03. Woke up this morning

Fanfic finalizada: 15/08/2021

Capítulo único

Gotas grossas de chuva caiam sobre nós, já havia escurecido e o vento gelado parecia cortar a pele. Mas nada daquilo importava.
- Eu não gosto de depender das pessoas porque elas vão embora o tempo todo. Porque no final do dia, tudo que você tem é você mesmo e isso tem que ser o bastante - Olhei para com a visão turva, fosse pelas lágrimas, fosse pela chuva que se misturava com elas. Tudo que eu queria era abraçá-la, sentir o calor de seu corpo gelado e arrepiado contra o meu, sentir seu toque e ouvir a sua voz dizer que tudo iria ficar bem. - Mas não é.

Inverno de 2020 - Rye
I felt like shit when I woke up this morning


Já era a terceira vez que aquela droga de despertador tocava e só piorava a dor de cabeça que estava sentindo graças ao porre que tomei ontem. As ressacas já estavam começando a sair do controle. Minha maior vontade era jogar o celular na parede igual fazem nos filmes, ver ele se quebrar em pedacinhos só para ter o prazer de voltar a dormir pelo menos um pouco mais. Mas não, o pouco de sono que eu tenho sempre tem que ser atormentado.
Respirei fundo tentando encontrar o que restava de paciência em mim e desliguei o despertador.
16 chamadas perdidas.
24 mensagens.
5 mensagens de correio de voz.
Uma sensação estranha tomou conta do meu corpo na mesma hora, nunca havia recebido tantas notificações no meu celular, nem mesmo quando Natalie ficava irritada que eu havia sumido e decidia ser um pé no saco.
Um vento gelado invadiu o quarto e me amaldiçoei mentalmente de ter esquecido de fechar as janelas, com certeza a chuva da madrugada havia molhado minhas coisas. Mas na altura que estava em minha vida, não me importava mais. Aliás, seria interessante encontrar algo que se fizesse importante pra mim. O celular começou a vibrar de novo, era um número desconhecido, franzi o cenho e engoli em seco antes de atender.
- Alô? - Minha voz saiu rouca, pigarreei em seguida. A pessoa do outro lado da linha estaria em completo silêncio se não fosse a respiração alta - Alô? Olha, eu não tenho tempo pra..
- ? - Arrumei minha postura na hora. Aquela voz, não tinha como não reconhecer - , como está?
Soltei um riso irônico. Não era possível que ele teve a audácia de me ligar para perguntar como eu estava depois de, o que, talvez uns 5 anos sem nenhum tipo de contato?
Não. Ele não me ligou para saber como eu estava. Pense um pouco , por que a insistência em tentar te contatar?
Foi aí que a ficha caiu, isso só podia significar duas coisas. E uma delas eu queria com todas as forças que não fosse verdade. Agora queria mais que tudo que ele tivesse ligado só para perguntar como eu estava.
- O que houve? - Já estava começando a ficar inquieto.
- , filho, você pode me encontrar à tarde para conversarmos? Eu passo ai em Surrey lá pelo meio dia.
- …
- É realmente importante, filho.
- Para de me chamar assim, Peter. Seja o que for, você pode me contar pelo telefone. - Ouvi um pigarro do outro lado da linha - Eu não tenho o dia todo.
- Não acho que esse é o tipo de assunto que possa ser falado por uma ligação.
- É sobre o Jake, não é?
- , meio dia estarei..
- Peter, eu não moro mais em em Surrey - O cortei, já estava ficando irritado com essa enrolação.
- Ah, eu não sabia - Mais uma vez o silêncio se instaurou na ligação - É sim sobre o Jake. Ele não está bem, filho. Onde você, hm, está morando agora?
- O que tem o Jake? - Eu conseguia perceber a hesitação na voz dele quando conversava comigo, algumas coisas realmente nunca mudam.
- Ele está internado. O lado bom é que conseguimos transferi-lo para o hospital da Jamie. Seria bom se você pudesse vir, está fora do meu controle o que pode acontecer. Posso ir te buscar se precisar.
- Estarei lá antes de anoitecer.
Desliguei. Meu coração palpitava rápido no peito e minhas mãos suavam. Estava com medo do que poderia ter acontecido para que meu irmão estivesse internado, mas não aguentava conversar mais um minuto sequer com aquele protótipo de pai meia boca.


●●●



A palavra ‘overdose’ pairava sobre meus pensamentos enquanto dirigia para o trabalho naquela manhã nublada. Eu sabia que o Jake nunca soube lidar muito bem com os problemas desde que éramos adolescentes, e não tardou muito para que ele tentasse resolvê-los com drogas. Também não o julgo, ele queria uma saída fácil daquela rotina exaustiva que vivíamos, algo que aliviasse a dor.
A fuga da realidade.
Algo que o deixasse dormente.
E conseguiu o que queria.
Lembranças de um dia em específico tomaram minha mente enquanto aguardava pelo sinal verde.

Primavera de 2007 - Nottingham

Era mais uma quarta feira normal na vida dos , exceto que já passava das duas da manhã e nada do meu irmão chegar em casa. Meu pai era muito rígido com horários, mas nesse dia ele havia desmaiado no sofá depois de sabe-se lá quantos copos de Whisky que havia ingerido. Minha irmã também não estava em casa, mas isso era normal. Toda oportunidade que tinha, ela ia passar um tempo com nossa tia Yvone, que era médica. Cirurgiã cardiotorácica para ser mais exato. E minha irmã idolatrava essa mulher, talvez pelo fato de também querer ser médica ou talvez pela mansão enorme e família perfeita que minha tia tinha.
Minha irmã não era como a gente, ela tinha um brilho no olhar quando se falava no futuro, altas expectativas para quando se formasse no colégio. Acima de tudo, ela tinha esperança. No começo eu também tinha, mas com o passar dos anos naquela casa, com aquela vida, ela foi embora tão rápido que quando eu pude perceber já era tarde demais. E meu irmão, bem, não consigo me lembrar se um dia ele já teve alguma expectativa de mudar de vida. Acho que ele desistiu antes mesmo de tentar.
Eu era o mais novo de nós três, e também o único que não lembrava de nossa mãe. Meu pai sempre dizia que Jamie era a cara dela, sem tirar nem pôr. Talvez fosse por isso que a colocava num pedestal.
Nessa época eu dividia o quarto com Jake e tinha medo de escuro. Na maioria das vezes só conseguia dormir quando ele também estava no quarto, ou quando minha irmã estava em casa, já que ela sempre lia pra mim até eu conseguir pegar no sono. Mas nesse dia eu estava me sentindo sozinho.
Quando Jake chegou já estava para amanhecer e me lembro dos passos lentos e pesados na escada, seguidos de um barulho alto de algo caindo. Naquela hora não sabia se era meu irmão ou meu pai quem estava subindo, mas levantei para ir checar. Era o Jake mesmo, e ele tinha caído na metade do caminho. Fui até ele rapidamente para tentar ajudá-lo a se levantar mas tudo que ele fez foi rir da minha cara.
Fiquei uns segundos parado e confuso demais para entender o que estava acontecendo até finalmente criar coragem para sussurrar:
- Jake, vamos logo pro quarto antes do pai acordar - tentei mais uma vez ajudá-lo mas ele só estendeu a palma da mão em minha direção, como se me afastasse.
- Consigo me levantar sozinho, bolinha. - Ele sorria e eu realmente não estava entendo mais nada.
- Então se levanta pro pai não brigar. - Fiquei o encarando, sério. - Vamos Jake, jajá temos que ir para a escola.
- Eu só vou descansar um pouquinho.. - Sua voz foi ficando mais baixa e seus olhos estavam se fechando. Coloquei meus braços ao redor de seus ombros para tentar levantá-lo, mas ele era pesado demais.
- Acorda, Jake, por favor vamos lá. - Acho que ele percebeu o desespero na minha voz e só concordou com a cabeça, se levantando finalmente.
O ajudei a chegar no quarto e a se deitar, ele exalava cheiro de bebida e cigarro.
- Obrigado, bolinha. Agora vê se dorme um pouco. E não se preocupe, tá tudo bem. - Ele suspirou alto.
- Onde você tava esse tempo todo?
- Festa na casa dos meninos, um dia te levo quando você estiver maior.
- Mas o pai disse que festas estavam proibidas - o encarei enquanto deitava em minha cama e puxava as cobertas - da última vez você lembra o que aconteceu.
- Aquilo não vai se repetir, . Tá tudo sob controle.
- Jake?
- Hm?
- Eu estava com medo. - Sussurrei depois de alguns minutos em silêncio, mas não obtive resposta.


Não sei quanto tempo tivemos para dormir, mas quando o despertador tocou, tudo que eu queria era jogá-lo na parede para aquele barulho cessar. E depois de enrolar muito, finalmente me arrumei e desci para a cozinha.
- Bom dia, filho. - Meu pai disse calmamente enquanto lia seu jornal, olhando para mim por cima dos óculos que descansavam na ponta de seu nariz. Às vezes até parecia que éramos uma família feliz. - Você parece cansado, não conseguiu dormir ontem?
- Bom dia. Consegui sim, pai. - Respondi enquanto pegava um pouco de suco e meu café da manhã.
- Jake não vai hoje pra escola, não precisa fazer o lanche dele.
- Por que não?
- Porque aparentemente ele está passando mal. E também preciso conversar com ele sobre algumas coisas.
- Conversar com o Jake sobre que coisas? - Meu irmão disse enquanto adentrava a cozinha e passava por mim. Eu nunca conseguia entender como ele ficava bem tão rápido, visto a situação que ele chegava em casa depois de festas. Mas lá estava ele, novinho em folha.
- Você sabe muito bem que coisas. - Meu pai permaneceu calmo e não retirou os olhos do jornal enquanto respondia Jake, estranho. - Eu recebi um e-mail da escola dizendo que você está suspenso. E não pense que não te vi chegar ontem, rapaz, você não é do tipo silencioso.
- Suspenso? Com certeza a escola se enganou, pai.
- Bom, se ela se enganou ou não, aí não é meu problema. Você e eu vamos sair hoje, então não precisará ir.

●●●


Naquele dia fui sozinho à escola, estranhando a situação do café da manhã. Primeiro que meu pai nunca está acordado esse horário, e segundo que ele nunca mantém a calma quando conversa com Jake, os dois vivem se alfinetando. Por um momento, pensamentos que meu pai havia mudado tomaram conta da minha cabeça, será que ele finalmente está tentando ser uma pessoa melhor? Sorri com essa ideia.
Avistei Tom e , meus melhores amigos, conversando no portão da escola e corri até eles, contando o ocorrido. Eles se animaram com a ideia também, o que me deixou com um bom humor o resto do dia. Não que eu fosse uma pessoa pessimista (não nessa época, pelo menos), mas uma certa esperança estava tomando conta de mim.
Já estava escurecendo quando meu jogo de basquete depois da aula acabou e eu estava sentado no muro da escola perto de , esperando nossa carona.
- Você acha que o Jake está encrencado pela suspensão? - Ela disse olhando pra mim, os cabelos longos e castanhos caiam por cima de seus olhos.
- Acho que o papai até brigou com ele, , mas você tinha que ver, ele até me deu bom dia! - Respondi sorrindo.
- A Izzy me contou o que aconteceu, ela disse que seu irmão entrou numa briga feia com o Nicholas.
- Com o namorado da sua irmã? - Franzi o cenho - Por que ele faria isso? Jake não briga nem com uma formiga, quem dirá com alguém bem mais alto que ele.
- Não sei, só sei que Izzy estava brava. - Ela riu. - Mas espero que esteja tudo bem, mesmo.
- Obrigado, eu acho que.. - Uma buzina me interrompeu, desviando nossa atenção.
- JAMIE! - gritou correndo em direção ao carro de minha irmã, elas sempre se empolgavam quando se encontravam. Eu só pulei fora do muro e fui calmamente até o carro.
Depois de deixarmos em sua casa, Jamie foi o restante do caminho me contando como havia sido sua semana na casa de nossa tia. Ela não parava de falar por um segundo, nem pra respirar, achei engraçado toda essa animação.
Mas ao invés de me levar para casa, fomos até uma sorveteria e passamos um tempo conversando e nos enchendo de sorvete.

Inverno de 2020 - Rye

A buzina do carro de trás me tirou dos devaneios e vi que estava parado no sinal verde havia sei lá quanto tempo. Rapidamente voltei a dirigir a caminho do trabalho, já pensando em como pediria o dia de folga pro meu chefe. Ele não é dos mais simpáticos e nem dos que sente empatia pelos problemas alheios, então não ia ser uma tarefa fácil.
Meu telefone toca de novo, agora não estava mais no modo silencioso, e eu atendo conectando-o ao rádio do carro.
- Alô?
- , você tinha combinado de me levar ao trabalho hoje! - Droga, em meio a toda essa confusão esqueci da carona que iria dar a Natalie. Abaixei o volume do rádio quando a voz alta e esganiçada dela continuou - Fiquei meia hora embaixo da chuva te esperando!
- Me desculpa. É que aconteceram umas..
- Não importa o que aconteceu, idiota. Você ao menos deveria ter feito o mínimo.. - A voz dela voltou ao tom normal num segundo - Perai, o que?
- Chego ai em menos de 10 minutos, ok?
- Não precisa, já peguei um Táxi. Você me pediu desculpas?
- Sim, não queria ter feito você pegar chuva - A ligação ficou em silêncio por alguns segundos até que Natalie continuasse o que tinha pra dizer.
- Enfim, você deveria ter feito o mínimo, que era avisar a sua namorada que iria atrasar! - Revirei os olhos, tentando buscar o que restava de paciência em mim. Logo quando achei que estávamos bem, ela voltou a brigar.
- Natalie, a gente terminou semana passada. Além disso, agora não tenho cabeça para brigar. Vou passar a semana fora, ok?
- Como assim? Vai para onde? Não acredito nisso, você..
- Olha, não tenho tempo agora, cheguei no trabalho. Tive um problema de família e vou ter que voltar a Nottingham - Depois disso desliguei o telefone. Quem será que é mais egoísta, eu ou ela? Não sei responder, mas o que posso ter certeza é de que nenhum de nós é um exemplo a ser seguido, nós dois nos afogamos na nossa própria toxicidade há tempos.

Depois de chegar no trabalho, devo ter levado uns quinze minutos até convencer meu chefe a me dar alguns dias de folga. Bem, isso ou eu ganhei uma demissão, não entendi direito. Caminhei até a cafeteria de frente à loja onde trabalho e pedi um café e um lanche pra viagem, aquele não seria um dia fácil. O relógio mostrava 08:33h, ri comigo mesmo enquanto acendia um cigarro para esperar meu pedido.

Verão de 2007 - Nottingham

Quatro meses já haviam se passado depois daquele dia. As coisas em casa haviam mudado de maneira drástica. Quando cheguei com Jamie, não havia ninguém em casa. Ela insistiu para assistirmos um filme antes de eu subir pro meu quarto, mas estava tão cansado que só queria me deitar e conversar com Jake.
Foi no momento que eu neguei o filme, que ela virou um pouco a cabeça pro lado e me encarou com aqueles olhos grandes. Eu sempre gostei dos olhos grandes de Jamie, de como eles eram expressivos e traziam calma. Mas agora eles estavam opacos, demonstravam.. pena? Só sei que gelei na hora e percebi que algo estava estranho.
Tentei ignorar esse sentimento enquanto subia pro meu quarto, mas quando abri a porta e acendi a luz, ele só piorou. Meu coração batia tão forte que eu jurava poder sentir ele querendo rasgar meu peito a qualquer instante. A porta do guarda roupas de Jake estava entreaberta, e não tinha mais nada lá. Olhei para a cama dele, faltava os travesseiros.
Não, aquilo não estava acontecendo. O Jake não me deixaria assim.
Minha visão ficou embaçada enquanto lágrimas corriam livremente pelo meu rosto. E ainda com a visão turva, avistei um envelope branco acima da minha cama, corri para abrir. As letras tortas de Jake soletravam “bolinha” na parte da frente.
Depois de ler a carta, a última coisa que conseguia sentir pelo meu pai era amor. De uma hora para a outra, tudo estava diferente. Aquela foi a primeira vez que eu me senti completamente desamparado e com raiva, muita raiva.
Nos quatro meses seguintes, até o dia atual, eu sentia repulsa toda vez que olhava para o meu pai, e ele percebeu muito bem isso. Tentou se desculpar comigo inúmeras vezes, dizendo que levou Jake para um internato porque era pro bem dele, “as coisas ficariam melhores dessa forma”.
Ódio.
“Ele não estava bem filho, você via como ele chegava da escola. Uma mudança de ares com certeza o fará bem.”
Medo.
“Ele não estava sendo uma boa influência para você, e muito menos para Jamie.”
Insegurança.
“Pelo menos agora você tem o quarto só para você, hein?”
Nojo.
“Filho? Você realmente vai agir igualzinho seu irmão? Não vai me responder?”
Raiva, muita raiva.
Ah, Jamie também não estava mais em casa. Logo que as férias de verão começaram, cerca de dois meses atrás, ela se mudou para casa de tia Yvonne, que era mais perto de sua faculdade de medicina. Eu passava o dia todo fora, seja com e Tom, seja fazendo bicos de trabalho, não importava, quanto mais tempo eu passava fora daquela casa, melhor.
E meu pai se afogava cada vez mais nas bebidas. E cada vez menos, olhava nos meus olhos.

Inverno de 2020 - Rye

Já estava no meio do caminho até o hospital e minha ansiedade estava me matando, eu não conseguia parar de pensar em como Jake estava e como seriam esses próximos dias. Olhei pro maço vazio de cigarros em cima do banco de passageiro e rolei os olhos. Devia ter trazido mais de um.
Tentei pela quarta vez ligar para Jamie, mas as chamadas caíam todas na caixa postal. Sem pensar direito, fui até o contato dela, e apertei chamar.
Um toque.
Ela pode saber algo sobre Jake, não é? Aquela cidade é pequena, notícias correm rápido.
Dois toques.
Será que ela ainda lembra de mim?
Três toques.
Meu Deus seu idiota aonde você estava com a cabeça...
- Alô? - Reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Meu corpo inteiro se arrepiou quase que instantaneamente e sem perceber prendi a respiração - Quem é?
Desliguei o celular num pulo e soltei todo o ar que havia prendido pela boca. Nossa, fazia anos que não ouvia aquela voz, não sei nem por que ainda tinha o contato dela salvo .
Liguei o rádio, mas só umas estações aleatórias pegavam na estrada, então vasculhei o porta luvas por algum cd e achei um que Natalie havia esquecido no carro.
Natalie.
Já perdi a conta de quantas vezes terminamos e voltamos, Natalie e eu tivemos aquele relacionamento que se levava arrastando, que já tinha claramente acabado, mas por algum motivo continuávamos juntos. Foi a primeira e única pessoa que namorei depois de . A conheci numa festa logo que me mudei pro interior, mas nessa época estava mais em busca da auto destruição do que qualquer coisa, passava os dias dissociado da realidade para tentar superar a vida que deixei pra trás.
Achava que me mudei em busca de liberdade, larguei tudo porque estava sufocado naquela cidade com aquelas pessoas, mas a verdade eu descobri da pior forma, quando era tarde demais. Não era a cidade que me fazia mal, por mais certeza que eu tivesse que saindo de lá ficaria finalmente bem, minha cabeça era o problema. Era de lá que eu não conseguia sair.
Claro, nos primeiros dias eu me senti razoavelmente bem, até que a saudade veio. Mais especificamente a saudade dela. Ela que não saia dos meus pensamentos, que me doía o peito quando sua foto aparecia em minha cabeça como uma lembrança qualquer. Tentei suprimir essa dor o máximo que consegui, indo para festas quase todo dia e desligando minha mente quando ia trabalhar.
E quando eu percebi o erro que cometi a deixando pra trás, era tarde demais. Meses haviam se passado até eu saber que realmente aquele era o fundo do poço. E eu era orgulhoso demais pra pedir desculpas, e medroso demais para receber um não como resposta. Nos primeiros dias ficava esperando receber uma ligação ou qualquer coisa que me dissesse que ela também sentia minha falta, mas nunca recebi nada. Com toda certeza do mundo eu voltaria para ela sem nem pestanejar, mas nunca saberemos o que poderia ser daquilo que não foi.

Primavera de 2015 - Nottingham

Já passava das dez da noite e meus olhos ardiam na frente do computador da biblioteca, mas quanto mais tempo eu passava fora daquela casa, melhor. O cansaço nem se compara ao ódio e desgosto que eu sinto toda vez que adentro aquele lugar.
Forcei meus olhos mais uma vez enquanto lia o trabalho de química forense, parecia que estava lendo grego, não entendia uma palavra sequer daquele caso. Me ajeitei na cadeira e observei o meu redor, tinha mais umas seis pessoas nesta noite. Ótimo, final de semestre não sou o único louco que ficava até fechar.
Ouvi passos em minha direção e vi que era Michael, o guarda que me expulsa praticamente todos os dias quando chega perto da meia noite.
- Não sobrou nada para eu descobrir a partir das evidências desse caso, Michael. Já tentei de todas as formas resolver essa incógnita desse trabalho, mas sem sucesso.
- Bem, esse é todo o problema em ser um empirista, certo? - Ele me disse com a voz calma.
- O que é? - Respondi tentando entender para onde aquela conversa iria chegar.
- Eventualmente, você fica sem coisas para medir e contar.
- Não. Existem medidas objetivas, Michael. Existe tal coisa como verdade real.
- Eu ouvi em uma dessas palestras sobre um experimento em que dão a algumas pessoas um par de óculos que as faz ver o mundo de cabeça para baixo. Mas depois de três dias, adivinha? Eles veem tudo com o lado certo para cima. E então eles tiram os óculos e veem tudo de cabeça para baixo novamente. Por três dias. E então, eureka! De volta ao normal.
- Sim, o cérebro leva três dias para se adaptar. - Eu disse tentando achar uma explicação lógica sobre o experimento.
- Bem, parece-me que você não pode confiar em um cérebro que não consegue se decidir sobre algo tão básico como qual caminho é para cima - Michael me respondeu levantando uma das sobrancelhas.
- O que mais você aprendeu nessa palestra? - Perguntei, curioso.
- Que não existe objetividade. Que estamos todos interpretando sinais do universo e tentando dar sentido a eles. - Ele respondeu tranquilamente.
- Sinais do universo? - O encarei confuso.
- Escuros, trêmulos, fracos, estáticos, pequenos sinais que apenas indicam a complexidade de um universo que não podemos começar a compreender. Mas é isso que a palestra disse, de qualquer maneira - Michael piscou um olho para mim, que tentava assimilar toda a conversa, e voltou a sua ronda noturna pela biblioteca, ele sempre tinha coisas interessantes para falar.
- Sinais.. Do universo. - Murmurei sozinho alguns segundos depois.
Fiquei com a conversa na cabeça pelo resto da semana, pensativo sobre como as coisas ditas por Michael faziam sentido.


●●●



- Você está olhando pra esse livro há mais de uma hora - disse me olhando com uma das sobrancelhas levantadas e batucando a ponta dos dedos na mesa. Era a milésima vez que ela tirava a minha atenção da leitura.
- Tenho certeza que não faz tanto tempo assim. - Suspirei.
- To entediada.
- E eu tentando estudar.
- Será que você poderia me dar um pouco de atenção?
E então ela se remexeu na cadeira uma vez.
Duas vezes.
Três vezes.
- , amor da minha vida, eu juro que queria estar podendo te dar mais atenção agora, mas se eu não conseguir passar nessa prova de Antropologia, minha bolsa vai por água abaixo! - Lancei-lhe um olhar repreendedor mas logo em seguida me arrependi.
- Você é chato! E tenho certeza que vai bem na prova. - Ela disse se levantando e beijando minha bochecha. - Vou fazer algo pra gente comer.

Vinte minutos haviam se passado quando voltou pro quarto, estávamos na casa dela estudando naquela tarde. Ela carregava dois pratos e sorria sorrateiramente.
- Vim trazendo comida como oferta de paz. - Disse, colocando os pratos no canto da mesa.
- Engraçadinha. - Respondi sorrindo e veio em minha direção, escorregando as mãos pelo meu braço, entrelaçando nossos dedos e me colocando de frente pra ela. Ela encostou em meu rosto suavemente e eu fechei os olhos, me deixando levar para um beijo calmo e carinhoso.

Inverno de 2020 - Nottingham

As árvores pareciam sem vida, antes tão coloridas com flores roxas e amarelas por toda a vizinhança, agora estavam opacas pelo tempo gélido. O parquinho também não estava mais ali, agora só restava uma praça comum com alguns bancos de cimento sem graça. Foi a primeira coisa que pensei quando cheguei em Nottingham uma semana atrás.
Mas hoje, mesmo com o frio, o sol ardia no topo do céu azulado cheio de nuvens e uma música calma tocava de maneira mórbida no cemitério. Nada daquilo parecia real.

I paid my last respects this morning on an early grave
(Dei os meus últimos respeitos esta manhã mais cedo numa sepultura)


Caminhei até a sepultura de Jake, ele não havia resistido à overdose. Quando cheguei no hospital ele estava em coma e dois dias depois seu coração parou, sem avisos prévios.

Already said goodbye nothing left to say
(Já disse adeus não há mais nada a dizer)


Não consegui dormir direito desde que cheguei a Nottingham, havia passado minhas primeiras noites ao lado dele no hospital e as seguintes em um hotel barato, me neguei a ficar na casa do meu pai. Achei que seria bem difícil lidar com isso, mas o vi poucas vezes no hospital e depois no funeral de Jake. Minha irmã também estava ocupada nos plantões de hospital.
Pela primeira vez em anos eu tive fé em alguma coisa, fé que Jake acordaria e sorriria pra mim, como nos velhos tempos. Fé que ele levantaria daquela cama e me abraçaria dizendo “Meu deus, bolinha, como você cresceu!” mesmo que já fôssemos adultos e ele fosse só 5 anos mais velho. Fé que conversaríamos em uma lanchonete qualquer sobre como nossas vidas eram ruins e como Jamie havia se saído bem.

A tiny church, a tiny town and not a tear was spent
(Uma pequena igreja, uma pequena cidade e nem uma lágrima derramada)


A ficha ainda não tinha caído pra mim. Meu irmão não estava naquele caixão, não estava.

Not how I wanted it I'm hating all of this
(Nada como eu desejei estou odiando tudo isso)


Deixei o peso do meu corpo cair sob meus joelhos na grama molhada enquanto meus pensamentos se direcionavam para outro lugar.

Nottingham - Cinco dias antes

- Talvez você só precise de alguns dias de folga. - Disse numa tentativa de quebrar o silêncio. Estávamos no carro dela a caminho do meu hotel.
- Estou bem agora - respondi me virando para ela com uma tentativa de sorriso meio torto. - Só que... Eu cometi um erro.
- Não, eu já até contei minha opinião. - Ela se virou em minha direção rapidamente, um só olhar já conseguia me reconfortar e me destruir ao mesmo tempo. - Você acertou.
- Não em tudo. Ele morreu com arrependimentos.
- Deixa disso, . Todos temos arrependimentos.
- Eu o entendi, sabe? - Nossa troca de olhares se tornou mais intensa, e consegui perceber apertando o volante com mais força - Michael dizia que tudo que temos são.. - soltei um riso baixo - são esses sinais turvos e estáticos do universo.
- Peraí quem... - a feição de demonstrava certa confusão. - Quem é esse Michael?
- O guarda da noite, da faculdade. Lembra quando costumávamos estudar anatomia até tarde e quase fechávamos a biblioteca? - Ela concordou com a cabeça e sorriu de canto - Então, no caso quem sempre expulsava a gente era o Michael. - Ela riu. - Mas ele ia a muitas palestras do pessoal de humanas. Enfim, a questão é que.. Ele nunca lhe deu uma chance.
- O Michael?
- Não, não.. A ex namorada do Jake. Ela ofereceu apoio a ele, tentou o ajudar a sair dessa vida, e pelo olhar dos dois eu sabia que estavam apaixonados. Meu irmão visualizou a vida que podia ter com brilho no olhar, mas ele nunca deu uma chance. Esse é o arrependimento dele.
alternava seu olhar entre eu e a avenida à sua frente.
- Entendi o sinal, - sorri para ela. - Eu não quero ter arrependimentos.
Eu não conseguia decifrar o que aquela expressão significava, mas estava séria. Eu sorria para ela e ela me encarava séria. Até que voltou novamente seu olhar para frente e suspirou alto.
- Eu.. Eu estou com uma pessoa. - O choro voltou com mais força, e eu engoli em seco tentando disfarçar a bola que se formava em minha garganta - E Antoni não é um prêmio de consolação. Eu o amo.
Soltei um riso baixo e irônico, cada palavra parecia me atingir como um soco no peito. Eu sabia que estava bêbado e emotivo, mas não sabia que estava o bastante para chorar no carro de . As lágrimas caiam livremente por meu rosto e já não conseguia mais encará-la.
- .. hm.. a última coisa que quero fazer é te machucar justo agora, mas esses são os fatos.
Tentei mais uma vez engolir o choro, concordando com a cabeça e suspirando alto. Mais uma vez tentando consertar as coisas tarde demais, parabéns pra mim.
- Eu entendo. - Minha voz saiu como um sussurro. - Eu perdi a minha chance. Meu mundo inteiro ficou de cabeça para baixo… Mas posso ajustá-lo.
- Eu ajustei.
- É, você ajustou - ri sem graça.
- Você quer que eu, hm, ligue para alguém ir ficar com você?
- Não, estou bem… sozinho. Obrigado. - Suspirei alto. Mesmo depois de tudo, ainda estava preocupada comigo.
O restante do caminho até o hotel foi em silêncio, mas o clima dentro do carro não estava tenso.
Culpa.
Arrependimento.
Angústia, por minha parte.
Pena.
Tristeza.
Incerteza, por parte dela.
Esse era o clima no carro. Tantas incertezas e pontas soltas. Os “e se..” correndo soltos por minha cabeça.
E se eu tivesse ficado aqui, nessa cidade?
E se eu tivesse engolido meu orgulho, seguido a parte racional do meu cérebro, enfrentado todos os meus demônios interiores?
E se eu tivesse feito tudo isso por ela? Ela já tinha feito tanto por mim.
Imagino só a vida que eu teria se tivesse terminado a faculdade e permanecido aqui, ou quem sabe, terminado e logo me mudado desse lugar? Poderia ter feito isso. Poderia ter esperado, se não por mim e pelo meu futuro, por . Poderia ter me mudado com ela. Poderia arranjar uma vida sossegada com ela do meu lado.
Jake poderia estar vivo agora se eu não tivesse sido tão egoísta. Se eu tivesse ficado para o ajudar com sua dependência química.
A angústia só crescia no meu peito e então percebi que ainda estava parado na frente da porta do hotel, a chuva caindo fria e pesada sobre mim. Mas não conseguiria entrar agora e dormir, precisava andar um pouco. Sem direção, que o universo me guie.
Depois de uns 20 minutos andando, me encontrei na frente da faculdade. O lugar onde tudo começou, e, bem.. terminou. Respirei fundo e criei coragem para entrar. Atravessei o jardim e a pracinha e abri a porta do prédio. Fiquei surpreso ao ver que estava aberto e que tudo parecia igual, os mesmos corredores estreitos, as mesmas paredes azul claras, a pouca iluminação a noite. Andei até a biblioteca, já devia ser mais de duas horas da manhã e eu estava completamente encharcado de chuva, mas não me importava. A porta estava trancada, ótimo. Na hora que me virei para voltar senti uma luz forte nos meus olhos, rapidamente cobri o rosto com as mãos.
- Senhor, tenho que te pedir para se retirar, o prédio fica fechado depois da meia noite. Não sei nem como conseguiu entrar aqui.
- A porta estava aberta - respondi ainda cobrindo o rosto.
- Aberta? Que estranho sempre fecho, devo ter me esquecido.. De qualquer jeito, por favor o senhor pode se retirar? Se não, infelizmente terei que chamar os seguranças. - E então o feixe de luz da lanterna se virou em direção às escadas que levam a saída.
Espera aí só um minuto... Eu conheço essa simpatia e essa voz, mas não pode ser. Seria coincidência até demais. Coincidências demais para um dia só.
- Michael? - Perguntei cerrando os olhos. O senhor só me olhou mais confuso.
- …
- Desculpe, é que o senhor me pareceu alguém que eu conhecia. Já estou indo embora.
Desci as escadas correndo e logo saí do prédio, a chuva ainda caía forte e agora ventava também. Eu sabia que ventava e chovia, eu tinha noção disso, mas não conseguia sentir isso. Estranho. Era como se meu corpo estivesse dormente ou envolto por alguma coisa que me impedia de sentir o frio. Será que no meu copo só tinha whisky mesmo?
Caminhei até a pracinha e me sentei num banco coberto, como se fosse adiantar alguma coisa. Meu coração batia rápido no meu peito e por um momento poderia jurar que conseguia ouvir as batidas. Altas. E a chuva. E passos.
Passos?
Olhei para trás para descobrir da onde vinham mas não tinha nada, nem ninguém. Mas na hora que me voltei para frente vi um senhor em pé.
- Como foram as coisas? - Ele perguntou com a voz calma, se sentando ao meu lado. De repente não havia mais chuva, não havia mais vento.
- Escutei o universo. - Eu disse para ele, sorrindo de canto. - Senti algo. Estou triste.
- É melhor do que estar morto. Ou mesmo morto por dentro. - Concordei com a cabeça.
- Ouviu isso em uma palestra?
- Tenho minha própria história, . Assim como você. Assim como todo mundo.. Eu tenho minha própria história triste - Michael me ofereceu um sorriso, se levantando e caminhando em direção a saída.
- Três dias. - Falei para mim mesmo. - Três dias para o mundo voltar ao normal.

Nottingham - Dias atuais

- Trouxe um café pra você - Uma voz me tirou dos meus devaneios, olhei para trás e vinha em minha direção segurando um casaco sob sua cabeça.
- Obrigado - eu murmurei, dando um gole no café. - Pensei que não te veria mais depois daquele dia.
- Você estava muito abatido, . - Percebi que ela havia chorado e estava com os olhos fundos de cansaço. - Fiquei preocupada. Tentei te ligar de manhã mas caiu direto na caixa postal.
- Ah, devo ter esquecido meu celular no hotel.
- Há quanto tempo você está aqui? - Ela me encarava tão profundamente que parecia conseguir enxergar através de mim. - Você está encharcado.
- Não sei, acho que perdi a noção do tempo. - Coloquei a mão na testa tentando entender o que aconteceu.
- Vem, vamos embora. - Ela colocou as mãos em meu ombro tentando me puxar para sair dali, mas permaneci imóvel - ?
- Me desculpe. - Olhei para ela, ainda meio aéreo. Chacoalhei a cabeça, tentando retomar o foco. - Queria voltar no tempo e socar a cara do do passado antes de ele abrir a boca e falar todas aquelas besteiras que mudariam o rumo da nossa história em minutos. Não tem um dia que eu não me arrependa de ir embora. Saber que te fiz sofrer me dói muito.
- Vamos sair daqui, depois conversamos sobre isso..
Gotas grossas de chuva caiam sobre nós, já havia escurecido e o vento gelado parecia cortar a pele. Mas nada daquilo importava.
- Eu não gosto de depender das pessoas porque elas vão embora o tempo todo. Porque no final do dia, tudo que você tem é você mesmo e isso tem que ser o bastante - Olhei para com a visão turva, fosse pelas lágrimas, fosse pela chuva que se misturava com elas. Tudo que eu queria era abraçá-la, sentir o calor de seu corpo gelado e arrepiado contra o meu, sentir seu toque e ouvir a sua voz dizer que tudo iria ficar bem. - Mas não é. E o pior de tudo isso, é que o culpado sou eu.
abriu a boca algumas vezes, mas não conseguiu dizer nada. Ela só pegou em minha mão e me puxou pra fora dali.


●●●



Não tinha conseguido pregar os olhos naquela noite, mesmo estando exausto. Estava me sentindo um lixo de pessoa e estava furioso comigo mesmo. Queria voltar no tempo e conseguir consertar todas as coisas, mas não posso fazer isso. Infelizmente preciso arcar com as consequências da decisão que tomei, mesmo que agora ela pareça a coisa mais sem sentido que já fiz.
Estava encarando o teto pensando no que faria naquele dia, era o dia de voltar para Rye. Sabia que cedo ou tarde precisaria levantar da cama, mas só a ideia de fazer isso já me desanimava ainda mais.
Como será que as coisas seriam se eu tivesse ficado?
Será que Jake estaria bem agora?
Um barulho me despertou dos pensamentos.

Skyes – 11h20min:
?

– 11h22min:
Oi. Aconteceu algo? Ta tudo bem?

Skyes – 11h25min:
Ainda está na cidade?

– 11h26min:
Estou sim.

Skyes – 11h30min:
Pode me encontrar no parque 12h?

– 11h31min:
Claro, estou a caminho.


Uma garoa fina caía do lado de fora quando estacionei o carro na rua paralela do parque. O tempo estava fechando, mas já não me importava com isso. Costumávamos vir nesse parque todo dia depois da aula, e às vezes à noite para conversar e ver as estrelas.
Caminhei em direção ao banco, a procurando com o olhar quando senti algo vibrar no meu bolso, “Já estou chegando” estava escrito na mensagem.
- Ei - disse vindo em minha direção e se sentando do meu lado. Ela estava vestindo um casaco grande preto e uma touca da mesma cor. Seu rosto estava vermelho. - Trouxe um café pra gente.
- Obrigado. - Respondi, colocando o copo do meu lado. - Sobre o que queria falar?
- Não sei, na verdade. - Ela sorriu levemente. - Acho que queria checar se você estava bem. Fiquei preocupada.
- To tentando ficar.
Levantei meu olhar até o rosto dela, que me olhava atentamente. E ficamos assim, por alguns instantes.
A puxei pela cintura, sem aviso prévio, colando nossas bocas. Passei a mão livre em seus cabelos, tocando sua nuca quente com meus dedos gelados. Conseguia sentir o coração dela bater forte contra o corpo, seus lábios formigarem e os pelos de seus braços arrepiarem com aquele toque tão familiar, aquele toque que fez tanta falta. Estava esperando que ela resistisse ao beijo mas ela só entrelaçou suas mãos aos meus cabelos.
Então, depois de poucos segundos, me afastei devagar.
Ela abriu os olhos, chocada com o que tinha acabado de acontecer.
- !
- O quê? - Respondi mordendo o lábio inferior e levantando os braços ao lado da cabeça, como se me rendesse.
- Não acredito que fez isso! - Ela cruzou os braços.
Me aproximei dela, acariciando seu braço enquanto olhava em seus olhos.
- Eu vou esperar, ok? O quanto você quiser - disse baixinho. - Se você me perdoar, eu te espero o quanto for necessário. Eu prometo que te levo para longe como sempre planejamos ou me mudo de volta pra cá, por você eu faço qualquer coisa.
Ela suspirou audivelmente descruzando os braços.
- Eu estava bem com Antoni, sabia? Antes de você chegar aqui e toda essa confusão acontecer, eu estava bem.
- Mas não estava feliz - Disse me aproximando mais dela - Se você me disser para ir embora, eu vou. E não te perturbo nunca mais. Mas se você me pedir pra ficar..
- Terminamos tudo ontem à noite. - Ela me interrompeu secando uma lágrima solitária. - Estávamos cansados e acabamos discutindo. Ele me perguntou se eu o amava, e antes de você chegar aqui eu teria dito sim. Mas não é ele quem eu amo.
me encarava com os olhos marejados.
- Você pode sentir falta e mesmo assim não querer de volta. - Ela continuou e encostou as pontas geladas de seus dedos no meu rosto. - A vida é mesmo engraçada, né? Logo quando você pensa que entendeu tudo, quando finalmente começa a planejar as coisas e se animar com isso, e sente que sabe em que direção está indo, os caminhos mudam, os sinais se alteram, o vento sopra em outra direção, o norte de repente é sul, o leste é oeste e você está.. Perdida. - Ela suspira. - Por que está me olhando assim?
- Porque eu acho que você ainda me ama – respondi sorrindo com o canto da boca.
- Eu não acredito que você tirou isso de tudo o que eu te falei. - Ela mexia a cabeça em negação.
- Ah, não me culpe por tentar ver a luz no fim do túnel, - sorri triste, aproximando nossos rostos. - Eu sei que a última coisa que você gostaria nesse momento é ainda ter sentimentos por mim, e eu não tiro a sua razão. - Falei, sentindo seu olhar pesado sobre mim quando toquei seu rosto para enxugar as lágrimas.
- .. - Ela colocou a mão sobre a minha, acariciando-a.
- Mas eu amo você, Skyes. E eu espero que você me perdoe um dia - disse, beijando-a na testa por um instante.

Talvez não existam sinais. Talvez uma fechadura seja só uma fechadura, e uma cadeira só uma cadeira. Talvez a gente não precise dar significado a todas as coisinhas. Talvez a gente não precise que o universo nos diga o que a gente realmente quer. Talvez a gente já saiba. Lá no fundo.





Fim.



Nota da autora: Obrigada se você chegou até aqui, fico feliz de ter dado uma oportunidade pra minha fic!
Queria dizer que to muito feliz de ter conseguido participar desse ficstape, o Silver Side Up é um dos meus álbuns favoritos do Nickelback! Essa é a minha primeira fic e espero muito que tenham gostado, foi feita com muito carinho! E, por favor, comentem sobre o que acharam <3

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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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