Postada em: 20/08/2023

Capítulo Único

Fogo.
O Instituto estava pegando fogo. A sensação estranha que estava dentro de se concretizava. Desde o momento do jantar até o caminho do dormitório, ela olhava ao redor com estranheza, algo parecia fora dos eixos.
Fumaça vindo das torres dos dormitórios.
O pânico foi generalizado, mas rapidamente contido. Eles treinavam para momentos como aquele. Ninguém notou antes, pois estavam todos no refeitório localizado no extremo oposto do Instituto.
— Vamos nos dividir em quatro grupos. Prestem atenção — Hariel tomou a iniciativa como de costume. Apesar das idades similares entre os frequentadores da escola de superdotados, ele demonstrava maturidade e destreza para lidar com situações de pressão. — Se distribuam de acordo com as habilidades e onde acharem que serão mais necessários. Um grupo buscará ajuda, os mais velhos e os professores ficam próximos do refeitório, será uma corrida e tanto até lá e levará tempo para que cheguem aqui. Um grupo irá guiar os estudantes para longe do caos. Quem vocês forem encontrando no caminho, peçam para fazer o retorno. Os outros dois grupos irão entrar no caos. Sei que todos têm tendência heroica — esboçou um sorriso debochado —, mas precisamos que todos sejam sensatos e avaliem se podem lidar com o calor, a fumaça em excesso e o fogo em si. Não precisamos de gente passando mal lá. Dos dois grupos, um irá para a linha de frente para encontrar a origem do fogo e apagar. Outro ficará checando o estrago para ver se não tem gente presa no meio, ou até… — pausou com pesar — baixas.
Segundos de silêncio dominaram o grupo antes que se separassem.
seguiu com os grupos que iriam para a confusão, seus poderes de criar barreiras seriam úteis em todos os momentos. Cuidava da barreira que impedia que as chamas avançassem e, convergindo com os dons da garota do ar, cuidavam para extinguirem os gases do fogo e todo ar de dentro da bolha. Sua melhor amiga estava lá também. Como telepata, era mais fácil para que Anna encontrasse a consciência das pessoas, mesmo que estivessem fracos.
— Não sinto ninguém — informou — A maioria estava no refeitório. Quem ficou deve ter fugido nos primeiros vestígios de queima.
— Certeza? — Hariel a encarou com um pedido silencioso para que fizesse mais uma varredura rápida. Era claro que ele estaria com eles lá também, achava que os colegas ficariam sem direção. Anna devolveu um olhar entediado.
— Vamos!
Seguindo as marcas de queima, chegaram ao final do corredor na torre, um caminho sem saída a não ser aquele pelo qual chegaram.
— Começou lá fora — comentou, mirando as janelas e esquadrias, ou pelo menos os resquícios delas derretidas. Questionou-se internamente quantos graus deveria ter batido para aquilo. Ainda havia fumaça pelos lados do bosque onde faziam treinamentos ao ar livre. Estava entendido que não era um fogo natural.
Os usuários de água estavam tendo que fazer muito mais esforço para dar um jeito nas chamas.
— Vamos!
Diferente do que viram dentro do Instituto, as labaredas no bosque eram mais agressivas, quase como se estivessem em um número de dança selvagem.
— Cuidado! — gritou ao ver uma chama tomar forma e quase queimar Anna por trás. Instintivamente, ergueu um escudo de proteção a tempo. A telepata não reagiu, parecia congelada no lugar com um semblante horrorizado.
— Prestem atenção, todos! — ralhou Hariel.
A água não estava dando conta de apagar o fogo. Tentaram congelá-la, mas o Inferno parecia estar provando que era muito mais quente do que poderiam aguentar.
O fogo tinha vida própria. encarava as chamas se juntando e se partindo com perfeição, indo para cima dos colegas como se fossem chicotes.
— Precisaremos usar convergência. Ar e água para sufocar o incêndio até a origem. pode dar cobertura para conter tudo que não apagarem.
De repente, um vórtice gigante se formou, era difícil descrever o que os olhos viam e a magnitude do feito. As condições abafadas fizeram o portador da água forçar uma chuva artificial. O fogo que parecia não querer ser domado crescia para o alto, fazendo as garotas suarem para acompanhar. Então, um grito de dor cortou a cooperação.
Anna desabou contra o solo arenoso, gritando incessantemente, e travou, com vontade de socorrê-la ao mesmo tempo que alternou o olhar para as mãos. Custou muito até firmarem a colaboração para tentar apagar o incêndio, se largasse o seu posto, poderia estar colocando os demais em risco. Felizmente, Hariel foi de encontro com a amiga.
Ver Anna cair no que pareceu câmera lenta acendeu os instintos de , que só desejou que aquilo terminasse. Contrariando todas as expectativas, de repente, o fogo pareceu mais maleável e fácil de domar. Trocou um olhar rápido com os demais que pareciam ter a mesma percepção. Era a brecha para terminar aquilo.
A mescla das condições do fogo com a água, a umidade formada e o abafado da vegetação ocasionaram chuviscos. mal distinguia o que era fumaça ou vapor. No caos instalado de não conseguir enxergar com nitidez, travou ao ver, ou achando que via, uma silhueta do lado oposto de onde estavam, onde antes o fogaréu não os deixava alcançar.
— Aguenta firme! — A atenção foi desviada.
Anna estava com queimaduras no braço e rosto. Apesar de só esses pontos visíveis, queixava-se de sentir o interior queimando como um todo, quase que em combustão no sentido mais perigoso que tinha quando se tratava da vida.
— Temos que levá-la para uma checagem rápida. Vai ficar tudo bem. — Uma nova voz inesperada, porém conhecida, se fez presente.
O professor de duelos estava ali.
— Professor? O que faz aqui?
— Não estava de licença?
— Férias?
A enxurrada de questionamentos caiu sobre o homem que não parecia estar preocupado em dar satisfações. Apenas andou até os alunos e carregou a telepata nos braços.
— Creio que temos prioridades, garotos. Vamos.



Não tão distante dali, enquanto carregava o corpo desmaiado do irmão, Martina deixava algumas lágrimas escaparem na tentativa de aliviar o medo, a angústia e a tristeza que começavam a rondá-la. Não havia um lugar seguro para onde correr, não tinha onde se esconder. Os olhos recaíram em . Mordeu o lábio para comprimir um grito. Ajustou a postura para continuar levando o mais velho de volta à Academia.
Infelizmente, o destino do irmão parecia selado. Depois desta noite, o pouco de liberdade que ainda tinham sob domínio parecia fadado ao esquecimento.



— Era o responsável pelo garoto, Samuel. Que merda estava fazendo para deixá-lo sem supervisão? é uma bomba relógio, pode colocar a instituição ou as pessoas que o cercam em risco.
— É complicado. — O homem, que estava cercado por membros do Conselho, quis suspirar. Era sempre uma discussão longa, com variantes, e ele tinha certeza que aqueles velhos antiquados não queriam ouvir ou não estavam preparados para considerar. era apenas um garoto perdido com um destino traçado antes mesmo de aprender a falar. — Não irá acontecer de novo.
— Como pode garantir isso, professor? — uma conselheira inquiriu — Disse a mesma coisa outras incontáveis vezes. Ele está descontrolado. Chegará o momento em que nem você conseguirá o conter.
— Está tudo sob controle. Sem baixas. O incêndio foi contido pelos próprios alunos. O processo é raramente perfeito. Peço compreensão para que relembrem: está aprendendo a lidar com essa carga. Por sua condição especial, foi privado desde cedo da convivência e interação com iguais, então é natural que o excesso de estímulos acabe o tirando dos eixos.
— A custo do quê? — outra cabeça se exaltou — Te pergunto: até quando? Vários estudantes do Instituto foram machucados no último incidente. Uma ala foi interditada. Alunos precisarão ser remanejados para a Academia.
— Eliminá-lo não é a solução. Gostaria de lembrá-los da motivação dos fundadores da Academia e do Instituto em construir paredes seguras para que as novas gerações crescessem saudáveis e com mais oportunidades. Me parece que estão indo na contramão. Não querer lidar com o difícil propondo uma saída rápida e ineficiente me soa como tapar o sol com a peneira. Depois de , como terão o controle de outros que poderão surgir? Eliminarão todos? E se fossem seus filhos? Sangue do seu sangue?
não é seu filho.
Samuel quis gritar que sentia como se fosse. Se tornou o responsável assim que perderam os pais.
— Não somos deuses para determinar se uma vida nasce, então por que temos que decidir as que morrem? — o professor tornou a argumentar.
— Isso já não cabe a você, Samuel. Somos um Conselho e temos critérios a seguir.
— A reunião de hoje será para debater a permanência de . Declaro aberta a sessão.



Começavam a avistar os portões da renomada Academia. Com a chegada anunciada e aguardada, o grupo resolveu parar próximo dos limites para entrarem na nova escola a pé, a fim de atrair menos atenção.
— Não acredito que estamos indo para a escola de mauricinhos superdotados.
— Vamos ver se eles são tudo isso mesmo.
Diferente do primeiro, Hariel não se sentia enjoado com a estadia temporária. Ansiava para mostrar que o Instituto também abrigava talentos fortes. A Academia era a outra escola de superdotados, mas diferente de onde vinham, os “mauricinhos” recebiam mais apoio e subsídios do governo por serem linhagem de famílias importantes na sociedade, cientistas e fundadores principalmente. Mostraria o valor da força de vontade.
— Cuidado com essa sua arrogância, Hariel, não me responsabilizo por rir um monte quando levar um coça dos “mauricinhos”.
— Olha essa traidora! Mas de que lado você está? — o projeto de líder fingiu se ofender.
— Do lado que me beneficia e, até então, são eles que vão fornecer as minhas refeições pelos próximos dias. — Mostrou a língua.
— Tá ansiosa para ver eles me arrasarem, ? Antes eu faço com você.
Desconsiderando todas as intenções iniciais de não atrair mais olhares do que o necessário, iniciou-se uma perseguição boba entre os dois que rapidamente virou um complô. era sensível e tinha pavor de cócegas, logo se viu sendo segurada ao mesmo tempo que Hariel se aproximava com um semblante psicopata para alcançá-la. Desesperada pela salvação, desvencilhou-se dos amigos traíras, adentrando os terrenos da Academia sem um caminho certo. Alternando a atenção entre a frente e atrás, acabou sentindo um baque que a fez voltar. Sem demora, os demais foram se juntando à pequena roda que se formava.
Quando os olhos de Anna pousaram sobre quem havia batido, uma esquisita sensação a percorreu e, por mais esforço que fizesse, a mente insistia em ficar branca. Tudo que tentava buscar ou formar sobre aquele garoto não findava. Viu que não era apenas má impressão. O esbarrão entre eles pareceu ter chamado muito mais atenção do que deveria. Bastou uma rápida olhada para confirmar que todo mundo que prestava atenção parecia ter ficado tenso.
— Desculpe — pediu, ainda alheia. Encarou a vítima e ficaram presos nesse contato por breves segundos que pareceram render muito mais. Sem entender o porquê, engoliu seco. Olhos escuros e muito profundos, perguntou-se o que eles escondiam, havia um brilho perigoso quase imperceptível, mas estava lá. Para ela, o maior surto estava em reparar tudo isso num olhar de um cara que não poderia estar exalando mais indiferença. Ela devia estar chapada.
O desconhecido seguiu o próprio caminho, em silêncio, deixando todos para trás. Nesse instante, Anna viu alguns alunos daquela escola respirarem em alívio. Aquele garoto não era flor que se cheirasse e ela tiraria a limpo.
— Olhem por onde andam! — a garota que estava junto dele esbravejou, antes de seguir pelos mesmos passos.



x ” era o que exibia o telão do ginásio, as arquibancadas se calaram.
se levantou com as pernas um pouco molengas. Não era de fazer vexame, mas era a primeira experiência dentro daquela escola e havia muita atenção. Simultaneamente, outra pessoa se ergueu, quem deduziu ser o oponente. .
Era o garoto do primeiro dia. Seria interessante descobrir mais dele uma vez que era raro ele dar o ar da graça nas aulas.
, devo alertar que, se eu sentir que as coisas fugiram do controle, serei obrigado a parar a rodada — o professor sussurrou assim que se cruzaram, em caminhos contrários.
— Não se preocupe, ela tem cara de que não vai aguentar um segundo ataque meu.
Samuel era o escolhido para ministrar a disciplina, pois, assim como os estudantes, também tinha seus próprios truques: era capaz de anular dons. Manteria até a menor das faíscas em linha. Por isso, desde cedo, designaram a missão a ele. Conter , custasse o que custasse.
— Comecem!
Por ter poderes defensivos, era lógico para ela que sempre aguardasse um primeiro movimento partindo do adversário, mas não parecia querer se mexer tão cedo. Franziu o cenho. Os burburinhos começaram.
— Estamos brincando de sério? — Cruzou os braços, sem saber o que fazer. Poderia arriscar um ataque direto, mas ainda não sabia o que ele fazia.
— Por que acha isso? — Exibiu um sorriso de lado, discreto.
— Não está fazendo nada.
— Uma oportunidade para que faça algo antes de eu te esmagar.
A naturalidade e seriedade com que ele proferiu aquilo fez que ela arqueasse as sobrancelhas. Quanta autoconfiança. Ele mal imaginava…
— Pode vir. — Descruzou os braços, gesticulando com os dedos para que fosse para cima.
— Você que pediu.
Sem que o público esperasse, seis pontos de luz surgiram em torno de , em seguida labaredas cresceram em alta velocidade para em seguida convergirem em um mesmo ponto: a posição onde ela estava. Os alunos acompanharam impressionados, alguns com mais motivos do que outros. O grupo do Instituto que participou da linha de frente pareceu ter as mesmas ideias. Seria coincidência?
No centro do ginásio, se defendeu com a mesma velocidade que as chamas do outro surgiram.
Memórias do dia do incêndio a atingiram com força.
Pelo contexto, a silhueta que havia visto antes de Anna cair naquela noite e associou com a chegada de Samuel era, na realidade, .
Era o mesmo estilo de chamas.
A mesma natureza e aparência.
Não foi à toa que ela bloqueou com tanta familiaridade.
— Foi você! — acusou, incrédula, e então o mínimo de sorriso que o outro exibia morreu. O público estava longe demais para poder decifrar o que falavam.
— Eu o quê? — Criou um ataque mais potente do qual ela se blindou com tranquilidade.
— Incendiou o Instituto. A causa por termos parado aqui é você! — reiterou, abismada.
não sabia do que ela falava, pelo menos desejava não saber. Havia apagões em sua linha do tempo e isso incomodava.
“Está zombando de você, ataque”.
— Maluca.
Fora dos limites do espaço de duelo, Samuel sentia a energia daqueles dois cada vez mais agitada e os poderes mais intensos. Encarou a tela do relógio no pulso e contou. Precisava de uma justificativa para parar aquela rodada.
— Vamos lá, você pôde bem mais naquela noite. Prove meu ponto dando tudo de si.
“Está debochando, faça-a se calar”.
— Rodada encerrada. Empate técnico — o professor anunciou, entrando outra vez na arena, apesar dos dois não estarem nada satisfeitos e nem o público.



Muito diferente das primeiras impressões e expectativas, a junção dos alunos do Instituto com os da Academia foi muito natural e pacífica. Logo, estavam entrosados e organizando as programações do ano juntos.
— Estamos combinando de sair para um lugar legal que abriu. Estamos fretando o transporte e, para isso, precisamos da quantidade de pessoas. Fizemos uma lista com todos os nomes. Confirmem e, quem não puder ir, cancelem já, fazendo o favor.
Quando a lista chegou na vez dela, não soube exatamente por que levantou a questão, e quando se deu conta, já era tarde demais: pensou alto.
não é da turma? Por que não está na lista?
Era só porque guardou o nome dele na aula de duelos e por isso a ausência ficou nítida, apenas isso.
Com certeza.
Martina, que permaneceu em seu canto o tempo todo, acostumada a ser ignorada por andar com e, acima de tudo, por ser irmã dele, não conseguiu esconder a surpresa em alguém ter se lembrado do mais velho sem associar com algo negativo.
— Esse cara não vale a pena, . Rapidinho vai se tocar disso.
Aquele modo de falar novamente acendeu a desconfiança de Anna. A forma com que falavam e as chamas na aula de duelo. Era mesmo apenas coincidência? Quantas pessoas no mundo tinham aquela semelhança nas habilidades?
— Não entendi. Só porque a pessoa não é a mais legal… Ou nada legal nesse caso… — caçoou, achando graça sozinha. — Tá, que seja, isso não nos dá direito de excluir ninguém — replicou.
— Chegaram agora, vocês não entendem ainda.
Os alunos da Academia alternavam olhares.
— Vamos decidir de forma justa: votação.
— Para tirar um cara da saída? — indagou, pasma. — Todo esse trabalho para fazer ele não ir?
— Se não mudar de ideia, vai ser voto vencido… Quem vota para chamarmos ?
ergueu sem se dar por vencida, olhou para os colegas e apenas outra mão a acompanhava: Martina .
— Fala sério! — Pôs as mãos na cintura, olhando os amigos com julgamento. — Vocês mal chegaram e estão se deixando levar por opinião alheia?
— Não vivemos aqui. Se praticamente todos da sala falam que o cara é problema, aí tem… Só quem salva ele é a irmã, compreensível. Agora, você também. Isso é estranho.
— Decisão tomada. A lista continua como está.
Ela bufou.



Era simplesmente muito cansativo estar sempre em alerta. Aquela voz em seu interior tinha um canto que ficava mais envolvente, antes tão pequena e agora numa crescente como se pudesse transbordá-lo. se questionava como seria se fechasse um pouco os olhos, não no sentido literal. Os dias iam se passando naquela droga de Academia e os pensamentos iam se povoando com essa vontade de… finalmente descansar. Uma vez que deixasse o domínio sobre o corpo e consciência por breves instantes, conseguiria retornar?
Teria forças o suficiente para assumir o controle outra vez?
Quanto mais pensava, mais a voz interior o incentivava a fazê-lo.
“Por que não revezamos? Já sou parte de você. Estou dentro de você. Eu sou você.”
Saia
, pensava desesperadamente.
Até ali, sempre deu certo. No entanto, sabia que era porque ainda estava sob os olhos de seu tutor. Martina também lhe dava muita força. Apesar dos poderes dela não terem efeito em si, os laços sanguíneos tinham a sua cota
— Às vezes, é isso, deveria desistir — comentou distraído, sem forças — Deixar que essa força tome conta de mim e aí vão ter finalmente um motivo para que me matem sem hesitação — comentou, tão distraído que se esqueceu que estava na presença da irmã mais nova que o amava tanto, apesar de tudo.
— Nunca! — Martina berrou, horrorizada, erguendo-se da cadeira onde estava — Escute bem o que está dizendo, ! Você é importante! Sua vida importa!
— Só para você.
— E o Samuel…
— Ele não conta.
— Não é esse monstro que pintam… Até aquela garota sentiu.
? — sentiu algo fisgar lá dentro ao ter proferido o nome daquela idiota com tanta energia e pressa. — Ela é burra.
— Acha mesmo que pessoas que acreditam em você são burras?
— Acho — foi curto e sincero. — Martina, nem eu confio na minha sombra. Não consigo lembrar das coisas que acontecem quando o outro assume o controle, mas garanto que não são coisas honráveis. Vou dar uma volta — decidiu, de repente, ao perceber que a irmã iria protestar. — Não farei besteira. Só preciso de um conselho de Samuel. — Viu os ombros de Martina relaxarem instantaneamente.
Para a maioria, Samuel era o professor de duelos. Para ele, era quase um pai… Não, tutor. Não se considerava digno para pedir tanto do universo. Samuel também nem deveria ter desejo de ser associado com ele. Era uma relação de trocas. Apenas isso.
— Não podem trancá-lo de novo.
travou. Por entender o teor da conversa, optou por ficar parado do lado de fora da sala para continuar escutando, estavam falando dele.
As vozes, por mais baixa que soassem, exalavam aversão e agressividade.
— Como disseram: não está mais em suas mãos, Samuel.
— Não é culpa dele.
— Os alunos têm medo dele, agora pense comigo quando descobrirem que o incêndio foi causado por essa aberração.
O maxilar do garoto contraiu e as mãos fecharam em punho. Odiava a Academia. Odiava os professores e acima deles odiava mais a sua consciência alertando que todos não estavam de fato errados.
— Vocês são responsáveis por toda essa merda que acontece, por que não investem mais tempo na droga da solução ao invés de enxergarem como um passarinho que deve ficar na gaiola? O garoto é humano. Acha que os se orgulhariam do que estão fazendo com o filho dele?
— Eles que colocaram o filho para cobaia. — Um riso irônico acompanhou a voz.
Com aquela revelação, sentiu todos os sentidos deixarem o corpo. O peito subia e descia enquanto os dedos cravavam contra o palmo da mão. Ninguém era confiável.
O sinal de perigo acendeu na consciência.
Se não se controlasse, perderia o lugar para o outro.
“E seria tão ruim assim?”, ouviu o sussurro sair do mais íntimo.
disparou a correr, sem se importar que não estaria sendo discreto o suficiente para passar despercebido. O som dos passos fizeram os mais velhos saírem de onde estavam. Samuel viu a figura do aluno se distanciar e empalideceu. Ele ouviu algo? Tudo? Desatou a segui-lo, mas o garoto estava indo rápido demais. A silhueta foi se tornando um borrão que, na calada da noite e naquela trilha, não demorou a virar um pontinho no meio da paisagem, para em seguida desaparecer.



estava desaparecido.
A Academia estava notificada, mas quanto menos pessoas soubessem seria melhor. Martina não concordava. A cada segundo que se passava, mais as chances subiam de se tornar a última da linhagem . Estava lutando desesperadamente para trazer o irmão são e salvo de volta. Com todos os colegas reunidos ali, tantos dons diferentes, seria rápido para o localizarem.
Lamentou outra vez por ser portadora de uma habilidade que muitos invejavam, mas até ali não serviu para nada. Ela tinha o poder da cura, mas não conseguia curar o irmão. Várias vezes brigaram, não funcionava nele, porque não havia nada a ser curado, mas era difícil para o mais velho engolir.
— Quanto menos pessoas envolvermos, menos exposição sofrerá quando retornar — Samuel tentou a convencer a muito custo. Ele era outro que mantinha uma fé inabalável de que o irmão dela estava bem.
As causas do incidente ainda eram um pouco confusas. Martina sentia que a história que o professor contou não fechava tão bem, entretanto, sua prioridade, cabeça e alma estavam em .
Anna.
Contra todos os pedidos do tutor, tomou iniciativa para fazer buscas por conta própria. Era de conhecimento que a transferida era talentosa com a arte da telepatia.
— O que aconteceu?
— Apenas me ajude a encontrá-lo, saber se está bem ou precisa de algo, suplico!
— Desculpe, Martina, não consigo senti-lo — foi sincera, depois de minutos tentando localizar dentro das terras da Academia, tornando o clima do quarto mórbido — Pode ser que não esteja conseguindo lê-lo pela distância. É possível, mas a impressão que fica é que a consciência dele… — comprimiu os lábios para uma pausa pesarosa — evaporou.


FIM



Nota da autora: A continuação está num ficstape do mesmo álbum, 09. Butterfly Effect.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.

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