03. Nocaute

Postada em: 04/03/2018

Capítulo Único

1. A IDA

Prestes a completar quinze anos de idade, tudo o que eu mais queria na minha vida era viajar pra São Paulo e passar um tempo com minha mãe e irmãos. Desde que me entendia por gente, vivi com meus avós e embora amasse a vida pacata e simples de uma cidadezinha do interior, queria também conhecer a realidade de uma das maiores cidades do Brasil. Seria a primeira vez, desde que fui morar com os velhos, que eu poderia realizar esse grande sonho.

Certo dia do início de novembro, eu estava na escola no instante em que recebi um chamado da diretoria. Era a liberação para que eu fosse para casa, pois havia uma solicitação do meu avô. Preocupei-me. Aquilo nunca tinha acontecido.

Em casa as coisas estavam normais. Meu avô conversava felizmente com um amigo de longa data que morava em outra cidade. Ao ver-me, chamou.

— Luana, o amigo aqui vai para São Paulo com a família no próximo dia 07, você quer ir?

A pergunta foi repentina e seca. Era estranho, pois antes não conversávamos mais sobre a possibilidade de eu ir a São Paulo. Sempre que meu avô ia não podia me levar porque eu tinha que fazer companhia à minha avó, e o mesmo ao contrário. E daquela vez nenhum deles iriam e eu poderia ir. Com quatorze anos de idade, numa família de estranhos, praticamente sozinha. O que você acha que respondi?

— Quero.
— Então vou ligar para sua mãe e avisar que você vai. Amanhã sua passagem já vai estar comprada e vamos na escola pra ver como vai ficar em relação às últimas provas. Sua avó te deixou um presente lá dentro.

O presente era a louça do almoço que nunca dava tempo de lavar antes de ir para a escola, mas eu estava tão em êxtase que nem percebi o tempo que gastei entre lavar, secar e guardar. Na minha mente só se passava a grande realização do meu sonho, de poder completar os meus quinze anos ao lado da minha mãe e da família de São Paulo que eu amava tanto (mesmo não lembrando de quase ninguém).

Tudo o que eu conhecia da cidade grande era aquilo que mostravam nas novelas. Logo, tinham prédios lindos, árvores maravilhosas, escadas rolantes, elevadores, shoppings, supermercados (não mercearia ou mercadinho) e tudo o que havia de mais perfeito no mundo. Eu iria adorar passar as férias ali.

Convenhamos que foi ilusão, né? Não era tudo isso quando cheguei, mas no meu primeiro dia já consegui passar ao lado do finado Play Center, as ruas eram pichadas, minha família morava na Zona Leste e minha mãe numa cidade vizinha chamada Itaquaquecetuba, mas nada daquilo tirou meu encanto. Tinha muitos ônibus e carros na cidade, tinha trens e metrôs, pessoas diferentes todos os dias e tinha o mais importante ali: meus irmãos... E teria muito mais até o final das férias.

2. COMO NOS CONHECEMOS

Próximo a residência que a minha mãe morava havia uma casa de shows vulgarmente conhecida como “Lá na Bel”. Todas as sextas-feiras, toda a minha família que morava em São Miguel ia para “nossa” casa em Itaquá para passar o final de semana ali, e como era de praxe para eles, fomos “Lá na Bel”.

Tradicionalmente, “lá na Bel” era uma casa de shows nordestina. Então a preferência musical era o forró e, particularmente, nada contra. Eu morava numa minúscula cidade do interior da Paraíba, então pra mim estava tudo muito normal, eu até dançava.

Mesas e mesas foram postas juntas. A família era grande e todo mundo adorava aquela união. Amigos e agregados juntaram-se também. E uma das famílias amigas era a dele.

Num primeiro momento eu não o vi, pois ele estava com os amigos em outro canto da casa de shows, mas quando avistei aquela pessoa de regata cinza, jeans folgadão, aqueles tênis enormes tipo sapão e aquele sorriso maravilhoso na face, eu não resisti. Eu me apaixonei e foi instantâneo.

Convenhamos, embora essa descrição de vestimenta bem brega para os dias atuais, no ano de dois mil e oito aquilo era a última moda no mundo da black music. É só resgatar na memória aí e lembrar de Ne-yo, Usher, Chris Brown, 50 Cent, Ludacris e outros rappers que quase todos os adolescentes amavam. Lembram de Candy Shop? Cantava essa música como se fosse um hino, até descobrir a tradução e pensa numa enorme decepção!

Mas o que me encantou nele foi o sorriso... Ele tinha/tem um sorriso que é impossível descrever sem sorrir junto. Era um sorriso maroto, safado e inocente, tudo numa mesma pessoa. Tinha leves covinhas e um jeito único de se comportar.

— Eu ainda vou namorar esse menino. – Disse à minha prima assim que consegui relaxar com sua presença.
— Lu, você nem mora aqui. – Ela riu. Eu nem liguei. – E outra, o Leonardo é mó galinha, já pegou quase todo mundo aqui, repara ele com as meninas.

E de fato ele era um conquistador. Minhas outras primas (sempre tem aquelas chatas) eram loucas por ele, que dava corda, e não só para elas, mas para toda e qualquer pessoa do sexo feminino que se insinuasse para ele.

Só que sinceramente eu não estava nem aí. Nem pensei que infelizmente eu seria só mais uma na estatística dele, e eu também estava de férias, queria muito e se fosse com um gatinho daqueles, eu estaria bem na fita; Pelo menos eu achei que sim, né?

3. MEUS 15 ANOS

Quando cheguei à São Paulo, tive uma surpresa imediata. Todos os convites para o meu aniversário de quinze anos já estavam entregues, o serviço de buffet já havia sido contratado, o local decidido (seria “Lá na Bel”) e só me restava a prova de vestidos.

A cor tema era lilás, então os vestidos tinham que seguir essa linha de cor. Sobre o príncipe, decidiram que o meu primo, por parecer o Kaká e ser o mais bonito entre todos, seria o escolhido. Seria engraçado, pois eu me sentiria uma estranha em minha própria festa.

E foi assim mesmo. Eu cheguei em um carro lindo (no momento não me recordo o modelo), mas como estava chovendo, quase ninguém viu a minha entrada triunfal, que foi minimizada pela área não coberta.

Para cumprimentar os convidados também foi cômico. “Oi, eu sou a Luana, a aniversariante, muito prazer”, mesmo parecendo óbvio demais de que eu era a homenageada da noite, dado o vestido lilás de princesa que eu vestia.

Mas a grande surpresa da noite foi descobrir que a família dele fotografaria minha festa. E que ele me acompanharia toda a noite. Eu sorria impressionada sempre que parava para uma foto e tinha que olhar pra ele. É... Eu sinceramente havia me apaixonado nas poucas vezes que o havia visto desde que havia chegado. E no máximo tínhamos trocado poucas palavras até então.

No meio da festa decidi que seria mico demais dançar com o meu primo. Sequer tínhamos ensaiado e conhecendo-o de outros verões, eu sabia que ele não dançava nada, então o melhor era evitar mais um mico, além daquele de ser uma estranha na própria festa. Tinha pelo menos duzentos convidados, tirando os familiares e poucos conhecidos que juntos não passavam de quarenta pessoas, o resto eu não conhecia ninguém. Um belo king kong!

4. O PRIMEIRO BEIJO

Fiquei quase três meses de férias em São Paulo. Religiosamente, todas as sextas e sábados estávamos “Lá na Bel”, e claro que eu amava estar lá, pois lá era certeza que eu veria o Leo. Mas embora ficasse escancarado para todo mundo que eu estava comendo o menino com os olhos, ele não me dava muita atenção, afinal, havia mulheres mais interessantes (isso, mulheres, meninas adolescentes não o interessavam mais).

Eu iria viajar na terça, três de fevereiro de dois mil e nove. E não queria viajar sem ao menos provar o sabor dos lábios dele, seria como eu não tivesse aproveitado as férias, mesmo tendo conhecido São Paulo inteira.

Haveria uma última oportunidade de vê-lo “Lá na Bel”. Seria atipicamente num domingo, numa noite de festa especial, só não consigo lembrar exatamente o nome do grupo musical que estaria tocando na noite.

Chamei minha prima para ir e me fazer companhia, já que minha irmã era mais próxima das outras primas, mas ela não pôde ir. Brigou com a família logo depois da minha festa de quinze anos por causa de um relacionamento. Na ocasião do chamamento falei para ela que, de qualquer forma, eu ficaria com o Leo naquela noite. Ela duvidou e apostamos cinquenta reais.

Durante a festa eu mal o via, e isso me chateou bastante, pois não queria perder nem o beijo e nem o dinheiro. A festa parecia também super entediante sem a minha prima ali, eu fiquei me sentindo um pouco sozinha demais. Mas passava das duas da manhã quando minha mãe me chamou de canto e falou que se eu quisesse fazer alguma coisa que fizesse logo, pois era já que iríamos embora. No outro dia todo mundo tinha que trabalhar.

Minha mãe, embora ausente fisicamente da minha vida, era minha mãe, né? E mãe sabe das coisas... Ela sabia que eu era afim do Leo, e sabia que eu tinha a intenção de ficar com ele aquela noite. Tanto que insistiu para meu padrasto para que ficássemos um pouco mais.

Olhei em volta e o achei conversando com uma senhorinha. Assim que ele veio até a mesa o chamei pra dançar. Ele sorriu impressionado e falou que não sabia. Eu não via problema nenhum nisso, eu ensinaria. Foi ai que o puxei e ele desajeitadamente colocou uma mão em minha cintura e com a outra segurou minha outra mão.

Ele dava dois passos pra direita e eu dois pra esquerda. Eu tentava consertar e ele invertia tudo de novo. No final decidi que iria somente dançar de qualquer jeito, afinal, não era aquele o único objetivo.

Percebendo o meio da música e extremamente nervosa, comecei.

— Sabe, vou viajar na terça.
— Sério? Mas já?— ele olhou pra mim e pisou no meu pé. – Desculpe.
— Não foi nada. – perdoei. – Sim, minhas aulas já voltaram e tenho que me apressar.
— Uma pena, achei que você fosse ficar na sua mãe.
— Quem dera.

Mais alguns passinhos desajeitados. A música acabou, insisti em outra.

— Eu não sei dançar muito bem – ele me olhou e sorriu. E eu me derreti toda pela milionésima vez só naqueles pouco mais de quatro minutos de pseudo dança.
— Não tem problema. Eu só queria dançar com você mesmo. – Fiquei nervosa, mas não dava pra voltar mais atrás, e também nem me importava muito, ia viajar dois dias depois e não o veria “nunca mais”. – Eu preciso te falar uma coisa.
— Pode falar.

Respirei fundo e depois dei um sorriso nervoso.

— Desde o dia que te conheci tenho muita vontade de te dar um beijo. Eu viajo na terça e não queria ir embora sem isso.

Ele parou e me olhou, a primeira reação foi de perplexidade, a segunda foi rir e a minha vontade era sumir. Eu achava que havia levado o maior fora de todos os tempos, e por um segundo me confortava ir embora logo.

Mas como esperado, o beijo aconteceu. Ele retomou os dois pra lá e dois pra cá e errou o passinho de propósito. Ele me beijou e foi o melhor beijo de toda a minha vida até hoje. Encaixou, como eu imaginava que seria. Não havia desespero no beijo, era calmo. Não havia excessos de saliva, era na medida. O toque era forte e suave e nosso abraço parecia conhecido. Eu vivi em segundos o que não tinha vivido em quinze anos.

— Gostou? – ele perguntou no final.
— Tenho nem o que te falar, gostei muito.

Ele repetiu o beijo algumas vezes e ficamos juntos por aproximadamente uma hora. Mas minha mãe cansou e chamou para ir embora, fiquei chateada, mas já tinha feito o que fui pra fazer, e com pesar comecei a me despedir.

— Você vai estar em casa amanhã? – ele perguntou enquanto segurava minhas mãos.
— Vou sim.
— Amanhã à tarde passo lá para me despedir de você.
— Tá bom. – e ele colou seus lábios aos meus novamente num beijo de despedida.

5. DE VOLTA PRA CASA

Eu fiquei tão ansiosa para contar para minha prima que tinha ficado com o Leo e vencido a aposta, que nem me dei conta que fui para São Miguel em vez de ir para casa.

Minha mãe havia sugerido de eu ir para a casa da tia e arrumar minhas coisas lá e o que estava em casa ela levaria no dia seguinte, e eu aceitei. Tudo só para contar em detalhes sobre o acontecido naquela madrugada.

— Silvana, acorda! – falei tão logo adentrei a sala da minha tia, onde a prima dormia desajeitada.
— Que horas são? – perguntou sonolenta.
— Quatro e pouco, mas não interessa. Você não vai acreditar no que eu vou te contar... – ela despertou e esperou minha resposta. – Eu fiquei com ele, com o Leo!

E soltei um gritinho abafado. A reação dela foi de alguém que no primeiro momento não acreditava em uma palavra sequer, mas ela teria muitas provas no dia seguinte para constatar que eu falava a verdade (alguém da família tirou uma foto embaçada).

— Como foi isso?

E ai eu contei a história detalhadamente para ela, que ouvia tudo atentamente e comemorava comigo a minha grande paixonite.

— Mas Lu, ele vai na tia amanhã e não vai te ver.

A ficha da minha ansiedade caiu naquele instante. Ele havia afirmado que iria na minha mãe na tarde seguinte e obviamente eu não estaria em casa. Por um segundo entristeci, pois eu não diria tchau para ele. Um arrependimento que ficou por muito tempo amargurado em meu peito.

No final de tudo, optei por não receber o dinheiro da aposta. Os beijos recebidos foram suficientes para que qualquer dívida que qualquer pessoa tivesse comigo na vida fosse paga.

Eu voltei para minha cidade muito iludida. Minha senha do Orkut e do MSN era “luanaeleonardo”. No meu caderno da escola, o nome dele estava dentro de um coração na contracapa e quem me perguntasse era o menino que eu gostava de São Paulo. Procurei ele em toda e qualquer rede social existente na época, mas não encontrei. Número de telefone eu também não tinha, visto que na minha cidade ainda mal pegava sinal de celular.

E foi assim por anos.

Até que em dois mil e doze fui morar em São Paulo definitivamente.

6. O NAMORO

Pouco antes de vir morar em São Paulo, eu conversava constantemente com a Silvana via chamada celular. Não raras as nossas conversas pautavam-se no Leonardo, já que eu fazia dela uma informante e sempre que ela sabia de alguma novidade ela me contava. Mas um dia...

— Sil, vou viajar dia seis de janeiro. O vô já comprou minha passagem.
— Ai que bom, Lua, vou te ver. – ela comemorou.
— Aí eu vou atrás do Leo, nós vamos namorar, casar e ser felizes para sempre. – dei risada, era uma brincadeira, mas a brincadeira mais real que eu já quis na vida.
— Ih Lua, esqueci de te falar. O Leo tá namorando.

Eu gelei por um instante. De fato já fazia algum tempo que não tinha noticias dele, mas dali a ele namorar foi muito chocante para mim. Afinal, em quatro anos ele não havia namorado sério ainda. Fiquei triste.

— Não tem problema, namoros terminam. – dei outro riso fraco, mas a Silvana ainda tinha mais surpresas.
— Ele tá construindo casa, Lua. Pelo que a Simone falou, a namorada dele tá grávida e eles vão morar juntos.

Não soube bem o que responder e na primeira oportunidade mudei o assunto. Fiquei emocionalmente abalada, pois em quatro anos mantive um amor meio que platônico por uma pessoa. Mas passaria, amores de verão passam... E olha que quatro verões já tinham se passado.

7. O REENCONTRO

Meu irmão do meio faz aniversário todo primeiro de fevereiro. Eu fiquei responsável em ajudá-lo a escolher uma roupa bonita para ele vestir na festa, e por essa razão estive em São Miguel com ele naquele sábado (somos a família que faz tudo em cima da hora).

A festa seria em nossa casa em Itaquá e teria dupla comemoração. Seria o aniversário dele e o meu retorno, embora isso fosse apenas uma forma de avisar aos conhecidos da família que eu havia chegado.

Luigi e eu iríamos com nossos tios e primos para a festa, e como minha tia tinha um bar (e tem até hoje), não quis “expulsar” os clientes que lá se encontravam para que pudéssemos nos arrumar e ir.

No bar, um amigo do meu primo estava presente. O nome dele era Diego e tinha vinte e seis anos. Por incrível que pareça minha mãe foi madrinha do casamento dele que acabou não dando certo. Ali no bar nos conhecemos. Admito que me atraí por ele. Era bonito, forte, alto, viril, tinha uma voz maravilhosa e era cheiroso. O que mais uma mulher, no auge dos dezoito anos, iria querer em um homem?

Conversamos por um tempo e endossei o convite para o aniversário do meu irmão, já que minha mãe já o havia convidado. Ele disse que antes não estava muito a fim de ir, mas como eu estaria lá, com certeza apareceria. Confesso que achei a cantada o máximo.

Sabe o que falei de fazer tudo de última hora? Pois é, o aniversariante chegou depois de todo mundo, foi até bizarro chegar e ser efetivamente os últimos da festa.

Quando saí na área externa da casa, meu coração palpitou forte. Senti uma demonstração de infarto enquanto eu avistava o Leo encostado no carro do pai dele de braços cruzados e conversando com seu irmão mais novo.

Me aproximei e o cumprimentei.

— Oi, lembra de mim? – dei um abraço e um beijo no rosto dele, que sorriu ao ver-me.
— Claro que lembro, você tá bem? Chegou quando?
— Cheguei em janeiro, estou bem sim. Vou começar a faculdade na segunda.
— Que legal, vai fazer o quê?
— Direito.
— Hum, vai ser advogada. – ele retornou a cruzar os braços e me olhava. Meu estômago revirava.
— Espero que sim. – sorri.

De repente ele olhou para o portão mais curto que ficava no quintal de casa e acompanhei o seu olhar. Uma mulher, gestante de pelo menos seis meses aproximava-se de nós. Ele diminuiu o sorriso e ela lhe entregou um copo.

— Amor, essa é a Luana, filha da dona da festa. E Luana, essa é a Jéssica, minha namorada.
— Muito prazer. – estendi a mão para ela. Eu sorri, embora meu sorriso fosse o pior de todos naquele momento. Eu quis sair dali e chorar, mas se o fizesse seria ridículo. Eu quis morrer, mas por quê? – Nossa, sua barriga já está enorme, é menino ou menina?
— Menino. – Jéssica respondeu. – Vai se chamar Kauan.
— Ah, Luan é muito mais legal. Não querem mudar de ideia? – forcei, eles sorriram e afirmaram que o nome já estava decidido.

Na primeira oportunidade que tive me afastei, e dali em diante meu fim de noite não foi o mesmo. A Silvana não estava ali para que eu me consolasse nela, não havia bem com quem conversar. Até que o Cosmo, um cunhado do meu primo que seria meu príncipe, me puxou para conversar. Estávamos na área externa da casa.

— Mexeu com você, né?
— O quê? – me fiz de desentendida.
— O Leonardo e a menina ali, mexeu com você.
— Não, nada a ver. – tentei desconversar.
— Eu lembro de vocês naquela festa, Lu. Você era afim dele, mas fica de boa que logo, logo você encontra alguém e esquece.
— É ridículo eu estar me sentindo assim. Só fiquei com ele uma vez e não o vejo há anos. – eu tive um estalo ali e percebi o quão idiota foi nutrir um amor platônico por alguém que estava nem aí pra mim.
— Essas coisas de coração ninguém sabe explicar como funciona. Mas se quiser esquecer com um pretinho, eu tô à disposição. – ele se ofereceu. Eu tive ódio e ao mesmo tempo ri da cara dele.
— Cosmo, para né? Você é casado e é baixinho, nada a ver comigo. – ri, ele pediu para não desdenhar e engatamos algum assunto qualquer.

O Diego, que estava ali na festa, se aproximou e desde então não nos desgrudamos mais. O Cosmo saiu e conversamos por horas, perdi até os parabéns que foram cantados para o meu irmão.

Eu estava emocionalmente abalada, visto que ver o Leo com a namorada partiu meu coração em dois, mas eu sempre tinha ouvido aquela frase que só se cura um amor com outro, e literalmente segui esse ditado popular. O Diego me chamou para dar uma volta e, ao sairmos da vista dos familiares e amigos, nós nos beijamos e ficamos o resto da noite.

Dessa vez tínhamos como manter contato, vez que ele me pediu o número do meu telefone antes de se despedir (pensando aqui, eu tô impressionada porque tenho o mesmo número até hoje) e ficamos durante um tempo. Teve que acabar, pois ele passou a morar no Mato Grosso e porque ele começou com crise de idade. Ele tinha vinte e seis, enquanto eu tinha dezoito.

Foi um breve romance, mas que me causou outro estrago no coração. Me iludi com ele rápido demais...

Mas o homem que eu achava ser o amor da minha vida mesmo era o Leo. Sempre nos encontrávamos nas festas das nossas famílias, e sempre notei que entre nós havia algo diferente. Eu não conseguia explicar, mas a nossa troca de olhares era intensa, nosso cumprimento era mais acalorado e a nossa relação era apenas de “oi, oi, tudo bem, tudo bem”. Eu nunca – me orgulho disso – corri atrás dele. Respeitava muito o relacionamento que ele havia construído e nunca ultrapassei o limite do bom senso.

Mas algo no meu coração sempre me dizia que “nós” não havíamos acabado. Que tínhamos história ainda pra viver, eu só não sabia como, nem onde, nem quando e nem por que. E eu me culpava tanto por esse pensamento, mas não tinha como evitar.

E numa manhã de um dia da semana qualquer de dois mil e quatorze, eu estava apressada para ir à faculdade. Tinha que estar no ponto de ônibus impreterivelmente às seis e quarenta da manhã para não perder o horário. Levava aproximadamente oito minutos no percurso de casa ao ponto, e naquela manhã havia saído atrasada.

Numa das vielas, na última, nos encontramos Leo e eu. Ele me abraçou e foi um abraço diferente. Não foi aquele abraço de cumprimento simples, rápido. Foi demorado, foi sem palavras, foi intenso. E no fim, olhares cruzados e confusos, uma despedida desengonçada e um cheiro impregnado no meu nariz do perfume amadeirado dele.

Fiquei novamente em êxtase. Perdi o ônibus e sentei no ponto à espera do próximo. Eu estava ferrada, ainda era apaixonada no Leo, que era casado e pai.

8. ENTÃO É NATAL, E O QUE VOCÊ FEZ?

Em dezembro de dois mil e quatorze eu já contava com meus vinte e um anos recém-completados. E estava um pouco em pânico, já que minha mãe e meu padrasto decidiram que já estavam de saco cheio de São Paulo e que iriam morar no Maranhão.

Como minha irmã e eu já tínhamos vida em São Paulo, estávamos cursando o ensino superior e trabalhávamos, não era honesto com a gente ter que largar tudo e enfrentar o desconhecido. Assim, deixaram uma casa pra gente, inteiramente mobiliada e com todas as despesas pagas por um bom tempo.

A viajem ocorreria no dia vinte e seis, logo um dia depois do Natal. A grande festa de final de ano ocorreria em casa e teria também um cunho de despedida da família.

No exato dia dezessete, eu cheguei do estágio e sentei na cadeira do salão da minha mãe, onde a cliente que ela atendia era a Caroline, irmã do Leonardo. Como de praxe, perguntei de todo mundo e, como sempre, deixei pra saber dele por último. Até que a mãe teve um estalo na memória.

— Ah Luana, eu esqueci de te falar, o Leonardo tá solteiro. – ela despejou.
— Como assim? – eu disse perplexa.
— Lembra da festa que você não quis ir semana passada? O aniversário da mãe deles? Então, fiquei sabendo lá que ele e a Jéssica separaram e esqueci de te falar.

Fazia sentido ela ter esquecido. Quando ela chegou da festa havia um corpo estendido quase na porta de casa. Um roubo com reação ocasionou a morte de um rapaz.

— Mas como você esquece de me contar uma coisa dessa, mãe? – eu não consegui disfarçar que a noticia me soava maravilhosa. Meu sorriso foi de orelha a orelha, e eu sequer fiquei constrangida pela irmã dele, que sabia que eu gostava dele. Tinha confessado numa outra oportunidade em que ela tinha ido fazer o cabelo.
— Eu esqueci... mas faz tempo já, foi em agosto, né, Carol?

A irmã dele começou a contar os motivos pelos quais o casamento de quatro anos havia findado. Muita briga a toa e muita falta de respeito levou o casal a autodestruir-se.

— Mãe, você vai chamar a família do Leo pro natal, né?

E coitada da minha mãe. Aguentou do dia dezessete até o dia vinte e quatro os meus questionamentos sobre a família dele ir para a grande festa em nossa casa na noite de natal.

Infelizmente não apareceram no dia vinte e quatro, e confesso que mal senti falta. Me diverti muito, pois era a última festa com toda aquela família gigante que tínhamos. Nos próximos dias seriam só minha irmã e eu, e seria tudo muito diferente. Teríamos que nos acostumar.

Mas no dia vinte e cinco à tarde, tudo aconteceu. Havia um clima de tristeza no ar, visto que estava um clima intenso de despedida. O Luigi chorou quando teve que se despedir do melhor amigo dele e o Lucas também se emocionou, esperneando para não ter que ir para outro estado e deixar as irmãs dele sozinhas.

Eu sentei estressada no sofá da sala e me permiti sentir a emoção de ter que conviver longe da minha mãe e do convívio dos pequenos mais uma vez. Até avistar o Dudu.

O Dudu era o irmão mais novo do Leo. E eu tinha (tenho) uma ótima relação com ele, que sempre foi extremamente carinhoso. Assim que ele me viu, me beijou na bochecha e me deu o abraço forte peculiar que só ele dá. E claro, ver o Dudu era saber que toda a família estava ali, e não tardou para que o Leo entrasse em casa também.

Ao ver-me sorriu, mas me deixou por último para cumprimentar. Foi até minha irmã e meu cunhado, cumprimentou os meus irmãos que brincavam de Just Dance no Xbox, os primos que também estavam na sala e me deu um beijo no rosto e sentou ao meu lado no sofá.

— E ai, Lu. Tudo bem?
— Eu tô bem e você?
— Tô bem. – sorriu. – Você vai viajar também?
— Não, não. Vou ficar. Nem posso ir, né? Tem a faculdade e o estágio, não sou doida de largar.
— Que bom que vai ficar. – Ele sorriu novamente para mim. – Já está em que semestre?
— Estou indo pro sétimo agora. Passou super-rápido. – Eu estava um pouco nervosa, afinal, havia esperado que ele aparecesse, mas não naquele horário. E a situação ao encontrá-lo era diferente. Ele estava “sozinho”.
— São cinco anos, né?
— Sim. E você tá fazendo o que da vida?
— Ah, eu tô só trabalhando. E agora que voltei pra casa da minha mãe, não faço mais nada além de trabalhar. Eu separei, você ficou sabendo?
— É, ouvi por alto isso mesmo. – a vontade de responder era “desde o minuto que soube que você tinha separado eu quis correr pra você e te reencontrar, inclusive era pra você ter estado aqui ontem”.
— Pois é. Separei mesmo. Não dá mais certo, muita briga.
— Hum... E é definitivo?
— Sim, separamos em agosto.
— Aposto que desde então você tem passado o rodo em todo mundo. – brinquei.
— Que nada, ninguém me quer.

Ai caramba, ele mexeu em um ponto super fraco em mim que é a sinceridade e a falta de vergonha para determinadas situações. Aliás, ele conhecia bem esse meu lado, afinal, eu que pedi o nosso beijo anos antes.

— Não é bem assim não. – respondi.
— Claro que é. Nenhuma mulher quer um homem recém-separado e com filho.
— Olha, não é bem assim. – repeti.
— Eu sou feio, ninguém me quer.

Nesse instante já jogávamos. Ele comigo e eu com a gente. Queria ver até onde aquilo nos levaria e conversamos por bastante tempo. Fui cumprimentar a família dele que estava no quintal de casa no grande churrasco que ainda tinha na tarde do dia vinte e cinco.

Leo e eu tínhamos uma tensão perceptível por todos. E num bate papo na cozinha uma amiga da minha mãe se aproximou e afirmou.

— Vocês formam um belo casal.
— É mesmo? – Leo perguntou.
— Sim... Ela é bonita, solteira e você é bonito e solteiro. Dão certinho.
— Viu, você não é feio, nem a Silmara nem eu achamos isso. – afirmei.
— Mas ela não me quer, Silmara. – ele dirigiu-se a ela.
— Você não me perguntou se eu queria ou não. – respondi.
— Ihhhh, deixa eu sair daqui que o papo vai ficar sério. – e se afastou.
— E então, você me quer? – ele perguntou sério.
— Eu quero. – respondi.

Ele me pegou pela mão e me aproximou da pia da cozinha. Nos encaramos alguns segundos, até que ele selou nossos lábios em um beijo. Outro melhor beijo da minha vida.

— Eu espero que meu padrasto não tenha visto, ele vai encher o saco da minha mãe. – sorri.
— Ainda mais porque vai viajar amanhã, né? Entendo.

Era aquilo mesmo. Dali por diante continuamos juntos durante todo o fim de tarde e início da noite. Conversamos bastante sobre as nossas vidas até ali e questionamos um pouco do futuro. Éramos bem diferentes de anos antes.

— O que você acha de ficar com alguém que tem filho? Porque eu sinceramente não sei se conseguiria. – ele me questionou. Estava sentado no sofá da sala.
— Eu não vejo qualquer problema, a criança não tem culpa da incompetência dos pais em manterem o relacionamento, e os pais têm direito a serem felizes novamente.
— Você tem razão. – silenciamos alguns segundos. – Então você ficaria comigo?
— Sem sombra de dúvidas!

Ele sorriu novamente e beijou minha mão. Sua irmã passava na sala, ele a chamou.

— Jeni, o que você acha da Luana?

Ela pareceu confusa.

— Eu quero ficar com ela. – foi a explicação. Ela então sorriu largamente, a Jeni gostava de mim.
— Eu acho ela legal, vai dar uma ótima cunhada.

Eu estava completamente constrangida, mas ainda ficaria mais.

— Mãe! – ele a gritou. Ela estava na cozinha com a minha mãe que veio junto. – O que você acha da Luana?
— Ah, ela é uma menina esforçada, estudiosa, trabalhadora, por quê?
— E se eu ficar com ela?
— Quem tem que decidir isso são vocês, mas eu torço muito. Até porque ela sempre gostou de você. – E nesse instante eu fiquei de todas as cores imagináveis. Mal conseguia falar.
— Então tudo certo, se minha mãe aprova tá aprovado. Tudo bem, sogrinha? – ele se dirigiu à minha mãe.
— Eu não sei de nada. – e saiu sorrindo com a “minha” sogra.

Leo e eu trocamos o número de telefone e tivemos muitos momentos fofos até os pais dele decidirem que queriam ir embora lá por volta das nove da noite. Ele quis que eu fosse junto, mas minha família viajaria pela madrugada e eu queria aproveitar os últimos momentos com eles.

Ele entendeu, mas passamos toda a noite conversando via WhatsApp. Inclusive naquela noite mesmo ele já me chamou de amor. Achei estranho, mas eu amei.

9. NOCAUTE

Na manhã seguinte havia um grande vazio na casa em que somente havia minha irmã, eu, nossa gata e a bagunça da festa. Nem havíamos dormido ainda, pois sequer acreditávamos que dali por diante seríamos apenas nós.

Claro, minha irmã já namorava há mais de um ano e eu tinha vivido algo muito especial na noite anterior. Era o meu sonho adolescente sendo realizado: morar praticamente sozinha aos vinte e um anos de idade, estar cursando a faculdade que sempre sonhei e ainda ter o amor da minha vida do meu lado. Ainda era cedo dizer que ele ficaria comigo, mas não achava que ele estivesse somente brincando com aquela situação. Era real, eu sentia isso.

Por volta das nove horas daquela manhã jogamos, minha irmã e eu, o famoso jokenpô para ver quem iria à casa de ração comprar os mantimentos da Belinha. Como eu sempre era azarada, perdi. De quebra ainda teria que passar no mercado e comprar o pão para o café.

Mas agradeci por ter perdido. O carro da empresa que o Leo trabalhava estava estacionado em frente à casa da vizinha. Ele faria um reparo na linha telefônica dela e nos encontramos ali.

— Bom dia. – falei assim que o vi no carro.

Ele abriu um sorriso e me puxou para um beijo.

— Agora sim meu dia está bem melhor. Tá indo aonde?
— Na Marina, tenho que comprar a ração da gata e passar na padaria.
— Quer carona?
— Não vou te atrapalhar, é bem aqui na esquina.

Ele concordou, e acho que ofereceu carona por educação. Era realmente na esquina.

— Eu saio do serviço às cinco e meia, umas seis horas venho te ver na sua casa, pode ser?

Eu nem sabia como eu estava me sentindo. Eu não tinha vivido um sonho, era mesmo real.

— Pode sim, eu chego do estágio umas quatro horas hoje também, e a Lê vai sair pra trabalhar meio dia e só chega às dez e meia.
— Então fechou. Tenho que ir, amor, vou lá no posto abastecer.

E me beijou novamente antes de ir.

Naquela tarde, ele apareceu no portão de casa por volta das cinco da tarde. Minha vizinha ficou enchendo o nosso saco, vez que ela já previa que seríamos um casal grudento. O Leo tinha passado ali só para me ver e dizer que estava com saudades. Na ocasião, me elogiou já que eu estava vestida formalmente, embora estivesse toda suada por conta da arrumação da casa. Tinha tanta pressa em deixar tudo pronto para quando ele fosse em casa, que nem troquei de roupa quando ele apareceu.

E ele foi no horário combinado. Foi estranho ter um “homem” na minha casa como meu “convidado”, sendo que minha mãe nem tinha esfriado a casa ainda. Mas como todo mundo o conhecia, eu nem liguei. E sabe de uma coisa? Eu não estava nem aí para o que pensassem. Eu estava vivendo o meu sonho e não poderia estar mais feliz.

Naquela noite houve um pedido implícito de namoro. Ele disse que tudo o que conversamos na noite anterior foi importante para ele e que gostaria de tentar comigo. Até brincou dizendo que eu era sua última tentativa de ser feliz com uma mulher, pois se comigo não desse certo (o que ele achava improvável), ele se tornaria homossexual. Brinquei também que ele tinha essa tendência mesmo, o time para o qual torcia não negava.

E naquela semana vivemos um romance quase adolescente, mas eu tinha muita vergonha ainda de encarar a família dele. Pudera, né? Todo mundo sempre soube que eu era apaixonada por ele toda a vida e de repente sou eu que estou com ele. Era tudo muito bom demais pra ser verdade.

Mas não tive como escapar das festividades de ano novo. Esperaríamos a chegada de dois mil e quinze numa festa na casa dos pais dele. E como era uma casa grande, caberia bastante gente.

E engolindo a vergonha eu fui apresentada como a namorada dele para todos os amigos, e surpreendi a todos, pois eu era o oposto da ex, embora odiasse a comparação. Eu me diverti, bebi, dancei, aproveitei e estava feliz. Muito feliz com ele ali do meu lado, que me abraçou forte e me beijou no instante em que virou meia-noite.

Num determinado momento da festa, eu desci para o primeiro andar da casa para ir ao banheiro, mas encontrei o Dudu na sala, vendo-o brincar com os amigos de Just Dance (era o jogo da moda). Como demorei um pouco, o Leo desceu para me procurar e me fez sentar em seu colo para observarmos os meninos brincando.

Até que ouvimos iniciar uma música do Jorge e Mateus no som hiper alto do segundo andar. Era Nocaute.

O Leo me encarou por uns segundos e comecei a cantar pra ele:

Olha aí, o mundo girando e a gente se esbarrando outra vez. Olha aí, o meu coração indo contra a razão, sentimento, não se desfez, recaí. Quando te vi a paixão veio a tona, fui a nocaute beijei a lona. O meu corpo tremeu. O tempo passou, a vida mudou, mas eu continuo seu. – e nesse instante, enquanto sorriamos e cantávamos juntos, notei as lágrimas descendo em seus olhos. – Ainda sou “a mesma boba apaixonada, se eu estou errada” não quero nem saber, eu só sei que a vida é mais colorida com você. Com você...

E dali por diante aquela se tornou a nossa música real, oficial. E ela foi tocada repetidas vezes aquela noite, todos já até enjoavam, mas era como se Jorge e Mateus descrevessem a minha saga até ali. E ele parecia entender que alguém o amava como nunca antes havia acontecido. Éramos, definitivamente, especiais.

10. VIVENDO A PAIXÃO

Uma coisa que sempre conversava com a minha melhor amiga era a respeito de ter uma vida sexual ativa. Ela tinha casado em dois mil e doze, pouco depois de entrar na faculdade, logo já havia me contado alguma de suas experiências com o sexo oposto. E sim, parece meio inacreditável, mas ela casou aos dezenove, virgem. E eu, aos vinte e um anos, lá em dois mil e quinze, também o era.

E foi complicado chegar no Leo e contar tudo isso. Foi no dia primeiro, após dormirmos juntos pela primeira vez e de tentarmos e “não ir” que confessei: Eu nunca havia estado com outro cara antes.

E pra ele foi chocante, parecia até que não acreditava, mas no fim compreendeu e até curtiu a situação. “Serei o seu primeiro e o seu último”, era o que ele me dizia. E de certa forma ele me tranquilizava também, disse que me esperaria o tempo que fosse necessário, afinal, ele nunca sairia do meu lado e era comigo que ele queria ficar. Hoje eu percebo que isso é coisa que homem fala para que a mulher se sinta ainda mais pressionada a fazê-lo feliz, e com ele deu certo. Eu quis vivenciar aquele momento.

E, por incrível que pareça, mais uma vez eu me encontrava com o meu passado. Sempre que falava com minha melhor amiga a respeito de perder a virgindade, eu sempre pensava em um homem especial, aquele com quem eu provavelmente me casaria e seria muito feliz, o homem da minha vida, e era somente nele que eu pensava.

E foi no dia três de janeiro, num momento em que estávamos sozinhos na minha casa, que resolvemos tentar. Foi totalmente diferente de tudo o que eu já imaginei na vida. Não tinha nada daquele glamour de novela, em que a mulher chora de emoção e fica toda esplêndida na cama. No meu caso parecia uma sessão de tortura mesmo. Doía muito, tanto que nem entrava. Eu queria chorar, mas de dor intensa. E eu desisti no instante em que vi um líquido vermelho escorrer por entre as minhas pernas. Que merda! Rompeu o hímen!

E eu me desesperei, odiava ver sangue e saí correndo pelada pela casa para o banheiro (que cena cômica de lembrar). Ele me seguiu e pediu calma, pelo menos alguém ali estava sendo sensato, e me tranquilizou bastante para que eu pudesse relaxar e voltarmos para a cama, só que dessa vez para dormir.

Fiquei com remorso e vi um pouco de frustração nele, que em momento algum quis deixar isso transparecer para mim.

Mas não tardou muito para que tentássemos novamente. Vivemos situação idêntica à do dia anterior, dor intensa, sangue escorrendo, ida ao banheiro e dessa vez eu quase chorando, mas de frustração. Caramba, era tão difícil assim fazer uma das coisas que pros outros era tão prazerosa?

Ele sentou no vaso e tentou me acalmar mais uma vez, mas, por outro lado, teve uma ideia que talvez pudesse dar certo. Se eu sentasse nele, eu poderia regular a dor, certo? E assim o fiz. Foi até engraçado quando ele sentiu todo o encaixe e gritou “Agora foi!”. Parecia até comemoração de um gol do Brasil na Copa do Mundo.

Dali por diante, depois da quarta vez já não doía mais. E sinceramente, eu comecei a sentir aquele prazer que todos sentiam,e entendia perfeitamente porque havia gente tão viciada no ato sexual. Era bom mesmo.

Nós saíamos quase todos os dias. Sempre tinha churrasco nos pais dele, íamos ao shopping e dia de quarta íamos assistir o futebol na casa de um amigo dele que também fazia churrasco sempre. Finais de semana ele buscava o filho e convivíamos algum tempo juntos.

O que era chato mesmo era a ex. Quando ela descobriu que estávamos juntos, foi fazer um barraco na porta da minha casa. Obviamente não me calei, pedi respeito e o famoso “coloque-se no seu lugar”. No fim, ela ainda me falou que o amava, mas o que raios eu poderia fazer? Enfim... ela incomodava muito e sempre, digo sempre, usava o filho para se aproximar. Era chato demais.

Mas desviamos. Tivemos poucas brigas em pouco mais de três meses de relacionamento. Tudo começou a desandar quando minha mãe veio fazer uma visita à São Paulo.

11. BEIJEI A LONA

Criada pelos avós, eu sempre fui uma pessoa que obedecia. Independente se eu concordava ou não com a situação, se meu avô, minha avó ou minha mãe me desse uma ordem, eu acatava. Respeitar os mais velhos era um dogma para mim.

E minha mãe começou a me “proibir” de dormir na casa dos pais do Leo. Foi chato, pois desde o segundo mês de relacionamento eu praticamente dormia lá quase toda a semana, já que minha irmã dormia também na casa do namorado dela (hoje são casados).

E a mãe só pegava no meu pé e isso me saturava com o Leo, que achava que eu tinha que me impor, afinal, eu já tinha vinte e um anos.

Da mesma forma que ela começou a controlar as dormidas fora de casa, ela começou a limitar o horário que eu poderia ficar na rua. Chegar quatro horas da manhã numa quarta feira era pesado para quem tinha que ir para a faculdade antes das sete, como eu.

Então funcionava assim: O Leo me buscava, ficávamos até no máximo uma da manhã, ele me levava em casa e voltava pros churrascos. Eu odiava, mas nem comentava muito.

E controlados as nossas brigas aumentavam. E eu não sabia o que fazer, pois se eu o escutasse, teria problemas com minha mãe e se eu não respeitasse a minha mãe, teria problemas com o restante da família.

De repente, minha mãe veio com o papo de “Coração de mãe não se engana. Ele não é o homem certo pra você, que tá aí se iludindo com alguém que não é seu”. E quando eu conversava com ele haviam lamentações da minha mãe também. Enfim, eu estava enrascada e não sabia como sair. Até torcia para que minha mãe voltasse logo pro Maranhão e eu pudesse viver meu romance em paz de novo.

No começo de abril, depois de a mãe já ter ido embora, o Leo começou a ficar diferente. Já não havia aquele “grude de antes”. Eu sentia ele distante, ficava comigo, mas não parecia estar tão interessado como antes, e até mudou a sua forma de falar comigo. Só me chamava de amor quando estávamos próximos, por mensagem ou telefone era sempre “minha linda”. Tinha algo errado.

Perguntei diversas vezes o motivo pelo qual ele estava agindo daquela forma e ele sempre achava que eu estava paranóica porque nada havia mudado. Antes ele nunca rejeitaria uma ligação minha e de repente eu tinha que ligar cinco, dez vezes para que ele me atendesse.

Ele também passou a frequentar alguns lugares sozinhos, e dizia que precisava curtir um pouco com os amigos. Mas era estranho, as namoradas de todos eles estavam presentes, menos eu.

Até que num sábado, no final de tarde, fui pra casa dele. Assim que cheguei ele falou:

— Amor, lembra que semana passada o Carlos me chamou para ir a uma festa e eu desisti no caminho porque queria ficar com você? — meneei a cabeça afirmativamente. – Então, hoje ele me chamou de novo e falei que ia, fiquei sem graça de negar, já não é a primeira vez que ele me convida...
— Mas eu vim pra ficar com você hoje. – meus olhos eram suplicantes. Mesmo assim ele não cedeu.
— Mor, por favor, eu preciso ir.

Eu não respondi, simplesmente virei a cara e fiquei olhando da varanda a movimentação de carros que passava na via. Ele chegou a perguntar rapidamente se eu queria ir, mas nem esperou eu responder e disse que era melhor não, lá teria pessoas que eu não gostava.

Ele me prometeu que estaria de volta pela manhã e que me buscaria em casa para passarmos o domingo juntos. Foi só promessa.

12. A VIDA MUDOU

Despertei no domingo de manhã com um aperto no peito. Era uma dor forte e agonizante que não passava. Olhei no celular e não havia nenhuma ligação perdida do Leo. Liguei para ele, foi direto para a caixa postal.

Menos de vinte minutos depois o meu celular tocou. Era, atipicamente, a minha mãe. Ela nunca me ligava, sempre conversávamos via WhatsApp, pois ela detestava telefone e eu também. Mas conversamos por alguns minutos, até ela entrar no assunto pelo qual me ligou.

— Lembra que te falei que o Leonardo não era o homem certo pra você? – ela começou.
— Hum. – revirei os olhos. Já iria começar o show de sermão de sempre.
— Ele sofreu um acidente de carro essa manhã com a outra. Ele tava com uma amante no carro e virou na Ayrton Senna.

Meu coração parou. Literalmente parou. Ela terminou as explicações e como eu poderia averiguar a história, obviamente o fiz. Era estranho uma pessoa que morava no Maranhão saber primeiro de um fato, antes de todos os que conviviam com o dito cujo.

Eu liguei para minha sogra, que pela animação não sabia de nada. Tive que dar a notícia para ela, que assim como eu desacreditava, mas para nosso desespero era verdade.

O carro que ele estava tinha dois casais. O Carlos e a esposa e ele e a Jéssica (calma, não é a ex). Não era difícil calcular que dois e dois são quatro. Não era difícil perceber que eram DOIS CASAIS que curtiram a noite juntos em uma balada em São Paulo. Não era difícil acreditar que eu estava sendo traída. E foi duro quando me disseram que já sabiam, mas que esperavam que ele me contasse.

Era uma merda mesmo. Todos os clichês estavam acontecendo comigo. O corno era sempre o último a saber e, naquele caso, eu realmente não sabia, embora desconfiasse (não com aquela Jéssica).

Num primeiro momento eu nem liguei para esse fato da traição. Eu me preocupava em saber se ele estava bem, se estava vivo, se tinha ficado alguma sequela, qualquer coisa. Eu só precisava saber dele, até porque o carro deu perda total, nos preocupamos intensamente.

Mas parecia que o acidente foi “só” uma punição para todos mesmo. Incrivelmente nenhum dos quatro teve qualquer trauma. O Carlos, a esposa e a prima (a Jéssica) saíram ilesos. O Leo que bateu a clavícula e a cabeça e teve que ficar em estado de observação.

Somente com essa notícia de que ele estava bem é que meu mundo desmoronou. Eles que sofreram o acidente, mas quem havia se machucado era eu. Indo para casa eu chorava copiosamente, não acreditando no que tinha acontecido. Eu o amava tanto, eu tinha me doado tanto, sonhado tanto e de repente estava ali, chorando porque havia sido traída. Ele não respeitou a minha história, não respeitou o sentimento que tínhamos e deixei isso claro para ele no dia seguinte quando conversamos já na casa dele.

Incrivelmente em sua presença eu não chorei, eu tinha um rosto indignado, mas não tinha lágrimas para derramar. Ele não sei, mas disse ter vergonha do que fez e chorava inconsolávelmente por perceber (acho) que havia perdido uma pessoa que era boa pra ele. E escrevo assim porque eu realmente era uma boa pessoa. Eu não o sufocava, não o prendia, não enchia o saco por causa da ex e nem incomodava nos assuntos do filho dele.

Nós não chegamos a terminar. O destino fez isso por nós.

Lembro até que cheguei a comentar que se um dia ele se tornasse homem, nós poderíamos voltar a tentar porque ele era realmente o grande amor da minha vida, mas a nossa vida nos reservou coisas diferentes. E embora o destino tenha tido a vontade de nos juntar, talvez realmente não fosse o certo, como não foi.

Naquela noite de segunda feira ouvimos juntos pela penúltima vez a música Nocaute e por dentro eu me despedacei, por fora eu gelei.

13. O TEMPO PASSOU

Não tardou muito para que ouvíssemos Nocaute uma última vez. Foi em agosto no aniversário dele e do pai dele (em que fui obrigada a comparecer). E a situação era diferente. Ele já estava morando junto com a Jéssica (não a amante, a ex, a mãe do filho) e ela o proibia de chegar próximo a mim.

Muitas pessoas na festa indignavam-se com a “troca”, mas eu evitava tocar no assunto, já não tínhamos que conversar sobre um nós que não mais existia, mesmo que meu coração me dissesse que eu ainda o amava.

Num instante ele foi até a mesa de som e buscou na playlist a música já comentada. Assim que ouvi o toque encostei-me na varanda e tive um impulso de chorar. Ele por outro lado começou a cantar alto, e quem nos conhecia sabia o que aquela música significava. Foi a deixa, eu precisava ir embora.

Depois dessa data tivemos vários outros encontros, mas não nos falávamos. Eu não queria para a Jéssica o que ela causou para mim. E como havia dito para ele tão logo terminamos, de que a partir do momento em que ele encontrasse outra pessoa eu teria que morrer para ele, assim tentei me comportar: como alguém que nunca havia existido. Mas em várias festas que frequentamos juntos eu sentia algo diferente. Numa delas, ele bêbado, chegou no namorado de uma amiga minha – que mal me conhecia ainda – e afirmou que ele tinha perdido a mulher da vida dele. Que ele se arrependia de tudo o que havia feito, mas que sabia que eu não voltaria mais para ele.

E ele está certo. Por mais que eu tenha o amado e o ame pelo resto da minha vida, não teria como continuarmos. Não achei justo um dia ele ter dito para mim (já depois do término) que tinha dúvidas entre a Jéssica e eu. O mandei a merda e falei uma frase que li em uma fanfic anos atrás “Se você ama duas pessoas, fique com a segunda, pois se realmente amasse a primeira não teria dúvidas”. E segui minha vida.

Sem ele.

Admito que mesmo após quase três anos, essa história ainda é muito viva em minha mente. Ele foi importante para mim, pois foi meu primeiro tudo. Primeiro amor, primeiro namorado, primeiro amante. E ele me ensinou coisas que jamais poderei esquecer na vida. Sinto saudades, mas do tempo que foi bom, todo o restante ficou como lição.

Eu percebi também que estava transferindo a minha felicidade para ele e isso não é saudável, pois sobrecarrega outra pessoa que passa a viver duas vidas. Eu sofri por um bom tempo, mas hoje tudo o que sinto é paz. Não tenho nenhum arrependimento e viveria tudo outra vez, se fosse para viver tudo o que vivi.

Ainda tenho uma boa relação com a família dele (a irmã do Leo é hoje minha melhor amiga), mas me afastei um pouco para que todo mundo relaxasse mais, afinal, presença de ex incomoda, né?

E fiquei sabendo que ele vai se casar em março. Casar mesmo, de terno e tudo na igreja e no cartório. Será que a nossa história vai mudar a letra, de Nocaute à Convite de Casamento do Gian e Giovani?

Seria engraçado, mas eu realmente estou em paz. Torço pela felicidade dele e espero encontrar a minha em breve. E para finalizar com mais um ditado, um que, com certeza, você já ouviu e é um fato: O primeiro amor a gente nunca esquece.

Mas se você vive o seu, não desacredite, viva até o último.


Fim.



Nota da autora: Pensei aqui por aproximadamente cinco minutos sobre o que eu escreveria aqui nessa nota. Eu expus o meu primeiro e único relacionamento que tive e me veio uma onda tremenda de nostalgia. Embora não tenha sido um final feliz, foi gostoso viver tudo isso. Foi um enorme aprendizado e diversas as lições deixadas ao longo dos anos. Mas, mesmo amando uma só pessoa por anos, eu aproveitei toda a minha adolescência inocentemente. Eu era boba mesmo... Bom, se você chegou até aqui, mesmo a história não sendo interativa, eu quero te agradecer por ter lido, até porque agora seremos confidentes. Você sabe coisas de mim que nem pessoas mais chegadas sabem, rs. Ah, Leo e Diego são nomes fictícios, normalmente são os nomes que dou aos pps das minhas fanfics, hahaha (Thamy, Barbs e Ju que o digam, já ficam até confusas com que pp estão lidando...), todos os outros nomes são reais. Enfim, eu não sei mais o que escrever, mas digo que se você estiver vivendo o seu primeiro amor, ou os segundos, ou terceiros, digo para que viva intensamente, até porque nunca se sabe quando será a última vez que estarão juntos.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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