02. Tratamento Perfeito

Finalizada em: 14/06/2020

Prólogo


Agosto, 2018
Estar em um racha não era tão emocionante como Velozes e Furiosos mostra nas telonas. Tinha homens lindos, o som altíssimo de doer os ouvidos, mulheres seminuas e muito dinheiro rolando. Mas ela estava mais preocupada com aquele cheiro forte de gasolina e a terra se fundindo e assim prejudicaria todo o seu pulmão. Se sua fada madrinha surgisse no meio daquela fumaça, pediria que a tirasse dali para ficar em casa vendo pela décima vez a mesma série no catálogo da Netflix com a sua torta de limão, lugar onde os seus pulmões estariam salvos e longe de qualquer contaminação. Mas a situação estava bem invertida. Além de seu pulmão estar sendo prejudicado, seu coração poderia estar na beira também.
Não conseguia tirar os olhos daquele garoto que exalava problema. Os olhos dela vagavam por algumas tatuagens expostas no seu corpo por causa da camiseta listrada em verde, amarela e azul, os primeiros botões estavam abertos também. Surgiu uma curiosidade desconhecida em querer ver cada uma delas de perto, tocar ou até beijá-las...
— Eu consegui! — Rebeca gritou sentando ao lado de no capô de um Honda velho. continuou em silêncio com sua cerveja vendo uns carros se preparam e Beck colou um papel no seu busto — Você é a 68. Espero que consiga o . — respondeu mordendo os lábios, deixando clara sua esperança.
— Como assim, Rebeca? — deixou a cerveja de lado bem confusa com tudo que ela falava — Quem é ? E por que eu sou 68? — saiu do capô ficando de frente para a morena, sabendo que viria bomba.
— Eu sou o e você pelo visto é a 68. — uma voz arrastada atrapalhou a discussão delas, deixando mais confusa ainda quando o garoto problema estava bem à sua frente olhando o seu peito — E você tem 20 minutos para desistir da melhor adrenalina, baby... — alertou passando os dedos pelo seu queixo. Fechou a boca, assistindo ele voltar para o seu carro com cabelos balançando com o vento fresco.
Ahn? Ele realmente acha que eu tenho medo de um carro cheio de nitrogênio?
— Por que você sempre me enfia nessas coisas? — esbravejou com as mãos na cintura. Não sabia o motivo da surpresa, era do feitio de Rebeca colocá-la em problemas.
— Porque eu sei que você vai aceitar, . — explicou, óbvia. Jogou o cabelo para trás do ombro e voltou a olhar o tal , rodeado de garotos, como se fosse um copo d'água no deserto — E ele é um gato também, né!
— Hm, nem é tudo isso... — bufou envolvendo as tranças em um coque, já que sentiu certo calor quando sentiu o olhar dele sobre ela.
não podia evitar contar os minutos para desistir, já haviam passado alguns carros destruídos por derraparem ou por batida. Na verdade, não conseguia entender o motivo de estar cogitando entrar naquele carro. O que ela faria? Só ficaria assistindo um cara por sua vida em risco enquanto ela estava no banco do passageiro? Ela não saberia responder essas perguntas, apenas ouviu seus pensamentos e foi até o garoto problema que estava no capô. Qualquer coisa culpava o álcool.
— Tô vendo que não desistiu, hum, 68? — levantou do capô com um lenço em mãos e andou em sua direção
— Como você quer que esse Ford Maverick vença de um Audi TT? — indagou, ignorando a forma que lhe chamou. Pode perceber que ele tinha dois piercings e um risco na sobrancelha esquerda a cada passo que ele dava.
— A antiguidade está em alta, nunca ouviu isso? E outra, eu sou muito bom até com um fusca. — segurou o suspiro sentindo bem atrás dela passando uma bandana vermelha pelo seu pescoço. Okay, ele é o pacote completo da perdição — Pra você não respirar poeira e não tossir feito louca.
concordou se virando na direção dele e o olhando nos olhos. Ela não era tão baixa como a maioria das mulheres, então não foi complicado enterrar as mãos no cabelo dele para fazer um coque. ficou quieto, apenas sentindo os dedos dela passaram pela sua cabeça e — segurando com todas as forças um gemido manhoso com aqueles dedos — riu abafado admirando o biquinho de concentração que ela tinha nos lábios. Lábios essas carnudos e muito convidativos. Para a infelicidade de , o calor e o cheiro que ela emanava se afastaram do seu corpo.
— Assim você não põe minha vida em risco. — disse no mesmo tom dele adentrando no carro preto. Inspirou fundo o cheiro de couro e colônia, e até um pouco de suor (nem queria imaginar quantas meninas devem ter suado nesses bancos), mas nada totalmente desagradável. Já que de certa forma era até sexy.
— Olha, eu não quero que pense que sou um moleque prepotente que fica brincando de corrida como Hot Wheels. — sobressaltou quando um tom de seriedade se fez presente, olhou para cima o vendo segurar a porta — Eu gosto da adrenalina, de sentir o vento, de ter o domínio, sabe? Eu quero que confie em mim antes de tudo?
Soltou o ar, se sentindo aliviado e levemente envergonhado, mas sentiu a necessidade de ter a confiança dela, ter a certeza de que ela não precisava ficar insegura perto dele. Não entendia o porquê de ter agido assim, nunca precisou da certeza de alguma mulher para correr ao lado dele, mas as palavras dessa mulher que nunca tinha visto tinham mexido com seu interior.
— Beleza, eu confio em você. Se você diz que não é um moleque, eu acredito. — disse simples deixando ele levemente surpreso. Não sabia que seria tão fácil conseguir a confiança de alguém, pelo visto é só ser sincero.
Ele examinou o rosto dela, principalmente seus olhos, que mostravam bastante sinceridade de sua parte. Ela desviou o olhar assim que ele fechou a porta e deu a volta no carro, sentando no seu banco e fechando sua porta também.
Sem querer, seu olhar caiu sobre , que estava completamente focado na pista à sua frente e parecia bem tenso com o maxilar marcado e a coluna ereta. Os gritos do aglomerado de pessoas não tirariam sua concentração de forma alguma, mas o olhar dela estava o queimando, então, propositalmente, ele a encarou de volta só pra deixá-la sem jeito.
— Meu nome é , não 68. — explicou, retornando o seu olhar para a janela, colocou a bandana no rosto como ele e riu vendo Rebeca acenar para ela feito louca no meio da multidão. Se ela morresse, o seu sangue cairia sobre Rebeca.
— Okay, . Qualquer coisa pode segurar a minha mão. — sugeriu malicioso erguendo um sorriso, que foi difícil não contagiar e ele percebeu quando os olhos dela apertaram. queria tirar o lenço de seu rosto só para confirmar que seu sorriso era tão lindo quanto o seu olhar.
No momento que o motor foi ligado e o carro parou atrás da faixa branca ao lado do Audi branco, e sentiram uma excitação dentro deles. Para , aquela sensação era melhor que qualquer coisa, ele se sentia confortável com o coração palpitando e o vento batendo em seu rosto. A temperatura corporal subir, a famosa adrenalina tomar o controle sobre o seu corpo, a garganta secar e um sorriso surgir para completar o pacote.
E, como nos filmes, uma mulher negra com dois lenços estava em frente dos carros, e já não conseguia prestar atenção em qual numeração ela estava. Apenas ouviu o carro rugir, com pisando no acelerador e ajeitando a marcha, logo depois só foi um vento muito forte atingir seu rosto a afundado no banco, ela desejava ser sugada por ele. E, para sua própria surpresa — e a dele também —, esticou os braços até a mão dele repousada em sua perna, e apertou bastante.
— Pode ficar tranquila, . — como ele conseguia estar tão calmo com o carro naquela velocidade? E como podia acreditar naquelas palavras como se fosse seu melhor remédio? Ah, vamos lá, , você já conheceu caras melhores! Talvez ele só seja diferente.
Não satisfeito com a velocidade, pisou mais fundo no acelerador com os olhos no retrovisor, vendo apenas um borrão do Audi, que estava bem atrás com a poeira que seu velho e bom Maverick fazia. Gargalhou alto enquanto sentia pressão que seu corpo teve com uma curva mais sinuosa. Já gritou de desespero com a pressão feita. Se a sua caixa torácica não explodisse hoje, nunca mais iria. A única adrenalina que estava acostumada era aquela que ela aplicava em seus pacientes em questões de vida ou morte.
Ele a olhou de soslaio, só para conferir — pela centésima vez — a sua beleza e se realmente parecia mais tranquila, já que ainda sentia seus dedos serem cruzados com os dela. Não que estivesse reclamando, mas só queria admirá-la.
apertou seus dedos até estalarem no volante, vendo que estava bem próximo da faixa e que as pessoas já pulavam para aplaudir e exaltá-lo. Não era uma corrida tão importante para ele, mas importava para velhos sedentos por dinheiro fácil em garotos novos e ele não perderia a chance de mostrar que tem potencial nas pistas ilegais.
Com um som irritante das rodas derrapando sobre a terra, o carro foi freado bruscamente, jogando os dois corpos para frente. Verificou se ela estava desmaiada pelo o silêncio presente no carro, mas seus olhos estavam fechados com a bandana no seu pescoço e os lábios entreabertos por causa da respiração pesada.
— AAAAAAH! — o grito estridente com uma gargalhada gostosa no final fez tirar a bandana do seu rosto, visualizando uma deslumbrada e bem próxima do seu rosto — Isso foi tão incrível! — segurou o rosto dele com as duas mãos olhando no fundo dos seus olhos.
umedeceu os lábios, concentrado demais em decifrar o olhar profundo que ela passava e ignorando toda a multidão que batia em seu carro — na verdade até fechou as janelas — e gritava o seu nome. Não era sempre que sentia todo o seu corpo incendiar com o toque de uma mulher que nem conhecia, e ele sabia que não era o único sentindo essa chama dentro de si.
— Posso te beijar? — foi quase inaudível para o simples pedido dele.
— Hm, você é engraçado, — respondeu simples, saindo do carro com um sorriso e deixando ele bem confuso, e ele a acompanhou.
— Isso foi um não? Ah, qual é? Eu sei que você quer! — se debruçou no teto do carro, gritando por causa das pessoas que o chamavam. apenas deu de ombros sem tirar esse maldito sorriso.
— Hey, ! Parabéns, mano. — o homem com quem disputou berrou. Ele queria poder dizer o mesmo, mas seria mentira e nem sabia o nome dele então apenas agradeceu com um rápido abraço — Mas você merece realmente isso aqui... — o movimento do punho dele até seu rosto foi tão forte que a queda do seu corpo no chão foi instantâneo.
O sangue de ferveu para nocauteá-lo, mas a sua cabeça rodava demais e o chão parecia ser bem confortável no momento. Era muito comum, finais de racha sempre termina em brigas. surgiu na sua frente, empurrando as pessoas que apenas filmavam como urubus toda a cena. Olhou para , que estava com o supercílio sangrando e, antes de tentar ajudá-lo, em uma fração de segundos, a mulher virou para o homem, dando um soco no seu peito.
queria rir de toda cena, mas isso lhe daria mais dores.

[...]

— Você está melhor, ? – indagou baixo tirando o pano, agora manchado de sangue, do seu supercílio. A enfermeira que habitava em despertou quando viu o sangramento, então o jogou no carro e ligou a luz de teto para ter uma visão ampla do ferimento.
Mal sabe ela que só de estar tão perto dele era o remédio pra qualquer tipo de dor. riu dos seus incontroláveis pensamentos.
— Posso te levar pra casa? — ela riu, desacreditada com o que ele pediu, mas concordou.
Talvez o carma estivesse conspirando a favor de ambos. Não era sempre que um racha e um soco na cara resultaria em um provável romance.

Meu carma tem sabor, perfeito pra você
Remédio pra curar a dor, e eu não 'to te cobrando nada


Capítulo Único


Sábado, 23:17, Curitiba
Havia passado uma hora que estava sentado naquele banco desconfortável de aeroporto. Eles deviam fazer assentos mais confortáveis se o avião sempre vai atrasar, pensou. A criança com quem ele brincava de caretas para fugir do tédio dormiu nos braços do pai e seus dados móveis esgotaram na noite anterior, então o que restava era visitar novamente sua galeria como se fosse a coisa mais interessante no momento, que se tornou quando entrou numa página específica com um um sorriso específico.
— Mudança de plano, , tenho duas notícias… — Jonas, seu mecânico, sentou ao seu lado com uma careta sabendo que não era coisa boa.
— O vôo atrasou? Isso não é novidade pra mim e mais ninguém. Só quero a senha da internet. — deu de ombros tentando ficar confortável no banco.
Jonas disse a senha para , que conectou rapidamente o wifi e não demorou muito para ser bombardeado de mensagens. Foi arrastando o dedo sobre a tela com os olhos fixos, encontrando a mensagem de quem realmente ele queria estar perto. queria poder se teletransportar naquele exato momento para os braços de ou até mesmo ver seu rosto franzido de raiva junto de um biquinho nos lábios pronta para xingá-lo e ele até riu se recordando da sua cara de irritada.
Abriu o chat dela, vendo que tinha muitas mensagens não lidas. alisou o cabelo com as mãos sabendo que não leria textos românticos.

Nega: Vagabundo!!
Já tô aqui na sua vó e ela fez a comida favorita do netinho... LASANHAAA. Ontem às 13:07


Nega: Quando tiver tempo para mim estarei na praia te esperando, blz!!. Ontem às 16:43

Nega: , eu to realmente triste de sempre estar pronta pra te receber e vc muito ocupado nas suas aventuras.
Não sei oq vai fazer tanto no Sul, inferno!!!! Hoje ás 22:25


Ele bufou assim que leu aquelas mensagens. Na maioria do tempo ele achava que tinha o dom de entristecer sua namorada, mas ele jurava não ser por querer. Queria poder recompensar todo o tempo perdido de tantas corridas em vários estados.

Vagabundo: Oi, baby!! Acabei de ver a mensagem.

Vagabundo: Sorry, tava na passagem e o avião atrasou dando um burocracia chata... Vc sabe como é essas viagens, até ia gargalhar de como fugi do tédio haha.

Vagabundo: Vou te recompensar, JUROO

Vagabundo: TE AMO, 68

jogou o celular no colo, revoltado com essa situação, onde a culpa era completamente dele de não priorizá-la como deveria. O destino e o carma deveriam estar gargalhando da confusão dele. Não entendia como o racha, que teve o resultado de aproximá-los de forma intensa poderia afastá-los de forma brutal. Às vezes seria mais fácil se fosse uma mulher simples de lidar, que aceitasse que ele nem sempre iria estar presente, ou que apenas esquecesse das suas discussões e fosse correndo para os seus braços como as cenas de filmes clichês, para continuarem suas vidas sem inseguranças, dúvidas ou medos.
Mas a questão era que era completamente o contrário disso. Ela odiava deixar dúvidas, então sempre fazia questão de deixar tudo explícito e não pregava os olhos caso ao contrário, ela era a orgulhosa — característica que ela despreza e tenta mudar — , insegura as vezes mas ao mesmo tempo decidida. Na verdade era completamente rendido ao jeito dela, não negava que amava ver o nariz dela ficar vermelhinho na ponta de tão irritada.

Deixa que eu te mostro sem certeza
Que a tristeza e a mágoa já passou
Você que manda aqui, eu te enlouqueço, meu amor


Ainda meio sonolento, se colocou de pé assim que o piloto avisou sobre o desembarque em solo carioca. Com um sorriso cheio de ansiedade e felicidade misturados na mesma proporção, pegou sua única mala, que era sua mochila, na gaveta do avião. O aeroporto estava lotado, principalmente a fila do check-out, onde ele estava com a sua equipe. Preparou os documentos em mãos para não se atrasar mais do que já estava e, quando foi abrir o whatsapp para avisar que estava chegando, o aparelho desligou com o sinal da bateria vermelha.
— Só pode ser sacanagem! — murmurou, atraindo olhares dos seus colegas que estavam atrás dele.
— Calma, mano, o carma e o universo sempre estão do lado de vocês. Azar no jogo, sorte no amor. — garantiu Felipe segurando o ombro do moreno — Duvido muito que vá receber você com mil beijos e abraços, mas vai dar tudo certo.
— Eu amo como você me motiva, Felipe. — disse sarcástico, vendo o negro rir — Mas também duvido muito.
suspirou com pesar. Fazia dois anos e um mês que eles estavam namorando e ainda não entendia completamente sua namorada. e tinham uma relação tão intensa que o corpo arrepiava ao lembrar de um simples áudio que ela enviava e no final soltava uma risada na qual ele sabia que carregava um sorriso safado, arrancando um dele também. Com a distância que ambos mantiam — por causa da sua carga horária como enfermeira e com as suas corridas ilícitas fora do país ou cidade —, a intensidade deixava de ser prazerosa para se tornar dolorida com discussões de tirar o sono, deixando a fronha do travesseiro molhada de lágrimas.
Ninguém ensinou para como seria difícil ter seu amor distante de si na maior parte do tempo e que os momentos românticos lembrados seriam por chamada de vídeo. Apesar de não ser como ela esperava, no final se tornou um ritual entre eles, que compravam um pacote de macarrão com molho de tomate — comida favorita dele — e comiam juntos com o celular na frente. esperava ela deitar e cair no sono para desligar a chamada e dormir lembrando de cada mínimo detalhe daquele rosto único.

Depois de alguns minutos que pareciam horas naquela maldita fila, pode finalmente pegar o primeiro táxi livre para ele. Cumprimentou o motorista, não tão velho como o de costume, e lhe deu o endereço. Encostou a cabeça na janela enquanto ouvia uma estação de rádio típica da cidade, que tocava músicas animadas totalmente ao contrário do seu humor melancólico. Além de estar em seus pensamentos, o que Felipe falou ecoava "azar no jogo, sorte no amor". Com a última semana seus pensamentos focados apenas em , sua corrida foi um completo fracasso, ao ponto de perder seu carro, ou seja, ele realmente torcia para o universo estar ao seu favor. Mas também, nada que uma revanche não resolvesse. Mesmo sendo o centro da suas confusões, ele não a culpava, mas sim a si mesmo por falta de responsabilidade tanto com ela como com o seu compromisso.
Ele entregou o dinheiro para o motorista, pegando sua mochila. poderia jurar que o pouco da sua tranquilidade ficou naquele banco de táxi, porque todo o seu corpo manifestava o que causava nele: tremor. Ele nunca saberia o que esperar dela, ela poderia estar calma rindo das cenas de um filme com Will Smith como poderia estar arquitetando um plano para matá-lo. Riu de nervoso com os seus pensamentos dramáticos. Olhou ao seu redor, percebendo como sentia falta da casa de seus avós, agora apenas da sua avó já que fazia três anos que o seu avô havia morrido (o cara que tinha ensinado amar a adrenalina de correr). Entrou na casa de madeira, deixando sua mochila em qualquer lugar, e foi correndo até o lugar favorito da senhora Mercedes, cozinha.
— O mais bonito da família, chegou! — abraçou a senhora com uma gargalhada gostosa até sentir tapas no ombro.
— Você quer matar a velha aqui, é? Também estava com saudades, meu amor! — disse dando um beijo na testa do neto, que se parecia tanto com o falecido marido — Para de enrolação porque agora você precisa correr atrás dessa menina, . Eu vejo nos seus olhos e nos olhos dela o quanto se amam, mas também vejo o quanto ela está magoada e com medo de você ser como os outros que passaram na vida dela. — Mercedes secou as mãos na própria roupa segurando o neto pelo braço e andando com ele — Ela estava me contando de quando vocês se conheceram e as vergonhas que vocês passaram juntos, estava evidente a alegria que ela sente ao contar essas histórias. Você é o remédio dela, .
riu, coçando a barba rala. Conhecendo bem , ela definitivamente havia contado a história da garagem.
Eles estavam fazendo um ano de namoro e finalmente poderiam se encontrar em São Paulo num hotel barato em que ele estava hospedado, então eles foram comprar pizza de quatro queijos, refrigerante de laranja — o favorito dela — e tequila, e subitamente teve a incrível vontade de ser barman e misturou as duas bebidas, o que não deu um bom resultado já que ficaram bêbados a noite toda no térreo do hotel. Porém não sabiam que era proibido ir para o térreo com bebidas alcoólicas, então foram expulsos do hotel porque decidiu discutir com o gerente, mas obviamente eles não foram embora e dormiram no carro, que estava na garagem do hotel.
— Você deveria mostrar que a ama. O amor é um quebra-cabeça onde as peças são momentos, palavras e atitudes, então a lembre de cada momento único e você se redime, tá? Porque ela é uma mulher incrível e você é um homem de sorte por ter ela te esperado tanto...
De repente o medo de não poder mudar aquela situação caiu sobre os seus ombros, porque não estava mais ali esperando por ele como as outras vezes, então absorveu tudo o que sua vó dizia. Ele ainda tinha chance de mudar, isso não era um final.
, ela foi para a rodoviária mais próxima. — avisou, com o rosto do moreno entre suas mãos, e, olhando no fundo de seus olhos, Mercedes pode ver a luz que via alguns tempos atrás e os seus olhos encheram de lágrimas com aquelas lembranças — Peça a mão dela, meu querido.
E ela entregou as alianças que usava como colar nas mãos do menino, que agora tomaria atitudes de homem. pegou as alianças e saiu da casa que lhe só proporcionava boas recordações.

Já peguei minha mochila, sabe
Pode ficar tranquila, cabe
Coração de menina chave
Minha flor e tequila
Aniquila a minha vontade de tu


Já alguns quilômetros longe de , estava , pensando se iria desistir pela segunda vez de pegar aquele ônibus que a deixaria em frente ao seu apartamento, onde teria a liberdade de chorar sem medo de estar feia.
Ajeitou uma de suas tranças que insistia em sair do coque, seus pelos arrepiaram sentindo a ventania contra o seu rosto secando algumas lágrimas. Ótimo, até os céus resolveram estar no mesmo clima que eu, riu com seus pensamentos dramáticos porém realistas. Olhou mais uma vez para os lados com um resquício de expectativa de que apareceria ali a chamando para voltar — ele mal tinha respondido suas mensagens quem dirá aparecer ali —, mas o que recebeu em resposta foi o som de freio do seu ônibus.
— E então, menina? Esse vai ser o seu ônibus? — perguntou com pena o cobrador, que estava ali vendo a quantidade de ônibus que ela perdeu.
— Já tá na hora, né? — um sorriso sem humor surgiu no seu rosto quando o senhor assentiu com um sorriso fechado.
abraçou seu corpo, relembrando que, na segunda semana do racha que ela e se encontraram, depois de muita insistência dele, ela tinha absoluta certeza que se apaixonaria por aquele garoto ousado e atencioso. E das diversas vezes que ele já ficou com ela quando estava de tpm e nem se aguentava mais. Mas ela também tentou afastar esse sentimento do seu coração, porque, por mais que amasse a tranquilidade que ele transmite para ela, não seria mais do que breves sensações, encontros e sexo. com a sua agenda lotada e as milhares de mulheres que estariam nos seus pés, só seria mais uma de suas histórias.
Mas, depois de cinco meses juntos, a mulher se tornou parte do seu mundo, uma corrida sem um beijo ou ligação dela não era a mesma coisa.
Talvez estivesse sendo infantil de ter ido embora antes dele voltar — e se voltar, pois até agora ela não havia recebido nenhuma notificação no seu celular — para terem uma conversa madura de homem e mulher. Mas agora seus pensamentos se distrairam quando ouviu fortes batidas na traseira do ônibus e o veículo freiou, fazendo todos os passageiros reclamarem com a ação repentina.
— Desculpa, motorista, mas é urgente!
Ah, mas ela conhecia aquela voz, aquele tremor na voz para ser mais exata. Levantou um pouco a cabeça para ver se era isso mesmo ou seu cérebro começou a ter alucinações, mas, para a sua felicidade ou infelicidade, era ele mesmo. Assim que os olhos castanhos escuros de se encontraram com os de , todo o seu corpo acendeu.
Aqueles dois meses apenas o vendo por uma tela de celular com ele no Sul do país foram dolorosos, não poder sentir seu cheiro ou o seu sorriso abrir durante um simples beijo. E agora ele estava ali, caminhando na sua direção sem quebrar o contato visual que dizia tantas coisas, com o cabelo e as roupas molhadas da chuva, deixando gotas d'água no chão do ônibus. Sentiam que o ambiente pesou e todos os passageiros sabiam o que houve entre eles, porque os olhos de queriam saltar lágrimas.
— O que você tá fazendo aqui? — fez a pergunta mais clichê que existe, mas realmente queria saber se ele estava ali para se justificar ou acabar com tudo.
— Aniquilar minha saudades de tu e ir pra onde você for. — se sentou no lugar vago com a respiração ofegante, reparou como os seus lábios estavam roxos e seu corpo tremia — Então, por favor, não me peça pra nos afastarmos.
— Você quer pegar uma hipotermia, ! — colocou a mão na sua testa verificando sua temperatura, ignorando o que ele disse ou tentando, já que aquelas palavras ecoavam na sua mente. Pegou um moletom na sua mochila, que por acaso era dele, e o entregou — A gente conversa em casa. — confirmou, liberando o suspiro que estava entalado na garganta. Admirou de canto vendo ele vestir o moletom.
— Tem seu cheiro, cheiro de casa. — sorriu para o azar dela, que se derretia toda, mas sabia esconder o jogo quando queria então apenas umedeceu os lábios com a postura ereta — Posso te beijar? — segurou o seu queixo, sentindo um leve arrepio por causa de seus dedos gelados, e ela o encarou densamente se aproximando dele também. Ele esperava apenas o seu consentimento para ter o que tanto desejava.
— Não. — sussurrou, suas as testas estavam juntas, um beijo no maxilar com um simples toque de narizes. Não era o que ele queria, mas também não podia reclamar — Não venha tentar me persuadir, Vagabundo.
— Pelo menos valeu a tentativa. — deu de ombros, deitando no colo dela, e automaticamente sentiu seus mágicos dedos no seu cabelo num carinho gostoso.
Meia hora havia passado entre carícias e beliscões. O lado enfermeira de estava ativado com ela vendo todos os sinais do corpo dele, poderia estar sendo dramática, e estava mesmo, não ia negar. O transporte parou dois quarteirões de seu prédio, foram caminhando em silêncio e rápido já que ainda chuviscava e nenhum dos dois queria pegar um resfriado.
Mesmo sem uma troca de assunto, sempre que apertava os passos, passando na sua frente, fazia questão de segurar sua cintura para ficar na frente dela, por pura implicância. Mas enfim chegaram no apartamento e pode finalmente tirar seus sapatos, respirando aliviada — tirar os sapatos e sutiã são as melhores sensações. Olhou no relógio, que marcava 20:18, enquanto estava atrás fechando a porta e deixando a mochila da negra no sofá. Suspirou, percebendo que também sentiu bastante falta dessa casa, onde eles tiveram momentos incríveis. Ele não saberia reagir caso nunca mais entrasse nesse apartamento depois de hoje.
— Vá tomar banho, , um banho bem quente!
— Sim, mamãe. — respondeu debochado vendo a careta dela. Ele riu, indo no quarto pegar as roupas e a toalha, obedecendo a mulher — Pedi pizza!
— Okay… — murmurou, rindo da situação que se encontrava. Quem visse isso não imaginaria que horas atrás ela estava chorando por ele e cogitando todas as possibilidades de um possível terminar, mas lá estavam eles, comprando pizza para ter uma DR.
Ambos estavam de banho tomado comendo pizza naquele silêncio angustiante, o silêncio só não os matava por causa da televisão, mas não era como se ela estivesse fazendo diferença. Sentados no sofá com a caixa separando eles, às vezes os dedos esbarravam.
— Eu sei que estou redondamente errado pela minha falta de compromisso esses messes, , mas… — soltou as palavras virando-se para ela com ombros tensos. odiava se sentir assim.
, antes de tudo, eu não quero que você pegue todas as dores de tudo que vem acontecendo. Isso é um relacionamento que tem duas pessoas que erram, entende? — acenou com a cabeça vendo que ela também estava tensa, colocando uma mecha atrás da orelha — Não queria ser autoritária, sempre mandando em você, também não quero que deixe de fazer algo que você goste por pura infantilidade minha… então te peço desculpas. — pediu, o seu olhar transbordava arrependimento e honestidade.
— É claro que eu aceito. Mas, como eu estava dizendo… — coçou a nuca e voltou no seu pedido antes que o interrompesse — Promessas têm que ser levadas a sério e eu assumo que não levei a sério, mesmo sabendo que era importante pra você. Sei que foi uma atitude babaca e egoísta de estar sempre fazendo isso, e eu não quero ser um moleque que bagunçou sua vida. Espero que aceite as minhas desculpas — indagou, já sentindo que o nervosismo iria atrapalhar sua linha de raciocínio — Porque ninguém, nem você é obrigada a ficar com um cara que só vacila e te faz chorar, né? Bem, eu nã—
— Hey, calma, ! Eu não vou terminar contigo. — ele respirou aliviado, como se aquela frase fosse um remédio — Você é como um remédio pra mim, um remédio de humor que me faz rir a qualquer hora, ou chorar com conselhos, me sentir amada quando estou pedindo desistência, gargalhar nas horas inconvenientes! — deixou a cabeça pender pro lado, segurando sua mão — E eu quero te ver crescer, mudar e aprender, também quero que você acompanhe cada coisinha comigo, entende?
— Entendo. Entendo perfeitamente. — com certeza é ela. — Eu sou o cara mais sortudo!
— É mesmo. — e, como mágica, a caixa vazia de pizza estava no chão e segurava seu rosto tão próximo ao dele, podendo sentir arrepiar — Pode, você pode me beijar… mas você não vai ter nenhuma corrida agora, né? — sussurrou irônica assistindo o moreno abrir um sorriso de lado.
— A única corrida que eu tenho agora é da minha boca — uma de suas mãos foram descendo pelo corpo de , incendiando a cada toque — por todo o seu corpo, mas vai ser um coisa mais simple, com pausas e apreciando todos os pontos. — estava de olhos fechados deixando ele beijar todo o seu pescoço, clavícula e ombro, sentindo seus dedos brincarem no cós do short.
— Tô gostando… — elogiou até as posições se inverterem — Por Deus, !
— O quê? Só tô somando seu 68 e experimentando mudanças, não era pra ter mudanças? — respondeu inocente beijando sua barriga e coxas.
Depois disso não pode dizer mais nada. Apenas concordou com esses experimentos.

Remédio pra curar a dor, e eu não 'to te cobrando nada
Tenho o tratamento perfeito, posições que você não conhece
Eu sou aquele um somado ao seu meia-oito, pensa bem


O moreno abriu os olhos com uma certa dificuldade, queria dormir mais algumas horinhas mas tinha que aproveitar que ainda dormia não tão tranquilamente. Também, com a noite e a madrugada que tiveram. Ele riu, vendo que ela nunca acordava nos braços ou peito dele porque ela odiava ficar grudada na cama. deixou esses pensamentos de lado, se livrando do lençol azul bebê, e vestiu sua cueca, indo lavar o rosto e escovar os dentes antes de se preparar — e ele não tinha ideia de como iria se sair.
Sua calça? Onde estava a sua calça? Se ele perdesse as alianças sua vó, e, principalmente ele, morreria. Olhou primeiro na sala, onde tudo começou, mas não estava lá, nem atrás das cortinas. Foi no quarto, procurando delicadamente pelos lençóis, mas também nada. Para a sua salvação, seu celular tocou, abafado, mas tocou, debaixo da cama. Nem ia fazer o esforço compreender como ela estava ali, mas o importante era que ele permaneceria vivo com os alianças penduradas por um cordão.
— Só Dona Mercedes pra apoiar nas doideras… — disse pra si mesmo, admirando o objeto na palma da mão.
— Você tá péssimo! — ele pulou de susto, fechando a mão rapidamente.
— Bom dia pra você também, raio de Sol!
— O que você tem aí, ein? — indagou curiosa.
— Nada não. Mas não saia da cama, você estragou meu plano de café da manhã. — ele acusou saindo do quarto.
— Quem é que liga às 8:16 da manhã? A culpa é sua! — retrucou do quarto.
Gargalhou em resposta. Olhando por toda a cozinha, na bancada tinha algumas frutas e pão na geladeira, apenas o básico, mas o armário estava cheio. Hm, pelo menos as compras estão em dia, pensou. Bom, ela não tinha visto todas as temporadas de Masterchef e nem acertado suas apostas atoa, algum bom sairia dali. Era o que ele e esperavam.
— Hm! O que temos aqui? Um intoxicação alimentar ou um possível ataque de pressão alta? — riu brincalhona da cara feia que ele fez — É brincadeira, Amor. Panquecas doce e salgada, melancia, vitamina de banana, pão com ovo é o típico, né? E café com leite… — ele negou, fazendo ela franzir a testa e experimentar — Achocolatado! Eu te amo, , você é perfeito. Eu nem sabia que eu tinha comprado.
— Eu sou incrível mesmo. — levou um tapa quando tentou pegar uma panqueca.
— É o meu café da manhã especial na cama. Tira a mão!
— Credo, garota. Quem te ensinou a ser assim? — ela deu de ombros e ele percebeu que era o momento perfeito. Esfregou suas mãos, que transpiravam nas calças, e fez um coque.
— O que foi? Por que está nervoso? Eu tô brincando, tá tudo uma delícia, pode comer comigo.
— Não, não é isso. — respondeu acanhado, ela pediu para prosseguir — Minha vó disse que eu tinha que te pedir em casamento, que não posso perder essa menina de ouro.
— Sua vó é perfeita e está incrivelmente certa, eu sou uma menina de ouro mesmo. — soltou uma gargalhada de si mesma, comendo a melancia.
— Quer casar comigo?
— O QUÊ!? — ela respondeu assustada. Poderia ter ouvido errado, já que ele falou tão baixo e rápido. Mas então cada movimento dele fazia seu coração bater mais do que a primeira vez que ela entrou naquele carro.
Primeiro ele se ajoelhou meio destrambelhado. Segundo mexeu no seu bolso, algo que brilhava muito. Terceiro coçou a garganta. E por último, mas não menos importante, ele disse:
— Eu fiquei poucos minutos com a minha avó, mas o que ela me aconselhou sobre você, sobre nós, foi o que me fez pensar por horas e eu apenas parei de pensar e agir. Então, Martins, você aceita ser a minha mulher, noiva e esposa? Desculpa, eu não achei as palavras certas… — disse rindo fazendo-a rir também.
— Você usou as palavras perfeitas. Tudo o que você fez tá perfeito, você mexeu no meu psicológico com comida e conselhos da sua avó! — ela o acusou rindo de nervoso. De muito nervoso.
— Cada um tem as suas táticas, baby. — disse charmoso, levantando e sentando ao seu lado na cama — Mas isso é um sim?
— Então… — ela segurou o queixo, vendo os ombros dele ficarem mais tensos que o normal — É claro que é um sim, garoto!


Fim.



Nota da autora: Sem nota.


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