que estão contando comigo, preciso apoiar meu batalhão, eu sinto muito.
- Por favor, pensa melhor, espera pelo menos a próxima missão, você nem está indo mais naquele grupo de terapia dos soldados. – Ela pousou as mãos nos ombros dele, olhando-o com carinho e tristeza.
- Como você sabe que eu não estou indo lá? – Ele a afastou, franzindo a testa.
- Não importa, eu sei que você não está indo e que você tem pesadelos, tem mesmo que voltar agora? Eu não consigo ficar mais tanto tempo longe, eu sinto medo, sinto saudade, mas principalmente medo, eu tenho medo o tempo todo, quando o telefone toca ou a campainha e eu não estou esperando visitas, meu coração gela todas as vezes achando que são notícias ruins sobre você.
- Você precisa ocupar sua cabeça com outras coisas, eu realmente preciso fazer isso, eles precisam de mim lá. – Ela deixou escapar uma lágrima quando ele se aproximou de novo. – Não chora, por favor, sabe que isso me mata.
- Você pode realmente morrer lá e eu não estou preparada pra isso, não suporto essa ideia. Eu preciso de você aqui. – Ela deixou as lágrimas rolarem e se aninhou no peito dele, partindo seus corações em milhões de pedacinhos.
- Não pensa nisso, por favor. Torce por mim e manda energias positivas, eu vou voltar, eu prometo. – Ele selou seus lábios uma última vez e pegou a mochila do chão para ir ao centro de alistamento.

Bagdá, Iraque.
3 semanas depois


Os soldados sempre ficavam animados com a chegada do correio, o que estava bem complicado devido a situação de ter que mudar a base de lugar com prazos tão curtos para não serem atacados de surpresa.
Harry recebeu uma carta de sua tia e uma de Charlie, a carta da tia era sempre de desejos de ele estivesse bem e voltasse em segurança, já a carta da Charlie, foi um belo soco no estômago:

“Querido Harry,
Queria que você soubesse que eu te amo demais, te amo tanto que me dói muito te escrever essa carta, mas eu não consigo mais, eu estou remoendo isso desde que você me disse que ia voltar, eu queria ter tido essa conversa pessoalmente, mas eu sabia que não teria forças.
Eu vou sempre lembrar com muito carinho daquele dia de verão no parque, quando o vento levou os papéis que eu estava organizando para uma entrevista e você veio correndo me ajudar, quando você sorriu pra mim, me entregando meus currículos e alguns relatórios, minhas pernas quase cederam, você era tão lindo, mas não uma beleza convencional, era uma mistura de príncipe dos contos de fadas e um cavalheiro do mundo moderno, algo que eu nunca tinha visto.
Depois daquele dia, eu não conseguia parar de pensar em você, e não é que o destino nos juntou de novo? Você disse que eu iria conseguir aquele emprego e me observou entrar no prédio, duas semanas depois, lá estava você no parque, segurando flores, achei que tínhamos trocado os telefones apenas para preencher um silêncio estranho que se formou quando eu tentei te agradecer, mas falhei miseravelmente gaguejando palavras quase incompreensíveis e você disse que eu poderia pagar um café quando fosse contratada.
Tivemos muitos momentos incríveis desde então, você tinha seus treinamentos, eu tinha meu emprego como contadora de uma grande empresa, mas eu não sabia que quando teve aquele ataque e você foi convocado, aquilo me deixaria com o coração tão apertado, eu senti medo e angústia, sabia que você era um soldado, mas a guerra parecia algo tão distante de nós.
Enfim você resolveu voltar como voluntário na segunda missão e ficamos sabendo dos ataques e das mortes, cada dia era pior que o anterior, eu mal dormia e não conseguia me concentrar durante o dia, apenas esperando o momento que eu recebesse alguma notícia ruim ou que você entrasse são e salvo pela porta. Eu mal pude me aguentar quando você finalmente chegou e eu pude tê-lo em meus braços, mas sua mente não estava comigo, eu te senti distante e machucado, cada vez que o número de mortos dos dois lados aumentava, era um sinal de que as investidas começaram a ser mais constantes e mais perigosas e seus pesadelos não nos deixavam dormir mais que 2 ou 3 horas por noite.
E não sei se por honra ou por outra coisa que estava te perturbando, você simplesmente decidiu se alistar mais uma vez voluntariamente, aquilo acabou comigo e, quando você saiu pela porta, levou um pedaço do meu coração que eu provavelmente nunca terei de volta, mas eu não posso mais aguentar essa angústia, espero que você entenda, eu preciso me desligar desse sentimento que tem me feito tão mal desde a sua primeira missão, preciso me desapegar de você e seguir em frente.
Espero do fundo do coração que esteja seguro e volte pra casa inteiro,
Eu te amo, mas tenho que dizer adeus.
Com carinho,
Charlie”


Aquilo o destruiu, o acertou em cheio, aproveitou o dia “tranquilo” para ficar escondido na barraca sem conversar com ninguém, não estava a fim de explicar nada do que estava sentindo.
No dia seguinte, o batalhão dele foi atacado com uma explosão, todos ficaram desnorteados e depois houveram tiros pra todo lado, chegou num ponto que era difícil saber a direção dos tiros, se eram amigos ou inimigos, cada um correu para se proteger da melhor forma possível, eles estavam em grupos de no máximo três depois de uma sequência de explosões menores, Harry foi atingido por estilhaços em uma dessas explosões e a perna direita ficou muito machucada, um dos seus o ajudou a chegar em um local mais afastado e o escondeu em uma espécie de trincheira.
Aquele ataque durou alguns dias, demorou para que o batalhão conseguisse se reunir e colocar todos os feridos no hospital improvisado, havia pouco mais de duas semanas que estavam naquele local novo e ainda estava tudo muito confuso, tiveram baixas e bastante soldados machucados, alguns até precisaram ter membros amputados, foi um verdadeiro horror.
O ferimento da perna de Harry se complicou devido ao tempo que demorou para limpeza e tratamento com os remédios, ele estava com uma infecção séria e precisaria ser removido assim que possível junto com outros dois soldados que precisavam urgente de cirurgia. Quando ele chegou no hospital do exército, próximo da cidade em que vivia, recebeu a visita de sua tia. Ficou quase um mês internado até que a infecção cedesse e fosse tratado adequadamente para que não perdesse a perna.
Finalmente teve alta para voltar pra casa e estava dispensado das atividades do exército porque sua perna ficara levemente comprometida e ele ficou com dificuldades para caminhar, com a fisioterapia voltaria quase ao normal, mas não poderia correr ou ter a destreza que tinha antes para participar das frentes de confronto, foi dispensado com menção honrosa por ter servido ao seu país com tanto empenho, mas não retornaria para futuras missões.
Quando chegou em casa, teve um vislumbre de esperança que encontraria Charlotte por lá, mas provavelmente ela nem ficara sabendo do seu retorno, do hospital e todo o resto, apesar da carta, ele queria vê-la e dizer que aceitava a separação e tranquilizá-la que tinha chegado bem e quase sem arranhões. Riu sozinho com esse pensamento enquanto dava uma geral na casa, a muleta atrapalhava levemente o processo, mas ele sempre fora bom em desafiar a própria dor e desconforto e a casa não estava tão suja porque ele tinha uma senhora de confiança que ia lá uma ou duas vezes por semana dar uma geral nas coisas.
No fim da tarde, resolveu pegar o carro e ir ao apartamento de Charlie, mas para sua surpresa, o porteiro que trabalhava lá havia alguns anos o reconheceu e disse que a senhorita tinha se mudado, ele estranhou um pouco e tentou ligar para o celular dela, caiu direto na caixa postal, provavelmente ela o tinha trocado, na tentativa de realmente cortar o contato com ele. Ainda incomodado, resolveu visitar os pais dela, não sabia se era o certo depois daqueles meses fora, a garota deixou claro na carta que não queria mais ficar com ele, mas ele precisava vê-la.
- Ah meu Deus, você voltou – a mãe dela o recebeu com lágrimas nos olhos – que bom que você está bem, querido, com tudo o que aconteceu lá, ficamos tão preocupados. Entre, vamos tomar um café. – Ela puxou o braço dele para que entrasse na casa e quando ficou de costas para Harry enquanto fechava a porta, ela literalmente desabou em lágrimas.
- Senhora, o que foi? – Ele a abraçou de lado e levou-a até o sofá meio desajeitado por conta da muleta.
- Harry, meu jovem, fico feliz que tenha voltado e esteja bem. – O pai dela apareceu na sala e estendeu a mão. – Infelizmente não temos boas notícias. – Os olhos dele se encheram de água e Harry ficou desolado.
- O que aconteceu com ela? Onde ela está? – Seu coração afundou dentro do peito causando uma dor inexplicável.
- Ela se foi, nossa Charlie sofreu um acidente de carro há pouco mais de um mês – a mãe dela conseguiu dizer entre soluços, Harry fraquejou, deixou a muleta cair e se ajoelhou no chão, deixando as lágrimas lavarem seu rosto completamente. Estava desolado, segurou as mãos que a mãe dele ofereceu e chorou no colo da mulher que o acolheu como um filho quando começou a namorar a garota.
Harry ficou ali chorando com os pais dela por mais de uma hora, não sabia o que dizer pra eles, achou indelicado perguntar as circunstâncias do acidente e também não era importante, tudo o que importava era a dor que ele estava sentindo ao saber, a dor dos pais dela. Depois de se recompor um pouco, abraçou-os demoradamente e saiu, seguiu para o cemitério onde eles disseram que ela estava enterrada. A chuva começou forte e só piorou desde que ele se sentou no chão próximo ao túmulo de sua amada, Charlie tinha tanto medo que ele morresse, não era justo que ela tivesse ido tão cedo e em um acidente de carro, parecia uma piada cósmica de muito mal gosto.

You spend a lifetime waiting
Tomorrow chasing
With a cracked open shell of somebody you love

In the graveyard hour
The wind strikes and takes the power
Its those Gods crying out for you to touch their tears
Woah, when it starts to pour


Harry se permitiu chorar e deixar as lágrimas se misturarem à chuva que caia tão forte quanto a dor que ele estava sentindo, recostou a cabeça sobre o túmulo e chorou, chorou tudo o que estava em seu peito, rezando por ela e conversando com sua lembrança, contando que todos os votos e orações de que ele estivesse bem deram resultado, mas ele não queria mais aquela vida, como conseguiria viver em um mundo onde não teria mais sua querida Charlie?

Yeah, we touch the rain
Where rivers start to flow
Get out and touch the rain
Where oceans hit the floor
Get out we touch the rain
You gotta taste the storm
Get out and touch the rain


Que o mundo não era justo ele já sabia, mas por que tirar a vida de alguém que fazia tudo e todos ao redor tão mais felizes?
Depois de seis meses, quando fora liberado da fisioterapia, passou no cemitério para deixar uma flores e seguiu para se despedir dos pais dela antes de passar na casa da tia, informando que estava se mudando para Beaufort, Carolina do Sul, onde seus pais cresceram e foram enterrados, voltaria às origens para se encontrar, tentar se libertar daquela dor horrível que estava sentindo com a morte de Charlie.
Vendeu a casa onde morava, comprou uma cabana um pouco afastada da cidadezinha e organizou toda a mudança, não tinha tantos pertences e a maioria dos móveis não caberia na casa nova, então ele vendeu junto com a casa.
Quando chegou na cidade, passou em uma loja de ferramentas, em uma madeireira e no supermercado, de início só comprou a cama, um fogão e uma geladeira, o resto ele ajeitaria com o tempo, a cabana era pequena, mas tinha um espaço bom e um galpão atrás onde ele poderia fazer alguns trabalhos manuais, estava até animado, poderia trabalhar com marcenaria, aprendeu a gostar desde que o pai o ensinou algumas coisas quando ele tinha uns 12 anos, também aprendeu bastante do ofício nos acampamentos no Exército.

Depois de organizar umas coisas na casa, consertar o que estava quebrado, essas coisas básicas, resolveu instalar prateleiras e melhorar a cara da cabana, comprou um sofá e alguns móveis ele mesmo foi fazendo, como armários, guarda-roupa, mesa e cadeiras. Depois de umas duas semanas, ele já tinha se situado na cidade, procurara o padre da capela onde seus pais casaram e, por incrível que pareça, ele ainda estava por lá, apenas cuidando das coisas e participando das missas em ocasiões mais importantes, ele estava ficando velho, mas não queria se afastar da batina.
Uns dias depois, estava fazendo bastante calor e Harry estava descansando um pouco a perna machucada elevada no banco que ele mesmo fizera, tinha dias que a dor era bem insuportável, mas ele se recusava a ficar dependente de remédios. Estava quase cochilando quando o padre apareceu, estava de carona com um jovem que devia ser da igreja.
- Boa tarde, filho, como está indo?
- Oi Padre, tudo bem na medida do possível, e o senhor?
- Tudo bem, desde a última vez que nos falamos, você disse que estava fazendo alguns trabalhos em madeira pra sua casa, vim para ver o resultado.
- Fique à vontade, quase tudo de madeira eu que fiz, menos a cama, reformei as janelas, fiz as prateleiras, bancos, a mesa.
- Muito bom, você tem talento, meu rapaz, vim aqui te ver porque preciso de alguns consertos na capela e achei que você estivesse com tempo sobrando, e também precisava saber se o trabalho é bem feito, não é? – Ele riu com a própria piada, arrancando um sorriso de Harry, que acabou concordando em fazer a reforma da capela.

Com o trabalho na capela, foi conhecendo mais gente e pegando outros serviços, o pessoal da cidade começou a espalhar a notícia de que ele fazia um bom trabalho, ele era um pouco lento porque tinha que parar sempre que as dores ficavam fortes, mas era caprichoso e arrumou um ajudante logo que as coisas engrenaram.
Um dia ele estava meio triste e cansado, resolveu ir até a capela conversar com o padre, ele se abriu e contou os acontecimentos que o levaram de volta àquela cidade. Depois da igreja, ele seguiu até o cemitério com flores para visitar o túmulo dos pais, já era fim de tarde e começou uma chuva leve, ele ajeitou as flores e ficou lá um pouco, conversando com eles em pensamento sobre tudo o que acontecera e como era triste que eles tinham partido tão cedo e não estavam lá, esperando por ele naquela cidadezinha tão charmosa.
O pai faleceu em uma missão do Exército e a mãe adoecera pouco tempo depois, estava tão deprimida que mal teve forças para lutar contra a própria doença, pegou uma pneumonia quando foi internada e ela não resistiu, houveram algumas complicações e ela também se foi.
A chuva foi ficando pior, mas antes de ele ir embora, viu que tinha uma mulher em um túmulo próximo, ela estava agachada e parecia chorar.

You spend a lifetime waiting
Tomorrow chasing
With a cracked open shell of somebody you love


Ele esperou ela sair e se aproximou de onde ela estava, “Pai amoroso e filho maravilhoso”, na lápide tinha uma foto de um homem que tinha por volta de seus 30 anos e um garoto que teria menos de 10, eles haviam morrido no mesmo dia, há pouco mais de dois meses. Harry ficou intrigado, provavelmente eles foram a família dela, ela devia estar sofrendo muito.
Alguns dias depois, ele estava trabalhando no galpão quando escutou alguém bater na parede da entrada, anunciando a chegada.
- Boa tarde. – A mulher sorriu de leve. – Você que é o famoso marceneiro de quem a cidade toda está falando?
- Oi, acho que sim. – Ele deu uma risada sem graça, nunca fora muito bom com elogios. – Meu nome é Harry. – Ele bateu as farpas da luva na calça jeans surrada e a retirou para estender a mão para a moça, quando se aproximou, reconheceu-a do dia em que fora ao cemitério.
- Olá Harry, sou Alice, muito prazer. – Ela estendeu a mão de volta. – Estou precisando de uma reforma na minha varanda e na casa, na verdade, tem algumas madeiras soltas e aparentemente o teto está quase caindo, as chuvas não ajudam muito com isso.
- Verdade, essa semana eu termino um outro serviço e podemos começar lá, me deixa o endereço que vou avaliar e te passo um orçamento. – Ele entregou um bloco de notas pra ela.

O trabalho na varanda de Alice seria um pouco complicado, parecia uma casa velha que não via uma manutenção havia muitos anos, ele fez uma avaliação breve, tirou algumas medidas com a trena, fez comentários sobre outros reparos que seriam necessários e anotou na prancheta para fazer uns desenhos e as contas depois.
- Então vai dar pra salvar? – Ela parecia muito grata por ouvir que a casa ainda tinha solução. – Essa casa foi dos meus pais, consegui comprar de volta, mas parece que os antigos donos compraram a casa e a esqueceram aqui, meu marido não era muito bom com serviços manuais, então foi deixando para quando tivéssemos tempo pra ver isso... – a voz dela sumiu aos poucos.
- Sim, eu e Mike faremos o melhor trabalho possível para recuperar a casa, a senhora já está morando aqui? – Ele perguntou meio sem jeito, não sabia direito como se referir a ela.
- Não, ainda não, quero arrumar ela primeiro antes de me mudar, mas comprei quando mudamos de volta pra cá porque tinha um apego muito forte com ela, eu cresci aqui, mas esclarecendo, não precisa me chamar de senhora, só Alice está bom.
- Humm, ok... Alice, vamos começar a trabalhar assim que você aprovar as ideias e o orçamento.
- Muito obrigada. – Ela sorriu sem muita emoção e ele percebeu que ela segurava o dedo com a aliança, ela ainda não tinha tirado, ou aquele lance no cemitério eram outras pessoas.
Depois de dois dias, ele voltou com as observações e o orçamento, a obra demoraria aproximadamente uns dois meses, ela concordou com tudo que ele sugeriu e ele foi comprar alguns materiais para começar. Alguns dias ele ia com Mike, outros ele ia sozinho, ela costumava aparecer algumas vezes para ver como estavam as coisas e eles acabaram conversando e ficando mais próximos, ele descobriu que o túmulo era mesmo do marido e do filho dela, de sete anos, eles tinham programado um passeio de barco para pescar que duraria alguns dias, uma tempestade os pegou de surpresa e o barco afundou, um navio grande estava próximo e viu algo no radar, depois de um tempo de buscas, deram como mortos e o túmulo era simbólico, encontrar corpos no mar era uma missão quase impossível. Ela sofria muito com isso e ainda não conseguia aceitar que não pôde se despedir deles de forma adequada.
Era um final de tarde quando Harry estava organizando umas coisas antes de ir embora e Alice apareceu, achou que ele já tivesse ido e só queria dar uma espiada no trabalho.
- Está ficando muito bom, a parte de dentro já está toda pronta, nem acredito que foi tão rápido e está incrível. – Ela saiu pela porta com ele e tomou cuidado para descer a escada, saltando o degrau quebrado, ele foi atrás dela, sentindo um pouco a perna.
- Que bom que está gostando, fico feliz.
Eles ficaram conversando um pouco enquanto o sol se punha, até que pintou um clima entre eles.
- Nossa, está tarde, eu preciso ir. – Ele fez um esforço enorme para desviar os olhos dos dela, porque eles estavam em uma distância não muito segura, ele ainda não estava pronto para se envolver com ninguém, nem sabia se um dia estaria, e ela também tinha suas próprias dores e feridas para cuidar.
- Uau, verdade, nem vimos a hora passar. – Ela se afastou dele um pouco sem graça e seguiu para o carro, perdida em pensamentos.
Os dias foram passando e eles mal se encontraram depois, ela evitava ir na casa durante o serviço dele para não deixar aquele lance do outro dia se complicar, ela perdera o marido tinha pouco tempo, não estava pronta de jeito nenhum para se envolver com ninguém.
Quando o serviço acabou, eles se encontraram para uma vistoria final.
- Que coisa mais linda. – Ela ainda não tinha visto a varanda com os arremates finais e a tinta, ficou realmente maravilhada com o trabalho de Harry e Mike.
- Fico feliz que te agrada, eu fiz o melhor que pude. – Os olhares se encontraram e eles encostaram as mãos no guarda-corpo da varanda.
- Olha, eu gostei muito mesmo e você é... Você é um cara legal, Harry, mas não podemos, eu não posso, por isso me mantive afastada desde aquele dia...
- Eu sei – ele abaixou os olhos e segurou a mão dela, acariciando de leve o dedo com a aliança. – Eu também tenho minhas ressalvas, mas podemos ser amigos, se você quiser. – Ele sorriu de lado e ela sorriu de volta, apertando de leve a mão contra a dele.
- Podemos tentar qualquer dia desses, obrigada pelo seu trabalho, senhor Harry.
- Obrigada por me contratar, senhora Alice. – Eles riram meio bobos e ele foi embora com o último cheque.

Alguns meses se passaram e essa amizade acabou acontecendo, eles se esbarraram algumas vezes e perceberam que gostavam muito da companhia um do outro, conseguiram manter certa distância, mas se apoiaram mutuamente nas suas tristezas.
A previsão do tempo anunciara uma tempestade para aquela noite, Harry verificou as lanternas, precisava de pilhas, foi no mercadinho mais próximo comprar e aproveitou para pegar umas velas também, mas antes de ele sair, a chuva veio impiedosa, ele correu até o carro e, quando virou a chave para ligar a caminhonete, viu que tinha uma pessoa saindo do cemitério, era Alice, já fazia alguns dias desde que se falaram, no último encontro quase rolou um beijo e eles estavam tentando ao máximo resistir devido aos conflitos internos, será que era traição com seus amores perdidos? Já estavam prontos para algo assim?
Ele percebe que ela está chorando muito e corre até ela.
- Vem comigo, você está congelando – ele coloca a jaqueta sobre os ombros dela e a guia para o carro.

In the graveyard hour
The wind strikes and takes the power
Its those Gods crying out for you to touch their tears


- Foi uma tempestade como essa que tirou eles de mim – ela soluçava entre as palavras, chorava muito. Ele conseguiu acalmá-la um pouco e levou-a para a casa “nova”, que ele reformara, ela já estava morando lá havia algum tempo. Quando ele estacionou, Alice desabou em lágrimas de novo e Harry a tomou em seus braços, deixando ela soluçar em seu peito. Eles ficaram assim por um tempo e por fim ela levantou o rosto. – Eu acho que não consigo ficar sozinha hoje, você pode ficar comigo?

Get out and touch the rain
Where rivers start to flow
Get out and touch the rain
When oceans hit the floor
Get out we touch the rain
You gotta taste the storm
Get out and touch the rain


- Claro, claro que eu fico, deixa eu só pegar as velas que eu comprei, provavelmente vamos precisar. – Ele a soltou devagar e pegou a sacola atrás do banco. Desceram do carro e correram até a varanda, deixando os casacos molhados pendurados por lá, ela ainda guardava algumas roupas do marido e deu pra Harry se trocar, ou ficaria doente, ela foi tomar um banho quente e colocou outra roupa também, ele já estava desconfortável em ter que vestir as roupas do marido falecido dela, preferiu deixar o banho pra outra hora, esperou por ela no sofá e não demorou para as luzes se apagarem, por sorte o chuveiro era à gás.
- Tá se sentindo melhor? – Ele perguntou quando ela apareceu na sala, ela se aproximou dele e acenou que sim com a cabeça. – Vem cá... – Harry chegou para um lado do sofá e encostou a mão do lado indicando que ela se sentasse.
Eles só ficaram abraçados por um tempo, quando se deram conta, já estavam envolvidos por um beijo intenso e desesperado ao som dos trovões, estavam seguros um no outro e complementaram suas dores e medos, perceberam que tinham que ficar juntos, apesar de tudo o que passaram antes, acabou que o destino reservou uma surpresinha para eles.

You gotta taste the storm
Get out and touch the rain


Fim



Nota da autora: Gente, a ideia dessa fic foi uma coisa muito doida, tudo começou com um policial e sua parceira, mas acabou com um soldado na guerra perdendo a namorada e encontrando outro amor e aproveitando a chuva, espero muito que gostem como eu gostei de escrevê-la. Não esqueçam de comentar <3


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