Capítulo Único
— Ah, que ótimo! — Resmunguei ao ver que a garoa fina que caia antes havia se transformado em uma chuva forte, levando - literalmente - por água abaixo meus planos para aquele sábado à tarde.
A verdade é que eu adorava dias como aquele, mas não quando eu havia planejado um agradavel passeio ao parque. Belo dia para o aplicativo de previsão do tempo resolver acertar uma previsão, pensei. Voltei para o sofá, me jogando exatamente do jeito que a fisioterapeuta me disse para não fazer. Dei play no terceiro episódio da primeira temporada de Good Girls, já que aquela ida ao Canadá sempre me fazia rir.
Embora meu humor tivesse melhorado um pouco graças a uma das minhas séries atuais favoritas, aquela ainda não era a forma como eu queria passar meu fim de semana. Desbloqueei a tela do celular, abri o Whatsapp e deslizei até encontrar a conversa com meu melhor amigo - o que não foi muito dificil já que nos falamos em uma frequência absurda.
[15:12]
Hey! O que você tá fazendo?
[15:13]
Além disso, lindinho. Algo importante?
Mesmo que a barra de status me avisasse que ele ainda estava digitando, a mensagem anterior fez meu coração dar uma pequena pontada e eu tive de esconder o aparelho embaixo da almofada por cerca de trinta segundos enquanto tentava tranquilizar meus pensamentos e minha respiração ao mesmo tempo.
Ele já havia me dito aquilo diversas vezes e não apenas por mensagens de texto, mas eu comecei a interpretar suas palavras e ações de uma maneira diferente desde que havia sonhado que éramos um casal.
— Louca, louca, louca. — Eu repetia em alto e bom tom para mim mesma. Era isso, eu só podia mesmo estar louca por achar que estava apaixonada pelo meu melhor amigo por causa da porra de um devaneio do meu inconsciente.
O problema é que, depois de despertar daquele sonho, eu comecei a refletir e tudo aquilo que eu sempre neguei simplesmente veio à tona. Se a imperfeição faz parte da nossa condição humana, eu e o éramos perfeitamente imperfeitos um para o outro. A questão era que eu me negava a participar do clichê de friends to lovers e não queria acabar como minha amiga Amber que entrou para a estatística dos clichês que deram terrivelmente errado. A minha mente realista (ou pessimista) jamais me deixaria pensar que as coisas poderiam dar certo e que viveriamos um amor eterno até o fim de nossas vidas, então eu me focava em todas as possibilidades ruins que podiam acontecer e me agarrava nela com todas as minhas forças.
Sofrer caso algo desse errado era uma possibilidade e eu também sofria por reprimir meus sentimentos, mas como sempre preferi ficar do lado seguro do que pagar para ver, optei por fingir que nada daquilo estava acontecendo. Até porque eu tinha certeza de que sentia aquilo sozinha e que os “sinais” que recebia dele eram pura ilusão do meu co-ração maluco, já que se usasse o cérebro não estaria nessa armadilha.
Suspirei alto e tomei coragem para puxar o celular de volta para mim, reabrindo a conversa.
Suspirei alto.
Ah, se ele soubesse todas as coisas que eu tinha em mente.
[15:18]
Preciso sair de casa, posso ir aí para fazermos nada juntos?
Além do texto, enviei também um sticker do gato de botas do Shrek.
[15:19]
Combinado! Até breve, lindinho.
Para o meu azar, antes de chamar meu amigo para conversar, eu havia escolhido propositalmente o episódio em que o shipp Brio se torna palpável, por mais errado que fosse. Instantaneamente, me imaginei recriando aquela cena fogosa e sensual com .
Fodida eu estava, mas não como queria.
Desliguei a TV com pressa e fui para o meu quarto trocar de roupa, tentando colocar a cabeça no lugar para que não fizesse nenhuma idiotice quando estivesse na presença dele.
— Boa tarde, Joel. — Cumprimentei o porteiro diurno do prédio em que morava.
— Fiquei feliz quando o jovenzinho interfonou avisando para liberar sua entrada. — Ele declarou sorrindo, fazendo meu sorriso aumentar.
— Ah, Joel, você é um anjo mesmo! — Apertei as bochechas dele, plantando um beijo em sua testa. — É sempre uma alegria encontrar você. — Confidenciei e ele beijou o dorso das minhas mãos.
Após trocarmos mais algumas amenidades, rumei para o elevador e apertei o botão do oitavo andar, esperando a caixa de metal me levar até lá.
Conforme combinado, a porta estava apenas encostada e eu adentrei o apartamento. Escutei o barulho de água caindo, o que significava que ele ainda estava no banho. Quando o cheiro de sabonete atingiu minhas narinas, eu suspirei baixinho.
— CHEGUEI! — Gritei para alertá-lo que eu estava no ambiente.
— FIQUE A VONTADE! — Ele rebateu também gritando e eu sorri mesmo que ele não pudesse ver.
Larguei minha mochila numa das poltronas e tomei o meu lugarzinho no sofá.
Vi um sketchbook parado sobre a mesa de centro e não pensei duas vezes antes de pegá-lo. Já havia visto alguns esboços antes e achava-o extremamente talentoso, mas ele sempre rebatia dizendo que era só porque eu mal sabia desenhar um boneco de palitinhos.
Comecei a folhear o caderno, ficando cada vez mais maravilhada com o talento daquelas mãos. Ri com o duplo sentido da frase, mas logo tratei de recompor meus pensamentos. Escutei o barulho de água cessar no cômodo próximo e me apressei para olhar os desenhos, pois queria escolher o meu favorito e apresentá-lo a quando ele aparecesse ali. No entanto, as ilustrações que surgiram nas últimas páginas fizeram minha cabeça ficar bagunçada mais uma vez. Em uma delas, havia um garoto alto olhando para baixo na direção de uma garota. Ele tinha uma das mãos no queixo dela e ela lhe lançava um olhar perdido, exatamente como eu fiz tantas vezes enquanto buscava conforto na amizade dele.
O surto veio quando eu passei a reparar nos detalhes que compunham aquela imagem: a estampa da camiseta favorita de vestia o garoto do desenho, acompanhada das mesmas notas musicais que ele tinha tatuado no antebraço; na garota, notei dois detalhes que praticamente berravam “sou eu”: a pinta de nascença no braço direito e o colar com pingete do mapa mundi posicionado no pescoço - aquele era meu acessório favorito e eu raramente o tirava, assim como a camiseta de estimação dele.
Aquilo era coincidência demais até mesmo para mim que sempre fui tão cética quanto aos “sinais” do universo. Tentei, mais uma vez, me recompor. Afinal, aquilo era apenas um de-senho que representava nossa amizade, embora meu íntimo soubesse que eu desejava que fosse algo a mais.
Na página seguinte, os mesmos personagens se faziam presentes, mas dessa vez a mocinha estava pendurada no colo do mocinho, que tinha uma das mãos apoiadas nas cos-tas dela, enquanto a outra segurava a parte de baixo de uma das coxas. As mãos dela es-tavam circundando o pescoço dele e eles encostavam os narizes em um beijo de esqui-mó.
Engoli em seco, já sentindo o estômago embrulhar, o coração pulsar mais rápido e as mãos tremerem de leve. Acho que eu só respirava porque era uma atividade automática, caso contrário...
Na última página eu realmente perdi tudo.
O casal, com os mesmos detalhes dos anteriores, se beijava.
E é óbvio que foi nessa hora em que surgiu na sala.
Arregalei os olhos em surpresa não apenas por sua aparição repentina, mas por tudo que estava acontecendo.
— ... — Ele sussurrou e eu sabia que ele já havia entendido muito bem o contexto que nos envolvia.
Havia tantas coisas que eu queria falar, mas a combinação dos cabelos molhados, a barba rala por fazer, o cheiro amadeirado de seu perfume favorito me fez ficar instantaneamente muda.
O clima amistoso que sempre nos envolveu havia desaparecido, dando lugar um clima cheio de tensão. Por isso, quando deu um passo em minha direção, eu me afundei um pouco mais no sofá, sentindo meu corpo ser engolido pelo material macio e me sentindo pequena. Eu tinha a sensação de que iria ser con-sumida por todas as minhas emoções e senti a garganta apertar, naquele pré-choro tão conhecido por mim, principalmente em situações que me deixavam nervosa. Odiava profundamente essa maneira do meu corpo reagir as coisas, me sentia fraca... mas sempre havia sido daquela maneira e após vinte e tantos anos eu já não tinha mais esperanças de que aquilo fosse mudar.
— . — O tom de voz dele ainda era baixo, porém dessa vez meu nome saiu de seus lábios de maneira mais firme.
De maneira lenta e aos sussuros, fui capaz de formar uma pergunta.
— O que... O que... é isso aqui?
— Desenhos. — Ele respondeu desviando o olhar do meu.
No meio do caos eu consegui também soltar uma risada irônica, outra resposta automática de meu sistema nervoso.
— Você sabe que não é isso que eu estou questionando, . — Eu somente utilizava seu nome completo quando a situação exigia formalidade ou era séria. Como eu não estava o apresentando a ninguém, sabia que ele tinha plena consciência de que se tratava da segunda alternativa.
Meus olhos atentos seguiram cada passo dado por ele até que o mesmo sentou-se sobre a outra extremidade do sofá e passou a me encarar. Seus olhos carregavam um brilho dife-rente e depois de um tempo ele passou a dividir o olhar não apenas com os meus olhos, mas também com toda a extensão do meu rosto. Agora que tinha admitido para mim mes-ma os meus sentimentos por , eu teria usado aquele momento para admirar cada pequeno espaço de seu rosto, mas, naquela situação, meu olhar apenas seguia o seu, tentando desvendar o que quer que fosse que ele procurava em minha face.
Ficamos em silêncio e nessa corrida de olhares pelo o que eu acredito ter durado uns dois minutos, mas que obviamente pareceram duas horas.
Por fim, ele suspirou pesadamente e começou a falar.
— Sabe todas as vezes em que eu tive que te consolar enquanto você sofria por ter tido o coração despedaçado mais uma vez?
Não entendia onde ele queria chegar, mas maneei positivamente com a cabeça.
— Te ver sofrer me doía muito. Arrisco a dizer que talvez até doía mais em mim do que em você. — Engoli em seco, esperando que ele continuasse. — Os desenhos foram a maneira que encontrei de criar um mundo para nós dois em que tudo fosse doce e alegre e não amargo e triste.
Sorri sem mostrar os dentes. Em uma das nossas conversas em que eu chorava por algum babaca, eu havia dito algo parecido a ele e agora ele estava ali, usando minhas próprias palavras para demonstrar seus sentimentos.
— E porque você nunca me disse nada? — Me senti uma completa filha da puta quando a pergunta escapou por entre meus lábios. Ele podia muito bem devolver o questionamento, já que eu também sentia e nunca havia aberto o bico.
— Sobretudo pelo medo, . O medo de você não sentir o mesmo, o medo de me rejeitar, o medo de estragar a amizade que a gente tem caso não desse certo... — Ele abaixou o olhar para suas próprias mãos e meu coração aper-tou ainda mais ao escutar aquela confissão.
— Bem que a vovó sempre disse que você era minha alma gêmea... até nos medos a gen-te combina.
voltou a me olhar, parecendo entender, pouco a pouco, o que aquelas palavras significavam.
Minha avó sempre dizia que nós ainda iriamos acabar juntos - ideia que durante muitos anos me pareceu absurda... mas aquela velhinha sabida tinha razão.
— Então... é real? — Ele apontou para seu peito primeiro e depois virou o indicador para mim.
— Mais que tudo. — Respondi sorrindo, fazendo sorrir também.
Segundos depois, eu vi a vida imitar a arte quando ele encostou nossas testas e passou a acariciar meu nariz com o seu, sem deixar de sorrir com a boca e com os olhos.
— Posso? — Questionou enquanto passava delicadamente o dedo indicador sob meus lábios.
Se eu estava na chuva era para me molhar, então...
— Deve. — Respondi e a próxima coisa que senti foi como se aquele mundo doce e ale-gre estivesse se concretizando ao nosso redor. Seu beijo tinha gosto de caramelo - ele era viciado em balas daquele sabor - e a lembrança desse detalhe me fez sorrir entre nosso ato. Aquilo definitivamente não parecia errado assim como Brio, parecia na verdade uma das coisas mais certas que eu já havia feito em toda a minha vida.
Quando partimos nosso primeiro beijo, eu o abracei. Depois de tanto vagar por amores vazios, meu coração parecia finalmente estar em casa.
— Daqui você não sai. — Ele sussurrou na curva do meu pescoço e mais uma vez eu sor-ri.
— E quem disse que eu quero sair? — Retruquei marota e ergui meu rosto para encontrar o seu. Nossas bocas se colaram pela segunda vez e eu só desejava que o resto de nos-sas vidas passasse lentamente para que eu pudesse aproveitar cada singelo momento ao lado de meu melhor amigo e agora amante.
A verdade é que eu adorava dias como aquele, mas não quando eu havia planejado um agradavel passeio ao parque. Belo dia para o aplicativo de previsão do tempo resolver acertar uma previsão, pensei. Voltei para o sofá, me jogando exatamente do jeito que a fisioterapeuta me disse para não fazer. Dei play no terceiro episódio da primeira temporada de Good Girls, já que aquela ida ao Canadá sempre me fazia rir.
Embora meu humor tivesse melhorado um pouco graças a uma das minhas séries atuais favoritas, aquela ainda não era a forma como eu queria passar meu fim de semana. Desbloqueei a tela do celular, abri o Whatsapp e deslizei até encontrar a conversa com meu melhor amigo - o que não foi muito dificil já que nos falamos em uma frequência absurda.
[15:12]
Hey! O que você tá fazendo?
[15:13]
Falando com você, bonitinha.
Falando com você, bonitinha.
[15:13]
Além disso, lindinho. Algo importante?
[15:13]
Nada é mais importante que você.
Nada é mais importante que você.
Mesmo que a barra de status me avisasse que ele ainda estava digitando, a mensagem anterior fez meu coração dar uma pequena pontada e eu tive de esconder o aparelho embaixo da almofada por cerca de trinta segundos enquanto tentava tranquilizar meus pensamentos e minha respiração ao mesmo tempo.
Ele já havia me dito aquilo diversas vezes e não apenas por mensagens de texto, mas eu comecei a interpretar suas palavras e ações de uma maneira diferente desde que havia sonhado que éramos um casal.
— Louca, louca, louca. — Eu repetia em alto e bom tom para mim mesma. Era isso, eu só podia mesmo estar louca por achar que estava apaixonada pelo meu melhor amigo por causa da porra de um devaneio do meu inconsciente.
O problema é que, depois de despertar daquele sonho, eu comecei a refletir e tudo aquilo que eu sempre neguei simplesmente veio à tona. Se a imperfeição faz parte da nossa condição humana, eu e o éramos perfeitamente imperfeitos um para o outro. A questão era que eu me negava a participar do clichê de friends to lovers e não queria acabar como minha amiga Amber que entrou para a estatística dos clichês que deram terrivelmente errado. A minha mente realista (ou pessimista) jamais me deixaria pensar que as coisas poderiam dar certo e que viveriamos um amor eterno até o fim de nossas vidas, então eu me focava em todas as possibilidades ruins que podiam acontecer e me agarrava nela com todas as minhas forças.
Sofrer caso algo desse errado era uma possibilidade e eu também sofria por reprimir meus sentimentos, mas como sempre preferi ficar do lado seguro do que pagar para ver, optei por fingir que nada daquilo estava acontecendo. Até porque eu tinha certeza de que sentia aquilo sozinha e que os “sinais” que recebia dele eram pura ilusão do meu co-ração maluco, já que se usasse o cérebro não estaria nessa armadilha.
Suspirei alto e tomei coragem para puxar o celular de volta para mim, reabrindo a conversa.
[15:13]
Fora isso, não estou fazendo nada, na real.
Algo em mente?
Fora isso, não estou fazendo nada, na real.
Algo em mente?
Suspirei alto.
Ah, se ele soubesse todas as coisas que eu tinha em mente.
[15:18]
Preciso sair de casa, posso ir aí para fazermos nada juntos?
Além do texto, enviei também um sticker do gato de botas do Shrek.
[15:19]
Hahahahaha
Como eu poderia dizer não?
Vou finalizar umas coisas e tomar banho. Qualquer coisa, a porta vai estar só encostada, então pode entrar
Até logo, bonitinha.
Hahahahaha
Como eu poderia dizer não?
Vou finalizar umas coisas e tomar banho. Qualquer coisa, a porta vai estar só encostada, então pode entrar
Até logo, bonitinha.
[15:19]
Combinado! Até breve, lindinho.
Para o meu azar, antes de chamar meu amigo para conversar, eu havia escolhido propositalmente o episódio em que o shipp Brio se torna palpável, por mais errado que fosse. Instantaneamente, me imaginei recriando aquela cena fogosa e sensual com .
Fodida eu estava, mas não como queria.
Desliguei a TV com pressa e fui para o meu quarto trocar de roupa, tentando colocar a cabeça no lugar para que não fizesse nenhuma idiotice quando estivesse na presença dele.
— Boa tarde, Joel. — Cumprimentei o porteiro diurno do prédio em que morava.
— Fiquei feliz quando o jovenzinho interfonou avisando para liberar sua entrada. — Ele declarou sorrindo, fazendo meu sorriso aumentar.
— Ah, Joel, você é um anjo mesmo! — Apertei as bochechas dele, plantando um beijo em sua testa. — É sempre uma alegria encontrar você. — Confidenciei e ele beijou o dorso das minhas mãos.
Após trocarmos mais algumas amenidades, rumei para o elevador e apertei o botão do oitavo andar, esperando a caixa de metal me levar até lá.
Conforme combinado, a porta estava apenas encostada e eu adentrei o apartamento. Escutei o barulho de água caindo, o que significava que ele ainda estava no banho. Quando o cheiro de sabonete atingiu minhas narinas, eu suspirei baixinho.
— CHEGUEI! — Gritei para alertá-lo que eu estava no ambiente.
— FIQUE A VONTADE! — Ele rebateu também gritando e eu sorri mesmo que ele não pudesse ver.
Larguei minha mochila numa das poltronas e tomei o meu lugarzinho no sofá.
Vi um sketchbook parado sobre a mesa de centro e não pensei duas vezes antes de pegá-lo. Já havia visto alguns esboços antes e achava-o extremamente talentoso, mas ele sempre rebatia dizendo que era só porque eu mal sabia desenhar um boneco de palitinhos.
Comecei a folhear o caderno, ficando cada vez mais maravilhada com o talento daquelas mãos. Ri com o duplo sentido da frase, mas logo tratei de recompor meus pensamentos. Escutei o barulho de água cessar no cômodo próximo e me apressei para olhar os desenhos, pois queria escolher o meu favorito e apresentá-lo a quando ele aparecesse ali. No entanto, as ilustrações que surgiram nas últimas páginas fizeram minha cabeça ficar bagunçada mais uma vez. Em uma delas, havia um garoto alto olhando para baixo na direção de uma garota. Ele tinha uma das mãos no queixo dela e ela lhe lançava um olhar perdido, exatamente como eu fiz tantas vezes enquanto buscava conforto na amizade dele.
O surto veio quando eu passei a reparar nos detalhes que compunham aquela imagem: a estampa da camiseta favorita de vestia o garoto do desenho, acompanhada das mesmas notas musicais que ele tinha tatuado no antebraço; na garota, notei dois detalhes que praticamente berravam “sou eu”: a pinta de nascença no braço direito e o colar com pingete do mapa mundi posicionado no pescoço - aquele era meu acessório favorito e eu raramente o tirava, assim como a camiseta de estimação dele.
Aquilo era coincidência demais até mesmo para mim que sempre fui tão cética quanto aos “sinais” do universo. Tentei, mais uma vez, me recompor. Afinal, aquilo era apenas um de-senho que representava nossa amizade, embora meu íntimo soubesse que eu desejava que fosse algo a mais.
Na página seguinte, os mesmos personagens se faziam presentes, mas dessa vez a mocinha estava pendurada no colo do mocinho, que tinha uma das mãos apoiadas nas cos-tas dela, enquanto a outra segurava a parte de baixo de uma das coxas. As mãos dela es-tavam circundando o pescoço dele e eles encostavam os narizes em um beijo de esqui-mó.
Engoli em seco, já sentindo o estômago embrulhar, o coração pulsar mais rápido e as mãos tremerem de leve. Acho que eu só respirava porque era uma atividade automática, caso contrário...
Na última página eu realmente perdi tudo.
O casal, com os mesmos detalhes dos anteriores, se beijava.
E é óbvio que foi nessa hora em que surgiu na sala.
Arregalei os olhos em surpresa não apenas por sua aparição repentina, mas por tudo que estava acontecendo.
— ... — Ele sussurrou e eu sabia que ele já havia entendido muito bem o contexto que nos envolvia.
Havia tantas coisas que eu queria falar, mas a combinação dos cabelos molhados, a barba rala por fazer, o cheiro amadeirado de seu perfume favorito me fez ficar instantaneamente muda.
O clima amistoso que sempre nos envolveu havia desaparecido, dando lugar um clima cheio de tensão. Por isso, quando deu um passo em minha direção, eu me afundei um pouco mais no sofá, sentindo meu corpo ser engolido pelo material macio e me sentindo pequena. Eu tinha a sensação de que iria ser con-sumida por todas as minhas emoções e senti a garganta apertar, naquele pré-choro tão conhecido por mim, principalmente em situações que me deixavam nervosa. Odiava profundamente essa maneira do meu corpo reagir as coisas, me sentia fraca... mas sempre havia sido daquela maneira e após vinte e tantos anos eu já não tinha mais esperanças de que aquilo fosse mudar.
— . — O tom de voz dele ainda era baixo, porém dessa vez meu nome saiu de seus lábios de maneira mais firme.
De maneira lenta e aos sussuros, fui capaz de formar uma pergunta.
— O que... O que... é isso aqui?
— Desenhos. — Ele respondeu desviando o olhar do meu.
No meio do caos eu consegui também soltar uma risada irônica, outra resposta automática de meu sistema nervoso.
— Você sabe que não é isso que eu estou questionando, . — Eu somente utilizava seu nome completo quando a situação exigia formalidade ou era séria. Como eu não estava o apresentando a ninguém, sabia que ele tinha plena consciência de que se tratava da segunda alternativa.
Meus olhos atentos seguiram cada passo dado por ele até que o mesmo sentou-se sobre a outra extremidade do sofá e passou a me encarar. Seus olhos carregavam um brilho dife-rente e depois de um tempo ele passou a dividir o olhar não apenas com os meus olhos, mas também com toda a extensão do meu rosto. Agora que tinha admitido para mim mes-ma os meus sentimentos por , eu teria usado aquele momento para admirar cada pequeno espaço de seu rosto, mas, naquela situação, meu olhar apenas seguia o seu, tentando desvendar o que quer que fosse que ele procurava em minha face.
Ficamos em silêncio e nessa corrida de olhares pelo o que eu acredito ter durado uns dois minutos, mas que obviamente pareceram duas horas.
Por fim, ele suspirou pesadamente e começou a falar.
— Sabe todas as vezes em que eu tive que te consolar enquanto você sofria por ter tido o coração despedaçado mais uma vez?
Não entendia onde ele queria chegar, mas maneei positivamente com a cabeça.
— Te ver sofrer me doía muito. Arrisco a dizer que talvez até doía mais em mim do que em você. — Engoli em seco, esperando que ele continuasse. — Os desenhos foram a maneira que encontrei de criar um mundo para nós dois em que tudo fosse doce e alegre e não amargo e triste.
Sorri sem mostrar os dentes. Em uma das nossas conversas em que eu chorava por algum babaca, eu havia dito algo parecido a ele e agora ele estava ali, usando minhas próprias palavras para demonstrar seus sentimentos.
— E porque você nunca me disse nada? — Me senti uma completa filha da puta quando a pergunta escapou por entre meus lábios. Ele podia muito bem devolver o questionamento, já que eu também sentia e nunca havia aberto o bico.
— Sobretudo pelo medo, . O medo de você não sentir o mesmo, o medo de me rejeitar, o medo de estragar a amizade que a gente tem caso não desse certo... — Ele abaixou o olhar para suas próprias mãos e meu coração aper-tou ainda mais ao escutar aquela confissão.
— Bem que a vovó sempre disse que você era minha alma gêmea... até nos medos a gen-te combina.
voltou a me olhar, parecendo entender, pouco a pouco, o que aquelas palavras significavam.
Minha avó sempre dizia que nós ainda iriamos acabar juntos - ideia que durante muitos anos me pareceu absurda... mas aquela velhinha sabida tinha razão.
— Então... é real? — Ele apontou para seu peito primeiro e depois virou o indicador para mim.
— Mais que tudo. — Respondi sorrindo, fazendo sorrir também.
Segundos depois, eu vi a vida imitar a arte quando ele encostou nossas testas e passou a acariciar meu nariz com o seu, sem deixar de sorrir com a boca e com os olhos.
— Posso? — Questionou enquanto passava delicadamente o dedo indicador sob meus lábios.
Se eu estava na chuva era para me molhar, então...
— Deve. — Respondi e a próxima coisa que senti foi como se aquele mundo doce e ale-gre estivesse se concretizando ao nosso redor. Seu beijo tinha gosto de caramelo - ele era viciado em balas daquele sabor - e a lembrança desse detalhe me fez sorrir entre nosso ato. Aquilo definitivamente não parecia errado assim como Brio, parecia na verdade uma das coisas mais certas que eu já havia feito em toda a minha vida.
Quando partimos nosso primeiro beijo, eu o abracei. Depois de tanto vagar por amores vazios, meu coração parecia finalmente estar em casa.
— Daqui você não sai. — Ele sussurrou na curva do meu pescoço e mais uma vez eu sor-ri.
— E quem disse que eu quero sair? — Retruquei marota e ergui meu rosto para encontrar o seu. Nossas bocas se colaram pela segunda vez e eu só desejava que o resto de nos-sas vidas passasse lentamente para que eu pudesse aproveitar cada singelo momento ao lado de meu melhor amigo e agora amante.
Fim
Nota da autora: Oi, oi, oi! Espero que tenham gostado da minha primeira história friends to lovers. Sei que ficou curtinha, mas foi o que deu para fazer num curto espaço de tempo. Obrigada Mary pela ajuda com o plot e May pela ajuda com a sinopse <3
Nota da scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Nota da scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.