Finalizada Em: 24/08/2018

Prólogo

Minha mãe sempre disse que minha paixão pelas estrelas e astronomia está relacionada a três coisas: o meu próprio nome, em homenagem aos astros brilhantes que iluminam nosso céu. Em segundo, aos nossos acampamentos anuais em família, nos quais dormíamos sob as estrelas. Ela diz que eu dormia sorrindo, e amava encontrar as constelações e inventar novas. E em terceiro lugar, aos meus “cabelos ruivos cor de Marte”, como ela mesma diz.
Pois eu acho que apenas uma coisa explica tudo: o nosso universo é fascinante. É tão amplo e complexo, tão grande e completo. Eternamente em expansão. Eterno. Lindo.
Então, quando eu precisei escolher uma faculdade, não demorou muito pra que eu soubesse que queria fazer Astronomia. Minha aptidão pelas exatas também influenciou essa decisão. Meus pais me apoiaram imensamente nessa decisão, e até cogitaram a possibilidade de me mandar para uma faculdade nos Estados Unidos. Neguei até a morte. Não consigo viver longe do meu Rio de Janeiro, aonde fui nascida e criada. Com sucesso, fui aprovada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, pro curso dos meus sonhos. E agora, pra sempre, eu viveria entre estrelas e galáxias.


Capítulo Único

O Planetário sempre fora meu refúgio, desde o primeiro dia em que estive lá, aos cinco anos de idade, e agora ainda mais, com a possibilidade de ter alguns estágios. Minha casa fica a 5 quadras do local, e minha mãe conta que, vez ou outra, quando eu era mais velha, beirando os 8 ou 10 anos, eu fugia pra lá quando me sentia sozinha. Todos os funcionários daquela época me conheciam por nome. Agora, a equipe tinha mudado quase que por completo, mas um ou outro funcionário ainda me cumprimentava quando eu fazia passeios por lá, mesmo conhecendo todas as atrações como a palma da mão. O fim da faculdade se aproximava e cada vez mais eu precisava de carga horária. Por coincidência, meu lugar preferido na cidade inteirinha precisava de ajudantes.
Não precisei de muito para ser aceita. Entre as minhas novas funções, estavam as palestras e orientações. Seria uma carga horária puxada, mas nada me fazia tão feliz quanto ver a felicidade no rosto das pessoas assistindo as apresentações e interagindo com as atrações.
Juntamente ao mês de fevereiro, começou o meu estágio. As primeiras semanas foram calmas, apenas um ou outro grupo de turistas e uma turma da faculdade de Engenharia Aeroespacial. Contudo, o início do mês de março trouxe as, como eram conhecidas pelos meus colegas, expedições infantis pelo mundo mágico do universo. As turmas de escolas de ensino fundamental próximas e até mesmo mais distantes vinham em grandes grupos, aumentando o fluxo de visitas ao meu local de trabalho. Não que isso fosse um problema pra mim. Eu sempre tive uma ótima relação com crianças e, vendo isso, meus colegas me encarregaram de acompanhar as visitas dos pequenos exploradores celestes.
- É impossível alguém gostar tanto de crianças. – Gabriela, minha colega mais chegada disse um dia, durante nosso intervalo. – Me ensina a amar essas pestinhas, Ariel. Pra mim é simplesmente impossível.
- São crianças, Gabi, não o Leão da Nemeia. Você só precisa manter todos entretidos e juntos.
- Você vai ser uma mãezona, eu ‘tô vendo...
- Pra isso eu preciso de um namorado primeiro, não?!
- Falou a que não tem mil e noventa e dois pretendentes, pelo menos. Com esses cabelos ruivos aí e todo esse papinho de astros e estrelas, duvido que você não tenha conquistado nenhum nerd por aí.
- Como se você também não tivesse mil e noventa e dois pretendentes, pelo menos. – eu repeti o que ela disse, e ela revirou os olhos. Gabi era uma linda mulher, com seus 23 anos recém completos, um lindo sorriso, belos cabelos cacheados e a pele negra em tom de chocolate.
- Até parece que ter um filho de 1 ano e trabalhar durante o dia todo atraí muitos olhares. – minha amiga disse, citando Benjamin, seu lindo filhinho, fruto de um relacionamento anterior. – Além disso, ainda é muito cedo pra pensar nisso. – ela completou, agarrando a correntinha em seu pescoço, presente do falecido marido. Apesar da pouca idade, Gabi era uma das muitas viúvas que o tráfico nas comunidades tinha feito. Seu primeiro marido, Thiago, morreu nas mãos dos grandes traficantes. Um homem, segundo ela, muito trabalhador, apaixonado pelo filho e pela esposa, e principalmente pela vida. Mais um civil vítima do grande problema da nossa cidade.
- Eu sei. Preciso ir. A próxima visita está marcada pra daqui a 10 minutos. – eu disse conferindo o relógio de pulso e levantando da mesa da lanchonete mais próxima ao Planetário.
Cheguei ao saguão principal e um grande grupo de crianças, de idades entre 7 e 9 anos, conversavam e admiravam a construção linda que era o nosso planetário. Conversei com alguns dos pequenos exploradores, apelido carinhoso que eu atribuíra aos meus visitantes e orientados.
- Bom dia, exploradores espaciais! Quem está pronto pra conhecer o Universo? – dezenas de bracinhos levantados e sorrisos apareceram na mesma hora.
A visita durou o tempo normal, cerca de meia hora. Quando a turma foi liberada para conferir as atrações interativas, respirei aliviada e me sentei num banco próximo, observando um par de gêmeos, menino e menina, que jogavam nos totens apropriados para isso. A cena me fez sorrir.
- João e Milena. Têm 8 anos. A mãe trabalha o dia todo. O pai está preso por porte de drogas. Ela quer ser bailarina, faz o curso de dança da escola. Ele quer ser astronauta. Estava tão, ou até mais ansioso do que eu para esse passeio. Esses sorrisos que fazem o meu trabalho valer a pena. – um rapaz se sentou ao meu lado e desabafou. Devia ser apenas alguns anos mais velho do que eu, e carregava no rosto um sorriso tão genuíno quanto o das crianças à minha frente. – Prazer, . Sou o professor de Ciências de toda essa galerinha aí.
- Ariel. Sim, exatamente como a Lua de Urano e também como a sereia, antes que me pergunte. – eu disse, sorrindo, torcendo para que a forma como eu me apresentara não parecesse rude. O professor sorriu e eu suspirei aliviada.
- É um nome bonito. Apesar que Cassiopeia, como a constelação, seria bem mais interessante.
- Tem razão. Talvez eu o dê a minha filha. Você estuda Astronomia? – eu perguntei curiosa ao ver o professor se referir a uma constelação praticamente desconhecida, ainda mais no nosso país, em que ela é conhecida por outros nomes.
- Primeira turma de Astronomia da USP, senhorita. Depois fiz Ciências Biológicas e agora estou tentando um mestrado em Astrofísica Estelar pela Federal daqui. Enquanto isso, ensino um pouquinho do que eu sei pro futuro da nação. – ele explicou, com a maior naturalidade do mundo, como se todo dia se conhecesse alguém com tantos atributos e graduações. – Gabriel, mais cuidado com isso! – ele chamou a atenção do aluno, que lançou ao professor um olhar que pedia desculpas, e o homem sorriu, assentindo com a cabeça. – E você?
tinha olhos verdes, dava pra ver de longe. Cabelos grandes, não longos, e castanhos, naturalmente bagunçados. Além disso, uma barba completava o visual completamente hipster. Apesar desta, do olhar sério, e das duas formações, ele poderia ser facilmente confundido com um aluno ainda de faculdade.
- Astronomia também. UFRJ. Último ano. Estou estagiando.
Seus olhos verdes se arregalaram e quase sorriram pra mim.
- Nome de uma das luas de Urano, cursa Astronomia e esses cabelos cor de Marte. Pura coincidência?
Eu sorri ao vê-lo usar a mesma expressão da minha mãe. Seu sorriso transbordava sinceridade e confusão, o que o deixava com uma aparência mais jovial. Tão brilhante e aberto quando uma Lua Crescente no céu escuro e nublado.
- Que nada. Eu nasci amando o Universo e as estrelas. Pelo menos é o que minha mãe diz. Ainda mais nova do que os seus alunos, eu andava solta por esse lugar, conhecia cada cantinho e amava vir aqui. Nada mais justo do que retribuir os anos de alegria que esse lugar me trouxe.
- Uau. - O professor fez cara de surpresa e sorriu. – De verdade. UAU. Não consigo dizer mais nada. Sua paixão é admirável. De verdade.
- Obrigada, mas não é nenhum esforço. Eu só quero entender. Conhecer tudo, saber como funciona. Obviamente tudo é impossível, mas quanto mais perto eu chegar, mais realizada me sentirei.
- É fascinante, não é? Imaginar que não estamos sozinhos. Não podemos estar. É tão grande. Tão amplo, vasto. É tão...
- Eterno. – eu disse.
- Exatamente. Eterno. É a palavra perfeita. Bem, nós precisamos ir. Mas obrigado, Ariel. De verdade. As crianças com certeza amaram e lembrarão disso pra sempre. Obrigado.
- Tudo bem. É o mínimo que posso fazer.
- Crianças, está na hora. – em questão de minutos todos estavam reunidos em torno do professor, mesmo ao som de protestos e reclamações. fazia uma contagem rápida para assegurar que nenhum pequeno explorador se perdera.
- Tia Ariel? – me chamou um pequeno mais a frente, que deveria ser da turma mais nova. – Será que algum dia eu posso ser um astronauta? Eu quero pisar em Marte.
- É claro que pode, querido. Como você se chama?
- Mateus.
- Mateus, se você sonhar, sonhar grande, forte mesmo, você pode o que quiser. Estude bastante e sonhe bem alto. O grande explorador Mateus será o primeiro a pisar em Marte!
O garotinho sorriu e me abraçou, e eu retribui rapidamente. Ele se soltou e rapidamente voltou a conversar com os colegas, provavelmente sobre a possibilidade de ser um astronauta.
- Obrigado mais uma vez. – disse, se aproximando. – Alguma chance de ainda estar aqui semana que vem? Vou voltar com as turmas de outra escola.
- Estarei aqui, e provavelmente guiarei a visita.
- Ótimo. Quero muito terminar essa conversa sobre o espaço eterno. Foi um prazer te conhecer, lua de Urano.
- O prazer foi todo meu, professor. Espero você na semana que vem.
O grupo de crianças, acompanhado pelo professor, saiu sorridente porta afora. E na minha memória, o sorriso de Lua Crescente de ficou.

☆☆☆


Na semana seguinte, como prometido, o sorriso de Lua Crescente estava de volta, com novas turmas e novos exploradores espaciais, prontos pras descobrirem as maravilhas do nosso universo eterno.
De longe, me olhava e vez ou outra, piscava sorrindo. Seus belos olhos verdes brilhavam ao ver as crianças fascinadas pelo passeio, provavelmente como os meus também. Nossas conversas sobre o Universo continuaram, e não pareciam ter limite. Passando por galáxias, estacionando em estações espaciais e circundando buracos negros, o conhecimento compartilhado ali rechearia visitas ao meu local de trabalho e aulas de ciência do ensino fundamental. Nós estávamos aprendendo um com o outro.
Quando a visita da turma acabou, ele não hesitou em pedir meu celular. Eu lhe passei o número, sem nem pensar duas vezes. A essa altura do campeonato, nossa conexão era quase tão poderosa quando a gravidade que nos prende à Terra. E também não demorou até que ele me convidasse pra sair, convite ao qual mal pensei antes de dizer sim.
Então lá estávamos nós, num barzinho na Lapa, ao som de voz e violão de um cantor cujo nome eu já nem me lembrava mais, e que repetia Chega de Saudade pela milésima vez só naquela noite.
- Como assim você não gosta de biologia?! É simplesmente a base de todo o resto! – me olhava exaltado depois da minha declaração de ódio à matéria referente à sua segunda graduação.
- É tanta nomenclatura que se torna maçante. Aliás, por que eu preciso saber a composição de uma célula vegetal? É tão chato! Não é como se a cura do câncer estivesse ali.
- Mas e se estiver? E se os cloroplastos do floema de uma gimnosperma unidos a um fármaco retirado da flor de laranjeira, por exemplo, forem a cura pra leucemia? – ele discursou enquanto eu dava mais um gole na minha caipirinha e revirava os olhos só de ouvir todas aquelas terminologias e coisas do tipo. – Pare de revirar os olhos, eu estou falando sério! – caímos na gargalhada juntos.
- Ok, talvez você tenha minimamente me convencido. Mas eu ainda não gosto de biologia. Talvez um pouco, só.
- Até eu te deixar em casa eu vou te convencer de que você gosta sim de biologia.
- Eu posso ser bem teimosa, quando quero.
- E eu sou professor de ensino fundamental. Paciência é meu nome do meio. Além de que ainda temos uma noite inteirinha pela frente.
Soltei uma risadinha enquanto me encarava sorrindo.
- Seus olhos são muito bonitos, sabia? – eu disse sem pensar, muito provavelmente anestesiada pela bebida, para a qual eu era muito fraca. – Eu gosto quando você fica me olhando. Dá pra se perder nos seus olhos, eles são realmente lindos.
- E eu amo os seus cabelos. São lindos. Essa cor de Marte te cai muito bem, sabia? – ele tirou uma mecha teimosa que caia sobre meus olhos.
- Minha mãe também chama meus cabelos de cor de Marte. Achei muito curioso quando você me chamou desse jeito. Não sabia se mais alguém faria essa analogia.
- Minha formação em Astronomia não me deixou pensar em outra coisa. Além disso... Lua de Urano, estagiária no planetário, estudante de Astronomia. Era muita coincidência pra não pensar nisso. - O músico ao fundo de nossa conversa tocava “Luz dos Olhos” e olhou no fundo dos meus. – Adoro essa música. Você dança comigo, Lua de Urano?
Eu sorri e concordei, estendendo minha mão pra ele. Nos juntamos aos outros dois ou três casais que também dançavam.
E antes mesmo que a música terminasse, olhou novamente no fundo dos meus olhos. E eu olhei no fundo dos dele. Um castanho tão bonito que quase parecia vermelho. Quase com cor de Marte.
Bem dizia o ditado que os olhos são espelhos da alma. Os de eram um buraco negro. Profundo.
Mas que revelavam a galáxia incrível que ele tinha dentro de si.
E foi assim, olhando nos olhos um do outro, que ele sorriu para mim e me beijou.

☆☆☆


acabou se tornando meu lar. Nossa conexão foi inexplicável e quase instantânea. Ele era doce, mas enérgico. Era mágico. Ele era um novo mundo a ser explorado. Uma nova galáxia em meio ao meu universo. Quase como uma descoberta científica.
Assim como eu também era.
Deixamo-nos apaixonar lentamente, com todo o cuidado. Meu coração era dele, e o dele era meu. Éramos como satélites um do outro. O universo dele acabou por se misturar ao meu.
Seus beijos aceleravam meu coração, e era quase como se nossos batimentos cardíacos criassem sua própria sinfonia. Era o encaixe perfeito. Ele era perfeito pra mim.
De alguma forma, éramos perfeitos um pro outro.
Como se fôssemos o Sol e a Lua. Como se estivéssemos escrito nas estrelas. Como se tudo fosse nosso. Como se tudo fosse nós dois.


Fim.



Nota da autora: Que honra ter uma fic dessa música e uma fic nesse ficstape incrível que eu tive toda a ajuda do mundo pra tornar realidade.
Quero pedir desculpas se o final pareceu meio cru, mas eu escrevi num ímpeto um dia a noite e gostei tanto que preferi deixar assim.
Agradeço desde já pelas leituras, comentários e possíveis indicações. O simples fato de vocês lerem uma história minha já me deixa muito feliz! Espero que vocês gostem desse pedacinho do universo que eu peguei e decidi explorar e transformar em história.
Beijinhos!



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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