02. TWICE

Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único

Na primeira vez que terminei um relacionamento – bem, ele terminou e pela segunda vez, mas isso não importa – ouvi uma interessante teoria sobre garotos. A tal teoria partia do princípio que caras são como uma sobremesa: bons, mas não estritamente necessários.
Bem, no momento estou folheando um grande cardápio das mais diversas sobremesas: Tinder. Eu nunca entendi realmente em que ponto da evolução humana começamos a nos disponibilizar, como produtos em catálogos, em aplicativos de paquera, porém aqui estou eu: arrastando para a esquerda um número de rapazes que só cresce.
Numa sexta à noite.
Minha vida só melhora.
foi o primeiro cara que me apaixonei a ponto de topar um relacionamento sério, porém, o maior dos problemas era que ambos não fomos feitos para relacionamentos sérios.
Ele é guitarrista numa banda que toca em espeluncas hipsters e tem um sorriso desgraçado, que me conquistou na primeira vez que vi. Devo admitir que criei uma pequena obsessão por aquele cara com cabelo à la Alex Turner em começo de carreira e uma infinita coleção de jaquetas de couro e camisetas de bandas de rock (a minha favorita era a do Joy Division).
Como boa parte dos casais da nossa geração, começamos nosso relacionamento despretensiosamente, ficando uma vez ou outra depois da aula. Rapidamente isso se tornou algo meio que sério o que assustou .
Creio que ele estava acostumado com o fato de que sempre haveriam garotas disponíveis para o guitarrista da banda. Eu continuei a frequentar os shows da Sans-Culottes na faixa e por muito tempo presenciei o cara por quem eu estava apaixonada aos beijos com outra. Devido a isso, tomei a estúpida decisão de começar um rolo com Nando, um cara da nossa antiga escola, colega de – coisa que não durou, mas pelo menos fez com que o guitarrista por fim decidisse que sentia algo por mim. E é aí que as coisas se complicaram.

São Paulo, 17 de março de 2016.

Há coisas ruins em São Paulo e com certeza, a pior delas é o acesso entre as linhas verde e amarela do Metrô. Apesar de as esteiras sentido Consolação estarem vazias, todo aquele trajeto me cansava, porém segui firme até a plataforma onde eu pegaria o trem sentido Vila Madalena.
Naquela noite, a Sans-Culottes tocaria numa espécie de pub, coisa que estava deixando toda a banda muito animada. , o vocalista, tinha certeza que após esse show as portas se abririam para os caras.
Eu não tinha certeza sobre o que sentia com relação às tais portas, já que meu namorado se tornando um astro do rock não era algo que me deixava confiante, entretanto, eu torcia de verdade pelos meninos. Me sentia orgulhosa toda vez que os ouvia tocando suas músicas autorais e não apenas covers de bandas alternativas ou até mesmo das mainstream.
Após a gravação de algumas demos, os caras estavam confiantes que conseguiriam gravar e lançar, independentemente o EP Constituição Outorgada. Quando finalmente cheguei ao local do show, me dirigi instantaneamente para o palco, onde os meninos organizavam os instrumentos. checava se estava tudo certo com a guitarra junto de Nicolas (o baixista) e postava uma foto no Instagram. Surrupiei um gole da cerveja do vocalista antes mesmo de ele escolher qual filtro analógico ele usaria na foto.
— Fala, — disse , retirando a garrafa de Heineken da minha mão. — Tudo bom?
— Epa, calma aí, . Não é como se eu fosse roubar sua cerveja. — Eu falei, rindo. Fui em direção a , que me beijou. Eu simplesmente adorava estar presente nos shows, já que além de amar música ao vivo, eu adorava saber que aquele cara ali era meu namorado e que eu estava presente em todos os momentos da Sans-Culottes, desde os perrengues até as vitórias.
— Você tá linda hoje — Elogiou , reconhecendo a camisa xadrez que peguei emprestada. — Tenho uma surpresa pra você, .
— No show? — Perguntei, abraçando-o. — Escreveram uma música para mim?
— Sou um compositor de merda, — ele riu. — E se compusesse belas canções sobre minha garota soaria estranho, certo?
Eu ri e logo tive que sair do palco, mas sem me afastar totalmente. Instrumentos e amplificadores a postos.
— Boa noite, São Paulo — disse , tirando o chapéu para fazer o cumprimento. — Nós somos os Sans-Culottes e vamos tocar pra vocês.
Aplaudi e assobiei, logo me encarregando de fazer stories do show no Instagram da banda. Tirei uma foto de tocando, mas essa seria minha. A primeira música tocada foi “As Garotas”, uma das novas canções que segundo , estaria no EP. A galera no bar aparentemente estava curtindo, já que já acompanhavam o refrão. Apesar de geralmente possuírem nomes confusos, todas as músicas estavam agradando a plateia. “Dias Perfeitos”, a música mais famosa da banda foi a última tocada e não cantava sozinho. Algumas vozes se juntaram no refrão sobre a guerra pelo poder. Quando os últimos acordes do baixo finalizavam o show, tomou o microfone.
— Agora, pra terminar, tem um cover de uma banda foda. Em homenagem a uma mina foda. — Ele sorriu diretamente para mim, voltando ao seu lugar e então começou a cantar 505, do Arctic Monkeys, enquanto os garotos o acompanhavam no instrumental. Essa era uma das minhas músicas favoritas e pela primeira vez, tocou algo para mim em público. Tirei mais algumas fotos do rapaz de olhos fechados enquanto tocava guitarra e murmurava a canção e as pessoas do pub o acompanhavam, deixando tudo aquilo insano pra caralho. Quando eles acabaram, uma energética salva de palmas ecoou pelo local. Subi no palco e literalmente me joguei no colo de , que me girou num abraço.
— Gostou? — Sussurrou em meu ouvido, fazendo com que eu me arrepiasse.
— Amei — Respondi, beijando-o em seguida. O resto da banda já guardava os instrumentos para que curtíssemos um pouco mais da noite. Ajudei eles com o que pude, enquanto mostrava todos os comentários feitos em redes sociais. A cada dia que passava, Sans-Culottes tinha mais visibilidade na cena indie nacional e eu tinha sentimentos divergentes acerca disso. Eu não era parte da banda e temia ser esquecida quando eles ascendessem à fama, porém, aquele não era o momento para isso. Encontrei uma mesa para nós e foi assim que nossa noite seguiu: com brindes de cerveja, em seu moleskine trabalhando numa composição e os demais comemorando mais um show feito. Eu sorri. Aquela era a vida que eu sempre quis ter.



Entrar no Tinder foi uma ideia de Samantha, porém eu estava começando a me estressar. É muito difícil conhecer alguém quando tudo o que se recebe são nudes não requisitados. Por fim, desisto do aplicativo e vou até a cozinha do apartamento que divido com Sammy e pego um pedaço de pizza portuguesa fria. Como em pé mesmo, rindo ao me lembrar de quando minha mãe me assustava dizendo que se eu comesse em pé, toda a comida iria para as pernas.
A verdade é que estou muito pra baixo desde que eu e terminamos, mas tenho certeza que se eu o aguentasse de sacanagem comigo por mais tempo, só iria ter mais merdas pelas quais me arrepender. A grande questão sobre o término é que nós ainda sentimos muito um pelo outro.
Os caras da banda me convidaram para participar da criação do primeiro álbum da banda pouco antes de nossa briga derradeira. Boa parte das músicas do LIBERDADE! foram compostas por e eu, além da faixa “Noite das Garrafadas” que era um trabalho meu e de . Não saímos do primeiro parágrafo, que comparava o evento histórico à uma festa que foi o marco inicial de nosso relacionamento.
Antes que eu me afunde em lembranças, pego mais um pedaço de pizza e vou até nossa despensa, que geralmente é cheia de chocolate, capsulas de cappuccino para a cafeteira de Sam e álcool. Pego uma garrafa de vodca azul, o que denuncia a baixa qualidade da bebida, porém, não me importo.
Para mim, há duas formas de beber: para comemorar e para sofrer. Nunca me importei de ficar chapada sozinha, por mais que por aí digam que isso é deprimente. Vou até a minúscula varanda e me sento no chão, rodeada pelas luzes da minha amada São Paulo. Percebo que garoa leve apenas quando olho para cima e vejo as minúsculas gotículas contra a luz. Bebo o primeiro gole, que desce quente. Cristo, eu nunca mais voltarei a pensar direito.

São Paulo, 30 de maio de 2016.

Acordei com uma ressaca desgraçada. Rolei para o lado e encontrei dormindo tranquilamente. Noite passada, a Sans-Culottes tocara num parque de food trucks e como minha cabeça faz questão de lembrar, a noite foi sensacional. Fui até a cozinha, desviando dos outros membros da banda que se amontoavam na minha pequena sala de estar e liguei a cafeteira.
Pelo reflexo do micro-ondas, notei o quão destruída eu estava: meus cabelos estavam embaraçados, minha maquiagem escura dos olhos estava totalmente borrada e minha cabeça doía como o inferno. Quando meu café ficou pronto, peguei a caneca e novamente desviei dos caras dormindo no chão da sala e fui em direção ao meu quarto, passando pela porta de Sam antes. Ela estava com a mochila nas costas e pronta para sair.
— Onde cê vai? — Perguntei, confusa. Samantha jamais acordava antes das onze.
— Trabalhar? — Sam as vezes respondia perguntas com outras perguntas.
— Puta merda! — Eu exclamei, quase derrubando o café. Era segunda, oito da manhã e meu horário era 8h30 na Berrini. Não que eu amasse meu emprego, mas dependia dele para me manter fora da casa de meus pais e também para, no futuro, pagar minha faculdade, portanto, não podia correr o risco de ser demitida. Peguei o meu celular e liguei para minha supervisora.
— Alô? — Disse Mônica no outro lado da linha. — ?
— Oi, Mônica, como você tá? — Perguntei, sem fazer qualquer esforço para parecer doente – a ressaca já providenciara isso.
— Olha, eu tô bem mas pela sua voz, você tá péssima. — Disse ela, com certo humor. — O que houve?
— Acordei muito mal hoje, não sei se vou conseguir ir hoje. Talvez a tarde... — Falei, torcendo para que ela não dissesse para eu simplesmente não voltar mais. Mônica demorou a responder.
— Se cuida então, menina. Me dê notícias. — Disse a mulher, antes de desligar. Bebi o resto de meu café e voltei para a cama, onde ainda dormia. Cutuquei ele, que só resmungou algo incompreensível e rolou na cama.
— Vamos, amor, acorda — Eu falei, mexendo no cabelo dele. sorriu e seus olhos quase não se abriram. Ele se sentou e se aproximou para me dar um beijo.
— Caralho, , já tá tomando café? — Resmungou ele. odiava todos os derivados de café.
— Se você tomasse café, não ficaria o dia todo nessa ressaca — eu sorri, beijando-o. — Tive que ligar pra Mônica e dizer que tô doente, não tenho condições de ir trabalhar assim.
— Se quiser eu te levo — Ele disse, levantando-se e indo em direção a cozinha. Eu o segui.
— Tá me zoando, né? Não sei o que é mais perigoso; você me dirigir de ressaca ou eu pegar o trem de ressaca. Eu poderia cair nos trilhos e fazer toda a linha nove parar por sabe-se lá quantas horas. Mas andar de carro não me parece uma boa ideia também.
— A famosa desculpa pra faltar no trabalho — falou Samantha, enquanto tomava um copo de suco. — E aí, ? Como foi o show ontem?
— Foi foda demais, Sam, devia ter aparecido. — Ele falou, empolgado. — Gostaríamos que a artista responsável pela capa do LIBERDADE! aparecesse alguma vez num show nosso.
— Ah, mano, eu bem queria, mas minha mãe me mata se eu não for pra lá domingo... E eu tenho que ir agora, seus vagabundos. — Ela riu. — Sabe, é por isso que o Brasil não vai pra frente... Os jovens só querem saber de farra.



São Paulo, 9 de julho de 2016.

Milagrosamente, no feriado a banda não tinha nenhum show. havia dormido em casa e havíamos passado o dia sem fazer absolutamente nada. Pedimos comida pro almoço e eram quase cinco da tarde quando finalmente levantei da cama e tirei minha blusa de dormir. Com o vigor pós-banho, decidi que e eu devíamos trabalhar na faixa do EP que a banda concordou que podia ser uma colaboração nossa.
Meu namorado se definia como um compositor de merda e eu só sabia fazer rimas meio emo que não renderiam sequer um like naquelas páginas cafonas do Facebook. Uma das maiores dificuldades em compor para a Sans-Culottes é que tudo relacionado à banda possui pelo menos uma referência histórica, desde o nome até os títulos das canções e era por isso que era o compositor oficial: era ele o cara de humanas. Sei a teoria, mas sou péssima na arte da poesia, então tenho a sensação que “Noite das Garrafadas” será sutilmente retirada na edição final do EP.
pegou cervejas na geladeira e levou até a varanda, onde executaríamos nosso projeto, enquanto eu pegava um dos milhares de sketchbooks que Sam e eu havíamos confeccionado nas férias passadas e me espremi junto dele no minúsculo ambiente. Decidimos que mandaríamos todos os versos para , que tentaria ao máximo melhorar o que escrevemos sem mudar tudo. abriu as garrafas de cerveja, me entregou uma e deu um longo gole na outra, enquanto contemplava o horizonte repleto de prédios. Se eu lhe perguntasse porquê fazia aquilo, ele diria que estava esperando o álcool alcançar sua corrente sanguínea e trazer inspiração. Eu tirei uma foto dele.
— Bem, acho que podemos dizer que a noite das garrafadas no império não foi nada perto da quantidade de garrafas que você esvaziou na festa de aniversário do irmão do Matheus. — Falou ele, referindo-se à festa que marcou o início de nosso relacionamento. — Você tava linda pra cacete naquele dia.
— Você estava chapado pra cacete naquele dia. Por isso. — Respondi, rindo. — Mas eu adoro aquele dia. Foi quando conheci os meninos e quando te conheci melhor. Sempre te achei gato na escola, mas nunca estive bêbada o suficiente pra te agarrar.
— Eu quero poucas coisas, — ele disse — Quero tocar, quero ter uns dias assim com você... Ficar em casa, beber uma cerveja enquanto ouvimos, sei lá, Janis Joplin.
— Isso parece excelente.
— O que acha de a música começar assim: “Tome um shot, vira a garrafa / Vem, passa o cigarro / O mundo foi nosso, querida / Naquela noite, a noite das garrafadas”? — Sugeriu . — Bem, poderíamos compor em inglês, mas ficaria puto da vida.
— Até que cê não é um compositor tão ruim... — Eu sussurrei em resposta, beijando-o intensamente. Com certeza aquela música seria esquecida pela banda, mas de qualquer jeito, estava se esforçando para compor algo pra mim e isso não tinha preço.
— Você só pode estar louca pra curtir isso aqui.



São Paulo, 25 de janeiro de 2015.

Samantha sempre falou com mais gente que eu, portanto, ela conhecia desde os calouros até os ex-alunos da escola onde estudávamos. Foi assim que ela conseguiu fazer com que fôssemos “convidadas” para a festa de um cara popularmente conhecido por “Molotov”. Ele se formara quando ainda éramos calouras e eu não tinha ideia de como Sam o conhecia, mas ela me arrastou para a festa.
Durante o caminho, Sam me explicou que Molotov (cujo nome verdadeiro era João Paulo) havia se mudado para Minas para fazer faculdade na federal de lá, mas mesmo assim continuava sendo um ícone em terras paulistas. Para comemorar sua volta para casa nas férias, o cara resolveu fazer uma social para a galera da escola, e bem, a notícia correu e aqui estávamos nós. Quando chegamos, todas minhas expectativas foram massacradas.
Eu estava imaginando uma festinha, porém havia de tudo na casa, incluindo uma piscina. Muita gente ocupava o local, desde garotas calouras até caras que tinham idade para estar frequentando reuniões de pais em escolas. Samantha cumprimentou algumas pessoas que provavelmente não lembravam nem quais eram seus próprios nomes, de tão loucas que estavam. Uma garota de cabelo roxo nos parou.
— Vocês querem beber algo? — Ofereceu ela, nos empurrando copos. Aceitamos sem hesitar, e quando senti o sabor não consegui decifrar o que tinha ali.
— Valeu — Agradeci, voltando a beber aquilo que apesar de doce, tinha aquele sabor característico de vodca. O que mais eu podia esperar de uma festa organizada por um cara cujo apelido era Molotov? Continuamos andando pelo local até que encontramos os garotos, com quem Samantha já tinha uma certa intimidade. Fiquei apenas ali, sorrindo e tentando acompanha-los em sua conversa sobre pagode dos anos noventa.
— Vocês podiam fazer um show tributo ao pagode antigo — sugeriu Sam, já em seu quarto copo de fosse-lá-o-que-ela-estivesse-bebendo. , um cara da minha sala me estendeu um copo de plástico, cujo conteúdo para mim era desconhecido, no entanto, ele estava bebendo de lá. Aceitei e sorri em agradecimento e praticamente virei o copo, o que fez com que Samantha batesse palmas. Eu sorri e senti uma leve tontura, porém aceitei quando um dos meninos do grupo encheu novamente o copo que eu havia acabado de esvaziar.
— O só quer tocar cover de banda inglesa — disse . — Esse hipster do caralho.
— Cala a boca, , você tá bêbado, cara — disse , rindo. — Não sei tocar pagode, Samantha.
— Sim, porque você é um hipster do caralho — Repetiu . — Cê não vê? As minas iam curtir pra cacete você tocando “Cheia de Manias”.
— E se vocês fizessem uma versão rock do pagode anos 90? — Refletiu Sam, como se aquilo realmente fosse opção para os garotos.
Eu estava um pouco distraída enquanto bebia, porém comecei a rir com e peguei o copo dele, bebendo toda a bebida dele. Eu não era a maior especialista em álcool, porém eu gostava de beber – como grande parte dos adolescentes – e eu me sentia no direito de fazê-lo, mesmo quando a maioridade ainda era parte do futuro. Samantha não era a melhor amiga para impedir de beber, mas sim para encher o copo, então ela só sorriu para mim e esticou a mão, na intenção de fazer um “high-five”. Ela se aproximou de mim e sussurrou no meu ouvido:
— Você tá muito bêbada? — Ela falou, alto o suficiente para ouvirem. Não soube se era realmente uma pergunta, mas sorri. — Você vai pegar o , não vai?
— Não! — Eu gritei, rindo. — Eu só quero ficar louca!
e os outros meninos, que aparentemente não estavam tão bêbados entraram para a casa, imersos em uma conversa que na qual eu não tinha sido incluída. Notei uma garrafa cujo rótulo informava apenas o teor alcóolico da bebida, e a mostrei para Sam e , sorrindo devido ao meu achado, porém só o rapaz tinha ficado. Samantha tinha sumido e por mais que eu soubesse que deveria ficar de olho nela, essa tarefa parecia complicada demais para minha mente embriagada, então, dei de ombros e começamos a beber, ele e eu. Aos poucos, o álcool nos aproximou fisicamente e de repente, eu estava abraçada a enquanto bebia direto da garrafa. Sua mão esquerda estava sobre a faixa de pele da minha cintura, exposta pelo cropped que eu vestia. Eu, que não era tão baixinha, estava com a cabeça no ombro do rapaz. Eu podia sentir sua respiração em meus cabelos.
? — Chamou ele. Eu levantei meu olhar, bebendo um longo gole antes de devolver a garrafa a ele.
— Não me chama assim, parece que você está bravo comigo. — Eu falei. Assim que terminei a frase, consegui formar o pensamento que talvez ele realmente estivesse bravo comigo. — Você está bravo comigo?
— Não, cara — Ele disse, antes de beber mais um gole da garrafa. — Só queria saber se sei lá, eu posso te beijar.
Antes que ele se movesse, eu o beijei intensamente. Eu sempre fui do tipo que beija lento, não pra provocar, mas porque eu era tímida, porém naquele dia eu estava mais desinibida que o comum, então beijei o cara com vontade. Provavelmente, estávamos agindo do jeito que a Sóbria provavelmente reclamaria, mas essa estava apenas em minha cabeça. Não parei de beijá-lo porque o ar me faltou e sim porque quis tomar mais um gole direto da garrafa. Ok, foi mais de um gole. Esvaziei a garrafa e a joguei no chão, rindo.
— E se fôssemos pra piscina? — Sugeri, correndo até o local antes mesmo que me respondesse. Não havia muita gente ali, então simplesmente tirei minha jaqueta e me joguei na água, molhando uma galera que estava ao redor da piscina. — Veeeeeeeeeeem, ! A água tá ótima!
Ele se jogou logo em seguida e me alcançou na água, onde voltamos à pegação, o que era meio complicado, já que estávamos bêbados e na água, porém fiz o melhor que pude, afinal eu não estava com a menor vontade de largar .



Quando tento me levantar, sinto o efeito do álcool em meu corpo. Sinto uma tontura fodida e preciso me segurar na parede para me manter em pé. A varanda de minha própria casa se tornou o local menos visitado por mim por conta das lembranças – era obcecado com esse canto do apartamento e durante todo o nosso namoro passamos mais tempo ali que em meu quarto. Quando consigo me estabilizar, apesar de ainda tonta, corro até o meu quarto, onde me jogo na minha cama de qualquer jeito. Noto meu celular repleto de notificações e, apesar de estar bêbada demais para correr o risco de entrar na internet, pego o aparelho mesmo assim. Há mensagens no WhatsApp, mas não as abro. Entro no Instagram e a primeira postagem é um vídeo de tocando Arcade Fire. Curto e comento vários corações, afinal, amo a banda. Poucos segundos após isso, meu celular vibra indicando uma mensagem de , que abro no mesmo minuto.
: Vc está bem?
Penso um pouco antes de responder, afinal, apesar de bêbada eu estava muito bem. Certo?
Eu: To muuuito bem.
Desde que eu me envolvi com , eu me envolvi com toda a banda. Era complicado namorar com um músico independente, já que eles sempre estavam ocupados com sua arte. Eu não tive escolha se não entrar nesse mundo que eu passei a adorar. No entanto, isso começou a me custar ainda mais no momento em que a Sans-Culottes foi convidada para sua primeira turnê.
Naquela primavera haveria um festival de bandas independentes em Recife e já que todos os singles que viriam a fazer parte do LIBERDADE! foram sucesso na cena underground brasileira, os meninos conseguiram público para shows em varias capitais nordestinas e também, segundo , Molotov os colocou para tocar numa festa da UFMG – para meu ex essa era sempre a melhor parte de um membro da banda ter um irmão super popular – logo, eles passaram bastante tempo fora de São Paulo. havia insistido que eu fosse com eles, o que seria insano, porém eu tenho meu emprego e preciso fazer vestibular, já que não aguento mais ser a “Estagiária” em um escritório de administração qualquer. Eu queria mais que tudo ir para a estrada com os meninos, mas infelizmente não podia largar minha vida em São Paulo, coisa que não entendeu. Ele queria que eu deixasse tudo para trás, mas a vida não era a porra de um filme onde tudo daria certo no final. Samantha não teria condições de manter o apartamento sozinha e além disso eu precisava estar aqui antes das provas de vestibular começarem. Foi estranho passar tanto tempo longe de , ainda mais quando eu estava num limbo que deixava indefinida a nossa relação. No entanto, falava sempre comigo – me dando notícias sobre os shows, mandando fotos dos pontos turísticos nordestinos e me perguntando sobre como eu estava. Durante a turnê, enquanto meu relacionamento pós-término com ia de mal a pior, minha amizade com ascendia.
: Fala sério, . Cê tá bêbada?
Eu ri para o celular e cliquei no ícone de chamada de voz. Logo atendeu.
, me diz que cê não tá bêbada por causa do — disse , sem sequer dizer oi. Eu ri sem realmente achar graça – minha vontade na verdade era chorar.
— Não posso mentir pra você... — Admiti, envergonhada. — Não queria que fosse assim, sabe, ?
— Nenhum de nós queria, . Foi difícil fazer os shows sem você, já estávamos acostumados com nossa empresária. — falou , com uma voz doce. Eu amava a voz do , coisa fácil de se fazer, afinal, ele era o vocalista da Sans-Culottes.
— Como ele tá, ?
— Tá na dele. Ele não tem conversado sobre nada além de música.
Eu não consegui mais segurar. Choro pra cacete enquanto sussurra palavras tranquilizadoras pelo celular, palavras essas que eu sequer entendo. Tudo o que se passa na minha cabeça era o fato que eu estou morta de saudade do , que aparentemente sequer pensa em mim.
, presta atenção — diz . — Desliga esse celular, vai dormir. Vou falar com a Samantha pra ela cuidar de você, tá?
— Ela saiu com alguém, não liga pra ela.
, vou desligar, ok? Vê se descansa. Amanhã me manda mensagem quando acordar.
— Obrigada, . Boa noite.
— Boa noite, .

São Paulo, 05 de novembro de 2016.

Naquele sábado, a Sans-Culottes pegaria a estrada. Foi quem me avisou e eu não pude evitar de ir até o Ipiranga, bairro onde se encontrava o QG da banda e casa de . Eles sairiam ao entardecer e eu ainda tinha esperanças que meu namorado – se é que eu ainda poderia chama-lo assim – mudaria de ideia sobre o nosso término.
Quando sai da estação de Metrô, percorri todo o percurso até a casa de a pé, apesar do calor infernal. Estava tão calor que era óbvio que dali a pouco tempo uma intensa tempestade faria com que São Paulo parasse – sorri lembrando das vezes em que passei tardes com os caras ali e que ao sairmos para ir embora, notávamos o bairro alagado. Agora, tão cedo eu não viria àquela casa. Talvez, essa fosse a última vez.
Abri o portão que nunca era trancado e adentrei a residência antiga, que refletia a personalidade de seu dono. Garrafas de cerveja jaziam em basicamente todos os cantos da casa, além de algumas bitucas de cigarro e restos de baseados. Fui até os fundos, onde um quarto foi transformado em uma espécie de estúdio onde os meninos tocavam. Malas estavam prontas para serem levadas à van, além de instrumentos e amplificadores.
! Você veio — disse Matheus, que apesar de nunca ter sido próximo de mim era muito gente boa.
— Claro que eu ia vir, como poderia deixar o Velvet Underground do Brasil sair em turnê sem um abraço meu? — Eu ri, quase me esquecendo que meu futuro ex-namorado estava naquele lugar. Abracei Matheus e Nicolas em seguida. — Onde o tá?
— No quarto do , eu acho — disse Nicolas, voltando a mexer nas malas. — Pode subir.
Subi as escadas com certa pressa e corri ao quarto, encontrando sentado no chão. Ele tava lindo pra cacete, com jeans escuros e uma camiseta dos Strokes. O cabelo estava meio armado, do jeito que eu gostava. Sentei ao lado dele e só então percebi o cigarro que ele segurava.
— Tá fumando, é? — Perguntei, deitando no ombro dele.
— Ajuda com a ansiedade — Explicou ele, antes de dar um trago. Por mais que aquela merda matasse, eu não conseguia lidar com o tesão que eu sentia só de ver ele fumando. Era sexy pra caralho.
— Você nunca fica ansioso com show — Falei, pegando o cigarro dos dedos dele. Dei uma longa tragada, mesmo não sendo a maior fã de nicotina. — É por que esses shows são fora de São Paulo?
— É porque não vou ter você pra beijar logo que o show terminar, — disse ele, dando outro trago no cigarro que agora tinha manchas vermelhas do meu batom. — Só por causa do seu egoísmo.
— Caralho, . Sério? — Eu falei, furiosa. — Eu sou a egoísta, tem certeza? Você quer que eu largue a droga da minha vida pra acompanhar uma turnê na qual eu não sou fundamental. Eu posso muito bem ficar aqui te esperando, porra. Se seu futuro é a música, parabéns, mas o meu depende dessas merdas desses vestibulares! Cê acha que eu tô feliz de ficar aqui pra estudar? Claro que não, porra!
— Você não faz disso seu futuro porque não quer! — Gritou ele, de volta.
, quando você ama o jeito que está vivendo fica mais difícil se preocupar. Eu tô feliz pra cacete por ver vocês conseguindo realizar seus sonhos, mas eu não posso largar tudo por uma aventura incerta.
— E seus planos de faculdade e vida adulta não são incertos pra cacete, ? Você é incerta, por Deus! — disse , depois de se levantar do chão, onde eu ainda me encontrava. — Cara, eu queria que você estivesse lá! Queria sair dos shows e dormir contigo todos os dias. O que eu vou fazer agora?
— Porra, , você queria que eu desistisse dos meus sonhos por que você não quer ficar sem transar comigo? Sério?
— Para de colocar palavras na minha boca, . O que tem de errado nisso? É uma turnê numa das partes mais lindas do Brasil. Sol, praia, os shows. A gente poderia ficar sem preocupações por um tempo, curtindo esses lugares tão diferentes de casa, chapados, ouvindo música boa.
, eu não vou construir minha vida apoiada em você, porque relacionamento acaba. Eu te amo, de verdade, mas não é justo só um de nós ter nossos sonhos realizados. A vida não é uma droga de um filme onde tá tudo bem largar tudo pra ouvir Lou Reed enquanto fuma um baseado por aí.
— Você é louca, . Você diz que me ama e age assim? Porra, eu não vou me mudar! Vou passar um mês fora e você tá fazendo escândalo! Agora eu entendi o quanto você torce pro sucesso da banda.
— Tchau, — Eu disse, me levantando e indo em direção a porta do quarto. — Te desejo toda a sorte do mundo, de verdade. Espero que vocês toquem num festival grande, como o Lollapalooza, já que sempre foi seu sonho. Foi muito bom conhecer você.
Antes que minha voz falhasse devido ao choro, desci correndo as escadas e saí sem sequer me despedir dos demais membros da Sans-Culottes. Saí apressada da casa, sendo quase atropelada umas duas vezes antes de chegar à estação de Metrô. Apenas quando entrei no trem comecei a chorar ruidosamente, atraindo atenção de crianças e tudo o mais. Um clichê. Quando finalmente o trem parou na estação Consolação eu desci e provavelmente fiquei sentada por horas em um dos bancos da plataforma, ainda chorando baixinho, até que fui surpreendida por uma mão em meu ombro.
— Nunca mais saia da casa de alguém sem se despedir — disse , sorrindo. Ele se sentou ao meu lado, ajeitando o chapéu Fedora preto. Ele pegou minha mão. — Sabe, eu não pude deixar de ouvir a conversa de vocês. Foi realmente injusto o que te pediu. Eu entendo.
— Então você vai me consolar na Consolação? — Eu ri da minha própria piada.
, isso daria uma música sensacional. Puta merda, você é muito inspiradora.
— Espera aí, ! Vocês vão viajar hoje, o que você tá fazendo aqui? — Eu perguntei, alarmada. Se além de tudo eu ainda fizesse se atrasar, eu jamais me perdoaria.
— Relaxa — disse ele, sorrindo. — Adiamos pra amanhã, o precisa relaxar um pouco. E eu precisava vir ver você.
— E como você sabia que eu tava chorando na Consolação?
— Tem melhor lugar no mundo pra chorar que numa plataforma do Metrô? É inspirador pra cacete.
era assim.
Ele via arte em tudo e conversar com ele era confortável. era o cara que citaria um poema se sentisse que você precisava de palavras belas. Usando uma metáfora bem simples, era o cara que ia fazer curativos nos meus machucados causados por . Se eu não fosse louca, teria me apaixonado por , cara das canções doces e das fotografias poéticas, porém, me apaixonei por , o cara mais frio da cidade. O cara que me amava, sim, mas me amava de um jeito tão selvagem que eu não conseguia suportar.
era solos de guitarra e a pura ultraviolência de Burgess. Enquanto todas essas comparações passaram pela minha mente, eu observava o cara ao meu lado. parecia ser o completo oposto de . Sem pensar duas vezes, me aproximei na intenção de beijá-lo. sempre despertou algo no meu íntimo, porém eu era tão viciada no esgotamento emocional que causava em mim que nunca dei atenção para a calma transmitida pelo cara que viera do Ipiranga até a Consolação atrás de mim. Porém, antes mesmo que eu alcançasse os lábios dele, beijou minha testa e se afastou, me deixando vermelha e confusa.
, se for pra isso acontecer, vai ser quando você não estiver de ressaca de álcool e de ressaca de .
— Não vamos voltar, você sabe...
— Se quando eu voltar da turnê, você ainda quiser, eu estarei aqui. Não vou fazer isso com você, . Não vou te beijar e simplesmente virar as costas e ficar fora por um mês. Se isso for acontecer de verdade, quero que seja direito.



Quando acordo, apesar da ressaca que me atinge, me sinto bem. Por duas vezes, terminar com me deixou pra baixo, mas essa foi a última vez. Decido abraçar o saudosismo, pois sei que a tristeza só colaborará com a minha autodestruição. e eu fomos uma alegria violenta com fim violento – não era o melhor para mim, mas sim o que eu acreditei que era de meu merecimento. Apesar de todos os momentos difíceis, eu guardaria com carinho aquela parte da minha vida onde fui meio que groupie de uma banda indie. Terminar um relacionamento não é sobre ódio e arrependimento – é sobre gratidão pelo tempo em que as coisas funcionaram e pelo aprendizado que isso traz. Eu sorri para o nada, mesmo que minha cabeça doesse como o inferno. Peguei meu celular e digitei uma mensagem para .
Eu tô bem. Eu tô bem pra cacete.
Enviei.




Fim



Nota da autora: Primeiramente, obrigada por ler minha história. Significa demais pra mim, sério! Tem muitas pessoas pras quais eu devo um agradecimento, já que sem elas essa fic não estaria aqui. Muitomuitomuito obrigada a todos que me ajudaram, seja no processo de escrita, seja na colaboração pra essa história estar aqui. Ah, e peço desculpa pela quantidade de referências históricas que eu joguei nessa fic. É mais forte que eu :v Beijo, migas! <3



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Maîtresse-en-Titre - Restritas/Outros/Andamento

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