Finalizada em: 25/04/2021

Prólogo

28 de dezembro de 2009, Huntington Beach

— Que horas são? — Ouvi Johnny falando e apertei minha mão ao redor do microfone.
— Quase duas. — Syn disse e joguei a cabeça para trás.
— Alguém sabe do Rev? — Me levantei, andando em direção ao meu blackberry para ver se tinha alguma ligação, mas não, muito menos SMS.
— Alguém sabe o que ele ia fazer ontem à noite? — Zack virou o rosto para mim.
— Eu não o vi ontem. — falei, passando a mão nos cabelos.
— Ele veio aqui ontem gravar a parte dele em Death. — Syn disse.
— Ele terminou? — Perguntei surpreso.
— Sim, saiu com muita facilidade. Ele estava bem orgulhoso disso, mas cansado demais.
— Será que ele não estava só cansado e tirou um tempo para ele? — Mike, nosso produtor, falou.
— Ele teria avisado, cara! — Syn disse, olhando para mim e eu respirei fundo.
— Será que ele não gravou...
— Eu estou começando a ficar preocupado. — interrompi Mike, sentindo as palavras doerem ao falar.
— A Leana mandou mensagem para algum de vocês? — Mike perguntou, se levantando também nervoso e um silêncio se instalou na área de mixagem do estúdio.
— Nada! — Os quatro falaram quase juntos e eu suspirei.
— Ah, Rev, não faça nenhuma besteira. — falei baixo quase em uma súplica e passei a mão no rosto.
Peguei a caneca que estava apoiada na mesa de som e andei com ela até a cafeteria. Virei-a em cima da caneca, mas não saiu mais do que duas gotas e a devolvi com força no local de antes, bufando alto.
— Matt? — Virei para o lado, vendo Syn se colocar ao meu lado. — Fala comigo...
— O quê? — Perguntei baixo, respirando fundo.
— O que está pensando? — Ele perguntou e eu engoli em seco.
— Prefiro não falar. — Respirei fundo e o silêncio quase ensurdecedor no estúdio foi substituído pelo toque ridículo de cavalaria do meu celular.
— Matt... — Johnny falou, pegando o aparelho e olhou no visor antes de me entregar. — É a Leana.
Fuck! — Peguei-o com força de sua mão e apertei o botão verde antes de colocá-lo na orelha.
— Hey, Leana! — O atendi.
MATT? OH, MATT! — Ela falou desesperada, puxando a respiração fortemente.
— Devagar, Leana, não consigo entender! — Disse.
ELE SE FOI, MATT! ELE SE FOI! — Ela gritou e engoli em seco.
— Quem, Leana? Fala devagar! — Falei com calma e vi os outros quatro se ajuntarem à minha volta.
O REV, MATT! — Ela puxou a respiração fortemente. — Ele se foi... — ela falou quase em um sussurro.
— O que aconteceu, Leana? — Perguntei mais calmo, tentando manter a respiração calma.
Ele não acordou hoje! Eu fui checar a pulsação e... — Seu choro ficou em evidência. — AH, MATT! Ele estava cansado demais e... — Ela respirou fundo.
— Fala comigo, Leana! — Pedi, tentando manter a calma.
— O está acontecendo? — Johnny sussurrou e eu coloquei o indicador em cima da boca.
Acham que foi overdose... — ela disse baixo.
— Onde você está? — Perguntei.
Em casa, os policiais estão aqui! — Ela disse baixo, puxando a respiração. — Eles querem falar com vocês também.
— Estamos indo agora! — Falei. — Mais alguém sabe? Você conversou com mais alguém? — Perguntei firme.
Não, ainda não! — Ela respirou fundo. — Eu não consigo falar para os pais dele ou para as irmãs. Eu... Eu não... — Ela parou a frase no meio do caminho.
— Não precisa fazer nada, nós estamos chegando! — Falei, engolindo em seco.
Ok, mas venha rápido, por favor. Eu não... — Ela puxou a respiração. — Eu não consigo lidar com isso sozinha. — Ela engoliu em seco e esperei que ela desligasse a ligação para abaixar o telefone da orelha.
— O que aconteceu, Matt? — Johnny perguntou e senti as lágrimas presas em meus olhos finalmente começarem a rolar pela minha bochecha.
— Fala, cara! Desembucha! — Syn disse e eu senti a boca secar quando eu a abri.
— O Rev... — Respirei fundo.
— O que foi, cara? — Zacky me empurrou pelo ombro.
— Ele se foi. — falei baixo, sentindo as lágrimas escaparem e a feição de surpresa dos outros quatro ficou embaçada pelas lágrimas em meus olhos.


Capítulo Único

Seis de janeiro de 2010, The Good Shepherd Cemetery, Huntington Beach

Observei o nome de Rev talhado na lápide e as lágrimas não saíam mais. Agora tudo o que passava em minha cabeça era raiva! Raiva por não poder ter feito nada! Raiva por perder meu melhor amigo! Raiva por não ter percebido! E raiva por ele não estar mais aqui!
Subi a mão para minha bochecha, esfregando a lágrima que gelou o local e puxei a respiração fortemente. Era muito injusto! Ele não podia ter nos deixado dessa forma. Não teve nem tempo para a gente conversar e se despedir.
Eu martelava minha cabeça tentando lembrar qual havia sido nossa última conversa. Sobre o que estávamos falando, mas ela simplesmente não vinha. Durante a gravação dos álbuns, a gente sempre acabava se irritando um pouco, saía algumas brigas, mas tudo terminava em risadas, mas acho que ninguém mais se importava com esse álbum. Talvez nem com a banda. Pensar em continuar sem o Jimmy era uma situação delicada e incapaz de ser decidida agora, sentia uma culpa em pensar em seguir sem ele. Ele que esteve comigo desde o primeiro dia em 99.
Em compensação, tinha alguns motivos que nos faziam tentar querer continuar. As músicas que o Rev mesmo escreveu para esse álbum, Death*, que ele terminou três dias antes de morrer, quase como um presságio pelo que aconteceria... Continuar talvez seja ignorar todo o seu legado. Todos os seus anos conosco. Como se algum dia fosse possível esquecer.
Além disso, Syn tinha falado algo muito a se pensar quando chegamos aqui: se fosse conosco, com qualquer um dos outros quatro, a gente gostaria que os restantes terminassem tudo por isso? Já são 10 anos de banda, depois de vários altos e baixos na carreira artística, finalmente estouramos e tem sido uma vida muito confortável. Escrevíamos nossas músicas, fazíamos lançamentos, turnês, mas depois conseguíamos viver com nossas famílias discretamente, aqui em HB, onde tudo começou.
Depois que Syn falou isso, esse pensamento não parou de passar em minha cabeça. Estava cedo para pensar nisso tudo, a gravadora havia deixado em nossas mãos, mas com que cabeça faríamos essa decisão? Parecia tudo muito irreal e esperava acordar desse pesadelo logo mais. Não dormi bem nenhum dos dias que se seguiu à morte, até a festa do ano novo foi um tanto mórbida para nós, mas como celebrar sem quem sempre nos fez rir?
Eu sabia que essa vida imprudente que ele vivia, de remédios, drogas e bebidas era uma tragédia fadada ao fracasso. Eu consegui sair dela e tentei mudar sua visão, mas nunca foi possível, só não achei que essa seria sua redenção, que seria como uma injeção letal para ele. Essa é a ironia da vida, não é mesmo? Nunca achamos que vai acontecer conosco, até acontecer.
Eu tentava rabiscar algumas músicas, tentava fazer algo em homenagem a ele, mas parecia que nada parecia certo, que sem ele para palpitar em cada estrofe, parecia algo errado. Era como se eu tivesse esquecido até como se escrevia, como se compunha. E isso era uma grande...
— Ei! — Virei o rosto para Valary. — Eles estão saindo.
Ergui o olhar para a saída do crematório, vendo os pais de Jimmy, suas irmãs e sua noiva saírem do local que mais parecia um mausoléu e Leana segurava uma urna com as cinzas de Rev. Minha esposa passou o braço pela minha cintura e a apertei pelos ombros, respirando fundo enquanto eles vinham em nossa direção.
Barbara e Joe optaram por uma cerimônia discreta no cemitério somente para os mais próximos e optamos por deixar somente eles na cerimônia de cremação na parte interna. Era o mais certo a se fazer. Ele já passou tanto do seu tempo em vida conosco, nada mais justo que deixar esses minutos finais com seus pais.
Eles chegaram até nós e ninguém sabia muito o que dizer, então me vi na obrigação de ser o primeiro a andar em direção à sua mãe, abaixando a mão dos ombros de Valary e fui até Barbara, abraçando fortemente a moça mais baixa.
— Ah, Matt! — Ela disse chorosa, apertando o rosto em meu peito e levei a mão até seus cabelos loiros, acariciando-os levemente.
— Se vocês precisarem de qualquer coisa, vocês podem contar com a gente! Ainda somos uma família! — Falei e ela suspirou.
— Eu sei! — Ela deu um sorriso choroso. — Ele era tão feliz com vocês! Gostava tanto de tocar com vocês, de ficar com vocês. Ele se sentia tão vivo, tão... — Ela engoliu em seco, suspirando.
— Ele sempre vai ser parte importante das nossas vidas, Barbara, não se preocupe. — falei e ela assentiu com a cabeça, me soltando aos poucos e seguindo abraçar Syn.
— Matt... — Seu pai veio me abraçar e ouvi seus tapas estalarem em minhas costas e retribuí.
— Você também, Joe! Conta com a gente, ok? — Falei e ele confirmou com a cabeça.
— Pode deixar! — Ele disse. — E vocês? O que vão fazer agora? — Ele perguntou.
— Como assim? — Perguntei.
— Com a banda, vocês estão com um álbum quase pronto, não? — Ele falou e suspirei, virando o rosto para Syn.
— É, faltava só algumas partes do Jimmy mesmo. — Syn disse. — Algumas passagens de bateria e outras coisas...
— Como assim “faltava”? — Barbara se incluiu na conversa.
— Ah, não tem mais muito clima, né? — Johnny disse e assenti com a cabeça.
— Ah, não, não, meninos! — Barbara falou. — Vocês precisam continuar. — Me surpreendi com as suas palavras. — Aposto que ele deixou um ótimo material para vocês trabalharem com isso. Vocês precisam continuar.
— Nós não... — comecei a falar. — Eu não sei se tenho como fazer isso. — Suspirei.
— Vocês têm! — Joe apoiou a mão em meu ombro. — Vocês todos. Vocês sempre cantam sobre morte e perda, não é mesmo? — Ele disse. — É a oportunidade perfeita.
— Sim. — Barbara disse e suspirei. — E nós o apoiaremos no que precisarem, mas continuem. Pelo James! — Ela sorriu e eu suspirei.
— Nós não...
— Nós vamos pensar. — Johnny cortou Zacky e assenti com a cabeça junto deles. Agora não era hora de falar sobre isso, muito menos brigar.
— Sim, façam! — Barbara sorriu. — E se cuidem, ok? — Ela terminou de cumprimentar o resto da banda e nossas esposas e namoradas, antes de seguir pelo gramado do cemitério.
— Não sei se consigo fazer isso. — assumi baixo, sentindo os ombros relaxarem com força.
— Não precisamos decidir agora, Matt. — Johnny me apertou pelos ombros.
— Não, Johnny, continuar implica em escolher outro baterista para gravar as partes do Rev. Não consigo visualizar isso. — falei irritadamente.
— Está tudo muito recente, esperem um pouco. — Valary falou ao meu lado. — Com a cabeça mais limpa vocês poderão fazer melhores escolhas.
— Eu não sei, eu... — Virei o rosto, vendo Kelly, irmã mais velha de James, voltando. — Kelly!
— Vocês vão precisar de um baterista, não vão? — Ela perguntou e todos ficamos quietos. — Se quiserem terminar o álbum e lançar em homenagem ao Jimmy.
— É... — Zacky disse.
— Sim. — Syn falou ao meu lado.
— Eu acho que sei quem pode ajudar vocês. — ela disse, pegando o celular no bolso.
— Quem? — Perguntei.
— Você se lembra antes da banda que minha mãe descobriu que meu pai estava tendo um caso? — Kelly disse.
— Sim, temos até uma música disso aí. — falei.
— Você se lembra que eles tiveram um filho, não?
— Sim, ele era bem mais novo que o Rev. Seus pais acabaram não tendo muito contato. — Syn disse por mim.
— Eles não, mas nós e o Jimmy sim. E eles passavam bastante tempo juntos, talvez ela pode te ajudar — ela disse.
— Ela? — Perguntei.
— Sim, é uma menina. Tem 16 anos só, não tem as melhores condições de vida, mas passou bastante tempo com o Rev, ela vai poder ajudá-los. — ela disse apressada.
— Ela toca? — Zacky perguntou.
— Talvez melhor que o Rev. — Ela franziu os lábios. — Eu enviei o número dela e o endereço para você. Pensem, ok? — Assenti com a cabeça.
— Sim, pode deixar! Se precisarem de algo, nos chamem, ok? — Falei, destravando e ela assentiu com a cabeça, antes de acenar com a mão e seguir em direção ao carro.
— Você sabia disso? — Zacky me perguntou e eu suspirei.
— Eu sabia que o Joe teve um filho com uma prostituta, mas nunca soube que o Rev tinha contato com essa criança. — Suspirei. — Muito menos que era uma mulher, tem 16 anos e toca bateria.
— Você acha uma boa coisa? — Syn perguntou.
— Eu não consigo decidir nada agora. — disse, suspirei. — Mas podemos pensar depois.
— É, vamos para casa — Zacky disse. — Hoje foi um dia difícil.
— Estamos tendo muitos dias difíceis. — Johnny disse e assenti com a cabeça, suspirando.
*Death se transformou em Fiction na versão final do CD.


Março de 2010, Huntington Beach

— Ah, eu desisto! — Abaixei as baquetas com força, fazendo um barulho oco ser ouvido pelo estúdio e vi Syn suspirar fundo, provavelmente para evitar falar algum palavrão. — Não está bom, eu posso ouvir.
— Eu sei, mas... — ele grunhiu e Mike entrou pela porta.
— Péssimo, não é? — Perguntei e ele ponderou com a cabeça.
— Na escala Rev, eu daria dois de 10. — ele disse, dando um sorriso falso e eu suspirei.
— Eu sei! — Batuquei os dedos nos tons e mordi meu lábio inferior com força.
— A gente precisa finalizar esse álbum. — Syn disse.
— Eu sei, mas não tenho coragem de colocar a minha gravação na música que você fez para o Rev e muito menos nas que ele deixou escrito. — falei, me levantando com pressa da banqueta.
— E se... — Syn parou a frase no meio do caminho.
— O quê? — Perguntei.
— Deixa quieto! Esquece! — Ele disse apressado, abanando a mão e se sentando na beirada do pequeno palco que a bateria ficava.
— Você está pensando naquela garota, não está? — Falei e ele virou o rosto para mim. — Que a Kelly disse.
— Sim... — ele disse, rindo fracamente.
— Que garota? — Mike perguntou e eu e Syn tivemos uma pequena conversa interna de olhares por alguns segundos.
— Não é garantido. — falei.
— Não, mas a Kelly conhecia o irmão que tinha. Se ela disse que essa menina pode ser melhor que o Rev, por que não? — Syn disse.
— A idade não fode um pouco? — Perguntei.
— Beh, depende. É só um álbum, não? — Syn perguntou.
— E uma turnê. — falei, suspirando. — No Brasil ainda, que o povo é bem apaixonado.
— Ei, o que estão falando? — Mike se intrometeu novamente e suspirei.
— Tem uma garota... — Syn começou e eu suspirei. — O pai do Rev teve uma filha fora do casamento. — ele disse mais rápido.
— E a irmã mais velha dele disse que o Rev teve bastante contato com ela... — falei.
— E que ela é muito boa na bateria. — Syn continuou.
— E vocês estão pensando em chamar ela para isso? — Mike perguntou e eu e Syn nos entreolhamos, dando de ombros.
— Se a gente quiser terminar esse CD, vamos ter que chamar alguém. — falei.
— É, mas alguém famoso, alguém que foi inspiração para o Rev, alguém que...
— Ao invés de pegar alguém que inspirou o Rev, por que não pegar alguém que ele inspirou? — Syn perguntou. — Eu não tenho dúvidas de que, se essa menina é boa, é por causa dele.
— Mas vocês a conhecem? Já ouviram ela tocar? Qual a idade dela? — Eu e Syn nos olhamos de novo e a revirada nos olhos dele só dizia uma coisa: puta que pariu!
— A gente tem liberdade criativa, não tem? — Ele falou.
— Sim, tem! — Mike disse.
— Então, esse problema é nosso! — Ele falou firme para Mike.
— Até pode ser, espertão, mas se vocês quiserem acrescentar um membro na banda, fazer turnê com essa pessoa, a gravadora vai ter que liberar! — Ele disse.
— Vamos acalmar os ânimos... — comecei. — Eu e o Syn vamos atrás dessa menina e fazemos um teste... — Dei de ombros. — Temos que começar de algum lugar mesmo. — falei, andando pelo estúdio e peguei as chaves do carro, carteira e celular e enfiei tudo nos bolsos da jaqueta.
— Agora? — Mike perguntou.
— Estamos aqui para gravar a bateria. Sem baterista, não temos o que gravar. — falei. — Vamos, Syn! — Chamei-o com a mão e ele veio apressado em minha direção. — Voltamos quando der algo. — falei e empurrei a porta da sala de mixagem com força, vendo Syn contê-la antes de fechar completamente.
— Você acha que vai dar certo? — Ele perguntou, andando um pouco atrás de mim.
— Não tenho nem ideia, mas vale a tentativa. Ligue para o Zacky e o Johnny, vou procurar o endereço aqui. — Suspirei.
— Onde é? — Syn perguntou.
— Em Orange County.
— Nosso antigo bairro?
— É! — Suspirei.
— Parece que estamos começando de novo. — ele disse.
— Tem que ter alguma vantagem nisso. — Suspirei.


Março de 2010, Orange County

Orange County é conhecido por ser um condado rico e muito abastado. Bairro das grandes mansões da Califórnia onde vivem ricos e famosos. Mas como todo lugar muito rico, tem sempre um oposto proporcional. Antes da banda, nunca fomos ricos, do contrário, tivemos muitas dificuldades monetárias, inclusive Rev, mas começamos a ganhar nosso dinheiro e começamos a melhorar de vida. Hoje eu mesmo moro em Yorktown, um local bem melhor.
Enfim, quando chegamos ao endereço que Kelly nos deu, foi como voltar ao começo da banda. Nosso carro destoava da simplicidade do local e foi difícil passar despercebido. Crianças em bicicletas e brincando na rua nos olhavam desconfiados, mas dirigi até o endereço que Kelly nos deu, uma área de prédios que provavelmente faziam parte de programa de ajuda do governo.
Estacionei o carro no mesmo e Syn saiu comigo, também abaixando os óculos escuros. Subimos os degraus e procurei o número do apartamento e respirei fundo, batendo a mão na porta de madeira, esperando pacientemente que alguém atendesse. Demorou mais do que alguns segundos, talvez dois ou três minutos, e eu precisei bater novamente para checar.
— Já vai! Já vai! — Ouvimos forte antes da porta se abrir e uma mulher jovem aparecer no mesmo. — O que querem?
Só pelo rosto dela, dava para perceber que ela tinha dependência a alguma coisa. Os olhos com olheiras fundas, os braços cheios de infecções por agulhas e a boca seca. Eu não a conhecia, mas essa mulher precisava urgentemente de ajuda.
? — Perguntei e ela riu fracamente.
— Aquela ingrata não volta para casa há três dias. — ela disse, tentando bater a porta e a segurei. — Ei!
— Sabe onde posso encontrá-la? — Perguntei e ela olhou para gente.
— Por que você quer saber? — Ela perguntou e eu suspirei. — Eu posso fazer melhor do que ela, posso te garantir.
— Não estamos atrás disso, senhora. — Syn disse. — Somos amigos do Jimmy, filho do John!
— Ah, outro ingrato! — Ela disse, rindo. — Dá uma merreca de pensão e acha que é ser pai! Mas eu gosto do James, faz tempo que eu não o vejo. — ela disse. — Como ele está?
— Ele mo...
— Ele está bem! — Syn me interrompeu e eu entrei na dele. — Ele pediu para encontrarmos a para entregar algo para ela. A senhora sabe onde encontrá-la?
— Se ela não estiver vagando pelas ruas, ela vai estar no conservatório municipal — ela disse bufando. — Posso ir?
— Sim, senhora. Obrigado! — Syn disse e suspirei quando a mulher fechou a porta dele.
— Por que você não contou a verdade sobre o Jimmy? — Perguntei.
— Acho que ela já tem problemas o suficiente, não? — Ele disse, seguindo pelas escadas e suspirei.
— Verdade! — Falei, seguindo atrás deles.


Março de 2010, Conservatório Municipal de Huntington Beach

— Então, aqui que encontraremos a futura The Reverend? — Johnny perguntou após sair do carro que estacionou atrás de nós em frente ao conservatório.
— Esperamos que sim! — Syn disse, seguindo à frente e fui logo atrás dele, vendo-o parar na porta. — Com licença, senhora.
— Boa tarde. — ela disse, olhando desconfiada para nós quatro.
— Eu estou procurando por Sullivan. — ele falou. — Ela é nossa amiga.
— A ? Aposto que na sala da bateria. Só seguir pelo corredor à direta. Siga o som! — Ela disse e Syn olhou para mim, dando de ombros.
— Vamos lá! — Falei, passando pela porta e segui pelo corredor que a mulher indicou.
Eu já tinha feito algumas aulas de piano aqui quando mais novo, mas o lugar não havia mudado nada. A pintura continuava descascada, os materiais velhos davam um ar de casa de vó fechada e antiga. Algumas portas estavam abertas, então pude ver e ouvir diversos tipos de instrumentos e até danças.
Como a mulher lá da frente disse, foi fácil seguir o som. Assim que passamos da metade do corredor, um som forte, alto e contínuo de bateria ficou fixo em nossa mente e fez com que nós nos entreolhássemos surpresos. A porta estava entreaberta, então me obriguei a abrir devagar, fazendo com o que som ficasse mais alto.
No fundo da sala, uma jovem estava na bateria. Cabelos compridos, boné virado para trás, camiseta regata, calça rasgada e um piercing no lábio. De cara, você não falava que ela era irmã de Rev. Ela era bem mais parecida com a mulher do apartamento do que com o pai de Rev, mas você conseguia ver alguma semelhança, principalmente em várias tatuagens que cobriam seus braços.
Em sua frente, estava um cara, professor talvez, ele acompanhava as batidas dela com um papel na mão e a mão voando no ar a regia quase em uma orquestra, mas ela nem olhava para a mão dele ou até para a bateria, ela só tocava. E tocava uma música bem familiar. Os tons de Bat Country ficaram óbvios cinco segundos após entrarmos na sala.
Ela tinha ritmo, sintonia, energia... Ela se deixava ficar inebriada pela música e parecia realmente senti-la... Exatamente como Rev. Syn me cutucou e virei o rosto para os outros dois, que olhavam igualmente surpresos. Não tinha dúvidas, ela era o Rev e era ela que nos ajudaria a completar esse álbum em homenagem a ele.
— As respostas são cristalinas, não? — Syn sussurrou para mim e eu suspirei.
— Quem diria que o tempo nos daria isso. — falei baixo, suspirando.
— Ok, ok! — A voz do cara se sobressaía e ela não parava. — ! — Ele gritou e ela parou imediatamente. — Calma!
— Que merda! — Ela disse, os olhos virados para a gente.
— Só pedi para você parar...
— Não você! Eles! — Ela disse, nos indicando com a baqueta e o cara se virou.
— Oh, Avenged Sevenfold! — Ele disse surpreso.
— Ei! — Acenei com a mão. — Eu sou o Matt. — Indiquei a mão e o cara a apertou.
— Luke. — ele se apresentou e apertou a mão dos outros três.
— Você é a , certo? — Perguntei um tanto retórico.
— É um pouco óbvio, não? — Ela disse, voltando a batucar algo aleatório na bateria e Syn riu ao meu lado.
— Estávamos... — Ela aumentou os toques. — Está... — Ela agilizou conforme eu tentava falar.
— Estávamos procurando por ela? — Luke perguntou alto para nós, ignorando-a completamente.
— Sim! — Falei no mesmo tom.
— Ficamos sabendo sobre o Jimmy, sinto muito. — ele disse, pressionando os lábios e assenti com a cabeça.
— Obrigado — falei e ele assentiu com a cabeça.
— Vieram atrás de um baterista? — Ele perguntou.
— Viemos atrás dela, na verdade — Syn disse.
— Parece que ele sabia que isso aconteceria, sabe? — Luke disse.
— Por que você diz isso? — Perguntei.
— Ele a treinou muito bem nos últimos anos... — ele disse.
— Há quanto tempo? — Perguntei.
— Uns três... Talvez mais. — Suspirei.
— Uau! — Zacky disse. — Nunca soubemos dela.
— Pelo menos não da relação dos dois. — corrigi rapidamente.
— Do pouco que eu convivi com ele aqui dentro, eles possuem uma característica bem simi... — O som ficou cada vez mais alto. — ! — Ele gritou. — PARA! CARALHO! — Ela parou de bater e rimos fracamente. — Você vai descobrir que eles são muito parecidos.
— Espero que isso seja um elogio, Luke! — Ela disse e ele revirou os olhos.
— Às vezes não. — ele respondeu para nós.
— Você é a irmã do Jimmy, não? — Perguntei, me aproximando devagar.
— A menos importante, mas sim! — Ela se levantou da banqueta, vindo em minha direção. — E vocês são M Shadows, Zacky Vengeance, Johnny Christ e Synyster Gates. — ela disse um tanto entediada. — Avenged Sevenfold... — ela disse, rindo. — Alguma coisa que preste tinha que ter saído dessa cidade. — Ri fracamente.
— Obrigado, eu acho. — Suspirei. — Você toca muito bem!
— Obrigada! — Ela disse, pegando uma mochila no chão e começando a colocar algumas coisas dentro dela de qualquer jeito.
— Você soube do Rev, não? — Syn perguntou.
— Sim, sinto muito! — Ela disse, bufando. — Ele era incrível — ela falou baixo, suspirando em seguida e passou as mãos nos olhos.
— Você aprendeu a tocar bateria com ele? — Perguntei.
— Mais ou menos. Eu já gostava, ele só me lapidou — ela disse, colocando a mochila nas costas.
— E fez isso muito bem. — falei.
— É, eu sei. — Ela deu um sorriso sarcástico, voltando à sua feição séria. — O que vocês querem?
— Estávamos no meio da produção do nosso CD quando ele se foi. Precisamos de alguém para nos ajudar a terminar de gravar. — Syn disse. — Ficamos sabendo da ligação de vocês e, bom, você parece a opção mais óbvia. — Ela riu fracamente.
— Até parece! — Ela disse. — Não tem mais ninguém para chamar, não?
— Até tínhamos. — fui sincero. — Quando ele se foi, estávamos com os pensamentos meio entorpecidos, os sentimentos confusos. Várias opções passaram pela nossa cabeça, mas agora, vendo você tocar, de uma forma ou de outra, parece que não temos outra opção. — Ela bufou, rindo fracamente.
— Agradeço, mas não! — Ela disse, esbarrando em alguns de nós e seguiu para fora.
! — Luke gritou e bufei, um tanto perdido com o que tinha acontecido.
— Achei que seria mais fácil. — Johnny falou.
— Seria. Qualquer aluno meu de bateria adoraria tocar com vocês, mas é a ! — Luke disse, bufando.
— O que isso quer dizer? — Zacky perguntou.
— Ela e o Jimmy eram muito próximos, mas agora que ele se foi, ela não está sabendo superar isso...
— Ela nos culpa pela morte dele? — Zacky perguntou.
— Não literalmente, mas é algo assim... — Luke disse. — Sinto muito, com licença! — Ele falou, desviando de nós e seguiu a passos rápidos atrás dela.
— Ok, agora, qual o plano C? — Syn perguntou e eu suspirei.
— Eu não vou desistir. — falei.
— Você ouviu o que ele disse, Matt! — Johnny disse. — Ela não quer ter a ver com a gente.
— É, mas eu não estou louco, estou? Ela é o Rev, gente! Ela é perfeita para tocar com a gente. Ou só eu percebi que ela estava tocando Bat Country?
— Não... — eles falaram juntos.
— Vamos tentar um pouco mais. Eu acho que consigo trazer ela para o nosso lado. — falei.
— Nós temos três meses, cara! É pouco tempo! — Johnny disse.
— Espero que seja o suficiente. — Suspirei.


Abril de 2010, Huntington Beach

As semanas que se passaram foram um tanto quanto arrastadas. Eu não conseguia parar de pensar nessa menina e o que poderia fazer para trazê-la para o nosso lado. Se eu fechasse os olhos, podia ouvir Rev tocando e, quando abria os olhos, eu realmente conseguia ver meu amigo de anos tocando no lugar dela. Os trejeitos eram os mesmos, a forma artística, teatral e despreocupada que ele tocava. Tudo isso estava incutido em Sullivan. Era loucura!
Nas três semanas seguintes, eu a cacei por toda Huntington Beach, voltei ao conservatório algumas vezes, até a casa de sua mãe, mas nunca a encontrava, ela havia dado um jeito de evitar que isso acontecesse. Enquanto isso, os dias e semanas iam passando e a gravadora começava a nos pressionar, entrando em contato com diversos bateristas de bandas famosas e exemplos para nós, mas não parecia certo.
Eu estava enlouquecendo, perdendo minha cabeça. Valary achava que eu estava ficando demente e raivoso e eu sabia que isso não acabaria bem, para mim ou para banda. O prazo estava acabando e sabia que a ideia de usar Mike Portnoy, grande ídolo do Rev, era a melhor opção. Seria uma homenagem igual, não?
Eu não pensava assim, eu queria que Sullivan estivesse lá conosco. Como uma homenagem ao Rev, como uma forma de se reencontrar e como uma forma de fazer a gente fechar esse ciclo. Um luto completo.
Todo dia se seguia da mesma forma. Eu ia cedo para o conservatório, depois ia para seu apartamento e voltava para o estúdio, tinha as mesmas brigas e bate-bocas de sempre e fazia o mesmo caminho de volta para casa. Acabava brigando com Valary por algum motivo idiota e acabávamos transando irritados como forma de perdão, mas ainda parecíamos irritados demais para conversar.
No sábado seguinte, eu segui para fazer o mesmo caminho de todos os dias, fui para o conservatório e Luke negou com a cabeça como das outras vezes. Segui para a casa de sua mãe e dessa vez havia trazido um pão caseiro para ela. Depois de tantas vezes vindo de mãos vazias e recebendo um não, achei que se fosse continuar enchendo o saco daquela mulher diariamente, eu poderia pelo menos oferecer um café da manhã decente para ela.
Estacionei na vaga de sempre, já acenando com a mão para algumas crianças que eu via todo dia e segui até a entrada, subindo as escadas. Nos primeiros degraus, eu comecei a ouvir alguns gritos e batidas e agilizei os passos até o andar de sempre.
— VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO COMIGO! — Sua mãe, que havia percebido não saber o nome até esse momento, gritava na porta, enquanto puxava do outro.
— NÃO DÁ PARA VIVER MAIS ASSIM, MÃE! VOCÊ PRECISA ME AJUDAR! — Ela gritava.
— JÁ FALEI PARA IR EMBORA DAQUI! NÃO VENHA ME DIZER O QUE EU POSSO OU NÃO FAZER! — Ela respondeu de volta.
— POR FAVOR, MÃE! — gritou, puxando algo, seu corpo tombou para trás quando ela se soltou e agilizei dois degraus para conter que ela rolasse a escada. — Obrigada — ela falou baixo, subindo os degraus de novo, mas sua mãe bateu a porta fortemente. — MÃE, POR FAVOR! EU QUERO TE AJUDAR!
— EU NÃO QUERO! VÁ EMBORA! — Ela recebeu de resposta e suspirou.
— Por favor, mãe! — Ela falou baixo e eu me abaixei para pegar os itens caídos em sua mochila e os coloquei dentro dela devagar. — MÃE! POR FAVOR! ABRE AQUI! — O tom de choro esganiçado fez meu coração doer e, mesmo sem saber o que ela estava passando, sabia que era algo muito maior para entender. — Por favor, mãe... — ela falou baixo, esmurrando a porta ainda e suspirei. — Mãe! — Ela gritava cansada e vi um pequeno saquinho com um pó branco dentro de sua bolsa e suspirei. Cocaína.
— Posso te ajudar? — Perguntei baixo e ela virou o rosto para mim, as lágrimas deslizando pela sua bochecha.
— Ah, é você! — Ela disse, puxando sua mochila de volta. — Agradeço, mas não. — Ela desviou de mim e começou a descer as escadas e eu a segurei pelo braço.
— Por favor... — pedi baixo. — Eu não vim para brigar, nem nada.
— Eu não quero fazer parte da sua banda idiota! — Ela disse firme.
— Eu entendi! — Ergui as mãos, me rendendo. — Só acho que talvez precise de ajuda de outra forma. — Ela suspirou.
— Não, obrigada! — Ela disse, voltando a descer os degraus.
— Eu vi o que tem na sua mochila — falei, virando o corpo para ela, vendo-a parar e olhar para mim. — Você sabe como o Rev morreu, não sabe? — Perguntei.
— Isso não é meu. — ela disse, bufando. — Eu não faço isso. — Ela suspirou, passando as mãos no rosto.
— Por que está na sua mochila, então? — Perguntei.
— Vem ver! — Ela disse, descendo os degraus de novo e, confuso, segui atrás dela.
Andamos para os fundos do prédio baixo e chegamos a uma quadra, poucas crianças brincavam ali, mas o local estava tão mal-cuidado como o restante do local. Ela entrou em um banheiro e fui atrás dela um pouco receoso.
— Feche a porta! — Ela disse e fiz o que ela pediu, estranhando esse comportamento.
Ela apoiou sua mochila na pia e tirou o saco branco que eu havia visto da bolsa, além de outros dois do bolso de seu casaco e foi em uma das duas cabines, subindo a tampa e despejou o conteúdo dos três saquinhos no vaso sanitário, dando descarga logo em seguida. Ela voltou para a pia e encheu os saquinhos de água, lavando-os e depois jogou-os no lixo.
— Você joga fora... — falei baixo, suspirando e ela aproveitou para lavar o rosto.
— Eu não preciso de ninguém para me dizer que não se deve usar drogas. — ela disse baixo. — Eu já perdi várias pessoas por essa merda e sei que logo mais vou perder minha mãe. — Ela suspirou. — Eu posso não ter a vida perfeita, mas não quero morrer cedo. — Assenti com a cabeça.
— Foi por isso, então, a violência lá em cima. — Suspirei.
— Sim, eu venho ocasionalmente aqui e roubo o que é que tem em casa para ela não usar, mas ela arranja dinheiro e continua usando. — Ela bufou. — É cansativo.
— Entendo... — Suspirei. — Sinto muito.
— Não se preocupe. — ela disse baixo. — Não é como se algum dia isso fosse melhorar. Todo dia é a mesma merda! Vivendo nesse medo constante de que eu vou perder outra pessoa com isso. Já foram dois amigos, agora Jimmy e provavelmente minha mãe. — Ela suspirou.
— Eu tenho que perguntar: o que você faz? Onde você mora? — Perguntei baixo.
— Eu moro em uma residência estudantil com mais oito pessoas. Eles me pagam para limpar, acabo ganhando um pouco de dinheiro para fazer as coisas. — Ela suspirou.
— Você terminou a escola?
— Mais ou menos. — Ela suspirou, puxando uma toalha de sua mochila e secou os olhos.
— Como assim?
— Escola municipal. Eles fingem que ensinam, a gente finge que aprende. — Ri fracamente.
— Entendi! — Falei, suspirando. — Olha, ...
, por favor. — Ela suspirou. — me lembra minha mãe.
... — falei e ela me olhou pelo reflexo do espelho. — Quando fomos te ver lá no conservatório, estávamos falando sério. — disse, cruzando os braços. — Você seria uma ótima adição à banda.
— Por quê? — Ela perguntou.
— Como assim?
— Por que vocês me querem? Aposto que poderiam escolher qualquer baterista no mundo. — ela disse.
— Sim, poderíamos. Tentamos com vários, na verdade, mas nenhum parecia o Rev. — Suspirei. — Nenhum fazia jus ao que ele era...
— E eu faço? — Ela perguntou.
— Sim! — Suspirei. — Você é exatamente como ele. Mais bonita, claro. — Ela sorriu. — E tem um sorriso mais bonito também.
— Menos assustador. — ela disse.
— É! — Falei e ela riu fracamente. — Olha, eu não sei o que está sentindo, eu não sei por tudo o que você passou. Soube recentemente que você tinha contato com o Rev, mas eu sei que todos temos um vazio no interior, que procuramos por respostas, que tentamos desfazer algo que não podemos... — Suspirei. — Mas não podemos vencer essa luta. Podemos só ficar irritados e tentar seguir em frente...
— Não é justo! — Ela disse, virando o rosto e vi as lágrimas voltarem aos seus olhos. — Algum ser superior tira as pessoas da gente e quem fica precisa seguir em frente? Qual é a moral nisso? Qual é o grande aprendizado para quem fica? — Suspirei. — E quem se foi? O que eles fizeram para merecer isso? O que o Jimmy fez para merecer isso? — Seu tom de voz ficava cada vez mais alto e eu sentia que choraria também.
— Nada. — Suspirei. — Não é justo, eu sei, mas essa é a vida, precisamos superar e seguir em frente.
— E como você faz isso?
— Eu escrevo músicas... Às vezes é frustrante não conseguir fazer isso virar realidade, mas é como eu passo... — Suspirei. — Tento passar, na verdade.
— Eu toco — ela disse, suspirando. — Não é perfeito, porque eu não sou de compor, mas é bom para extravasar. — Assenti com a cabeça.
— É bom! E você toca muito bem, sério!
— Obrigada. — Ela sorriu.
— Eu sei que parece horrível, como uma guerra... E é mesmo, uma guerra que certamente vamos perder no final, mas está tudo bem. — Suspirei. — Mas não quer dizer que devemos estagnar na vida e deixar ela passar... É por isso que eu vim atrás de você — falei. — Eu não posso ajudar as pessoas que você sente falta e nem desfazer a morte, mas vejo que tem muitos detalhes embaçados na sua vida e você precisa se ajudar antes de ajudar os outros.
— Como assim? — Ela virou o rosto para mim.
— Você não consegue ajudar ninguém estando mal, — falei. — E isso é sobre nosso psicológico, nossa autoestima, nossos ganhos monetários, tudo. — Suspirei.
— Eu não posso fazer isso, não com a minha mãe desse jeito. — ela disse e eu suspirei.
— Você consegue olhar para si mesma, ? Ver o que eu vejo?
— O que você vê? — Ela perguntou.
— Uma menina com um futuro promissor, com uma carreira incrível, dinheiro para ajudar a mãe, uma casa fixa, um emprego fixo e até legal... — falei baixo. — Sim, perdemos Jimmy cedo demais, mas não podemos perder mais ninguém. — Suspirei.
— Você está me chamando para fazer parte da banda? — Ela perguntou.
— Você vai ter que fazer um teste antes por causa da gravadora, mas os caras gostaram do que ouviram também...
— E você é persistente, pelo que eu percebi — ela disse e ri fracamente.
— Sou! E eu não costumo desistir das pessoas.
— Bem espirituoso. — Ela suspirou.
— Então, o que acha? Consegue colocar suas armas de lado e tentar seguir um novo rumo?
— Se eu quiser isso... — ela perguntou baixo. — O que eu tenho que fazer?
— Bom, apesar da forma que o Rev morreu, você precisa sair dessa vida, estar ciente que sua vida privada não vai existir mais. Sem mais drogas, sem mais confusões, sem mais roubar cocaína do apartamento da sua mãe...
— Achei que fosse só um álbum. — ela falou rapidamente.
— Por enquanto... E se tiver mais? — Perguntei. — Vamos seguir, pelo Rev, e ainda vamos precisar cumprir alguns deveres. — Ela suspirou. — O que me diz?
— Se eu... — Ela engoliu em seco. — Se eu fizer isso com vocês, eu ganho dinheiro? — Ela perguntou e eu sorri.
— Sim! — Falei. — Um contrato, um salário, lucros por participação e direitos autorais... — Ela deu um sorriso. — Dinheiro o suficiente para colocar sua mãe em uma clínica de reabilitação, arranjar um lugar legal para morar e não precisar depender de mais ninguém...
— Parece fácil demais. — ela disse.
— E é! — Falei. — Você estará se juntando a uma banda que já tem 10 anos. Já lutamos demais para colocar ela no mapa, agora é só continuar os trabalhos. — Ela assentiu com a cabeça.
— Posso pensar? — Ela pediu baixo.
— Claro, mas não temos muito tempo — falei.
— Quanto?
— Uma ou duas semanas. O lançamento do álbum é para julho e precisamos finalizar toda a parte de percussão, além de finalizar a música que o Rev deixou escrita e a que o Syn escreveu para ele...
— Eu vou... — Ela mordeu o lábio inferior. — Vou poder dar palpites?
— Se você aceitar fazer parte da banda... Vai! — Sorri e ela retribuiu.
— Me dá uns dias, pode ser? — Ela pediu. — É uma oferta muito tentadora para decidir rápido assim.
— Já vejo que sua cabeça está bem colocada... — Ela riu fracamente. — Vamos precisar disso. — Estendi a mão para ela que a apertou firme. — Tem uma caneta? — Perguntei e ela fuçou sua bolsa, pegando uma caneta e um pedaço de papel e eu anotei rapidamente meu telefone e o endereço da gravadora. — Você tem duas semanas para pensar. É o prazo máximo.
— Ok, espero ligar antes... — Ela suspirou, guardando o papel no bolso.
— Se cuida, . Aposto que Rev te queria bem...
— Sim... — Ela sorriu. — Sabe, ele foi o único que me acolheu de braços abertos. — Ela sorriu. — Ele foi um verdadeiro irmão para mim, pelo tempo que a vida permitiu.
— Aposto que sim. — Puxei a porta do banheiro. — A gente se fala?
— Sim! — Ela sorriu. — Obrigada!
— Não precisa agradecer. Só pensa no que eu falei, talvez você tenha outros irmãos...
— Pode deixar. — Ela suspirou e assenti com a cabeça, antes de sair do local abafado.


Maio de 2010, Huntington Beach

— Ela tem dois minutos para estar aqui — Mike disse e suspirei, observando o relógio como todo mundo.
Os ponteiros pareciam que andavam rápido demais e dois minutos não tinham 120 segundos, tinham muito menos. Eu havia conversado com ela mais cedo. Ofereci para levá-la à gravadora, mas ela disse que me encontraria aqui, espero que ela não tenha me enganado e decidido fugir.
— Com licença... — Viramos o rosto para trás e vi a recepcionista na porta. — está aqui. — Ela abriu a porta.
, por favor — falou antes de entrar e dei um sorriso.
Ela havia se arrumado toda para vir. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo, o rosto com uma maquiagem de leve, um batom rosado nos lábios, uma calça rasgada, camisa regata com uma camisa xadrez por cima, amarrada na cintura, e All-Star vermelho. Pronta para uma entrevista de emprego.
— Olá. — Ela acenou com a mão e olhei para meus parceiros de banda, que sorriram igualmente.
— Você é a famosa Sullivan? — Mike perguntou, estendendo a mão e ela a apertou.
— Famosa eu não sei, mas Sullivan sim. — Ela sorriu.
— Vamos ver se você tem o que é preciso. — ele disse sério e arregalei os olhos, rindo internamente.
— Claro! Aonde posso ir? — Ela perguntou, sorrindo.
— Por aqui. — Zacky indicou e ela o seguiu para a outra sala.
Enquanto Zacky a levava até a bateria de Rev, acompanhei do outro lado do vidro. Ela pareceu travar quando a viu. Olhou-a com carinho, passou a mão delicadamente nos pratos e tons antes de se sentar na banqueta lá atrás. Ela pegou um jogo de baquetas, rodando-os nos dedos e fez um rápido teste em todos os equipamentos, fazendo alguns sons ocos pelo local.
Me sentei na cadeira na mesa de som e esperei. O pessoal se acomodou também e Zacky voltou pela mesma porta, travando a porta de dentro do estúdio. Mike e o resto dos chefões da Warner se ajeitaram e respirei fundo.
— Quando posso começar? — Ela perguntou, sua voz saindo abafada pelos autofalantes.
— Quando você quiser — Mike respondeu no microfone e ela assentiu com a cabeça.
Demorou cerca de cinco segundos para ela começar, mas quando começou, as mãos se movimentaram rapidamente em todos os tons e pratos, parando alguns segundos depois, antes de começar um toque mais contínuo. Ela ficou cerca de 30 segundos assim, acelerando novamente conforme ela visualizava alguma música em sua cabeça. Uma música que eu não conhecia e, aparentemente, ninguém mais.
Ela continuou assim, agilizando os movimentos e se soltando cada vez mais. Seus lábios se mexiam devagar e eu conseguia ler “você não pode ganhar esta luta”, mas não sabia se era a letra ou algo que ela estava falando para si mesma. Independente, ela seguiu forte, confiante e sem nenhum tipo de receio.
Durante os quatro ou cinco minutos que ela ficou lá dentro, todos aqui fora ficamos quietos. Era uma mistura de surpresa com felicidade e emoção. Era realmente como ver Rev tocando mais uma vez. Um Rev muito mais bonito, se ele me permite dizer isso. Os pelos dos braços e das pernas estavam arrepiados e era como um sonho, uma lembrança. Muito bons, por sinal.
Quando ela finalizou com toques fortes na bateria, todos ficamos em silêncio. Ela tinha um sorriso largo no rosto e o corpo relaxado. Ela suspirava de cansaço, mas sabia que ela tinha feito um ótimo trabalho. Todos sabiam na verdade.
— Ótimo trabalho, Matt! — Syn disse, esticando a mão para mim e trocamos um rápido soquinho.
— Falei que valeria à pena. — disse.
— E vale! — Mike disse e virei meu rosto para ele, vendo-o se levantar. — É o Rev!
— Não é? — Falei, rindo e ele sorriu.
— Ela está dentro! — Sorrimos, aplaudindo animadamente. — Agora chamem-na aqui, vamos falar sobre contrato e terminar esse álbum logo! — Ele disse, seguindo até a porta e a abrindo com força. — Ei, você! Vem cá! — Ele disse e ela se levantou da bateria, seguindo em nossa direção.
— Então... — ela disse animada, segurando as baquetas com as duas mãos.
— Você está dentro! — Falei e ela sorriu animada, dando um pulinho.
— Obrigada! Vocês não vão se arrepender! — Ela disse, sorrindo e eu e os meninos sorrimos entre si.
— Prontos para ter uma menina na banda? — Johnny perguntou baixo e rimos juntos.
— Como se isso fizesse alguma diferença para gente. — falei e eles sorriram. — Parabéns, garota! — Abri os braços e ela sorriu, vindo em minha direção, me abraçando fortemente.
— Obrigada! — Ela suspirou. — Vai ser legal!
— Vai sim! — Syn disse, abraçando-a. — Você é incrível!
— Obrigada! — Ela sorriu.
— Irmã do Rev, é? — Zacky disse em seguida.
— Foi o que me disseram! — Ela riu fracamente.
— Vemos a quem puxou. — Johnny disse, abraçando-a por último.
— Espero conseguir levar o legado dele adiante. — ela disse mais séria, puxando a respiração fortemente.
— Vai conseguir. Tenho certeza — falei e ela sorriu.
— Que música é essa que você tocou? — Syn perguntou.
— Ah... — ela disse, tirando um papel amassado do bolso. — Alguma coisa que eu e o Rev escrevemos durante minhas aulas de música. — Ela estendeu o papel para mim.
— Você disse que não compunha. — falei, vendo-a enrugar as bochechas de vergonha.
— Não era de compor, é diferente. — ela disse e eu ri fracamente.
Olhei para o papel, vendo claramente o garrancho de Rev misturado com outra letra mais delicada, provavelmente de . No topo da página, estava escrito “Welcome to the Family” e as letras intercaladas dos dois pareciam a história dele e de . Uma música sobre perdas, dificuldades, desilusões e falta de confiança que as coisas fossem ficar bem, bem parecido com o discurso que eu dei para ela quando a convenci a fazer parte da banda.
— Ele sabia... — falei, esticando o papel para Syn. — Ele sabia, certo?
— Sempre achei que ele fosse um tanto vidente... — Ela deu de ombros. — Isso se comprovou quando ele se foi. — Ela engoliu em seco.
— Isso é muito bom! — Syn disse, correndo para pegar sua guitarra.
— Ele a deixou incompleta, mas eu terminei depois do nosso papo. — ela disse e os riffs de guitarra puderam ser ouvidos pelo estúdio.
— Que bom que você veio e que trouxe isso. Talvez falte uma música para o álbum. — falei e ela sorriu, assentindo com a cabeça.
— Espero que sim! — Ela suspirou e Syn agilizou os sons da guitarra.
— SYN, PEGA LEVE! — Johnny gritou e rimos juntos.
— Rev disse que você provavelmente conseguiria enfiar um solo na música. — ela disse.
— Com toda certeza! — Ele disse e ela sorriu. — Toca de novo.
— Ei! Calma aí! Vamos resolver as partes legais antes. — Mike disse e sorri com a empolgação do pessoal.
— Vai lá falar com ele, , depois volte aqui, sim? — Falei e ela assentiu com a cabeça.
— Pode deixar! — Ela disse, seguindo com Mike e voltou quando percebeu as baquetas em suas mãos e a colocou na mesa, antes de seguir com ele.
— Ah, ! — Chamei-a e ela virou o rosto para gente. — Bem-vinda à família! — Falei e ela abriu um largo sorriso, seguindo com Mike.
— Você conseguiu, cara! — Johnny disse e ri fracamente.
— Não, nós conseguimos. — Engoli em seco. — O Rev conseguiu. — Suspirei.
— Agora deixa eu ver essa música! — Syn disse animado. — Precisa entrar no álbum!
— Espera ela voltar, porque não tem composição! — Falei, sacudindo o papel e ele pegou.
— Como o Rev, guardava tudo na cabeça — Zacky disse e rimos juntos.


Epílogo

11 de outubro de 2010, Itu, Brazil

Os gritos dos fãs brasileiros eram ensurdecedores. Era um dos melhores lugares que eu já tinha tocado na minha vida. Com música ou sem música, eles respondiam e tornavam a vibe sempre melhor. Era um show menor, em um festival de música, mas ver aquele mar de pessoas cantando nossas músicas, era incrível!
Critical Acclaim tinha acabado há quase um minuto, as luzes tinham sido apagadas e eles não paravam de gritar. O sorriso de todo mundo era incrível, inclusive o sorriso de . Fazer seu primeiro show conosco em um público como esse era desafiador, mas a menina de 17 anos estava lidando muito bem com a pressão. Na verdade, ela estava lidando bem com tudo muito bem, desde o primeiro dia em que entrou no estúdio.
— Brasil, obrigado por receber o Avenged Sevenfold! — Falei, subindo em uma das caixas de som, ouvindo o pessoal tocar à minha volta e os fãs gritarem. — Estão prontos para rock ‘n’ roll ou o quê? — Perguntei, descendo e segui até a bateria, assentindo para , que fez o mesmo movimento. — Deixa eu perguntar uma coisa para vocês: quem está vendo o Avenged Sevenfold pela primeira vez essa noite? — Perguntei, erguendo a mão.
— SIM! — Eles gritaram empolgados, erguendo várias mãos.
— Primeira vez?
— É! — Eles gritaram novamente.
— Bem-vindo à família, então! — Falei, ouvindo fazer alguns toques agilizados. — Mas antes... — falei, voltando para eles. — Eu tenho que agradecer a todos pelo apoio à perda do nosso grande amigo Rev... — Eles voltaram a gritar. — Ele era nosso irmão.
FOREVER! FOREVER! — Eles começaram a gritar e eu sorri.
— Mas aqui, hoje à noite, conosco, está sua irmã! — Falei alto, apontando para .
— É! — Eles gritaram animados e se levantou da banqueta, estendendo as mãos para cima, fazendo os gritos ficarem mais altos e sorri.
— Ela está aqui para fazer o legado do Rev viver por bastante tempo. — Ela sorriu. — Obrigado, ! — Ela assentiu com a cabeça. — ENTÃO, VOCÊS QUEREM OUVI-LA TOCAR? — Gritei novamente.
— SIM! — Eles responderam.
— VOCÊS QUEREM OUVI-LA TOCAR? — Repeti.
— SIM! — Eles gritaram alto.
— Senhorita Sullivan, por favor! — Falei e ela fez uma introdução mais alongada de Welcome to the Family antes de Syn entrar com ela.


Hey kid!
Do I have your attention?
I know the way you've been living
Life's so reckless, tragedy endless
Welcome to the family




FIM



Nota da autora: Oi, gente, tudo bem? Bem-vindos à família Avenged Sevenfold! 🦇 Feliz por te ter aqui!
Eu tenho essa ideia há muitos anos, mas por falta de prioridade, não consegui escrever ela, então acabei pegando o ficstape para conseguir fazer esse tributo ao Rev que acho que marcou todos os fãs novos e antigos do Avenged Sevenfold. Já peço desculpas adiantado se tem algumas informações da banda que ficaram trocadas, mas meus dias de surto por eles passou, então hoje só ouço os álbuns mesmo. Então, se tiver alguma coisa errada, me perdoe!
A ideia inicial era diferente, colocaria um romance também, mas eu percebi que acabaria ficando maior do que o permitido nos ficstapes, então simplifiquei e coloquei só um tributo ao Rev mesmo. Espero que vocês tenham gostado!
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Beijos! <3
FoREVer



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