02. Your Mother Was Cheaper

Finalizada em: 1º/10/2021

Capítulo Único

ATO I
os olhos do público


O pai de costumava dizer que começos eram superestimados. Que eram sutis demais, que rastejavam ao invés de andar. Ele começava a ler um livro pelo meio, encontrado certa diversão em embaralhar os próprios sentidos e tentar descobrir qual rota era a certa na história da obra.

Achava essa ideia uma estupidez.

— Pare com isso, . Como aprender francês se começa seus estudos no meio do livro? Ordens cronológicas existem por uma razão. — disse com um revirar de olhos, expulsando sua única filha de 15 dos seus devaneios.

— Cinthia disse que aprendeu inglês sozinha, conversando com os falantes nativos. — deu de ombros, passando da página 78 para 79. — E eu nem quero aprender isso.

— Nem tudo é sobre querer. Isso irá te ajudar no futuro. — Antes que a mais jovem pudesse reagir, ela jogou as páginas do livro para direita com um simples mover de dedos e aponta para a página marcada como número 1. — Agora, siga a ordem que o autor deu.

Sua mãe era o completo oposto do seu pai, especialmente em questão da sua necessidade por seguir regras. Todavia, mesmo além disso, não conseguia encontrar similaridades entre eles. Se ele corria, ela andava. Se ela chorava, ele sorria. Se ele sussurrava, ela gritava. Se ela comia, ele bebia. Se eles se amavam, certamente nunca parecia. Talvez suas diferenças irreconciliáveis tenham sido o motivo deles não conseguirem mais estar na presença um do outro.

— O pai não lida desse jeito. — A morena não conseguiu evitar um resmungo para si mesma.

— Isso porque seu pai estava sempre apressado para correr até o final. — Respondeu-a, sua voz coberta de casualidade pejorativa. — Assim como ele fez com a gente.

A cadeira pareceria forjada de espinhos quando ela citou aquele detalhe gritante. Joe, seu pai fugindo no meio da história da sua família, deixando-as para trás como se fossem algum livro que não vale a pena ser terminado ou uma língua difícil demais de entender.

Aquilo ainda a devorava por dentro, como um animal selvagem e faminto que havia encontrado uma morada permanente dentro do seu coração. Provavelmente sempre iria doer. Como uma cicatriz de infância que nunca curou direito. Às vezes, as sequelas têm o poder de uma máquina do tempo, sempre te fazendo voltar à mesma mágoa dolorida do dia em que se machucou.

— De qualquer maneira, — a voz da matriarca chamou sua atenção de novo, e a encarou enquanto ela agarrava a bolsa esverdeada que sempre levava para o trabalho. — Não me espere hoje, não volto cedo.

— Vai dormir fora de casa de novo? Você quase não ficou aqui essa semana! — Exclamou, sentindo-se culpada de imediato pelo tom acusatório e seus olhos arregalados em resposta. Ela adicionou o mais suave que pude: — E tem o último capítulo da novela hoje.

— Repete no sábado. — Ela deu de ombros, procurando algo dentro da bolsa. — E o Jorge quer me ver hoje, então.

— Mas...

A mais velha bufou e levantou o rosto para a encarar: — O quê?

se encolheu onde estava, questionando silenciosamente se estava cruzando um limite ao pedir sua atenção. Afinal, ela estava superando meu pai, certo? Sair com novas pessoas era um bom sinal.

Entretanto, ela não conseguia sentir que o seu ''ir em frente" era um sinônimo de a deixar para trás.

— Você disse que a gente ia pedir pizza na sexta. — Explicou seu ponto, esperando que ela entendesse que aqueles momentos de domesticidade suburbana eram especiais para ela.

Esperando que passar alguns momentos com sua filha também fosse especial para sua mãe.

— Deixo dinheiro no balcão. — pegou as chaves e me deu uma última olhada. — Não se esqueça de trancar tudo.

— Não é a mesma coisa! — Rebateu com frustração e empurrou o livro para longe. Por que ela insistia em a tratar como alguém para passar o tempo enquanto nada melhor aparecia? Ela era sua mãe! levantou da cadeira com uma fúria recém-achada e borbulhante. — Você sempre faz isso quando arranja um namorado novo.

— Deixa de frescura, é só uma noite.

— Semana passada foi o Dia das Mães e você trouxe seu namorado e a filha dele aqui!

— E daí? — A frieza em seu tom não deveria surpreender a adolescente pela rotina, mas aquilo a fez dar um passo para trás. Como ela não podia ver o problema naquilo? — A mãe dela não liga para ela e ela estava com ele no final de semana.

Nem você, pensou quieta.

— É tão difícil você não passar um final de semana com ele?

— Para de ser dramática, ! — O tom da sua mãe aumentou. Ela balançou a cabeça, desacreditada com as ressalvas. — Você exagera, ocupa espaço demais. Eu preciso respirar! Você pede coisa demais.

Naquele momento, um doer peculiar atingiu enquanto sua mãe arremessava uma nota qualquer no balcão e saía pela entrada principal, já com o celular na mão: ela acreditava que o amor, principalmente o materno, deveria ser um direito de nascença. Todavia, não era o caso.

Amor claramente era algo que você tinha que pedir, e sempre havia um risco de dizerem não. Implorar sem estar de joelhos era difícil. E se até a mãe dava migalhas, será que um dia algo mais tangível chegaria ao seu íntimo?

Ou ela apenas pedia um pouco demais? Ocupava espaço, era complicada demais?


ATO II
a imersão do público


A noite era tão jovem quanto quando ela colocou seus olhos em quem viria a ser uma letra escarlate: um homem que vestia sua pele com a confiança de um jaguar, olhos claros brilhantes e um cabelo bagunçado, que se completava com a barba. Com 21 anos recém-completados, seu olhos arregalados e sua inocência foram substituídos por um tom de desejo quando ela o viu pela primeira vez, sentado perto da janela no restaurante em que ela e a mãe estavam almoçando depois do teste para o novo filme de Carlos Erickson, Vintage Tee.

O homem, claramente uma década mais velho, estava sentado com um rapaz da idade de , que aparentava ter a sorte de dividir a genética com ele, se a semelhança dizia algo. O garoto saiu da mesa, e ela, a mais jovem, imaginou como seria poder sentar ao lado daquele homem hipnotizante.

Não demorou muito para notar que a conversa unilateral animada da sua filha sobre mostarda nas batatas havia acabado de repente. Ela seguiu a direção do olhar de , e quase gritou quando viu quem estava lá.

A porra do ! Seu velho amigo de escola. Ele parecia tão bem quanto no último dia que se viram, fugindo do baile de formatura para se juntar com alguns adolescentes mais ousados na praia mais famosa da cidade.

Sem perder tempo, se colocou de pé e seguiu o caminho até seu velho conhecido.

— Dois hambúrgueres para um homem. — Ela sorriu com facilidade, repousando a mão no ombro dele. virou a cabeça para encarar a dona da voz e do toque, rindo consigo mesmo ao ver . — Como você vai terminar isso sem companhia?

, tem sido muito tempo. — se levantou, puxando a mulher para um abraço que logo foi retribuído. — Pode me ajudar a terminar isso aqui e colocar o papo em dia, que tal?

Enquanto os dois trocavam olhares demorados e risadas relaxadas, o menino que se parecia com deslizava ao lado de com um revirar de olhos, apesar do sorriso lateral persistente em seu rosto.

— Parece que sua mãe roubou meu hambúrguer. — Ele comentou antes que ela pudesse perguntar por que ele estava ali. arqueou a sobrancelha para a imagem de mordendo o sanduíche e batendo no braço de .

— Pode comer o dela. — deu de ombros, empurrando o prato para ele e segurando o sorriso ao ver a maneira que seus olhos verdes brilharam ao encarar comida. — Nossos pais parecem ser amigos.

— Meu pai não é muito bom em ter amigas. — O garoto disse com escárnio, mas logo mexeu a cabeça, como se tivesse se arrependido por falar demais. Ele só queria enfiar aquele hambúrguer na sua garganta para se calar. Entretanto, ele optou por introduzir a si mesmo primeiro: — Eu sou .

.


ATO III
a protagonista, por


Eu não deveria ter me surpreendido ao entrar no estúdio e dar de cara com o mesmo homem do restaurante lá dentro, sentado em uma cadeira com um script em uma mão e um café em outra. Alguém tão maravilhoso como — que eu tinha descoberto o nome pelo seu filho e depois pela minha mãe —, não se encaixaria em nenhum outro lugar além dos holofotes.

Aquilo parecia tão natural para ele. Seu cabelo jogado para o lado, o sorriso fácil que distorcia a atmosfera ao seu redor, o modo relaxado que ele se encontrava na cadeira e principalmente seus olhos: ele não parecia estar encarando tudo e todos com ansiedade, sabendo que cada movimento a partir de agora seria visto como uma prova do seu valor, interpretado e estudado por tantas câmeras e bocas desdenhosas. Não, não parecia se encolher com o pensamento de ser observado. Na verdade, ele parecia ser quem observava.

Queria ter aquilo tanto quanto eu desejava estar mais próxima dele, apesar do mero pensamento me causar formigamento. Ele era tão bonito, tão mais velho e esperto. Será que eu iria adquirir aquela confiança com o gastar dos anos? Eu conseguiria me sentir em casa em qualquer algum dia?

Menina tola, você nunca soube como é estar em casa.

Suspirei, decidindo esquecer minha paixão platônica inalcançável e tentar andar pelo estúdio para me familiarizar. Apesar do frio na boca do estômago quase engraçado que olhar para me dava, aquela atração também era uma boa distração para o que me fazia querer correr o mais rápido possível para o lugar mais longe daqui.

E se eu errasse demais? Minha mãe sempre disse que dizer desculpa não adiantava nada, pois o erro já estava cometido. E se eu não parecesse agradável o suficiente? Minha mãe sempre disse que eu parecia muito irritada. E se eu atrapalhasse demais? Minha mãe sempre disse que eu pedia demais. E se eu não fosse boa o suficiente? Duvidava bastante que pessoas tão naturalmente magníficas tivessem medo de ocupar espaço.

Todo o meu corpo parecia ser um sistema nervoso ambulante. Eu estava exausta e nem havia dado mais de quinze passos dentro do estúdio.

Xingando a mim mesma, eu respirei fundo e decidi levantar a cabeça. Ter atitude, como minhas amigas diziam. Eu estava exatamente onde sempre quis estar, todos os desejos para as estrelas cadentes e velas de aniversário tinham me trazido até aqui. Não queria deixar minhas inseguranças me dominarem. Não agora.

Mesmo que meu coração parecesse travar uma guerra com os ossos da minha caixa torácica, mesmo que as palmas da minha mão estivessem suadas, mesmo com as pernas bambas e as inseguranças atormentadores que soavam como a voz da minha mãe.

Mesmo assim, eu iria continuar.

A voz tilintante da diretora chamou todos para a mesa principal, onde ela estava reunindo todo o elenco. Apressei-me para chegar até lá e, ao sentar na mesa, tive a surpresa de colocar meus olhos na figura estoica dele de novo, dessa vez na minha frente. O sorriso mais brilhante que eu já havia visto na minha vida direcionado para mim.

— Então, você é a , não é? — se inclinou para frente, ignorando o barulho externo das pessoas discutindo pelos pãezinhos amanteigados. Eu não consegui reagir de outra maneira, a não ser assentindo. — Parece que vamos ser o casal principal.
Um bom nervosismo me acalentou naquele instante.


ATO IV
a inocência, por


— Devíamos ensaiar o grande beijo. — Ele disse distraidamente, como se aquelas palavras fossem uma mera casualidade. Como se o Sol fosso só o Sol, ou o coração fosse só mais um músculo.

Eu assisti um filme de toda a minha vida passando pelos seus olhos. Eu estava alucinando? O chá que a moça da cafeteria, Lily, servia parecia viciante demais para não ter algo a mais.

— Ensaiar o beijo? — repeti a pergunta, me sentindo uma idiota assim que as palavras saíram da minha boca. — Tipo a Addison Rae em He's All That?

me olhou com divertimento.

— Tenho quase certeza que é She's All That.

— É uma releitura. — expliquei com um dar de ombros, sua proposta ainda borbulhando dentro da minha cabeça. Nunca estive tão feliz pelo meu coração estar dentro do meu peito, assim ele não podia ouvir o quão desesperado e alto ele estava batendo.

— Que jeito de estragar os clássicos. — Ele disse, enrugando o nariz em uma careta que me fez sorrir.

e eu estávamos ficando cada vez mais próximos, o que já era de se esperar por conta da carga horária do trabalho e da maioria das cenas serem com nós dois. Não conseguia acreditar que o cara que eu tinha achado lindo era o meu colega de elenco e par romântico.

A maneira suave como suas mãos me seguravam, ou a personagem, em frente às câmeras era tudo que eu queria atrás delas. Imaginei que minha quedinha teria se dissipado com as semanas passando.

Agora, estávamos sentados dentro do seu trailer, repassando o roteiro de algumas cenas de hoje. Isso havia se tornado uma rotina para a gente, esses pequenos encontros casuais. Eram momentos pacíficos em meio a avalanche de conquistar meus sonhos.

Agora, entretanto, parecia que eu estava sentada em uma trincheira e não em uma poltrona felpuda confortável.

— É que eu nunca beijei. — Admiti, evitando seu olhar que parecia ver através de mim. Uma onda de quietude ensurdeceu o pequeno e luxuoso trailer. Minhas bochechas esquentaram com aquele silêncio estrondoso, levantei da cadeira, preparada para ir embora e evitar e me embaraçar ainda mais. Como eu conseguia me meter nessas situações? Eu era tão estúpida.

Ao me pôr de pé, virei-me sem lançar outro olhar para . Porém, antes que pudesse dar sequer um passo em direção à porta, sua mão agarrou meu braço com delicadeza.

Assim que seus olhos encontraram os meus, um sorriso doce apareceu em sua expressão. Seu toque sútil parecia tão certo na minha pele, nossas respirações se tornando uma pela aproximação. Eu não conseguia olhar para outro lugar a não ser ele: seu rosto, seu nariz, as sardas espalhadas pela sua bochecha, seus olhos.

Como alguém poderia ter um campo magnético tão atrativo?

— Seu primeiro beijo deveria ser com alguém que sabe o quão especial você é.

Então, seus lábios repousaram sobre os meus. E a única maneira de explicar a emoção que seu toque me presenteou era dos muros de Berlim caindo para mostrar uma mundo magnífico e belo em que eu era dele, e finalmente sentia que estava em casa.


ATO V
o homem que estava apaixonado, por


Quando as pessoas dizem que a realidade acaba com a magia, elas estão falando sobre os estúdios cinematográficos. Não tem nada mais desconcertante do que acreditar que heróis e reinos encantados existem, apenas para descobrir que os heróis usam dublês e o reino encantado é uma tela verde.

Esse era um dos motivos pelos quais eu não gostava de visitar o trabalho do meu pai, mas eu continuava com visitas esporádicas de qualquer maneira. Afinal, não era mais o garoto que gritou assustado quando descobriu que o ator do Aladim fumava maconha no tapete mágico, nem o adolescente que chorou quando soube que o cachorro estava sofrendo maus tratos nas filmagens de Quatro Vidas de Um Cachorro. Eu podia lidar com a magia se descascando em prol da racionalidade do cinema.

Ultimamente, no entanto, estar aqui não parecia uma traição com minhas boas memórias, nem ao menos sentia inveja das pessoas que assistiam aos telões e se perguntavam como aquilo era possível. Os mágicos não contam o segredo do truque de mágica porque aquilo vai fazer a plateia desacreditar, confie em mim. Só que estava me fazendo acreditar de novo.

Apenas a presença dela era suficiente para transformar um dia nublado em ensolarado. Ela era simplesmente incrível. O jeito que ela conversava, as piadas sem graça que pareciam o melhor filme de comédia quando estávamos juntos, o modo que ela me escutava e confiava em mim para escutá-la, o cheiro de laranjas que sempre vinha do seu cabelo e seu toques clandestinos suaves que me faziam ansiar por ela.

Eram coisas pequenas, quase minúsculas: a mão sobre o meu braço enquanto trocávamos palavras, o jeito que ela me apertava em um abraço ao me cumprimentar, sua risada que começava contida e sempre aumentava, sua determinação em permanecer vulnerável, o sorriso tímido quando eu a elogiava.

Para uma mulher tão linda e inteligente, ela não ouvia elogios o suficiente. Até agora, andando de um lado para o outro em um estado irritado.

— Aí ela começou a gritar dizendo que eu estava errada! Mas o câmera disse que a minha posição estava certa. Dá para acreditar? — Ela bufou, correndo os dedos pelos cabelos. — E o nem me defendeu! Ele só ficou parado.

O que me traz a maior catástrofe do meu emaranhado de sentimentos: estava apaixonada pelo meu pai. Eu só queria dizer a ela como eu me sentia, mas não seria justo. já estava confusa o suficiente, já tinha muita pressão em cima dela. Ela contava comigo para apoiá-la quando as coisas saíam do controle. Sua voz não passou de um sussurro quando ela disse: — Ou eu posso estar errada.

Engoli meu coração antes de respondê-la.

— Não, não duvide de si. Aposto que está certa e meu pai concordaria.


ATO VI
o homem que não a amava (ainda), por


Me joguei no sofá do trailer com um grunhido cansado. Aquele dia específico tinha sido excruciante. Muitas cenas tinham sido gravadas e regravadas, porque parecia sempre achar um defeito na atuação de .

Essa era uma das coisas que eu nunca iria sentir falta depois que as gravações terminassem. Desde a escola, a tinha os movimentos certos, mas não tinha devoção. Ela tinha consciência do que fazer e como fazer, em mais sentidos do que um, porém não tinha realmente uma paixão naquilo. Era muita técnica, como querer adicionar a quantidade certa de gotas no oceano ao invés de nadar nele.

Minha porta quase foi arrancada ao bater com força exagerada, dando abertura para entrar no meu trailer com os braços cruzados.

Mais uma coisa que eu nunca vou sentir falta.

— Por que você continua passando a mão na cabeça dela? — a mulher não se importou em fechar a porta ou diminuir seu tom de voz. Agradeci mentalmente por todos estarem no horário de almoço.

— Oi para você também, .

Ele rolou os olhos com descaso.

— Oi, . Por que você continua passando a mão na cabeça da minha filha?

Porque ela com certeza não vai me visitar de noite se eu gritar com ela na frente da porra da equipe.

Inclinei minha cabeça, respirando fundo para evitar a resposta na ponta da minha língua.

— Porque ela só está tentando fazer o trabalho dela.

— Ela errou as falas três vezes! — Exclamou incrédula.

— Quem se importa? Meu filho tem a idade dela e ainda erra a palavra melancia. — Minha tentativa de amenizar o clima foi ignorada, embora eu não esperasse outra reação de .

— Por isso que a minha filha está atuando. — ela deu ênfase no minha e eu respirei fundo de novo. Anos passaram e ainda conseguia foder a minha cabeça de uma maneira nem um pouco divertida. — Seja duro com ela. Passar a mão na cabeça toda vez que ela erra não ensina. É o seu filme também. Todos concordamos que essa é a prioridade, não é?

Abri a boca para retrucar, mas ela não esperou uma resposta. Claro que não. era simples e direta: ela não pedia muito, apenas que escutassem ela e ponto. As consequências nunca foram sua preocupação. Não era nem por ela ser cabeça quente ou algo do gênero, ela simplesmente não se importava em machucar os outros para ser ouvida.

Passei a mão pelo rosto. A situação era frustrante e eu nem podia relaxar. Quando não estava gritando aos cinco ventos, me provocava com seu corpo e escapava antes que as coisas pudessem ficar realmente interessantes.

Talvez a quisesse relembrar alguns tempos de escola mais tarde.

Uma suave batida na porta escancarada interrompeu meus pensamentos corriqueiros. Encontrei com seus ombros encolhidos nas escadas do trailer, parecendo ainda menor do que era. Uma vontade de protegê-la se apossou dos meus ossos. Ela era tão frágil, tão quebrável. Como os meus anos de juventude. Estar com ela era como ter vinte anos de novo, com todo o drama estúpido que traz diversão.

— Posso entrar? — ela pediu em uma voz quebradiça, quase com medo da resposta.

— Não precisa pedir, . — acenei com a cabeça, apontando para dentro do trailer. Ela adentrou no local e fechou a porta atrás dela, tão diferente da mãe. — O que foi?

Ela abriu a boca algumas vezes, parecendo estar em conflito sobre o que dizer. Arqueei a sobrancelha e reagiu ao ajeitar a postura e me olhar nos olhos. Parecia determinada.

— Minha mãe é insuportável! — Ela gemeu, sentada na poltrona que sempre ocupava. Eu já tinha certeza do que estava por vir e o que eu tinha que dizer. — Estou tentando fazer o meu melhor, como ela não vê isso? É tão cansativo sempre ter que agradar ela.

Me aproximei de , me colocando ao seu lado e repousando minhas mãos em suas bochechas, mantendo o olhar no dela enquanto falava:

— Ela não vê o quão especial você é.

Ela deu uma risada sem humor.

— Às vezes, nem eu vejo.

— Mas eu vejo. — afirmei, puxando-a para mais perto enquanto sussurrava: — Eu vejo você, .

Nossos lábios se encontraram com facilidade, acostumados a pertencerem juntos. Sua língua dançando com a minha enquanto suas mãos me puxavam pelo pescoço e eu a colocava no meu colo. Antes que pudéssemos progredir, se afastou de mim ofegante.

— Espera... Eu não sei se estou pronta.

— Quem está pronto para qualquer coisa? — Dei um sorriso de lado e me inclinei, capturando sua boca novamente. Ela me beijou um pouco mais, porém logo se afastou mais uma vez. Levantei os braços em desistência. Chegar ao ponto de forçar uma mulher não era um limite que eu cruzaria. — Tudo bem, tudo bem. Desculpa. Podemos esperar, tá bom?

— Você não se importa?

— Claro que não... — Menti, imaginando o quanto a sua mãe tinha uma atitude diferente na sua idade. Dei um selinho nela para afastar aqueles pensamentos. — Tudo no seu tempo, linda.


ATO VII
a mãe não maternal, por


Charles Darwin trocou cartas com Caroline Kennard algum tempo atrás, dizendo a ela que as mulheres simplesmente não eram capazes de evoluir como os homens, que seus cérebros não eram iguais e não seria capaz aprender do mesmo jeito. Decerto, a feminista respondeu-o a altura, dizendo que mulheres poderiam evoluir e tinham capacidade cerebral tanto quanto os homens, que o problema era o lugar onde elas estavam. Os papéis impostos às mulheres, as limitações punidas por fogueiras, a violência dos olhares e sussurros, a brutalidade de pertencer a alguém que não elas mesmas e a ausência de uma escolha. Não dar direitos iguais aos gêneros e esperar igualdade posterior era como plantar sementes de maçã e esperar laranjas.

Eu concordo com o ponto de Caroline, mas acho que ela se precipitou ao pensar em igualdade no quesito evolucionário.

Acreditar que homens podem evoluir é o maior erro de uma mulher. Essa crença cega nos faz permanecer em lugares onde é difícil florescer, onde não nos preocupamos consigo mesmas por estarmos gastando as noites com alguém que nunca fica para o café da manhã.

A ideia de ser capaz e até responsável por mudar alguém me só me trouxe abandono e uma jornada árdua como mãe solteira. Então, é claro que não me surpreendi quando notei os olhares que eram qualquer coisa menos sutis entre e .

Ele não tinha mudado, ainda o mesmo da nossa juventude vivida tão apressada. Mas é claro que minha filha não iria acreditar no que eu dissesse. Ele era teimosa como o pai, e acreditava no amor translúcido tanto quanto eu na sua idade.

Diferente de mim, sua mãe não iria deixar que o ciclo continuasse.


ATO VIII
o babaca, por


Quatro meses.

Quatro porra de meses sem transar, enquanto eu estava estressado com o trabalho e com uma mulher gostosa que amava me beijar.

É por isso que os homens traem. O que era diferente? já me beijava, já me deixava tocar nos seus seios e nádegas. Até se esfregava nas diversas ereções que tive por culpa dela. Por que ela simplesmente não abria aquelas perninhas lindas e me deixava fazer o que nós dois obviamente queríamos?

Mas não, eu passava o dia todo decorando falas, gravando cenas, comendo delivery e escutando reclamar da mãe. Ela se abria para mim de todas as maneiras, menos da que eu queria.

Infelizmente, eu não pude deixá-la saber disso. Sempre que eu dizia umas coisas bonitinhas, como ''eu te amo'' ou "podemos esperar", as mulheres se derretiam nos meus braços e ficavam mais do que felizes em me dar qualquer coisa. Qual é, homens são cavalheiros quando o cavalheirismo é recompensado. Porém só ficava agradecida e continuava querendo ir devagar.

As pessoas gostam de pensar que altruísmo é uma qualidade humana, mas qual é. O único motivo por qual alguém faz qualquer coisa é conseguir algo em troca. Especialmente em um relacionamento.

Então, não dava para me culpar pelo que estava acontecendo.

havia entrado no meu trailer sem abrir a porta e simplesmente me atacou do melhor jeito possível. Sua boca faminta me beijava como uma mulher destemida.

Não demorou muita para que sua blusa fosse jogada ao chão, assim como qualquer senso de controle próprio que eu tinha. Minhas mãos formigavam para tocar nela, meu membro já meio acordado enquanto suas carícias tornavam minhas fantasias mais vívidas.

Estava tão focado no barulho dos seus gemidos manhosos e dos meus grunhidos aliviados que nem notei o ruído da porta do trailer se abrindo.

Nem do estardalhaço de um coração se quebrando.

ATO IX
o primeiro coração partido, por


Todo mundo achou Van Gogh maluco por cortar a orelha e dar ela de presente para uma prostituta. Pessoalmente, eu não o culpo. Não é o que todos nós fazemos? Damos tantas coisas para as outras pessoas como uma maneira de mostrar que nos importamos. Algumas pessoas oferecem joias, outras o seu tempo, tem aquelas que cozinham, as que escutam e tem quem prefira dar parte de si mesmo.

Eu dei o meu coração a , e assistir ele se agarrando com a minha mãe doeu tanto quanto a prostituta não aceitando a orelha.

.... Mãe... — Eu estava paralisada, encarando os dois enquanto eles se afastavam um do outro, como se não estivessem prestes a transar no meio do trailer em que eu dei meu primeiro beijo.

. — me chamou, seu tom de voz similar ao que alguém utilizaria para acalmar com um animal selvagem.
Minha mãe apenas nos lançou um olhar ao vestir a blusa dele, inexpressiva e silenciosa. Ele tentou se aproximar de mim.

— Não! — exclamei ao me esquivar do seu toque pela primeira vez desde que nos conhecemos. Apesar da situação, acreditava que a surpresa em seu rosto se refletia no meu.

Tudo que se passava pela minha mente era: onde a orelha de Van Gogh tinha ido?

Onde os corações partidos eram colocados pelos amantes em agonia? Eles voltavam ao normal ou apenas eram deixados e seus donos encontravam outros mais resistentes?

Apesar das ondas de dor e desespero correndo pelas minhas veias enquanto eu escapava pelo set, eu não pude impedir ou mesmo compreender totalmente o alívio gritante que passou pelo meu corpo.


ATO X
as pontas soltas, amarradas


— Então, Angelina volta com Terry. É uma mudança de última hora no roteiro. — A diretora Jekins explicou, dando os scripts para os atores na mesa, que assentiram e mordiam as comidas espalhadas pela mesa.

suspirou, levantando a mão para dar sua opinião, que prontamente foi acatada por Jekins.

— Por que ela termina com alguém que passou o filme todo machucando ela? — a jovem perguntou, não se deixando intimidar pelos olhares nela, um mais intenso em particular. — Às vezes, ficar com o cara não é o final feliz.

— Às vezes, o cara se arrepende e sente falta de coisas que nunca pensou que iria sentir depois de muito tempo. — se intrometeu na conversa, olhando para descaradamente. Ele não podia deixar ela ir, a vida era menos divertida sem o seu drama enquanto ela o puxava para si. Tinha sido há tanto tempo.

Ele só podia estar com ela em cena e nas raras vezes em que chegava em casa e estava com , normalmente rindo na cozinha, próximos demais para serem amigos, longe demais para serem amantes.

Aquela incerteza inquietava todo o corpo de . Era assim que sentia ao estar com ele?

Pelo menos seu filho a merecia.

A incerteza continuava com , que o tratava normalmente e era vista conversando no trailer da filha algumas vezes, embora nunca aparecesse no set. Aparentemente, tinha finalmente colocado limites em sua relação maternal. Elas pareciam bem, o que causava certo estranhamento em — seu próprio filho havia lhe dado um longo discurso sobre o quão babaca ele era, e eles estavam voltando em pequenos passos, nunca conversando sobre ela.

Hoje, era o último take, a última cena. Eles nunca mais se veriam de novo, a não ser em eventos cruzados e nas vezes que ela esquecesse a hora, enquanto estava na sua casa com . Dessa vez, achava que era melhor deixar ir. Mesmo que olhar para ela fizesse seu coração implorar para ser dado em suas mãos e suas bochechas pegavam fogo com vergonha e raiva autoimune. Talvez a própria estivesse certa e fosse apenas seu orgulho ferido, ele nunca tinha sentido algo assim antes. De uma maneira quase egoísta, suspirava em alívio ou imaginar que apenas mais algumas horas e ele seria o homem que sempre foi, esquecendo essas emoções em seus ossos.

estava feliz por não ter o mesmo final da sua personagem; durante toda a gravação, ela acreditou que tinha todos os aspectos de Angelina, os acertos e as imperfeições. Todavia, era relaxante entender que aquilo era um filme e que ela podia ser livro do homem que a quebrou de maneiras que ela nem tinha consciência de serem possíveis. Ela poderia se curar, quebrar o ciclo, ser saudável e livre. Ela conseguia respirar, estar com o mais velho sempre a fez tão nervosa, tão ansiosa. Ela estava sempre tentando agradar, passar dos próprios limites no tempo dele. Dava para entender o porquê a sensação peculiar de paz estava no fundo da sua mente quando ele fez algo imperdoável.

Apesar de todas as tempestades que um coração partido traz, ele também oferece uma força benevolente, que pode ser apenas alcançada de um modo vulnerável. Esse era o seu próprio oásis secreto que encontrou no deserto quando achava ter drenado tudo dela: limites com sua mãe, um bom foco na carreira, passar tempo sozinha sem estar solitária, fazer o que era melhor para ela e manter alguém que a entendesse por perto, como , que havia ajudado tanto em diversos aspectos.

— Concordo. — a diretora acenou, chamando a atenção de ambos, mas logo deu de ombros com um sorriso. — Quem disse que o filme tem um final feliz, no entanto?




FIM.



Nota da autora: Minha ideia inicial para essa fic era TOTALMENTE diferente, mas estava sem tempo e optei por essa. Queria ter tido mais tempo para desenvolver direitinho, porém a vida está muito corrida. O estilo que usei aqui é bem diferente do que normalmente escrevo e é mais usado nas fics gringas, mas achei que ficou bem divertido. Espero que gostem e não esqueçam de comentar! Tem outra FicStape do Two Feet que é escrita da maneira mais convencional e com muito… 18+ 👀

01. Go Fuck Yourself


Nota da beta: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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